quinta-feira, 21 de abril de 2011

Reflexões acerca da guerra publicitária entre Nissan e Ford

Não é de hoje que a Nissan com suas peças publicitárias ousadas vem incomodando outros fabricantes, chegando até a ser acionada judicialmente. Um caso emblemático foi a série de propagandas do superesportivo GT-R em que uma porta do modelo trazia logotipos de empresas concorrentes e riscos na lataria, semelhantes aos que os detentos fazem numa cela contando os dias de prisão, indicando quantas vezes o modelo japonês teria vencido corridas contra modelos das fabricantes citadas. Uma que se incomodou foi a Porsche, a ponto de notificar a Nissan para que sua logomarca fosse removida das peças publicitárias por uso indevido de imagem.

Outros casos vem acontecendo no Brasil, com diferentes níveis de repercussão. O mais recente, e que ultrapassou as barreiras da auto-regulamentação publicitária brasilera, envolve um anúncio para o modelo Tiida. Atores vestindo jaleco branco representando engenheiros da Ford aparecem cantando um jingle em ritmo de rap e ostentando artigos de luxo, acompanhados de belas mulheres, passando a idéia de que a diferença dos preços entre o modelo nipo-mexicano e o Ford Focus, em torno de R$3.000,00 para as versões básicas, é uma desvantagem para o consumidor que opta pelo modelo argentino, e que poderia usar melhor o valor para atender outros interesses pessoais enquanto eles fazem a festa.

Um ótimo comercial, que não chegou a entrar em tantos detalhes mas ressaltou o maior espaço interno e a superioridade do conjunto mecânico do Tiida ao valorizar um aspecto que acaba sendo decisivo no país do 1.0: a cilindrada (ao citar o "preço 1.8 por um carro 1.6"). Outro atributo destacado foi o câmbio de 6 marchas, que permite até manter uma rotação menor em estrada, beneficiando o consumo de combustível...

Obviamente a diretoria da filial brasileira da Ford manifestou insatisfação...
No dia 25 de março do corrente ano, chegou a registrar queixa na Polícia Civil do Paraná, em São José dos Pinhais, cidade em que está localizada a fábrica brasileira da Nissan. Alegou que seus funcionários foram publicamente ridicularizados e que a empresa americana havia sido acusada de superfaturar o Focus. A verdade é que a Nissan não chegou a fazer acusações de crimes contra a economia popular que pudessem ter sido praticados pela Ford, tampouco ridicularizou seus funcionários. Até caberia um protesto por uso indevido de imagem da marca, mas qualquer outra alegação é exagero.

Não seria impossível, a exemplo da matriz americana, veicular uma peça publicitária bem-humorada tentando mostrar alguma vantagem, como por exemplo o design mais "esportivado e modernoso", que pode ser a preferência de alguns consumidores, num contraponto à austeridade das linhas predominantemente retas do Tiida.
No caso do vídeo americano, agora com toda essa onda de downsizing (e a atual versão do Focus destinada aos Estados Unidos ser baseada numa geração anteror) a estrela da Ford é o novo Fiesta, casualmente equipado com motor Sigma de fabricação brasileira, mas feito no México como o Tiida, conhecido por lá como Versa.

Em outra circunstância, entretanto, a Ford brasileira não exitou em exibir um vídeo "comparativo", citando algumas mídias impressas que demonstraram alguma opinião favorável ao Focus em alguns quesitos.
Porém, o comentário sobre a "namorada do motorista" acaba sendo inapropriado. Pode passar tanto a idéia de que é um carro voltado a um público desesperado para parecer "garanhão" (desde moleques de 18 anos que vêem no carro um "instrumento de paquera", passando por homens de meia-idade na "crise dos enta" até eventualmente alguns homens mal-resolvidos com a própria sexualidade), ou de que as mulheres mais bonitas sejam interesseiras e se preocupem mais com a aparência sofisticada do automóvel que com o conhecimento e valores morais cultuados por seu proprietário. Eu acredito que num país que já sofre com a estereotipificação de suas mulheres, seguidamente retratadas como prostitutas, um pouco mais de respeito seria bastante adequado...

