sábado, 26 de junho de 2021

Como explicar que não se veja tanta moto BMW G 310 R?

Num primeiro momento, a aposta da BMW Motorrad em trazer para o Brasil a linha G 310 criada para atender principalmente ao mercado asiático e mais especificamente à Índia parecia uma aposta bastante segura, que traria mais visibilidade para a marca junto a motociclistas menos experientes e incrementar o volume de vendas sem precisar mirar num público mais explicitamente generalista que não chegaria a gerar um lucro tão expressivo por unidade e eventualmente não seria tão propenso a comprar acessórios originais. Mas apesar da obsessão do brasileiro por um prestígio como o atribuído à BMW, é impossível negar que me surpreende não ver uma quantidade tão expressiva da BMW G 310 R em comparação aos modelos de fabricantes japoneses numa faixa de cilindrada semelhante. Longe de ser algo injustificável, a situação pode ser atribuída tanto a fatores de ordem estritamente técnica quanto questões burocráticas e até culturais.
Dentre os aspectos técnicos, é inegável que tanta sofisticação aplicada a um motor monocilíndrico nessa faixa de cilindrada destoa da percepção estritamente utilitária que essa configuração encontra aos olhos do público generalista, em contraste com motores bicilíndricos considerados mais adequados à proposta recreacional/esportiva de uma Yamaha MT-03 por exemplo. Portanto, características como refrigeração líquida acabam sendo vistas mais como um empecilho aos olhos de um "mano" que ao cogitar a compra de uma moto monocilíndrica imediatamente maior que a onipresente Honda CG acabam favorecendo a opção mais conservadora por uma Honda CB Twister ou uma Yamaha Fazer 250 que permanecem boas motos para quem não se dispõe a dar atenção a mais alguns elementos nas manutenções de rotina, e até acabe optando por um modelo mais simples e à prova de burro com a intenção de negligenciar alguns cuidados mais básicos com o motor. Naturalmente, o logotipo com a hélice estilizada em referência às origens da BMW como fabricante de motores para aviação assusta na hora de fazer os orçamentos para revisões ou substituições de peças na mesma proporção que encanta a quem busca na marca a imagem mais sofisticada em comparação à dupla japonesa que concentra os maiores volumes de venda em todo o mercado motociclístico brasileiro.
E por mais que características como o chassi em treliça e a suspensão dianteira upside-down fascinem a um público mais ávido por esportividade na mesma proporção que o motor com refrigeração líquida e o fluxo de admissão pela frente e escapamento atrás do cilindro otimizem o rendimento e até contribuam para mais eficiência energética e redução das emissões poluentes, seria precipitado atribuir somente ao conservadorismo do consumidor eventuais entraves a um maior sucesso da BMW G 310 R no Brasil. O sistema de habilitação para motocicletas não ter escalonamentos por faixas de cilindrada e/ou potência, ao contrário do observado na União Européia, Austrália e Japão, acaba induzindo motociclistas às vezes inexperientes a partirem para faixas de cilindrada mais altas caso o orçamento assim o permita. E não se pode negar que uma alta tecnologia pode parecer mais justificável ou amortizável no preço de modelos maiores, especialmente aos olhos de um público mais generalista e que vê qualquer motocicleta que não seja Honda ou Yamaha como inerentemente mais especializada mas ainda associa pura e simplesmente à cilindrada uma imagem mais prestigiosa.

