A bem da verdade, as características mais relevantes do Wasserboxer quando comparado aos motores de 4 e 5 cilindros em linha usados em versões sul-africanas da T3 eram não só a posição horizontal que permitia manter uma menor intrusão do compartimento do motor na área de carga mas também a permanência do comando de válvulas no bloco com sincronização direta por engrenagens. Fabricado somente entre '82 e '92, em versões de 1.9L e 2.1L e não sendo usado em nenhum outro modelo da Volkswagen, seria muito improvável que pudesse ser produzido justamente no Brasil mesmo após ser descontinuado na Europa, e solenemente ignorado na África do Sul em função da escala de produção dos motores de 5 cilindros compartilhados com a linha da Audi à época e o EA827 "AP" 1.8 para as versões mais simples e que também chegou a ser usado na Kombi brasileira quando era exportada para o México.
O uso posterior do motor EA111 em versão de 1.4L "flex" a gasolina e etanol nas últimas versões da Kombi destinadas ao mercado brasileiro, mantendo a aparência das 1.8 de especificação mexicana, é convidativo à reflexão sobre outro aspecto que poderia ser mais relevante para a grande maioria dos consumidores brasileiros a partir da década de '90. Como a carcaça do câmbio de 4 marchas que foi usado na Kombi até o fim da produção era a mesma também aplicada a modelos de motor dianteiro como o Santana, mudando apenas o lado em que era montada a coroa do diferencial para inverter o sentido de rotação de saída, e tendo em vista que modelos Volkswagen e Audi antigos de motor longitudinal contaram também com a opção pelo câmbio de 5 marchas (inclusive a já mencionada T3), ao menos teoricamente não deveria haver nenhum empecilho para ser oferecido também na Kombi e eventualmente até no Fusca, aproveitando a economia de escala com o restante da linha.
A bem da verdade, um ponto que aparenta ser até mais difícil de conciliar que o controle de emissões é o enquadramento em normas de segurança como a obrigatoriedade de airbag e freios ABS em vigor no Brasil desde 2014. Se por um lado o recurso ao chassi separado da carroceria é até mais propício a atualizações do que pudesse parecer à primeira vista, incluindo desde a substituição dos sistemas de suspensão por outros mais modernos que proporcionariam não só mais estabilidade mas até mesmo permitindo aumentar a capacidade do bagageiro dianteiro ou do tanque de combustível que poderia ser útil para compensar o maior consumo ao rodar no etanol, por outro a instalação de airbags apenas para cumprir a legislação mas sem contar com reforços estruturais seria como enxugar gelo. Mas como o brasileiro médio não tem demonstrado muita preocupação nesse sentido, o Fusca não teria maiores dificuldades para continuar atendendo a quem se dispusesse a comprar um caso tivesse permanecido em linha. Já no tocante aos freios ABS, cuja suposta incompatibilidade a plataformas muito antigas figurou como um dos pretextos para o encerramento da produção da Kombi no final de 2013, a presença do dispositivo até em motos como a Honda XRE 190 (nesse caso só na roda dianteira mesmo) leva a crer que essa alegação efetivamente não procedia. E mediante o alto grau de integração entre os sistemas eletrônicos em veículos novos, não é de se duvidar que até controles de tração e estabilidade fossem viáveis num Fusca que viesse a ser adaptado com injeção eletrônica e freios ABS...
Diga-se de passagem, hoje o tipo de veículo que até pode se aproximar mais de algumas das razões que fizeram do Fusca um sucesso são justamente motocicletas de pequena cilindrada, com destaque para a Honda CG. Recorrendo a side-cars, é até possível fazer com que as capacidades de carga e/ou passageiros se aproximem ao menos em parte dos parâmetros de um automóvel compacto, embora a viabilidade de se adaptar tração suplementar num side-car para assegurar que consiga percorrer um trecho escorregadio ou não-pavimentado e assim atender de forma mais satisfatória a moradores de áreas rurais seja questionável. Naturalmente, há de se reconhecer que as motos e side-cars deixam a desejar no tocante à proteção dos passageiros e bagagens contra as intempéries, e a segurança em caso de impactos também não é lá grande coisa...
Com a economia deixando a desejar e a infraestrutura rodoviária cada vez mais sucateada, até certo ponto o Brasil poderia ter continuado bem servido pelo Fusca até os dias atuais. Ainda que realmente seja um projeto obsoleto, e a configuração de carroceria não seja tão atraente diante de veículos mais modernos e práticos para o uso cotidiano, seria no mínimo estúpido tentar desmerecer a importância que teve como um modelo pioneiro dentre os automóveis de proposta popular. Contemplando as mais distintas realidades regionais desse país de dimensões continentais com a resiliência necessária para atender às mais duras condições de rodagem a custos de aquisição e manutenção inferiores aos de utilitários com tração 4X4, o Fusca prova que ainda teria espaço no mercado brasileiro.