A verdade é que a Nissan tem seus méritos tanto pelas peças publicitárias que proporcionam momentos de descontração (ou assunto para conversas de boteco) para os entusiastas dos automóveis como já não se via na propaganda nacional quanto por oferecer um motor flex que, apesar da taxa de compressão mais baixa ser considerada menos eficiente no uso de etanol, não sofre com problemas de desgaste prematuro das sedes de válvula ao usar o combustível vegetal como vinha ocorrendo com o Focus na época em que era equipado com o motor Zetec RoCam, e que a própria Ford recomendava oficialmente que de tempos em tempos se usasse gasolina para evitar problemas...

sábado, 16 de abril de 2011

Vale a pena usar óleo para motor 2 tempos em carro a álcool?

Há quem defenda tal prática, tanto para reduzir o efeito da corrosibilidade em partes metálicas do motor, como os dutos do cabeçote e, no caso dos modelos mais antigos com carburador, a agulha do mesmo. Outro ponto crítico que acaba sendo beneficiado é a sede da válvula de admissão, devido ao etanol (álcool) ser menos "oleoso" (a gasolina ainda tem uns traços de óleo apesar de ser basicamente um solvente, enquanto o etanol é mais puro). Essa prática já é relativamente conhecida desde a época do ProÁlcool, quando alguns proprietários de motocicletas de alto desempenho e carros importados começaram a recorrer a tal prática devido aos aumentos na dosagem de etanol à gasolina brasileira (atualmente entre 20 e 25% dependendo dos estoques reguladores e da safra da cana). O etanol acabou compensando a diminuição da resistência à pré-ignição (popular "octanagem") devido ao fim da adição de chumbotetraetila à gasolina (embora ainda seja usado na gasolina azul, restrita à aviação e algumas categorias do automobilismo esportivo), mas acaba não contribuindo para a lubrificação das sedes de válvula, e em alguns casos até acelerando o desgaste das mesmas, como em alguns modelos da Ford, que até recomenda aos proprietários de modelos flex o uso de um tanque só com gasolina a cada 5 tanques só com etanol. Extra-oficialmente, alguns mecânicos de concessionárias Ford no Rio Grande do Sul afirmaram ter conhecimento sobre casos de adição de óleo ao etanol feita por proprietários de modelos equipados com o motor Zetec RoCam nas versões flex, tanto 1.0 quanto 1.6, variando entre 2% e 10%. A meu ver, um limite seguro seria 5%, para evitar problemas com carbonização das velas de ignição, principalmente ao se usar óleos de base mineral, mais baratos e fáceis de ser encontrados. O ideal mesmo seria usar óleos de base vegetal, como o Castrol SuperKart, pois a mistura com o etanol fica mais homogênea. Vale destacar que é um óleo bastante apreciado por colecionadores e proprietários de veículos antigos com motores 2-tempos, desde motos até os famosos DKW-Vemag, justamente por ser mais adequado à composição da gasolina brasileira com adição de etanol.

sábado, 2 de abril de 2011

Carros esportivos: verdadeiros vilões do meio-ambiente?




Não é incomum encontrar quem repute aos carros esportivos em geral uma imagem de "poluidores", "inimigos do meio-ambiente", mas essa afirmação pode ser encarada como uma meia-verdade.
Ainda que a principal referência quando se fala de esportivos sejam os superesportivos que fazem ferver o sangue de qualquer entusiasta por automóveis, como o Audi R8, vale destacar que alguns avanços técnicos no conjunto motopropulsor e na aerodinâmica derivam de modelos dessa categoria e acabam levando a um incremento na eficiência energética de modelos mais simples. Um bom exemplo é a questão dos turbocompressores, que após serem aperfeiçoados para reduzir o efeito do turbo-lag passaram a ser encarados como a solução mais economicamente viável para reduzir consumo e emissões poluentes.

Materiais mais leves como a fibra de vidro (e atualmente a fibra de carbono) e algumas ligas metálicas, que acabam tendo um uso direcionado à redução de peso para melhorar o desempenho, trazem outro benefício ao possibilitar um gasto menor de energia para o veículo se movimentar. É importante frisar que o momento em que se sai da inércia é onde mais se gasta energia...