domingo, 13 de junho de 2021

Algumas observações sobre o sucesso que se mantém na 2ª geração da Fiat Strada

Não é novidade que a Fiat Strada tornou-se um dos modelos mais emblemáticos tanto da Fiat no Brasil quanto da categoria das pick-ups compactas, atualmente na 2ª geração e oferecida em alguns mercados de exportação regional como RAM 700 em função do realinhamento entre marcas na antiga FCA (atual Stellantis). Um modelo de proposta "emergente" para atender à América Latina, embora tenha também algum apelo junto a consumidores de outras regiões onde um utilitário compacto e de mecânica simples seja desejável, infelizmente perdeu na geração atual a opção por ao menos um motor turbodiesel que na anterior foi essencial para assegurar uma presença na Europa e também chegou a ter uma demanda em outros mercados de exportação tão diversos quanto a Argentina e a África do Sul. Naturalmente pode-se atribuir em parte aos custos do turbo e dos sistemas de injeção mais complexos usados na atual geração de motores Diesel como problemático para alguns mercados emergentes, enquanto algumas tecnologias para controle de emissões agregam uma complexidade que já desencoraja até os europeus, e portanto o uso dos motores Fire de 1.4L e FireFly de 1.3L em configuração somente a gasolina para exportação ou flex também compatíveis com etanol no Brasil apresenta um custo/benefício razoável.
Com as configurações de cabine simples ou dupla, não mais oferecendo uma opção de cabine estendida mas com a simples rebatizada como "cabine Plus" e aparência mais próxima à de uma cabine estendida, a possibilidade de cobrir tanto necessidades e preferências de usuários estritamente profissionais quanto particulares situa a Fiat Strada numa posição bastante confortável no mercado brasileiro, e também vale destacar que a cabine dupla torna-se uma alternativa à moda dos SUVs. A simplicidade mecânica que se torna especialmente atrativa para operadores comerciais também não chega a ser um impedimento para atrair consumidores generalistas que enxergam as pick-ups de um modo geral como uma categoria mais aspiracional para transmitir ao menos a imagem de um "estilo de vida" mais ativo e aventureiro, apesar da geração atual não oferecer outra opção de câmbio que não seja manual de 5 marchas. Nem mesmo a disponibilidade de um automatizado de embreagem simples, como o Dualogic oferecido em versões da geração anterior quando especificadas com o motor E.torQ de 1.8L antes que deixasse de ser disponível na Strada, e também há de se considerar que tanto a grande procura pelo modelo até com filas de espera quanto o impacto da crise do coronavírus chinês na logística de componentes e sistemas automotivos já levam a crer que a eventual disponibilização de um câmbio automático possa demorar a chegar.
A possibilidade de atender a uma necessidade específica de alguns países terceiro-mundistas onde uma pick-up de configuração mais abrutalhada fica demasiadamente cara, além do consumo de combustível menos exagerado conciliado a uma estética vista por muitos como mais atrativa que a de um automóvel compacto mais generalista, são trunfos muito bem explorados pela Fiat com a atual geração da Strada. É relevante também como as pick-ups se firmam como uma das categorias mais estáveis nos mercados brasileiro e de exportação regional mesmo em meio da ascensão dos SUVs sobrepondo-se a modelos de configuração mais despretensiosa como hatches e sedans, mesmo que em alguns países como o Brasil a restrição ao uso de motores Diesel em função das capacidades de carga e passageiros ou tração ainda se torne um empecilho para convencer usuários com um perfil mais conservador a migrarem ou para uma pick-up ou para um SUV. Enfim, considerando tanto especificidades regionais quanto a atual dinâmica do mercado automobilístico favorecendo utilitários de um modo geral, a Fiat Strada certamente figura entre os maiores acertos recentes no mercado brasileiro.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Raridade: moto MZ nacional

Um modelo cuja história é bastante obscura, a MZ 250 RS foi produzida entre '84 e '87 no município de Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre, pela FBM (Fábrica Brasileira de Motocicletas). Baseada no projeto da MZ ETZ 250 da Alemanha Oriental, com a qual compartilhava o motor 2-tempos de 243cc com refrigeração a ar, tendo o motor importado enquanto a maior parte dos componentes era de fabricação brasileira. Tanque de combustível, rabeta, tampas laterais e a pequena carenagem de farol eram feitas em fibra de vidro, mas o tanque deteriorava muito rapidamente em função do uso de resina ortoftálica para saturar a fibra ao invés da resina vinílica que é mais adequada a um contato direto com hidrocarbonetos. O motor tinha potência e torque bastante modestos para um 2-tempos na mesma faixa de cilindrada, com 21cv a 5500 RPM e 2,8kgfm a 5200 RPM, e tem a peculiaridade de trazer o pedal de partida no lado esquerdo ao invés do lado direito como é habitual nas motos nacionais. A posição do pedal de partida acabava facilitando o uso com side-car, que permanecia habitual na época da Cortina de Ferro.

domingo, 23 de maio de 2021

Pneus diagonais: ainda teriam algum futuro?

