Que a Honda CG 125 é um grande sucesso, comparável a como o Fusca foi decisivo para consolidar a Volkswagen no Brasil, é inegável, e certamente foi decisivo o motor com comando de válvulas no bloco popularmente conhecido simplesmente por varetado que foi o padrão desde o lançamento nacional em 1976 até 2003 para ser iniciada gradualmente a substituição por um motor com comando de válvulas no cabeçote em 2004. Mesmo tendo seguido em uso o motor 125cc varetado até 2009 quando essa faixa de cilindrada também passou a dispor do comando de válvulas no cabeçote, e em 2004 abrir espaço para a faixa de 150cc já com comando no cabeçote e chegando a 160cc em 2016, com a 125 saindo de linha definitivamente em 2019, as antigas varetadas das 5 gerações que usaram esse motor seguem marcando presença por todo o Brasil. A facilidade de manutenção aliada à robustez fizeram do motor 125 varetado um ícone do motociclismo, figurando também entre os motores mais copiados do mundo.
Lembrando também que a Honda CG 125 de 5ª geração vem sendo a moto mais copiada na China, com inúmeras empresas atuantes em países periféricos fazendo o outsourcing junto aos chineses e aplicando as próprias marcas, como chegou a ocorrer até no Brasil a partir do momento que a Honda já se voltava contra uma imagem de "arcaico" atribuída injustamente a esse motor, é discutível até que ponto abdicar do motor varetado tenha sido uma decisão totalmente acertada. Como a nomenclatura CG acabou sendo apresentada para diferenciar da linha CB que sempre usou comando de válvulas no cabeçote e acionado por corrente, que acabou sendo menos competitiva perante outros fabricantes de motocicletas de origem japonesa por ser mais vulnerável a negligências quanto à observância dos períodos para a troca do óleo do motor, o comando de válvulas no bloco na CG varetada com a sincronização só por engrenagens foi essencial para que a Honda fosse levada a sério no mercado das motos utilitárias de pequena cilindrada antes dominado por motores 2-tempos, tanto de outras japonesas como a Suzuki e a Yamaha quanto das scooters Vespa e Lambretta de origem italiana. E se por um lado o tamanho compacto do motor da CG a princípio dificultasse aplicar algumas modernidades, como a variação de fase no comando de válvulas já aplicada por exemplo no motor Ford Godzilla V8 cujas versões de 6.8L e 7.3L mesmo varetado ainda foi capaz de substituir motores V8 de 6.2L e V10 de 6.8L com comando nos cabeçotes que chegaram a ser usados em caminhonetes full-size, por outro foi precipitado a Honda descartar uma possibilidade de recorrer a algumas melhorias que poderiam manter o motor da CG varetada competitivo e enquadrado às normas de emissões vigentes como a injeção eletrônica e o catalisador.
A presença ainda muito frequente da CG varetada em usos estritamente profissionais no Brasil denota a viabilidade de manter um motor "velho" que ainda poderia ter sido capaz de reter uma parte do público para a Honda diante do forte dumping chinês, e mais recentemente a ascensão de concorrentes indianas que se apresentam como uma opção de custo reduzido entre as motocicletas utilitárias básicas, mesmo diante da necessidade de incluir a injeção eletrônica e o catalisador como até a Kombi já usava antes de ter o motor 1600 boxer refrigerado a ar substituído pelo 1.4 de refrigeração líquida em observância às normas Euro-3. Assim como o próprio motor da CG varetada apresentou algumas evoluções por vezes subestimadas quando o objetivo é simplesmente reputar como obsoleto, como o uso de um jato de óleo sob pressão abaixo do pistão para auxiliar na refrigeração sem depender de uma mistura ar/combustível demasiadamente rica para tal finalidade, medida aplicada a partir de 2004 quando a CG varetada passou a ser disponibilizada só como modelo de entrada nas versões Fan e Cargo, é inegável que ainda poderia receber recursos hoje obrigatórios em praticamente qualquer moto nova à venda no Brasil para atender às normas de emissões Promot 4 que muito em breve darão lugar à Promot 5 como a injeção eletrônica e o catalisador. Naturalmente ainda haveria espaço no mercado brasileiro para os motores com comando no cabeçote em modelos mais voltados essencialmente ao uso particular ou recreativo, tal qual ocorre em regiões mais lenientes no tocante às regulamentações aplicáveis a motocicletas novas que permitem à Honda dar continuidade ao legado da CG varetada, sem entrar no mérito de como fabricantes chineses já chegaram a expandir a cilindrada para faixas de 150 a 200cc a partir do projeto desse mesmo motor.