Aí entra novamente a questão da aerodinâmica: vencendo a resistência do ar com mais facilidade é possível explorar melhor mesmo um motor menor. Um bom exemplo é o raro Melkus RS 1000 fabricado na extinta Alemanha Oriental, compartilhando o motor derivado dos DKW com os Wartburg.
Ainda que tivesse algumas limitações técnicas, aproveitava bem o que se tinha na época e, apesar do caráter esportivo, podia se considerar o footprint do modelo menor que o dos Wartburg...

No mercado brasileiro um modelo bastante consagrado foi o Puma, que seguia uma receita semelhante usando chassi da Volkswagen, com o clássico motor refrigerado a ar, e carroceria de fibra de vidro.
Não só pelo peso reduzido como pela aerodinâmica mais apurada, acaba tendo desempenho melhor que modelos de proposta semelhante feitos pela própria Volkswagen com carroceria de aço, como o clássico Karmann-Ghia e o raro SP2.

Outros bons exemplos são os clássicos roadsters ingleses, desde o venerado Lotus Seven, até hoje idolatrado e inspiração de réplicas, algumas com motores compactos de origem motociclística e que ainda são um páreo duro contra modelos maiores e mais potentes -em alguns casos com cilindrada mais de 5 vezes superior- e consagrados como o Lamborghini Diablo, até o MG TD da década de 50, que durante os anos 80 no mercado brasileiro restrito a importações acabou sendo reproduzido usando chassis Volkswagen de motor traseiro e carrocerias de fibra de vidro, às vezes oferecidas na forma de kits para serem montados pelo proprietário.
A leveza da fibra acabou possibilitando a modelos como o MP Lafer, apesar da austeridade do conjunto mecânico disponível, um desempenho satisfatório. Na mesma época haviam ainda outros modelos mais próximos do original britânico, inclusive com motor dianteiro (em diversas opções originárias da Chevrolet, desde os pequenos motores de Chevette até o do Opala de 4 cilindros), feitas pelo piloto e preparador de carros de competição Antônio Carlos Avallone. Vale destacar que antes de falecer, em 2002, ele ainda estava envolvido com um projeto para retomar a fabricação dos roadsters, se valendo da carga tributária menor para carros 1.0 e adotando motores nessa faixa de cilindrada, novamente recorrendo a propulsores fornecidos pela GM brasileira. Acabaria sendo uma opção adequada a quem desejasse um veículo realmente com espírito esportivo mas sem abrir mão da economia - e a ecologia acabaria sendo beneficiada. Vale lembrar que hoje ocorre o fenômeno dos carros flex, viabilizando o uso do etanol, que embora não seja o combustível alternativo que me interesse mais ainda é uma opção à gasolina.


Outro caso emblemático é dos americaníssimos Chevrolet Corvette e Camaro.

Ainda que a concepção básica dos motores oferecidos seja essencialmente a mesma de 1955 quando o eminente engenheiro Zora Arkus-Duntov foi o responsável pelo projeto do lendário motor small-block V-8, com comando de válvulas -duas por cilindro- no bloco, chega a ser mais leve, compacto e gasta menos gasolina que alguns motores de cilindrada menor oferecido em concorrentes europeus e japoneses.
Para o Camaro ainda há a opção por um V-6 DOHC com 4 válvulas por cilindro e injeção direta, oferecido em modelos mais conservadores como o Omega australiano, mas o clássico V-8 ainda tem espaço...

Na prática, não é necessário sacrificar tanto a ecologia para se divertir ao volante.

domingo, 13 de março de 2011

Motores 2-tempos: uma opção que vem sendo subestimada

Ainda que eu tenha uma preferência por motores com ignição por compressão (diesel), não só o governo brasileiro limita demais a aplicação desses propulsores em veículos leves como existe uma desconfiança da parte de alguns consumidores, que os associam ainda à frota nacional de caminhões com alguns exemplares em estado deplorável de conservação e à paupérrima qualidade do diesel nacional. Entretanto, para os que se negariam a usar um motor a diesel em um veículo, uma opção interessante vem sendo ignorada apesar de ter algumas características bastante adequadas à realidade brasileira, e até mesmo a de outros países: os motores 2-tempos.