Desde épocas remotas quando o Fusca era a principal referência do mercado automobilístico brasileiro, tanto as preferências do público consumidor quanto regulamentações acarretaram em várias mudanças, dentre as quais uma prevalência dos pneus radiais em modelos novos e também para reposição. Apesar da presença de uma quantidade considerável de exemplares de veículos antigos ainda em uso cotidiano levar a crer que uma oferta de pneus diagonais pudesse ser apreciada por adeptos da observância mais estrita das características técnicas originais, abrangendo também alguns tamanhos de pneus hoje fora do catálogo dos principais fabricantes multinacionais como o 5.60-15 diagonal que originalmente equipava o Fusca ou o equivalente radial 155/80R15 recomendado pela própria Volkswagen para substituição, já é mais comum deparar-se com a eventual necessidade de adaptar pneus com largura de seção maior ou recorrer a fabricantes nacionais como a Maggion ou a Technic que concentram esforços no mercado de reposição. Naturalmente, em meio a algumas considerações quanto à responsabilidade da China pela crise do coronavírus, também torna-se justificável uma rejeição a produtos chineses, incluindo os pneus chineses que mesmo predominando os do tipo radial sem câmara costumam ser de qualidade duvidosa.
O fato de ainda haver quase sempre a necessidade de usar câmaras de ar com pneus diagonais constitui um inconveniente para o público generalista já acostumado a dispensá-las nos radiais, embora a Technic forneça pneus diagonais sem câmara nas medidas 5.60-15 para Fusca e 7.35-14 adequada para a Kombi cujos pneus 185/80R14 usados como equipamento padrão de '92 a 2013 já não são fáceis de encontrar. De fato, um pneu sem câmara oferece a vantagem de um esvaziamento mais lento quando furado, tendo em vista que a válvula de calibragem fica mais estanque por ser presa diretamente ao aro, enquanto nos pneus com câmara o ar pode escapar pelo espaço entre o aro e a válvula integrada à câmara, e portanto é compreensível a preferência por pneus sem câmara devido à maior segurança. Naturalmente convém recordar que pneus diagonais costumam ser mais recomendados para veículos cuja velocidade máxima é ainda relativamente modesta em comparação ao que os radiais podem suportar com uma boa margem de segurança, e portanto constituem uma opção mais recomendável tanto a automóveis compactos com baixa potência quanto a utilitários comerciais que também apresentem um desempenho despretensioso, além da maior suavidade de rodagem mesmo em condições de terreno mais precárias ser conveniente ao proporcionar mais conforto ao condutor e passageiros e um menor risco de irregularidades no trecho  causarem algum dano à carga.

Pneus diagonais tendem a apresentar uma maior suavidade ao trafegar por pavimentos mais rústicos, ou mesmo não-pavimentados, devido à maior flexibilidade da carcaça do pneu mesmo com as laterais mais reforçadas, justificando um uso até em modelos originalmente equipados com pneus radiais a exemplo do Lada Niva. Ainda que os pneus diagonais costumem ser alvo de críticas pela durabilidade das bandas de rodagem frequentemente apontada como menor em comparação aos radiais, principalmente porque a pressão dos pneus deve ser observada com mais cuidado para evitar deformações, não convém esquecer que a qualidade dos compostos de borracha e dos materiais usados nas carcaças pode fazer um radial de procedência duvidosa como é o caso da imensa maioria dos pneus chineses principalmente em medidas mais usadas em modelos destinados a mercados emergentes ou que sejam considerados "defasados" em outras regiões onde pneus de outras medidas tornaram-se mais habituais em meio à renovação de frota que ocorre numa proporção maior em comparação ao Brasil. Assim, não seria tão absurdo recorrer-se a pneus 6.45-13 diagonais mesmo num modelo considerado revolucionário à época do lançamento como foi o caso do Chevrolet Corsa quando os 145/80R13 ou 165/70R13 estejam difíceis de encontrar.

