sexta-feira, 31 de março de 2017

Motores de 4 cilindros em motocicletas: uma opção às vezes superestimada

O mercado motociclístico brasileiro, que permanece concentrando volumes de vendas mais elevados nas faixas de pequena cilindrada e por muito tempo esteve ainda mais atrasado em comparação aos Estados Unidos, Europa e Japão, vem experimentando uma maior participação dos motores de 4 cilindros nas faixas de cilindrada superiores a 500cc. A chegada da Honda CB 600F Hornet em 2004, já decorridos 6 anos do lançamento no mercado europeu, foi um fator decisivo para a popularização dessa concepção nas médias cilindradas. No entanto, se por um lado o desempenho proporcionado pelo compartilhamento do motor com as superesportivas (ligeiramente recalibrado para valores mais modestos) as tornou objeto de desejo para uma parte significativa do público brasileiro acostumada com o desenho mais tradicional que as nakeds ainda traziam à época, por outro as curvas de potência e torque deslocadas para regimes de rotação mais elevados as tornavam menos convenientes no uso urbano em comparação às parallel-twin como a CB 500 indiretamente substituída pela Hornet.

Convém recordar que, em função do isolamento tecnológico que o Brasil vivenciava entre '76 e '90 enquanto vigorava a proibição das importações e do pouco investimento que a Honda e a Yamaha se dispunham a fazer durante a chamada "década perdida" em um mercado que passou a tratar as motos mais como um veículo utilitário de custo operacional reduzido desde os choques do petróleo e então priorizava modelos como a líder absoluta Honda CG 125, acabou por ocorrer uma percepção não apenas da cilindrada mas também da quantidade de cilindros como uma característica indicativa do prestígio que poderia ser atribuído a uma motocicleta a partir do lançamento da Honda CB 400 de 2 cilindros em '80 que foi a primeira motocicleta com mais de 1 cilindro produzida em série no país. A hegemonia da Honda, que se mantém até os dias de hoje, se vê desde então refletida nos modismos que vez por outra ganham alguma visibilidade. Naturalmente considerando os contextos das épocas e guardadas as devidas proporções, a CB 400 foi tão marcante quanto a Hornet para o que possa ser definido como um "amadurecimento" ou "evolução" do mercado motociclístico.

De fato, o custo de implantar no país durante a década de '80 o ferramental de produção para um motor de 4 cilindros como o da Honda CBX 750F (também conhecida como 7-Galo) acabaria tendo o retorno de investimento um tanto limitado pelo baixo volume de vendas no mercado interno então representado por uma meia-dúzia de gatos pingados com bala na agulha suficiente para satisfazer o desejo de ouvir o ronco de um motor de 4 cilindros e também a precariedade da infra-estrutura de transportes dificultando o escoamento da produção para exportação, ainda que a mão-de-obra lá em Manaus seja mais barata que nas fábricas instaladas no Japão. Introduzida em '86 ainda importada no regime CKD para ser montada apenas com peças japonesas, passou a ter nacionalização progressiva a partir de '87 indo até '94 quando já enfrentava a concorrência das importadas que além do maior conteúdo tecnológico ainda vinham com um custo mais competitivo. Embora estivesse longe de alcançar um público mais generalista que viria a ser alcançado 10 anos depois pela Hornet, não se pode negar que a 7-Galo teve importância para dar visibilidade aos motores de 4 cilindros no mercado motociclístico brasileiro.

Mas a que ponto um motor de 4 cilindros seria contestável? Em que pese a potência de uma Suzuki GSX 650F chegando quase ao triplo do mesmo parâmetro na LS 650 Savage/Boulevard S40, bem como o torque 23,6% mais elevado, não se pode ignorar tanto as faixas de rotação e o impacto no consumo de combustível e durabilidade quanto o custo de fabricação de motores com diferentes configurações e o quão adequados seriam à proposta de cada modelo. Naturalmente a sofisticação do layout de 4 cilindros é bem-vista numa esportiva, em contraste à proposta mais conservadora das custom que favorecem motores com uma quantidade menor de cilindros, além do volume físico também impor diferentes graus de dificuldade para a acomodação nos chassis de cada moto. Nesse sentido, mesmo tendo em vista as nítidas diferenças entre os segmentos de mercado, um motor mais simples e compacto como o da Savage que ainda prioriza respostas consistentes por toda a faixa útil ao invés de estarem concentradas nos regimes de rotação mais elevados tende a encontrar um público fiel.

Outros casos que evidenciam vantagens inerentes a motores com uma menor quantidade de cilindros são modelos de uso misto com uma maior aptidão a percursos off-road, como a Suzuki DR800S Dual Sport e a KTM Super Enduro 950R. Além da já mencionada distribuição das faixas de potência e torque em regimes de rotação mais modestos, as dimensões mais compactas e o menor peso de um motor monocilíndrico como o da Suzuki ou mesmo o bicilíndrico (nesse caso em V) da KTM são muito apreciadas nas condições de terreno severas às quais uma big-trail raiz venha a ser submetida. Ainda que uma quantidade maior de cilindros seja apontada como vantajosa para o desempenho ao manter um volume menor para cada câmara de combustão de modo a proporcionar uma maior homogeneidade na queima do combustível, principalmente numa moto de alta cilindrada, nem sempre tal presunção se confirma em condições reais de uso. Portanto, além de um custo menor desde a fabricação e a aquisição até procedimentos de manutenção mais complexos que venham a se fazer necessários, há outros pretextos válidos para justificar uma eventual rejeição aos motores de 4 cilindros não apenas nesse segmento.

Por mais que a Honda tenha de fato tornado a progressão para uma "4 canecos" uma opção até certo ponto mais condizente com a realidade de uma parcela expressiva do mercado que considera não só o aspecto utilitário numa motocicleta mas também a utilização recreacional, bem como um simbolismo a meu ver equivocado de ascensão social materializado na capacidade volumétrica e na quantidade de cilindros, nem sempre se mostra tão espetacular diante do maior equilíbrio entre desempenho e eficiência que se observa em alguns modelos de porte semelhante com menos cilindros. A própria Honda se viu compelida a trazer para o Brasil uma nova geração da icônica CB 500 em 2013, o que de certa forma acaba por evidenciar que a tentativa de substituição pela Hornet foi um grave erro estratégico. Enfim, por mais que gozem de certo prestígio, não seria errado considerar que as motos de 4 cilindros acabem sendo superestimadas mais em função das condições econômicas e sociais do nosso país que de eventuais vantagens que pudessem apresentar diante de concorrentes mais simples.

3 comentários:

Leonardo Onzi Pastori disse...

Tu podes vir com mil argumentos, que uma moto de 4 cilindros roncando alto faz qualquer um esquecer desses argumentos.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

O ronco duma 4 em linha é até bonito, mas ainda prefiro o flat-twin das BMW série R ou os parallel-twin ingleses, além daqueles motores tricilíndricos da Triumph.

Dieselboy sa Maynila disse...

Me encantaba la Hornet 250 del mercado japonés, pero no la compraria. He acostumbrado más a las todoterreno de 1 cilindro.

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