Certamente a existência de um contingente de hondeiros convictos, e que justificou até a introdução da versão Fan que na época do motor varetado ainda era um modelo de entrada que se valia mais da força da marca para desafiar o dumping chinês que se amparava no baixo preço, proporcionou uma suavidade para a Honda fazer a transição rumo a uma linha completa com motores de comando no cabeçote, mas é impossível apontar pura e simplesmente o comando no bloco como "arcaico". Assim como até motores da linha tradicional da Harley-Davidson mantiveram o comando no bloco, mesmo já usando 4 válvulas por cilindro e corrente de comando nos Milwaukee Eight, deixando claro que um motor varetado nunca foi impedimento para a injeção eletrônica e o catalisador hoje essenciais no Brasil, eventualmente uma parte considerável do antigo público da Honda CG 125 permaneceria fidelizado quando optasse pela aquisição de uma motocicleta 0km sem nem considerar arriscar motores "genéricos" tanto chineses que se resumiam a cópias da CG varetada quanto já com comando no cabeçote de concorrentes tradicionais. No fim das contas, mesmo ainda conseguindo boas vendas tanto pela força da marca quanto pela ampla rede de concessionárias por esse Brasil afora, pode ter sido um erro a Honda abrir mão do motor da CG varetada.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
terça-feira, 22 de outubro de 2024
Um desagravo à Kombi com o motor refrigerado a água
Que a Kombi foi o modelo com o mais longo ciclo ininterrupto de produção brasileira já é algo público e notório, bem como ser alvo de tantas críticas quanto ao projeto antigo que recebeu algumas evoluções em doses homeopáticas, culminando ao final de 2005 quando passou a usar o motor 1.4 flex a gasolina e álcool/etanol com refrigeração líquida e 4 cilindros em linha no lugar do boxer 1.6 refrigerado a ar e com os 4 cilindros horizontais em versões só a gasolina ou só a álcool. Tendo resistido à competição com vans importadas a partir da reabertura do mercado brasileiro no começo da década de '90 ainda no governo Collor, e até entrado no programa do carro popular como contrapartida do ex-presidente Itamar Franco para viabilizar junto à Volkswagen um retorno do Fusca ao mercado brasileiro, é constantemente apontada de forma pejorativa como retrato de um atraso do Brasil no tocante aos automóveis nacionais. O que talvez muitos críticos da Kombi ignoram é o próprio público do modelo ainda ter sustentado uma demanda constante que praticamente dispensava investimentos em ações de publicidade e propaganda, tanto em função de uma concepção conservadora e essencialmente voltada ao trabalho quanto algumas condições operacionais a tornarem uma opção mais eficiente e de menor custo.
Tratar como mera gambiarra e desrespeito da Volkswagen para com o público brasileiro a permanência da Kombi no Brasil até 2013 já considerando a substituição do motor, e ignorar algumas condições bem mais complexas tanto da economia quanto de muitas vias públicas pelo interior e pelas periferias, é uma demonstração de profundo distanciamento com relação aos vários contextos especificamente brasileiros que praticamente exigiram uma continuidade do modelo. E sejamos francos, assim como as normas de emissões tiveram um peso para o motor boxer refrigerado a ar sair de cena com a chegada do motor de refrigeração líquida e cilindros em linha, foi necessário um recrudescimento das normas de segurança a partir de 2014 para que fizesse sentido a Volkswagen cogitar um encerramento da fabricação da Kombi, que ainda teria conseguido mais uma sobrevida se fosse oferecido freio ABS e talvez airbag, lembrando que a diferença entre o maior peso do motor refrigerado a água para o boxer foi o que deu causa a uma necessidade de atender também à obrigatoriedade de airbag duplo ao menos para a Kombi Standard em função da capacidade de carga nominal ter ficado abaixo de uma tonelada e acomodar só 8 passageiros além do motorista, portanto ficando de fora da isenção de obrigatoriedade do airbag que foi aplicada a veículos utilitários seguindo o mesmo princípio aplicado para permitir ou vetar o uso de motores Diesel no Brasil. Enfim, a Kombi ainda oferece uma inestimável contribuição para o progresso brasileiro, por mais que alguns insistam em ignorar tal fato em nome da busca pela "modernidade" a qualquer custo...