domingo, 16 de maio de 2021

Clássico: Dodge Deluxe Sedan 1948

Um daqueles carrões americanos que marcaram época, o Dodge Deluxe foi oferecido entre os anos de 1946 e 1949 como parte da linha Dodge D-24 que incluía também o Dodge Custom. Carrocerias sedan com 4 portas como o exemplar das fotos e cupê com duas portas eram as únicas comuns a ambos, com o Deluxe dispondo também da configuração sedan de duas portas enquanto o Custom era oferecido com a opção pelo conversível de duas portas. No tocante à mecânica, ambos recorriam a uma versão de 230 polegadas cúbicas (3.8L) do motor Chrysler Flathead-Six, com 6 cilindros em linha e válvulas laterais, sempre com câmbio manual de 3 marchas. Como opcional, podia contar com o sistema de acoplamento viscoso "Fluid Drive" que permite arrancadas e paradas sem acionar a embreagem embora não deva ser confundido com câmbios automáticos nem semi-automáticos. Ainda que o Fluid Drive não proporcione o mesmo efeito multiplicador observado no conversor de torque dos câmbios automáticos, e permaneça necessário acionar a embreagem durante as trocas de marcha, esse artifício aliado ao torque em baixos regimes de rotação do motor Flathead-Six já atendia bem a uma preferência muito específica do público nos Estados Unidos onde muitos motoristas preferiam usar sempre que possível (como em trechos mais planos) só a marcha mais alta, antes que a massificação do câmbio automático tornasse redundante esse hábito.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Teria feito algum sentido a Fiat manter a Strada da geração anterior em linha na Argentina?

Um dos modelos de maior sucesso no mercado brasileiro, tanto entre os veículos comerciais quanto na classificação geral, a Fiat Strada teve o encerramento da produção da primeira geração somente no ano passado no Brasil. Chegou a ser produzida também na África do Sul na fábrica da Nissan em Rosslyn até 2005, sendo posteriormente importada do Brasil até 2012 e portanto não tendo recebido o facelift de 2013, mas não deixa de chamar a atenção que nunca tenha sido produzida na Argentina onde por muitos anos houve (e tem permanecido) uma consolidação da fábrica em Ferreyra (província de Córdoba) para a produção de sedans compactos. Diante da situação econômica catastrófica da Argentina, onde a pauta de exportações da indústria automotiva instalada no país tem sido vista pelo atual desgoverno argentino como uma fonte de atração de reservas em dólar, há de se considerar que mesmo um modelo tido como antigo ainda poderia atender tanto ao mercado doméstico quanto exportação regional devido à demanda pelo modelo renovado feito somente no Brasil gerar longas filas de espera que poderiam ser aliviadas se o antigo tivesse permanecido em linha como uma possibilidade de atender principalmente a operadores profissionais mais interessados em agilizar o serviço que em ostentar um "carro do ano".
O fato da Strada de geração anterior ter sido sempre baseada num mesmo projeto básico desde quando foi lançada em '98, passando pela oferta da opção com cabine estendida já em '99, já se refletia no custo de desenvolvimento ter sido amortizado com folga ao decorrer de um ciclo de produção que se estendeu por 22 anos no Brasil já poderia soar como um bom pretexto para deslocar a produção para a Argentina, bem como ser um modelo consolidado nos mercados regionais cuja adequação a condições de rodagem severas dispensa apresentações. Enquanto hoje as pick-ups de um porte maior são vistas como objeto de desejo, e tal circunstância acaba refletindo-se também junto aos modelos menores e derivados de carros compactos, não deixa de ser pertinente destacar que o menor custo inicial e até a simplicidade técnica já favorecem a Strada e concorrentes em regiões onde haja uma prioridade em conciliar usos efetivamente profissionais à necessidade de um veículo mais leve e econômico para fins particulares. Portanto, além de levar em conta alguma oportunidade junto a consumidores que estejam cogitando uma substituição de utilitários maiores cujos custos de aquisição tornaram-se um empecilho para permanecer na mesma categoria na própria Argentina hoje excessivamente dependente da pauta de exportação para os outros países membros do Mercosul para sustentar a capacidade instalada da indústria automotiva, ainda faria sentido também para atender a outros mercados latino-americanos ou até africanos, inclusive aqueles onde se usa a mão inglesa e cujo volume de vendas dificilmente justificasse desenvolver versões RHD para a geração atual ao invés de aproveitar o que já havia sido feito anteriormente para atender à África do Sul e ao Reino Unido.