Se antes eram usados em automóveis como os DKW-Vemag, e foram populares sobretudo na indústria motociclística, hoje basicamente estão restritos a aplicações especiais como no setor náutico, aviação experimental e aplicações estacionárias/industriais que necessitem de propulsores o mais compactos possível e com uma relação peso/potência mais elevada, e a simplicidade mecânica favorecendo a confiabilidade. Peça que não existe no motor não quebra, como já diziam alguns antigos engenheiros. Ainda há a questão da quantidade menor de matérias-primas e processos produtivos empregados na fabricação desses motores, reduzindo o custo.

Um dos fatores que até hoje causa alguma desconfiança em uma significativa parcela do mercado consumidor é a questão da durabilidade de tais motores. Apesar de serem extremamente simples, necessitam de manutenção assim como um 4-tempos de potência e torque similares, e isso vai desde usar corretamente o óleo até escolher peças de reposição de boa qualidade.

Uma grande diferença entre esses ciclos termodinâmicos é que, enquanto os 2-tempos normalmente necessitam da mistura prévia do óleo à gasolina (quando não usam algum sistema de injeção direta, em que a mistura ocorre somente na câmara de combustão quando a gasolina é injetada), nos 4-tempos o óleo não deve participar da combustão. Por comodismo, não é incomum que se prefira não ter que ficar dosando o óleo a cada ida ao posto para encher o tanque (ainda que alguns modelos contem com misturador automático de óleo - curiosamente, alguns colecionadores de modelos DKW-Vemag equipados com Lubrimat preferem usar óleo para kart e fazer a mistura por conta própria). Ainda há a questão da fumaça característica produzida pela queima do óleo: com a melhoria nas tecnologias de refino já existem óleos sintéticos que reduzem consideravelmente essas emissões e ainda demandam uma quantidade menor para ter o mesmo efeito, apesar de ainda terem um custo que no fim das contas acaba sendo mais elevado. Entretanto, não é impossóvel encontrar óleos de base vegetal para esses motores, que não só reduzem a fumaça como misturam melhor na gasolina alcoolizada brasileira e são de origem renovável - enquanto isso, o barril de petróleo vai tendo uns aumentos de preço cada vez mais violentos...

Aproveitando o embalo da questão dos preços do petróleo e derivados, vale destacar o caso de uns motores 4-tempos nos quais a SAAB estava testando um sistema de compressão variável, com um sistema de elevação do cabeçote. Baseados no Ecotec 2.0L turbo atualmente em uso numa grande variedade de modelos da General Motors, esses protótipos tinham uma potência entre 260hp usando gasolina a 300hp com o etanol, usando injeção direta. Nesse caso ainda se acaba lidando alguns possíveis focos de problemas com o acionamento do comando de válvulas, sobretudo com tensores de corrente. Considerando o fato de um motor 2-tempos dispensar o sistema de válvulas isso acaba sendo uma grande vantagem na hora de adotar um sistema de compressão variável...

Ainda existe a possibilidade de se extrair de um motor 2-tempos aspirado uma potência específica igual ou superior à de um 4-tempos de cilindrada equivalente com turbo, componente que ainda tem um custo bastante elevado e acaba demandando alterações mais profundas no sistema de refrigeração do motor. Para efeitos de comparação, o motor da General Motors citado anteriormente entrega uma potência específica de 130hp/l e torque de 18kgfm/l, enquanto a empresa australiana Orbital Engines, que vem desenvolvendo sistemas avançados de injeção direta para motores 2-tempos, já vem desenvolvendo protótipos que alcançam os 200hp/l e 16kgfm/l sem recorrer ao turbocompressor - apesar do torque 12,5% superior no 4-tempos, mas considerando que os sistemas da Orbital vem sendo mais empregados na indústria motociclística (em parcerias com a austríaca KTM, as italianas Piaggio e Aprilia, e a indiana Bajaj) até não é um número tão desprezível devido às motos normalmente terem uma relação entre potência e torque diferente. Importante lembrar que, se atualmente as motos superesportivas tem atingido valores elevados de potência específica, em torno de 90% do valor alcançado pelo 2-tempos da Orbital, isso se deve mais ao aumento dos regimes de rotações que a qualquer evolução mais significativa - logo sacrificando a durabilidade dos motores e o torque.