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segunda-feira, 14 de outubro de 2024
UAZ-452: a Kombi russa
Para quem critica a Volkswagen por ter produzido a Kombi no Brasil ininterruptamente desde 1957 até 2013, pode ser chocante constatar que a fabricante russa Ulyanovsk Avtomobilny Zavod ainda produz a linha de furgões UAZ-452 ininterruptamente desde 1965 com base em um projeto cujo primeiro modelo foi lançado já em 1958. De forma contrastante com a concepção da Kombi para servir como ferramenta na recuperação da Alemanha e da Europa Ocidental de um modo geral durante o pós-guerra atendendo a uma sugestão do importador holandês Ben Pon, que já vendia o Fusca com algum sucesso, a linha dos utilitários UAZ-452 foi criada no contexto de um recrudescimento da Guerra Fria prevendo o uso como ambulância na iminência de uma efetiva escalada que parecia inevitável para uma guerra nuclear entre a antiga URSS e os Estados Unidos. Ao contrário da Kombi, dotada de um conjunto mecânico mais leve e compacto compartilhado com o Fusca e que ainda permanecia bastante moderno para a época que foi lançada, uma concepção mais pesada que certamente ainda guarda influências de quando a Gorkovski Avtomobilny Zavod sediada na cidade de Nizhny Novgorod ainda mantinha convênios com a Ford para transferência de tecnologia que foram estabelecidos durante o período entre-guerras, e curiosamente a desestatização ocorrida ao fim da URSS colocou a UAZ e a operação russa recentemente desativada da Ford no controle da Sollers JSC.
Naturalmente, além do uso como ambulância que rendeu à versão UAZ-452A Sanitarka especificada de fábrica para tal finalidade a alcunha tabletka (pílula ou comprimido), o modelo também ficou conhecido como Bukhanka de um modo geral pelo formato semelhante a um pão de fôrma, assim como ocorria no Brasil e outros tantos países com relação à Kombi, e versões mais recentes como a UAZ-3962 Tabletka e a UAZ-2206 para uso misto mais voltada a passageiros que a cargas até recebe como nome comercial no Paraguai por exemplo UAZ Bukhanka em substituição aos códigos numéricos oficiais. Sempre com tração 4X4 part-time, muito útil em condições ambientais extremas tanto na Rússia quanto em regiões tropicais da África e Ásia além da América Latina, o modelo é bastante apreciado por aventureiros com o interesse em fazer longas viagens sem tantas preocupações com manutenção ou com os efeitos de um combustível de baixa qualidade, e mesmo estando indisponível uma versão movida a diesel o modelo é capaz de funcionar bem com gasolinas de baixa octanagem que fariam muito SUV ou pick-up moderno só chegar à oficina mecânica mais próxima guinchado... Sendo um representante daquela época que os utilitários em geral eram mais austeros e os ciclos evolutivos mais lentos e mais voltados a atender uma regulamentação como as normas de emissões e segurança que ainda cumpre em algumas regiões com o motor Euro-5 e o sistema de freios ABS alegadamente impossível de instalar na Kombi, e talvez até por isso alçado a uma condição tão icônica quanto à da Kombi, a UAZ-452 é um clássico a ser apreciado.
quinta-feira, 10 de outubro de 2024
Volkswagen Polo Mk.5 Sedan: uma oportunidade perdida para efetivamente suceder o Fusca?