Ao menos um precedente histórico pode ser apontado, envolvendo a 1ª geração do Fiorino produzida no Brasil de '80 a '88 que ganhou uma sobrevida na Argentina de '89 a '96 antes da unificação dos modelos feitos em ambos os países culminando na concentração da produção no Brasil em meio à crise argentina do ano 2000. Naturalmente, a entrada do Mercosul em vigor em '91 através da ratificação do Tratado de Assunção levaria a crer que o Fiorino mais antigo não conseguisse manter a competitividade na disputa por mercados de exportação regional, e também estava totalmente fora de cogitação um relançamento na Europa que viesse a justificar um volume de produção tão significativo, de modo que não chegou a 10% do que havia alcançado enquanto o Brasil foi o hub de exportação desse modelo. No entanto, hoje a dinâmica dos mercados regionais e até a concorrência contra o dumping chinês leva a crer que apostar num modelo teoricamente "defasado" em comparação ao análogo brasileiro dessa vez não seja um erro.

sábado, 1 de maio de 2021

5 eventuais explicações para o Fusca Itamar não ter encontrado uma procura tão significativa à época

Um daqueles casos bastante peculiares que ocorreram no mercado brasileiro, o relançamento do Fusca em '93 parecia ser uma decisão razoavelmente fundamentada sob um viés estritamente técnico, dadas as condições de rodagem severas ainda bastante comuns tanto no interior quanto nas periferias de grandes centros. Por outro lado, o público generalista já não se mantinha tão receptivo à proposta tradicional do modelo, tanto pela introdução de versões "populares" de modelos então mais contemporâneos quanto pelo fascínio pelos importados que em alguns casos estavam inseridos em faixas de preços comparáveis aos nacionais mais despretensiosos. Uma série de motivos pode explicar uma procura menor do que foi inicialmente previsto antes do fim de produção definitivo do Fusca Itamar em '96, dentre os quais cabe destacar ao menos 5:

1 - acesso aos compartimentos de bagagens: há o tradicional "chiqueirinho" entre o banco traseiro e o quadro-de-fogo separando o habitáculo e o compartimento do motor, acessível somente por dentro. Por ser mais difícil acomodar alguns volumes em comparação ao que se observa nos hatches de concepção mais moderna, e o pequeno bagageiro frontal tendo a capacidade comprometida pelo espaço ocupado pela suspensão dianteira e pelo tanque de combustível, não é de se estranhar que consumidores com um perfil mais urbano já não se convencessem pela simplicidade mecânica e muito menos pela capacidade de incursão off-road comparativamente superior às gerações subseqüentes de carros "populares";

2 - falta de atualizações técnicas mais significativas: o catalisador e a ignição eletrônica, necessários para enquadrar o modelo às normas de emissões da época, não vieram acompanhados de melhorias que teriam sido muito bem vindas em sistemas como suspensão e direção. E a bem da verdade, no tocante à economia de escala, teria feito algum sentido aproveitar a suspensão traseira por braços semi-arrastados com mola helicoidal que a Kombi já usava, enquanto na dianteira teria sido conveniente mudar para a suspensão McPherson ao invés das barras de torção que acabavam comprometendo demasiadamente a capacidade do bagageiro frontal. A direção por setor e rosca sem-fim também poderia ter dado lugar ao sistema de pinhão e cremalheira usado em veículos mais modernos, o que proporcionaria respostas mais diretas e menos ocorrência de folgas na direção;