Outro bom exemplo é o motor TSS1100GP, da australiana Two-Stroke Shop, que atinge 220hp a 9500RPM contra 188hp a 12000RPM na Kawasaki Ninja ZX-10R, ao mesmo tempo que entrega o dobro dos 12kgfm da moto japonesa, apesar da cilindrada ser apenas 10% superior - sendo assim, já passa dos 20kgfm/l - sem tantos recursos eletrônicos de gerenciamento como são disponíveis na Kawasaki, e que devido ao uso dos interessantes cabeçotes toroidais se tornaria incompatível com a injeção direta desenvolvida pela Orbital. Mas o mais interessante é o TSS1100GP pesar 25kg a menos que o 4-tempos tomado por referência. E, apesar de ser um motor motociclístico até que não teria um desempenho insatisfatório num automóvel convencional de porte médio ou mesmo num sport-utility como a Chevrolet Captiva Sport, que na versão básica tem potência de 180hp e 23,8kgfm de torque...


Vale lembrar uma interessante alternativa para fazer com que os motores 2-tempos sejam vistos com mais simpatia pelos consumidores: o brasileiro Luciano Gama vem pesquisando um sistema de lubrificação semelhante aos 4-tempos, reduzindo sensivelmente o problema da fumaça densa resultante do óleo queimado. Eu até gosto do sistema atual, visto que ainda faz parte da realidade brasileira o descarte inadequado de óleo lubrificante usado correndo-se o risco de contaminar solo e lençol freático, mas devido ao interesse de um mercado atualmente acomodado aos 4-tempos eu considero de grande valor essa iniciativa. Quem iria acabar gostando desse sistema são usuários de veículos convertidos para gás natural, pois não haveria risco de danificar sedes de válvula e trincar cabeçotes.

Enfim, ainda que não estejam recebendo a devida importância, os motores 2-tempos ainda são uma opção bastante válida...

terça-feira, 8 de março de 2011

8 de março - dia internacional da mulher (ao volante)

8 de março, dia internacional da mulher.

OK, num primeiro momento pode parecer meio non-sense num blog onde eu costumo falar sobre automóveis e combustíveis alternativos eu citar a importância desse dia. Mas que atire a primeira pedra quem nunca se revoltou com a situação das mulheres nos principais países exportadores de petróleo, onde a ignorância associada ao extremismo religioso e ao machismo faz com que acabem sofrendo mais humilhações e maus-tratos que um cachorro de rua. Ou para citar exemplos mais suaves, expressões como "carro de mulher", "soccer-mom van" ou outras relacionando determinados modelos ou tipos de automóveis a um público majoritariamente feminino.

Não só no mercado consumidor, mas atualmente as mulheres tem uma importância enorme dentro da indústria automobilística, tanto no chão de fábrica quanto envolvidas diretamente em projetos, como Anne Asensio, responsável pelos primeiros esboços do que viria a se tornar a Renault Scénic. Até no automobilismo, considerado ainda um ambiente essencialmente masculino, há destaques como Danica Patrick ou a alemã Jutta Kleinschmitt, 1ª mulher a vencer um Paris-Dakar a uns 10 anos atrás.

