Um ícone histórico e cultural que dispensa maiores apresentações, produzido de 1908 a 1927, o Ford Modelo T é creditado como o pioneiro do que viria a ser um conceito de carro popular, embora algumas condições de diferentes regiões tenham dificultado atingir o mesmo resultado observado nos Estados Unidos onde o automóvel foi efetivamente difundido junto ao grande público. E até em parte por questões econômicas, bem como pela necessidade de veículos eventualmente mais austeros que foram de grande valia na reconstrução de países afetados diretamente pelas batalhas mais sangrentas da II Guerra Mundial, houve espaço para alguns modelos de diversos fabricantes, segmentos e origens atenderem a uma ou mais premissas que o Ford Modelo T foi desenvolvido para atender de acordo com a realidade americana de quando foi lançado. Dentre tantos, convém destacar 10 desses veículos emblemáticos...
1 - Fiat Uno: embora nunca tenha chegado a ser vendido nos Estados Unidos, bem como o modelo brasileiro ter diferenças comparado ao original italiano, teve um grande sucesso comercial, e ainda permanecendo relevante em mercados "emergentes" a ponto de ter seguido em produção no Brasil até 2013 com poucas alterações. Recentemente passou a ser muito apreciado em regiões rurais do Brasil, o que invariavelmente fomenta uma comparação com o Ford Modelo T que teve desde a fase de projeto a intenção declarada de atender a fazendeiros americanos. Outro aspecto digno de nota quanto ao Fiat Uno foi a versão Mille, que era produzida no Brasil inicialmente para exportação à Itália como uma alternativa mais barata, também ter sido lançada no Brasil em '90 no âmbito do programa de incentivo ao carro popular instituído pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello e consolidado em '93 com o ex-presidente Itamar Franco que chegou a negociar com a Volkswagen um retorno do Fusca. Já na presidência de Fernando Henrique Cardoso, o encerramento de uma alteração nas normas do programa do carro popular que permitiu à Volkswagen incluir o Fusca e até a Kombi mesmo com o motor de 1.6L por ser refrigerado a ar, enquanto para motores de refrigeração líquida prevaleceu o limite de 1.0L pleiteado pela própria Fiat no governo Collor, o Mille ficou consolidado como um dos principais símbolos da época do início do programa dos carros populares;
2 - Vespa: um dos veículos mais improváveis que poderiam ser tratados como "herdeiros" do Ford Modelo T, mas que foi fundamental na recuperação da Itália no pós-guerra, com um motor tão simples quanto versátil, foi principal referência de moto pequena antes da ascensão da indústria japonesa também em países tão diversos quanto Brasil, Índia e Indonésia. A vasta oferta de equipamentos e preparações visando melhor desempenho até podem ser comparadas aos primórdios da cultura dos hot-rods, que apesar de hoje ser mais associada aos motores V8 começou ainda na época do Ford Modelo T com "só" 4 cilindros. É pertinente observar também o caso do Piaggio Ape, triciclo utilitário derivado da Vespa que até se aproxima do Ford Modelo T ao observarmos a velocidade máxima um tanto limitada em comparação a carros modernos, ou até a carros da mesma época que o Piaggio Ape surgiu durante o pós-guerra.
E em contraste ao pouco sucesso comercial no Brasil, onde por motivos políticos houve uma preferência do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira por incentivar a produção de automóveis em detrimento de motocicletas e assemelhados, fazendo com que o Piaggio Ape produzido sob licença pela Panauto no Rio de Janeiro tivesse pouca adesão, a produção na Índia tanto sob licença por empresas como a Bajaj quanto mais recentemente por uma filial da própria Piaggio é comparável à importância do Ford Modelo T para a massificação do veículo motorizado nos Estados Unidos;
3 - Citroën 2CV: apesar da suspensão muito sofisticada, visando proporcionar a maciez para transportar um cesto de ovos a 60km/h através de um campo recém arado, e pela tração dianteira, o Citroën 2CV consegue ser ainda mais minimalista que o Ford Modelo T e buscava também um público rural. Acabou fazendo sucesso também junto a um público urbano em diversos países além da França, sendo produzido entre outros também na Argentina, na Espanha, em Portugal onde só saiu de linha em '90 após um longo ciclo de produção total de 42 anos a nível mundial, e até na Inglaterra também foi fabricado.