3 - consumo de combustível: ter recorrido ao motor 1600 parecia uma decisão acertada, tanto para ter uma reserva de potência e torque mais confortável para alcançar velocidades compatíveis com o tráfego quanto por ter sido a última configuração remanescente do motor boxer refrigerado a ar enquanto serviu somente à Kombi entre '86 e '93, às custas de um consumo de combustível menos modesto comparado tanto aos motores de até 1.0L usados nos "populares" desde a "era Collor" quanto ao motor 1300 que o próprio Fusca chegou a oferecer durante boa parte do ciclo de produção anterior no país. Naturalmente, uma diminuição da cilindrada para enquadrar um motor de concepção tão antiga à faixa de 1.0L que foi definida de forma um tanto arbitrária seria algo problemático, mas um retorno do motor 1300 já tornaria possível atender com um menor impacto sobre o custo operacional a uma grande parte do público-alvo do Fusca Itamar que priorizava basicamente a concepção mais tradicional. Pode-se até classificar como um precedente o fato do Fusca mexicano ter mantido a opção por um motor 1200 para atender à pauta de exportações em países e regiões onde a tributação baseada na cilindrada o favorecia, mesmo quando o motor 1600 estava consolidado como o único disponível no mercado mexicano;

4 - aparente desinteresse da Volkswagen em oferecer o modelo: permanece até a atualidade a idéia em torno do Fusca Itamar como tendo sido mais uma deferência ao então presidente Itamar Franco que uma decisão de ordem técnica. De fato, a volta do Fusca foi relevante no âmbito político para fomentar uma consolidação do segmento de carros "populares", ainda que na linha Volkswagen o então líder de vendas Gol naturalmente recebesse mais atenção da publicidade e nos showrooms das concessionárias. Embora uma extensão dos benefícios fiscais no âmbito do carro "popular" inicialmente destinados aos veículos com motor até 1.0L e refrigeração líquida tenha se feito necessária para abranger também os até 1.6L com refrigeração a ar de modo a atender especificamente o Fusca, sendo revogada já durante a "era FHC" tão logo o modelo havia saído de linha, a própria Volkswagen ter dado início à produção de um motor 1.0 próprio da série EA-111 para substituir o CHT proveniente da Ford no âmbito da joint-venture AutoLatina rebatizado como AE (Alta Economia) quando aplicado ao Gol evidenciava o rumo que a empresa procurava tomar distanciando-se da imagem austera do Fusca;

5 - estereótipo de "carro velho": com um projeto cuja idade já se revelava praticamente impossível de dissimular, em meio a uma época na qual a cultura da preservação de veículos antigos ainda era tratada como uma excentricidade, evidentemente pesou contra o Fusca Itamar. Nem mesmo eventuais vínculos afetivos com modelos anteriores do Fusca acabavam sendo suficientes para a Volkswagen alcançar com tanta força alguns segmentos daquele público essencialmente conservador para o qual o modelo parecia predestinado, tampouco a familiaridade com a concepção mecânica que a princípio traria tranquilidade aos proprietários em meio à intensa modernização que os automóveis apresentaram durante a década de '90 trazendo a necessidade de atualização para os mecânicos e uma observância de procedimentos de manutenção mais rigorosa.



