sábado, 22 de agosto de 2020

Caso para reflexão: Chevrolet Joy Plus e algumas inadequações da limitação por cilindrada em vigor no conceito de "carro popular" ainda aplicado no Brasil

Definir parâmetros que permitam uma classificação mais precisa de automóveis como "populares" é um desafio que vai além de uma limitação arbitrária da faixa de cilindrada em até 1000cc como permanece em vigor no Brasil desde o governo Collor, passando pela breve fase compreendida desde o período em que Itamar Franco assumiu a presidência com a renúncia de Fernando Collor de Mello e pela metade do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso quando foi permitido para motores refrigerados a ar um limite de cilindrada mais generoso até 1600cc como incentivo para a Volkswagen relançar o Fusca em '93 e que foi revogado em '96 tão logo o "Fusca Itamar" saiu de linha já na gestão FHC. Hoje, não é tão equivocado tomar como referência entre os "carros populares" o Chevrolet Joy Plus, basicamente um novo nome para a 2ª geração do Chevrolet Prisma baseada na 1ª geração do Chevrolet Onix, que foi também rebatizado como Chevrolet Joy após a chegada da 2ª geração do Onix desenvolvida com foco no mercado chinês onde é produzido pela joint-venture SAIC-GM inicialmente com a carroceria sedan e que no Brasil foi complementada pelo hatch desenvolvido localmente. Num contraponto ao modismo de SUV, é digna de nota a relevância mantida pelos sedans de um modo geral junto a um público mais generalista, e portanto ao falar do Chevrolet Joy para apontar algumas inadequações que passaram a ser mais fáceis de observar entre os "populares" prefiro focar no sedan.

Com a necessidade de um veículo que eventualmente seja o único num núcleo familiar, premissa básica do programa de carros "populares", naturalmente torna-se desejável um compartimento de bagagens de dimensões mais avantajadas para uso também em viagens, e esse ponto já possibilita sustentar algumas críticas ao limite arbitrário da cilindrada a 1.0L enquanto versões de exportação regional usavam motor de 1.4L ainda oferecido na Argentina. Considerando que ambos os motores de 1.0L ou 1.4L nada mais são do que versões atualizadas do bom e velho motor "Família 1" que chegou ao Brasil num momento em que a divisão local da General Motors estava mais alinhada com a Opel, a princípio não se justifica atribuir um custo de produção maior ao motor de cilindrada mais elevada que eventualmente possa não só proporcionar não apenas maior agilidade em condições de carga mais intensa e no tráfego rodoviário mas também até uma redução do consumo de combustível nessas condições. Vale lembrar que o motor 1.0 brasileiro tem pistões com diâmetro menor que os do 1.2 europeu e ainda tinha um curso menor, ao passo que o 1.2 se diferenciava do 1.4 no diâmetro dos pistões mas com o mesmo curso, o que poderia se refletir tanto no desempenho mais adequado às diferentes condições de uso que um carro "popular" a princípio deveria estar apto quanto numa maior economia de escala em função do compartilhamento de mais um componente tão importante como o virabrequim em diferentes faixas de cilindrada.

E por mais que a 1ª geração do Onix e a 2ª do Prisma tenham sido relevantes para a Chevrolet tomar a liderança do mercado brasileiro, desbancando a hegemonia que a Volkswagen mantinha graças ao Gol, é importante observar como uma plataforma com custos de desenvolvimento já totalmente amortizados e que pode até ser considerada obsoleta sob outras perspectivas se mantém relevante não só junto a um público mais conservador pelos mais diversos motivos como também permanece mais acessível a uma faixa do mercado com um orçamento mais restrito ainda que por uma margem estreita diante de opções mais modernas até dentro da linha do mesmo fabricante. A percepção de uma facilidade de manutenção normalmente atribuída a motores de projeto básico mais antigo também acaba se destacando junto a um segmento extremamente apegado a tradições, e que se não fosse por força das normas de emissões e até alguns equipamentos de segurança que exigem uma maior integração com o gerenciamento eletrônico do motor para o correto funcionamento provavelmente ainda estariam defendendo ferrenhamente o uso do carburador. A bem da verdade, se deixasse tudo por conta dos medíocres de plantão, também não é de se duvidar que alguns se conformassem com uma eventual abolição dos freios dianteiros a disco para usar tambor nas 4 rodas e ainda com acionamento por cabos (ou até varões no eixo traseiro) se fosse o caso e inviabilizando por exemplo a inclusão do sistema de freios ABS tornado obrigatório em 2014 e que também é essencial para a integração aos sistemas de controle de tração e estabilidade já usados em modelos de projeto mais recente.

Um recente aumento na procura pelo câmbio automático, que não é tão comum em modelos equipados com motor de 1.0L e aspiração natural como é o caso do Chevrolet Joy Plus mas marca presença tanto junto a motores de cilindrada mais alta quanto nos 1.0 turbo aplicados a outros como o próprio sucessor do Prisma/Joy Plus, também pode ser considerado outro aspecto que revela como uma proposição mais política do que técnica com relação ao "carro popular" atingiu algum grau de obsolescência. No caso do Onix de 1ª geração e do Prisma de 2ª geração, que dispunham desse equipamento como opcional para as versões com o motor de 1.4L agora restrito à exportação no caso da linha Joy que por sua vez dispõe do câmbio manual como único em todos os mercados onde é oferecida, parecia mais fácil justificar em função de como a diferenciação por faixas de cilindrada no Brasil faz com que o mesmo modelo tenha a percepção de um maior ou menor prestígio ainda que o projeto básico seja essencialmente idêntico. Até seria tecnicamente viável aplicar um câmbio automático junto ao motor menor, podendo eventualmente ser um câmbio continuamente variável do tipo CVT que diga-se de passagem é amplamente usado para aplicações com um torque menor e são até mais favoráveis a uma redução do consumo de combustível ao manter o motor em faixas de rotação constantes num espectro mais amplo dentre as condições de uso às quais um carro "popular" seria submetido.

É natural que o "carro popular" ainda nutra esperanças de quem busca por algo mais moderno diante de tudo o que já se especulou em torno de uma "renovação de frota" que permanece no campo da utopia, e a prevalência de itens de conforto como direção assistida e ar condicionado que já abrange também essa faixa do mercado automotivo brasileiro também faça uma parte considerável do público relativizar todo o aumento nos custos que essa medida acarreta e ainda considerem coerente a política em vigor levando em conta tão somente a cilindrada como parâmetro, mas há outras prioridades que também justificariam uma observação. No momento atual, me parece mais coerente tratarmos de automóveis familiares, que seria uma classificação justa para um sedan compacto por não ter que sacrificar tanto do espaço para os passageiros quando se faça necessário fazer o rancho do mês antes de buscar os filhos na escola ou para ir farofar na praia num feriadão em comparação ao que ocorreria num hatch com proposta equivalente. Enfim, algumas alterações na dinâmica do mercado automotivo brasileiro e nos padrões e preferências de consumo são facilmente perceptíveis ao comparar algum "popular" de gerações anteriores a modelos mais recentes como o Chevrolet Joy Plus, enquanto o condicionamento a uma única faixa de cilindrada que já se mostrava questionável desde a delimitação estabelecida por Collor passando pela provisão que garantiu viabilidade ao "Fusca Itamar" ainda soa contraditória e insustentável em outros momentos.

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