Embora o rústico motor boxer de 2 cilindros refrigerado a ar tenha sofrido alterações ao longo do tempo, como alguns incrementos na cilindrada até chegar a 602cc e passar à puissance fiscale de 3CV com o intuito de alcançar um desempenho que conferisse mais versatilidade até em eventuais trechos rodoviários, o Citroën 2CV incorporou bem as pretensões de ser uma ferramenta de trabalho para fazendeiros europeus e até da Austrália onde a versão inglesa chegava sem imposto de importação pela preferência imperial, e também em partes da África e do Oriente Médio. Mostrar fotos de um Citroën 2CV a um senegalês é garantia de despertar sentimentos nostálgicos;
4 - Opel Corsa B: rebatizado como Chevrolet no Brasil, onde foi o primeiro popular com injeção eletrônica, ainda foi muito relevante em outras regiões da América Latina e até da Ásia e da África antes da marca Opel perder relevância na estratégia da General Motors fora da Europa. Kits CKD fabricados no Brasil abasteceram a produção na África do Sul, onde era vendido como Opel, e quando a GM buscou retomar as presenças na China e na Índia o Corsa também foi ponta de lança. E vale destacar também que no México, onde era denominado Chevrolet Chevy, conseguiu a façanha de pôr fim ao antigo reinado do Fusca/Vocho;
5 - Nissan B140: produzida de '71 a '94 no Japão, e de '76 a 2008 na África do Sul onde é mais conhecida simplesmente como Nissan Bakkie, pode parecer incoerente apontar um utilitário derivado de um carro compacto japonês como eventual "herdeiro" do Ford Modelo T. O lançamento mundial ter sido só depois da implementação da Chicken Tax nos Estados Unidos também inviabilizou a oferta naquele que era então o maior dentre os mercados automobilísticos, embora tenha feito algum sucesso em regiões como a Ásia, a Austrália e a África, tendo chegado até a países da América Latina como o Uruguai. A leveza, o tamanho compacto, a mecânica simples e o longo ciclo de produção sem alterações tão drásticas, a ponto de só ter saído de linha quando normas de emissões na África do Sul inviabilizariam continuar a produção com carburador e sem catalisador, favorecem a comparação ao Ford Modelo T;
6 - Passat B1: pode soar controverso um carro que no Brasil era "de rico", mas cabe lembrar que carro em geral na época do Ford Modelo T era coisa de rico no Brasil. A produção para os principais mercados internacionais entre '73 e '81, enquanto no Brasil foi de '74 a '88 em parte pelo sucesso da exportação para países tão variados quanto o Iraque, a Nigéria, as Filipinas e até a Indonésia ter sustentado um bom volume de produção. Era um modelo moderno para a época, e essencial para a Volkswagen ter alguma relevância diante da concorrência japonesa, enquanto visava se desvencilhar da imagem de fabricante de um só modelo relevante, no caso o Fusca. Embora nunca tenha contado no Brasil pela opção de câmbio automático, que permite uma alusão à ausência de um pedal de embreagem no Ford Modelo T pelo câmbio semi-automático de duas marchas, esse recurso ter estado em catálogo tanto na Europa quanto nos Estados Unidos e na Austrália por exemplo atendia bem a uma parte do público mais exigente. O Passat atendia bem ao uso familiar, e teve uma presença global significativa à época que até permitia comparar ao Ford Modelo T nesse mesmo âmbito, embora atendesse com mais desenvoltura a um público urbanizado que se distanciava do caráter essencialmente utilitário do Ford Modelo T e do Fusca. Com uma mecânica que além de simples e confiável ainda serviu para experiências com o etanol tanto em larga escala no Brasil quanto em caráter mais experimental em países como as Filipinas, também justifica a semelhança conceitual com o uso do álcool de milho no Ford Modelo T por fazendeiros dos Estados Unidos que o produziam por conta própria;