Um dos estereótipos associados ao dito "sexo frágil" é sobre uma certa "sensibilidade", bastante apreciada no meio artístico. E elaborar o design de um automóvel, por exemplo, pode ser considerado uma expressão artística. Ainda, com toda a expectativa que a nossa sociedade atribui às mulheres com relação ao cuidado com a família, é de grande valor a contribuição que elas vem dando ao desenvolvimento de veículos mais seguros e versáteis para levar as crianças à escola ou fazer o rancho do mês no supermercado, desde os tempos de Bertha Benz, esposa do pioneiro Karl Benz. O próprio engenheiro alemão soube reconhecer que sem o apoio da mulher, principalmente no que se referia ao marketing, não teria chegado tão longe. A estratégia que a Toyota usou durante a década de 1950 para divulgar o Land Cruiser no mercado africano foi essencialmente a mesma que Bertha Benz usou quando tomou a direção do Patent-Motorwagen para ir visitar a mãe acompanhada dos filhos num dia daquele distante ano de 1886, quando o triciclo de motor a combustão criado pelo marido ainda causava alguma desconfiança. E um veículo simples que pudesse ser conduzido por uma mulher certamente atrairia a atenção de um mercado consumidor em potencial...

Dentro das fábricas, os grandes marqueteiros reconhecem que a "palavra final" na aquisição do carro familiar vem pertencendo à matriarca já a um bom tempo. Não só pelo papel essencial à manutenção da estrutura familiar tradicional, a importância da mulher no setor automotivo não pode ser negada.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A importância da madeira no setor automotivo

Na postagem anterior, houve um comentário se referindo aos triciclos como "uma solução de emergência", comparando-os às woody-wagons americanas. Na verdade, as woodies não são exatamente uma solução de emergência ou mera gambiarra que tenha surgido na época da guerra. A grande verdade é que a madeira chegou a ser usada amplamente em alguns dos primeiros automóveis, como o modelo africano da foto acima, montado por zulus usando um motor a querosene. Não só a precária carroceria como as rodas já usavam madeira. Até mesmo alguns veículos que tiveram um grande sucesso comercial usaram madeira em alguns componentes, como o Ford Modelo T que por um longo tempo usou rodas de artilharia, e tinha o assoalho feito com tábuas que compunham as caixas nas quais alguns componentes eram enviados às fábricas.

Curiosamente, as wagons só começaram a apresentar carrocerias totalmente em aço estampado quando a Willys resolveu aproveitar a base mecânica do Jeep na All-Steel Station Wagon, a boa e velha Rural, e mesmo assim os primeiros exemplares eram pintados de forma a sugerir o uso da madeira.


Antes do advento do monobloco era bastante comum alguns automóveis serem oferecidos tanto em versões completas quanto apenas com o chassi e a porção da carroceria referente ao compartimento do motor, para que recebessem carrocerias mais adequadas às funções que iriam desempenhar, como ainda acontece regularmente com caminhões que saem de fábrica apenas com a cabine já montada no chassi e, em alguns locais, ainda é comum o uso da madeira na carroceria.
 
Por mais que alguns se mostrem refratários ao uso de tal material, é relativamente fácil trabalhar com madeira, e para alguns fins ainda é considerado mais vantajoso. Não é tão incomum encontrar idosos dizendo que caminhonete "de trabalho" DEVE ter carroceria de madeira. Alguns ainda argumentam que uma madeira bem tratada acaba tendo durabilidade até melhor que as de aço no serviço pesado, por não acontecer exposição da chapa metálica, e consequentemente a fatores que acelerem a corrosão, em função de arranhões no fundo da carroceria durante o manuseio de objetos pesados, sem necessidade de usar bed-liners, que como se não bastasse facilitar o acúmulo de umidade e poeira por baixo da carroceria (com o tempo acabam aparecendo infiltrações onde o revestimento é colado às paredes da carroceria) invariavelmente acabam reduzindo tanto a capacidade volumétrica da carroceria quanto o comprimento da área útil, e em algumas aplicações uns centímetros a mais na plataforma de carga se mostram preciosos.

Logo, é perfeitamente compreensível o uso da madeira, outrora tão popular nos Estados Unidos, principalmente ao se considerar que houve uma época em que era permitido explorar comercialmente as tão famosas sequóias gigantes, e ainda forte do lado de cá do Equador. Claro, se antes madeiras nobres como o ipê hoje protegidas por leis ambientais mais rigorosas eram a opção, hoje opções variam do pinus a madeiras nobres oriundas de áreas de manejo controlado, passando pelo eucalipto autoclavado que vem experimentando uma popularidade em aplicações que exijam resistência a variações climáticas.