quarta-feira, 14 de abril de 2021

3 motivos pelos quais a idéia do "carro popular" justificaria ser revigorada

Tomando por referência o lançamento do Fiat Uno Mille no Brasil em '90, após alguns anos com essa opção permanecendo restrita à exportação para países onde a incidência de impostos sobre automóveis já era baseada na cilindrada, como a Itália onde era vendido como Innocenti Mille, o conceito de "carro popular" começou a ter mais atenção do público generalista. Embora a limitação da faixa de cilindrada a 1.0L para enquadrar numa alíquota de IPI mais baixa não tenha sido necessariamente a mais acertada sob um aspecto estritamente técnico, tendo em vista tanto a necessidade de um mesmo veículo cobrir as necessidades tanto do uso urbano quanto eventuais percursos rodoviários e prover força para acionar acessórios que ganharam mais espaço no mercado ao longo do tempo após a consolidação da categoria "popular", como direção hidráulica e ar condicionado que seriam sofríveis para a configuração original com 47cv e carburador de corpo simples do primeiro Uno Mille de "frente alta", tal medida burocrática iniciada durante o conturbado governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello (atualmente senador) ainda encontra reflexos em medidas que destoam da proposta de contenção de custos à medida que foi incorporado o turbo em alguns motores nessa faixa de cilindrada para servirem a modelos de pretensões menos minimalistas. Naturalmente, uma série de circunstâncias tanto estritamente técnicas quanto mais políticas e burocráticas levam à necessidade de reavaliar alguns parâmetros, mas ao menos 3 motivos ainda justificam que a idéia do carro "popular" mereça ser reavaliada e revigorada pelo presidente Jair Bolsonaro.
1 - mais seguro e confortável que uma moto: a princípio, mesmo um "popular" de gerações anteriores como o Fiat Uno Mille já oferecia maior proteção aos passageiros e bagagens em comparação às motos de pequena cilindrada contemporâneas. Modelos mais recentes incorporaram recursos como freios ABS e airbag duplo, que diga-se de passagem foram alegados como o principal motivo para o Mille ter saído de linha mesmo sendo tecnicamente viável equipá-lo com tais dispositivos apenas para cumprir normas e, considerando que no Brasil os freios ABS ainda não são obrigatórios para motos até 250cc, na prática um carro pequeno ainda pode oferecer mais segurança e conforto para usuários que não precisem ou não possam contar com a manobrabilidade mais favorável às motocicletas em meio ao trânsito pesado;

2 - competitividade em mercados de exportação regional: com o Brasil consolidado como o maior mercado automobilístico da América do Sul, servindo ainda como hub de exportação tanto para países vizinhos quanto para a África e o Oriente Médio em alguns casos mais específicos, o fato de não haver na maioria desses mercados externos o mesmo benefício fiscal para uma faixa de cilindrada tão restrita, a demanda pelos motores de 1.0L não encontra necessariamente a mesma receptividade fora do país. É de se considerar que, apesar de regiões como a Europa e o Japão ou até mesmo a África do Sul serem tão ou mais receptivas ao downsizing que o Brasil ou países vizinhos como a Argentina e a Bolívia, vale salientar que mesmo a tributação diferenciada não impede que um motor de 1.0L e 3 cilindros com turbo (e mais recentemente a injeção direta ganhando espaço) permaneça mais caro que outro de 1.6L e 4 cilindros com aspiração natural (e invariavelmente injeção sequencial nos pórticos de válvula);

3 - economia de combustível e redução de emissões: simplesmente limitar a cilindrada pode não se refletir num consumo de combustível mais modesto ou nas emissões em todas as condições de uso, tendo em vista tanto aqueles momentos em que o motor permanece ligado em marcha-lenta em meio ao trânsito quanto outros em que se faz necessário "esgoelar" em uma faixa de rotações mais altas visando alcançar o mesmo desempenho que um motor maior associado a uma relação de marcha mais longa teriam em outras situações. À medida que o sistema de desligamento automático em marcha-lenta com o veículo parado ganha espaço em outras categorias, até em meio a um trânsito urbano mais lento já não é mais tão justificável tratar o consumo nesse cenário como diretamente proporcional à cilindrada, e até pode ser implementado com relativa facilidade também na atual geração de carros "populares". Além de nem sempre ter um custo de fabricação menor que justifique no tocante à escala de produção, o atual parâmetro da cilindrada como o que defina se um carro é ou não "popular" pode contradizer também as premissas de baixo custo de operação e manutenção.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Fiat Prêmio, uma oportunidade perdida para atender aos mercados "emergentes" já nas décadas de '80 e '90