7 - Ford Falcon: embora nunca tenha sido tão icônico nos Estados Unidos, ofuscado por um fogo amigo dos full-size, a primeira geração do Falcon fez muito sucesso na Argentina, e deu início a uma longa evolução na Austrália. Além de um custo menor que o dos full-size ter favorecido a inserção em mercados internacionais, acabou sendo relativamente fácil de adaptar a condições de rodagem mais severas, embora fossem mais suaves em comparação às esperadas para o Ford Modelo T;
8 - Jeep Willys: vale começar lembrando que a Ford manteve a produção do Jeep CJ-5 no Brasil de '67 a '83, tendo até oferecido uma opção de motor a álcool/etanol. Outro ponto que favorece comparações ao Ford Modelo T é o sucesso do Jeep no pós-guerra junto ao público rural, tendo contado até com opções como uma tomada de força traseira para acionar diversos implementos e acessórios. A carroceria aberta remete à prevalência das carrocerias tipo "torpedo" na época dos calhambeques, e portanto o Jeep era capaz de reter um público tradicional que havia se distanciado dos carros americanos devido ao tamanho exagerado que praticamente virou regra no pós-guerra. E apesar de outros países como a Espanha e a Índia onde foi o CJ-3B que alcançou maior destaque com a produção sob licença, situação que também aconteceu no Japão onde algumas versões do Jeep CJ-3B produzidas pela Mitsubishi foram comercializadas até '97, é inegável como o Jeep Willys é um "herdeiro" do Ford Modelo T;
9 - Toyota Corolla E90: também conhecida como FX, essa geração do Corolla tem pouca presença no Brasil, mas foi a que consolidou definitivamente o Corolla a nível mundial. Ter padronizado a tração dianteira por toda a linha certamente favoreceu o conceito da manufaturabilidade, caraacterística muito destacada com relação ao sucesso do Ford Modelo T com a implementação das linhas de montagem. Algumas versões do Corolla E90 ainda terem sido disponibilizadas com tração nas 4 rodas remetem a experiências como os kits de conversão desenvolvidos por Jesse Livingood para o Ford Modelo T contar com tal recurso;
10 - Honda Cub: considerando também os inúmeros modelos derivados, bem como as pontuais alterações no motor horizontal de 1 cilindro, vale lembrar que Soichiro Honda já tomava como referência o método fordista de produção em série. O destaque para o câmbio semi-automático, que atenderia à necessidade de operadores comerciais como para fazer entregas rápidas a domicílio e também proporcionava certa facilidade a usuários inexperientes, também fomenta a comparação ao Ford Modelo T.
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
10 veículos eventualmente improváveis que de alguma maneira acabaram cumprindo alguma das funções atribuídas ao Ford Modelo T
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domingo, 22 de setembro de 2024
Motos trail de pequena cilindrada com uma concepção simples: improvável acontecer um retorno
Às vezes até uma moto mais simples é relembrada com um certo saudosismo quando fica difícil avistar um exemplar preservado mais fielmente quanto à originalidade, como é o caso da Honda XLR 125 que foi a trail básica da Honda no Brasil entre '97 e 2003, sempre com freios a tambor em ambas as rodas e que só teve a partida elétrica como opcional. Compartilhar o mesmo motor da Honda CG 125 varetada da época obviamente facilitava a manutenção, bem como o uso de tambores de acionamento mecânico até no freio dianteiro dispensando a troca periódica de fluido de freio nos sistemas de disco hidráulico como o que ao final de '99 já aparecia como opcional para a CG e que desde '93 era oferecido na Honda XR 200 da qual pode-se dizer que a XLR 125 era uma derivada mais simples. Mas deixando de lado ser hoje impossível um motor com carburador atender às normas de emissões em vigor, e também a injeção eletrônica das motos mais recentes viabilizar a tecnologia flex que proporciona maior resiliência diante de incrementos no teor de etanol cuja adição é obrigatória à gasolina no Brasil, até alguns aspectos mais estéticos tinham funcionalidade para o uso off-road.