Surgida mais em função das necessidades e preferências de alguns mercados periféricos, a versão sedan da 5a geração do Volkswagen Polo foi apresentada em 2010 com produção consolidada na Índia suprindo a maior parte dos mercados de exportação e na Rússia, e já chama a atenção que nesses países o Fusca é bem menos lembrado quando se fala sobre a proposta de um carro popular por causa das respectivas situações políticas no período de maior relevância do Fusca a nível mundial. E a bem da verdade, mesmo que tenha sido até bem sucedido em alguns mercados, inclusive pela América Latina onde teve uma presença até mais relevante que o Polo hatch sendo a única carroceria oferecida na 5a geração em países como a Argentina, fica inevitável uma menção à nomenclatura oficial do Fusca ser Volkswagen Sedan e uma alusão à proposta de atender às necessidades de quem procura por um carro familiar mais versátil que um hatch. Produzido até 2022 quando deu lugar ao Virtus, cuja produção está concentrada no Brasil e na Índia, alguns aspectos fomentam a impressão que o Polo Sedan de 5a geração tenha sido menos aproveitado do que podia como uma forma da Volkswagen marcar o território no segmento de carros "populares" em algumas regiões um tanto improváveis como na Europa Ocidental, e até mesmo nos Estados Unidos onde a princípio um sedan teria mais facilidade para atender às normas de segurança que o hatch.
Com 4,39m de comprimento e largura dentro daquele limite para recolher menos imposto anual no Japão para veículos com até 4,70m de comprimento e 1,70m de largura, estava competitivo em mercados onde fabricantes japoneses tem enfrentado pouca competição dos fabricantes ocidentais, com os coreanos e mais recentemente chineses constituindo a única competição mais pesada para a Toyota por exemplo, e a disponibilidade de motores tanto a gasolina com ou sem turbo quanto ao menos uma opção turbodiesel em mercados onde permanecia economicamente viável atender às normas de emissões com esse tipo de motor mesmo após o caso Dieselgate era outro atrativo do modelo. Certamente pesou a favor do motor 1.2 TSI a gasolina em partes da Ásia uma incidência menor de impostos a veículos com cilindrada até 1.5L que foi mais comum entre concorrentes diretos quando o motor tinha aspiração natural, apesar do 1.6 MSI que a Volkswagen hoje tem priorizado em regiões como o México e a África por ser mais resiliente que um motor turbo ter sido mais favorecido por um público conservador na Argentina. Naturalmente, para buscar um perfil mais próximo ao que o Fusca alcançou na respectiva época e consolidar a imagem de simplicidade mecânica e confiabilidade, o motor 1.6 MSI foi o mais próximo do objetivo apesar do distanciamento histórico e técnico com relação ao tradicional boxer refrigerado a ar do Fusca, e eventualmente ainda tivesse como atrair uma parte do público que cultua o legado histórico da Volkswagen mas rejeita a complexidade técnica da atual geração dos motores TSI até nos Estados Unidos.
Certamente a ausência em alguns mercados automotivos tradicionais como a Alemanha e os Estados Unidos, bem como na China onde foram produzidos outros modelos na mesma categoria para o mercado interno e cujo fogo amigo nos mercados de exportação contra o Polo Sedan indiano ficou mais restrito, tenha sido um empecilho para ter mais relevância a nível mundial, mesmo que seja impossível ter aquele mesmo carisma que fez do Fusca tanto um sucesso comercial quanto um ícone histórico e cultural. Mesmo tendo acertado em alguns aspectos técnicos, e oferecido uma oferta de motores bastante abrangente para as diversas necessidades e preferências, foi no mínimo um grande erro estratégico da Volkswagen ignorar o potencial que o Polo Sedan de 5a geração teria até nos Estados Unidos onde Nissan e Mitsubishi atendiam a consumidores com um perfil semelhante. No fim das contas, a Volkswagen perdeu mais uma oportunidade para tentar firmar um efetivo sucessor do Fusca.
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quarta-feira, 2 de outubro de 2024
Ford Modelo A hot-rod com escapamento vertical
Lembro do dono desse Ford Modelo A, quando ainda estava equipado com um motor Chevrolet de 2.5L e 4 cilindros de fabricação nacional, me relatar um interesse em instalar o motor Chevrolet 4300 Vortec V6 em um evento de carros antigos no ano passado. Ao ver o mesmo carro em um evento mais recente, já com o motor Vortec, talvez o que tenha me chamado mais a atenção foi o escapamento com as saídas em posição vertical, característica que costumava ser mais associada a caminhões, com um aspecto que é inegavelmente curioso por ser pouco comum de se ver em carros. E mesmo que algumas definições do que seria um hot-rod autêntico enfatizem mais os motores V8 estereotipicamente americanos, esse Ford Modelo A mantém uma estética bastante tradicional.