Produzido no Brasil entre '85 e '94, e na Argentina de '88 até o ano 2000, o Fiat Prêmio com certeza foi menos apreciado do que efetivamente mereceu durante o ciclo de produção e a fase em que vinha já da Argentina renomeado como Duna em '95. Robustez e economia tão apreciadas que inspiraram a grande quantidade de memes sobre o Fiat Uno também marcaram presença no sedan, que acabava por oferecer uma capacidade de bagagem mais conveniente sem aumentar de forma tão absurda o tamanho externo (indo dos 3.64m do Uno para 4,04m). Contou no mercado brasileiro com os motores de 1.3L e 1.5L da série Fiasa, bem como outros de 1.5L e 1.6L da série Sevel provenientes da Argentina, além de versões Diesel de 1.3L e 1.7L somente para mercados externos. A opção pela carroceria com 4 portas chegou ao Brasil em '87 e já abriu mais espaço para a comercialização do modelo em outros países onde carros de duas portas eram menos apreciados, seguida pela remodelação conhecida por "frente baixa" em '91, e o modelo chegou a ser exportado até para a Europa tendo em vista que o Prêmio e os outros derivados do Uno não chegaram a ser produzidos na Itália. Mas ao contrário da Argentina, onde sedans chegaram a ter uma proposta mais "popular" que hatches e justificaram a continuidade do modelo usando por lá o nome Duna desde o início da produção local, na Europa só foi disponibilizado o Prêmio também com a denominação Fiat Duna até '91 mesmo. Ao contrário do Uno Mille e da Elba também conhecida como Duna Weekend em alguns mercados de exportação, e que foram realinhados no mercado europeu com a marca Innocenti até '97 na Itália como Innocenti Mille e Innocenti Elba, o Prêmio não teve a mesma sorte, permanecendo com uma disponibilidade mais limitada à América do Sul. Vale destacar que, com os sedans tendo permanecido por muito tempo mais apreciados em mercados hoje ditos "emergentes" em comparação à Europa Ocidental, o Fiat Prêmio eventualmente pudesse ter sido aproveitado até para fortalecer a presença do fabricante em regiões como a África e o sudeste asiático, onde a concepção mais robusta do Uno brasileiro com relação ao análogo europeu certamente favorece o enfrentamento a condições de rodagem mais duras.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Fiat 509 S

Um carro pequeno porém com alguns aspectos técnicos um tanto arrojados para os padrões da década de '20 do século passado, produzido entre 1924 e 1929, o Fiat 509 tinha diversas opções de carroceria, e até chassi para encarroçamento especializado que ainda era uma prática bastante comum à época. Com um motor de 990cc e 22cv a 3400 RPM que já trazia um comando de válvulas no cabeçote sincronizado por corrente enquanto motores de válvulas laterais ainda eram comuns, chegou a servir de base também para modelos esportivos como o 509 S. No tocante ao chassi, tipo escada com eixos rígidos e suspensão por feixes de molas semi-elípticas, não diferia muito à configuração predominante nos "calhambeques" contemporâneos, bem como os freios a tambor de acionamento mecânico nas 4 rodas.

E se por um lado a configuração de comando de válvulas lembra motores mais modernos, outros pontos como a ignição por magneto, o suprimento de mistura ar/combustível por um carburador e o recurso ao efeito de termo-sifão para a recirculação no sistema de refrigeração líquida ao invés de bomba d'água eram uma solução bastante conservadora. Diâmetro e curso dos pistões de 57 e 97 mm respectivamente, caracterizando o motor como subquadrado, também eram uma característica mais usual à época, bem como o uso de um câmbio manual com apenas 3 marchas. Pode não parecer tão visceral como outros esportivos italianos à primeira vista, mas a concepção relativamente minimalista aproveitando muitos elementos de um modelo mais generalista já é algo a se destacar em contraste com a atualmente muito limitada oferta de esportivos compactos e não tão inacessíveis.

O exemplar das fotos, cujo ano de fabricação eu não me recordo, esteve exposto no 27º Encontro Sul-Brasileiro de Veículos Antigos, ocorrido entre os dias 8 e 18 de novembro de 2018 no estacionamento do shopping Bourbon Wallig, em Porto Alegre.