A pequena carenagem de farol que também proporciona uma certa proteção ao painel, e ainda as tampas laterais, que podem servir como number-plates no caso de uma participação em competições de enduro por exemplo, sobrepunham a função à forma mas também agradam a um perfil mais conservador, como algumas circunstâncias durante a infância e adolescência me fizeram assimilar, e o perfil mais esguio de uma trail autêntica facilita o deslocamento por trechos mais exíguos nas trilhas. À medida que as motos trail passaram a ser apreciadas também por um público mais essencialmente urbano e estradeiro, assim como ocorreu com a maioria das bigtrail que tornaram-se inaptas ao off-road pesado, o perfil otimizado para as condições de rodagem off-road foi ficando mais escasso entre os modelos de uso misto como a Honda XLR 125, embora ainda predomine em modelos mais específicos para a prática do enduro cujo emplacamento para trafegar por vias públicas é inviabilizado no Brasil, além do mais agora diante das exigências de freios combinados ou com ABS de acordo com faixas de cilindrada, que podem dificultar algumas manobras em trechos sem pavimentação envolvendo o uso de apenas um freio nas tomadas de curvas mais fechadas.
É natural que algumas conveniências das motos modernas são dignas de apreciação, mas ignorar alguns méritos de modelos mais antigos especialmente quando otimizados para condições específicas como as trail de concepção tradicional seria no mínimo incoerente, muito embora ainda fosse possível conciliar enquadramento a legislações ambientais e de segurança sem abrir mão da aptidão off-road em modelos de pequena cilindrada. A bem da verdade, além de servir a usuários com perfil mais austero em busca da praticidade pura e simples em condições de rodagem mais duras que também são encontradas dentro de cidades e nas estradas brasileiras, um retorno à oferta de motos trail de pequena cilindrada com uma concepção mais simples poderia fomentar um fortalecimento do uso recreativo e eventualmente induzir pilotos a progredirem para modelos de maior cilindrada (e o preço refletido na margem de lucro para os fabricantes) à medida que ganhem experiência. Enfim, talvez pela estética relativamente atemporal das trail desagradar a uma parte do público que se ilude com qualquer modismo rotulado como "inovação", um desejável retorno de motos trail de pequena cilindrada e concepção mais simples fica improvável...
quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Quais podem ser os motivos para a Kombi Pick-Up ter ficado mais incomum que as versões de carroceria fechada?
É inquestionável que a Kombi figurou entre os principais veículos utilitários já vendidos no Brasil, bem como ter sido importante na própria consolidação da Volkswagen junto a um público mais diversificado. Concorrendo inicialmente contra as pick-ups full-size de origem americana, e tendo competido ainda com utilitários japoneses e coreanos durante a reabertura das importações de veículos no governo Collor, acabou tendo mais destaque nas configurações de uso misto e furgão de carga. E mesmo a Kombi Pick-Up passando a ser produzida também no Brasil em '67 até sair de linha em '99, enquanto modelos com carroceria fechada tiveram fabricação local de '57 a 2013, às vezes parece surpreendente que tenha ficado tão incomum avistar uma.
Eventualmente um maior conservadorismo do público interiorano quanto a fabricantes de origem americana favorecesse pick-ups full-size Ford e Chevrolet por exemplo, e nas capitais e outros centros regionais começava a ser muito mais apreciável a racionalidade da Kombi tanto para aplicações estritamente comerciais quanto no uso privado/familiar, e uma melhor proteção contra as intempéries sem a necessidade de acrescentar acessórios ou implementações especiais já favorecia os modelos de uso misto (Kombi propriamente dita) e furgão junto à maioria do público. Um perfil muito mais conservador que o público brasileiro ainda apresenta, dando ênfase ao valor de revenda quando chegava a hora do veículo passar ao mercado de usados, levava à preferência pelo modelo de uso misto por ao menos parecer "normal" o suficiente para o uso familiar, e a expectativa por ter sofrido condições operacionais menos severas. Logo, tanto o furgão de carga quanto a pick-up só atraíam a um público mais especializado que priorizava a funcionalidade para os serviços aos quais os veículos eram propostos, talvez a ponto de submeter mais constantemente a condições mais pesadas que comprometiam a durabilidade a longo prazo até causar um sucateamento da maioria dos exemplares.
Ao contrário das versões com a carroceria fechada que só foram ter uma concorrência direta no Brasil quando as vans coreanas da década de '90 promoveram uma renovação do segmento, a Kombi Pick-Up sofria com a competição das pick-ups Ford e Chevrolet já na década de '50 em função de uma parte do público preferir veículos que pareciam mais sofisticados ou imponentes. A reabertura das importações de veículos ter favorecido uma maior presença tanto dos SUVs quanto das pick-ups médias japonesas, que passaram a ser alçadas à condição de sonho de consumo da classe média urbana pelo simples fato de serem importadas, e tinham o benefício de ser aptas ao uso de motor Diesel por causa de entraves burocráticos brasileiros, acabou sendo outro duríssimo golpe contra a Kombi Pick-Up, até porque uma pick-up japonesa da década de '90 ainda tinha um tamanho que se mantinha conveniente em uso urbano em oposição às full-size de projeto americano ou as médias mais recentes de qualquer origem. Enfim, além da percepção de versatilidade e valor de revenda menores à época, e talvez a atual raridade reverta esse parâmetro como peça de coleção, o cenário mais competitivo contribuiu para a Kombi Pick-Up ter ficado mais incomum que os modelos fechados.
domingo, 15 de setembro de 2024
Por que seria desejável uma versão do sistema operacional KaiOS para desktop?
Considerado a "salvação" para os celulares convencionais em meio à ascensão dos smartphones, para os quais predomina o sistema operacional Android, o KaiOS é apresentado como um sistema intuitivo e de fácil aprendizado para usuários com os mais diversos perfis principalmente em países emergentes onde a expansão do mercado da telefonia móvel seria prejudicado pelo alto custo dos smartphones, e também acaba sendo frequentemente tratado no Brasil como a alternativa para aqueles idosos mais austeros que só recorrem ao celular por insistência de familiares. Vale destacar que, a exemplo do Android, o KaiOS é uma distribuição Linux, embora seja mais minimalista e portanto funcione satisfatoriamente até com um hardware mais modesto e de custo menor, o que pode ser útil também em computadores à medida que alguns usuários naquelas regiões onde a primeira experiência com a internet já costuma ser através de dispositivos móveis como celulares e tablets eventualmente passem a precisar também usar desktops ou laptops principalmente por motivos profissionais. E assim como ocorre tanto com o Android quanto com outras distribuições Linux mais voltadas aos computadores, o desenvolvimento de softwares livres para atender às mais diferentes necessidades, preferências ou até aspectos culturais daqueles usuários de celulares com o sistema operacional KaiOS dá a entender que seria meio caminho andado até para uma maior competitividade contra o quase-monopólio da Microsoft com o Windows.
À medida que a informática vai tomando proporções que ainda pareciam um cenário de ficção científica menos de 20 anos atrás, e novos usuários em regiões com condições técnicas e econômicas desafiadoras em partes da Ásia ou da África mas também na América Latina passam por exemplo a acessar a internet predominantemente através de dispositivos móveis, é de se esperar que possa acontecer uma progressão para o uso de outras interfaces e dispositivos com mais capacidade, especialmente em alguns contextos profissionais nos quais hoje a chamada "exclusão digital" passa a ser impensável. Nesse cenário, além da incorporação de um sistema operacional mais simples e eficiente até com um hardware básico poder facilitar a familiarização de novos usuários, o custo ficaria mais facilmente assimilado em contraponto ao preço majorado dos computadores quando dotados de Windows original licenciado e das principais suítes de software frequentemente usadas em ambientes profissionais, e ainda a necessidade crescente de hardware mais complexo e portanto mais caro para ser compatível com as atualizações mais recentes do Windows. Enfim, mesmo que a empresa KaiOS Technologies sediada em Hong Kong direcione mais esforços para o mercado de telefonia, tendo entre os principais investidores a TCL Technology da China continental que também faz outsourcing de celulares para diversas marcas de outras origens nacionais, é inegável haver demanda por uma versão do sistema operacional KaiOS para desktops e laptops.quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Até que ponto me surpreendeu a General Motors do Brasil nunca ter usado um motor varetado no Chevrolet Monza?
Modelo que marcou época no Brasil por ter sido um dos poucos fora do que passou a ser rotulado como "popular" a ter alcançado brevemente a liderança de mercado depois da época áurea do Fusca, embora a Fiat Strada atualmente venha alcançando um resultado semelhante, o Chevrolet Monza era parte de um daqueles primeiros projetos com o objetivo declarado de criar um "carro mundial". O alinhamento com o Opel Ascona C da Europa Ocidental e o Vauxhall Cavalier inglês na parte estética também se refletia na concepção mecânica, com os motores GM Família 2 inicialmente oferecidos em versão de 1.6L que em pouco tempo daria lugar às de 1.8L e 2.0L mais frequentemente lembradas, e as opções pelo câmbio manual que acabaria passando das 4 para 5 marchas durante o ciclo de produção iniciado em '82 que foi até '96 e um automático de 3 marchas que permaneceu inalterado, além de alguns motores Diesel para a exportação regional. Tendo em vista que a General Motors do Brasil costumava atrair um público mais conservador, que assimilou bem a transição da antiga estratégia com várias marcas mundiais para o uso da marca Chevrolet com um perfil declaradamente generalista e uma concepção mecânica abrutalhada e mais ao gosto americano, em nome da economia de escala à medida que a importação de veículos sofria algumas restrições durante a implementação da indústria automobilística no Brasil pelo governo JK, e a produção de um motor com 4 cilindros derivado diretamente do motor de 6 cilindros quando teve início a produção de automóveis Chevrolet no Brasil ainda com o Opala, às vezes podem levar a crer que uma aplicação de motores com comando de válvulas no bloco como os do Opala a um modelo tão diferente como o Monza que foi o primeiro Chevrolet brasileiro com motor transversal e tração dianteira tivesse alguma viabilidade, especialmente pela maior parte do ciclo de produção do Monza ter ocorrido durante o período que as importações de automóveis estavam proibidas com poucas exceções.
Precedentes envolvendo o motor Chevrolet 153 que contou com uma versão de 1.8L para uso no Opel K180 argentino, equivalente ao Chevette brasileiro que por sua vez contou sempre com motores OHC de 1.4L a 1.6L e uma versão hoje rara de 1.0L quando começou a ser consolidado o programa do carro popular instituído entre os governos Collor e Itamar, e na África do Sul onde versões entre 2.0L e 2.3L que complementaram a primeira de 2.5L usada em ambos os lados do Atlântico Sul, e naqueles países o custo e a escala de produção foram fatores determinantes para a produção dessas versões de cilindrada reduzida em detrimento de motores mais modernos para cumprir com requisitos de conteúdo nacional. A princípio o Brasil ter servido também como base de exportação de motores GM Família 2 até mesmo para os Estados Unidos, onde versões de 1.8L e 2.0L tanto atmosféricas quanto turbo que equiparam os Pontiac Sunbird e Oldsmobile Firenza, mesmo com o Chevrolet Cavalier que foi o equivalente direto ao Monza brasileiro tenha usado só motores com comando de válvulas no bloco como o 122 em versões de 1.8L e 2.0L com 4 cilindros em linha e o V6 de 2.8L a 3.1L e o ângulo estreito de 60° entre as bancadas de cilindros nas duas gerações mais parelhas com o Monza, tenha sido outro fator determinante para um motor então moderno ter a produção implementada no Brasil naquela época onde a austeridade reinou e até chegou a fomentar uma mediocridade técnica. E mesmo naquele âmbito do "carro mundial", tendo versões produzidas tanto na Europa quanto na América do Norte e América do Sul quanto no Japão com o Isuzu Aska e na Oceania com o Holden Camira australiano e neozelandês, além de uma montagem na África do Sul em regime CKD alinhada com a Europa, embora o motor GM Família 2 também tenha sido produzido na Austrália sob a denominação Camtech, o uso de motores específicos da Isuzu quando o Aska ainda seguia o mesmo projeto mundial também mostra que no âmbito dos motores ficou menos intensa essa estratégia de unificação entre os diferentes mercados, e portanto o Brasil acabar diferindo da Europa nesse aspecto poderia eventualmente soar menos "chocante" ou bizarro.
Apesar da GM do Brasil ter começado a produzir motores OHC com comando de válvulas no cabeçote e sincronização por correia dentada ainda em '73 para o Chevette, que em uma categoria imediatamente abaixo do Monza poderia parecer ter um motor mais "prestigioso" mesmo que tal aspecto nunca tivesse sido um empecilho em comparações com o Opala, talvez o Monza ter chegado ao Brasil com motor 1.6 também pudesse dar a impressão que o motor do Chevette então moderno para os padrões nacionais já viesse a calhar em nome da economia de escala e de um imediatismo tipicamente brasileiro, enquanto o Família 2 na prática era uma evolução do motor do Chevette a ponto de ter sido usado posteriormente o cabeçote do Família 2 em preparações do motor do Chevette para competições. E assim, guardadas as proporções, a operação brasileira da General Motors já ter a experiência necessária para a produção de um motor então moderno para as condições da época e que seria aplicado a um modelo que acabou por ter uma posição até prestigiosa diante das restrições à importação foi fundamental para o sucesso de tal empreitada, além de ter a princípio ficado mais competitivo principalmente perante os concorrentes da Volkswagen que também apostava em uma linha de motores com comando de válvulas no cabeçote, no caso o EA827 que acabou ficando mais conhecido no Brasil como AP e teve versões nas mesmas faixas de cilindrada aplicadas tanto à linha de compactos quanto em modelos médios e que também tiveram aspirações mais prestigiosas devido às condições do mercado brasileiro antes da reabertura no governo Collor. Enfim, por mais que a necessidade de manter uma disputa com a Volkswagen no tocante a uma hegemonia tecnológica entre os médios, e a bem da verdade o motor transversal acabasse destacando o Monza nesse aspecto, o modelo imediatamente acima que era o Opala ter permanecido com motor "de calhambeque" e o equivalente direto americano ter também recorrido a um motor varetado podem ser os aspectos que mais me surpreendem pelo Monza nunca ter usado um motor varetado.
sexta-feira, 6 de setembro de 2024
Corcel e Versailles: retratos mais apurados do erro da Ford do Brasil quanto à linha de motores?
Deixando um pouco de lado alguns modelos de porte mais encorpado, para os quais uma insistência da Ford em produzir inicialmente só com motor V8 Y-Block até substituí-lo pelo Windsor 302 em carros grandes e pick-ups, e com os caminhões tendo passado a dispor só de motores Diesel fornecidos por terceiros, é possível apontar o Corcel e o Versailles como exemplos da inércia da Ford para adequar a linha de motores à realidade brasileira. Com o projeto do Corcel tendo sido absorvido pela Ford já em estágio avançado em meio a uma fusão com a antiga Willys-Overland do Brasil em 1967, que também passou para a Ford os direitos sobre a marca Jeep no Brasil até ser reaberto o mercado na década de '90 e virem modelos importados quando a marca estava sob gestão da Chrysler a nível mundial, uma situação que favoreceu a letargia da Ford no tocante a motores foi ter acesso também ao motor Renault Cléon-Fonte que caiu como uma luva em modelos compactos e médios da época que ainda eram menores que uma parte considerável dos compactos de hoje. Talvez o motor Renault Cléon-Fonte pudesse ter servido bem por um período mais longo, por ter uma robustez que o torna à prova de burro, ou à prova de brasileiro porque aqui a turma dos cupins de ferro ainda consegue ser pior que em qualquer outro lugar, mas à medida que segmentos mais prestigiosos iam ficando mais concorridos a Ford pecava pela falta de motores competitivos. Ter chegado a depender da joint-venture AutoLatina com a Volkswagen, atuante entre '87 e '96 tanto no Brasil quanto na Argentina e que deu acesso à Ford no Brasil aos motores AP e até mesmo um compartilhamento de modelos que deu origem a produtos únicos da região como o Ford Versailles derivado do Santana que teve o fogo amigo de importados da própria Ford na década de '90, é uma daquelas situações que me levam a crer que a demora da Ford em trazer projetos de motores competitivos e atualizados perante a linha estrangeira foi um dos fatores mais decisivos até para o fim da fabricação brasileira na Ford em 2021.
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segunda-feira, 2 de setembro de 2024
Por que uma van como a Besta quadrada faz falta hoje no mercado brasileiro?
Modelo que acabou alçado à condição de um ícone improvável da reabertura do mercado brasileiro para os veículos importados, e em alguns momentos chegando a ser o veículo importado mais vendido do Brasil, a Besta fez tanto sucesso que até motivou a Kia a dar continuidade ao nome em outra van que foi uma sucessora direta, embora aproveitasse muito do mesmo projeto original da Mazda que havia originado a Besta. Oferecendo a comodidade da direção hidráulica, e do ar condicionado que a Volkswagen nunca teve o bom senso de disponibilizar para a Kombi nem como opcional, além da robustez e da economia do motor Diesel que já havia sido proposto com menor sucesso para a Kombi, a Besta atraía tanto segmentos do transporte remunerado de passageiros quanto famílias numerosas que se beneficiavam do interior amplo. E mesmo que parecesse grande numa época que os carros mais comuns no Brasil conseguiam ser menores que a maioria dos carros "populares" de hoje, a Besta quadrada seguir à risca o limite de tamanho aplicável ao Japão para que a linha Mazda Bongo fosse enquadrada entre os veículos compactos de acordo com a regulamentação japonesa, logo a manobrabilidade em espaços mais exíguos acabaria sendo relevante até a atualidade quando vans modernas com capacidades de carga ou passageiros parecidas são maiores.
A configuração de cabine avançada e motor central-dianteiro proporciona racionalidade e eficiência no aproveitamento de espaço, e a distância entre-eixos mais curta comparada a modelos "bicudos" com motor dianteiro é a melhor forma de reduzir o diâmetro de giro e facilitar manobras para encontrar vagas de estacionamento à medida que o trânsito dos grandes centros urbanos brasileiros tem sido cada vez mais caótico. E mesmo que pareça um projeto "obsoleto", convém destacar que a Mazda ainda manteve em produção até o ano de 2020 variações desse mesmo modelo especificamente para o mercado japonês, já equipadas com filtro de material particulado nas versões turbodiesel e freios ABS, apesar de só a Kia ter aplicado mais recentemente airbag duplo em caminhonetes derivadas do Mazda Bongo tal qual a Besta quadrada era, e a princípio talvez fosse possível oferecer o mesmo recurso tão somente para cumprir as regulamentações de segurança veicular em países que assim o exijam. E tanto modelos fabricados no Japão pela Mazda quanto na Coréia do Sul pela Kia também chegaram a ser vendidos como Ford Econovan em alguns mercados de exportação ao redor da Ásia e partes da África, bem como na Austrália e na Nova Zelândia onde permaneceu importada do Japão até 2006 como opção mais simples e de menor custo à Ford Transit, apesar que a tampa traseira de abertura vertical acabava sendo um eventual inconveniente prático ao dificultar a acomodação de carga palletizada com auxílio de empilhadeira que tornou-se uma prática habitual em furgões de carga com porta traseira bipartida de abertura horizontal.
Embora o motor Diesel aspirado de origem Mazda fosse substituído por um turbodiesel de origem Mitsubishi depois da Kia ter sido adquirida pela Hyundai, também em virtude das normas de emissões mais rigorosas, e até outras modernizações quanto a segurança e conforto ainda fossem tecnicamente viáveis, é possível que o transporte de passageiros já tivesse uma menor demanda por um modelo antigo mesmo que apresente vantagens para algumas condições operacionais. É natural a comparação com o longo ciclo de produção da Kombi no Brasil, ainda que a chegada da Besta num contexto econômico diferente a princípio parecesse mais difícil de justificar à medida que concorrentes mais atualizados chegassem como aconteceu com a Besta em relação à Kombi, e o uso no transporte de cargas a princípio parecer mais receptivo a utilitários de projeto antigo em contraste à eventual rejeição de alguns passageiros em segmentos como vans de turismo. Enfim, mais pelo tamanho compacto em proporção à capacidade de carga ou passageiros diante de utilitários modernos que uma hipotética vantagem de um projeto já amortizado no tocante ao custo, uma van como a Besta quadrada faz falta hoje no mercado brasileiro.
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