Vale destacar que, embora alguns considerem obsoleto ou "brega", a madeira ainda tem seus apreciadores em detalhes de acabamento interno. Ainda não é incomum encontrar em modelos de luxo acabamentos de painel, aros de volante ou pomos de alavanca de câmbio feitos em madeira, remetendo a uma época em que não havia toda essa monotonia de resinas plásticas baratas revestindo cada centímetro quadrado do interior de um automóvel. Diga-se de passagem, mesmo quando se usa materiais plásticos ainda há alguns casos em que se tenta imitar a elegância do woodgrain. Em alguns casos existe até uma questão de identidade da marca, como acontece com a Alfa Romeo, em que os característicos volantes com aro de madeira vêm a ser parte de uma experiência única para os alfistas mais apegados à tradição, ainda que modelos mais recentes da marca venham sendo equipados com volantes com aro convencional.

No caso de uma peça como um aro de volante, o beneficiamento da madeira bruta exige uma habilidade mais específica, pois trata-se de um elemento que interfere significativamente na segurança. Apesar disso, outros fabricantes mais orientados a uma imagem de luxo que a Alfa Romeo, mais devotada à esportividade (ainda que não deixe de ser uma marca de elevado prestígio), não vão abrir mão da madeira tão cedo.

Por mais que persistam algumas idéias equivocadas com relação a esse tão versátil material, a madeira foi essencial durante os primeiros tempos do automóvel, quando não se tinha tanto conhecimento sobre os plásticos, e ainda hoje encontra espaço, seja na carroceria de um caminhão ou no cockpit de um Cadillac...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Triciclos: alguns mitos cercam a questão da segurança desses veículos


Um dos motivos que leva à crença de que os triciclos são inseguros é a facilidade com que o modelo "Cavalo de Ferro", produzido pela extinta Renha durante a década de 80, época áurea dos veículos fora-de-série, tinha para empinar. A concentração de peso sobre o eixo traseiro, já característica dos modelos Volkswagen com o qual compartilhava motor e câmbio, foi acentuada no modelo. Alguns acidentes chegaram a ocorrer, inclusive um que acabou custando uma perna ao jornalista Wagner Montes, à época jurado do Show de Calouros apresentado pelo Sílvio Santos, causando grande comoção popular na época e trazendo grandes danos à imagem de tais veículos, perdurando até os dias de hoje ainda que em menor intensidade.



Apesar do trágico acontecimento, os triciclos continuam até hoje sendo considerados opções interessantes de veículos de lazer, unindo a sensação de liberdade de uma motocicleta com mais estabilidade. Embora a motorização Volkswagen continue sendo bastante popular nesse segmento, algumas atualizações no projeto dos chassis melhoraram o equilíbrio dos veículos. Diga-se de passagem, atualmente motores mais pesados que o bom e velho boxer refrigerado a ar vem sendo mais usados, e sem um bom projeto tal concentração e a transferência de peso durante as arrancadas seriam mais intensas que no antigo Renha...
Não se pode negar que os triciclos constituem uma boa opção para transporte de cargas, e já eram usados para essa finalidade antes mesmo que a vocação como veículo de lazer fosse popularizada. Modelos como o Piaggio Ape auxiliaram na reconstrução da Europa logo após a II Guerra Mundial devido ao custo operacional reduzido e simplicidade do conjunto mecânico. Ainda hoje é bastante popular, chegando a ser usado até para venda ambulante de alimentos e bebidas como acontece no Brasil com modelos como Fiat Fiorino e Asia Towner.

Já o mercado brasileiro apenas agora volta os olhos para a utilidade desse tipo de veículo. Entretanto, a maioria dos modelos é baseada em adaptações a partir de motocicletas, e mesmo alguns que já saem de fábrica como triciclos acabam oferecendo um posto de condução tão exposto quanto numa moto. Enquanto num veículo de lazer tal característica é considerada "parte do show", num veículo de trabalho um pouco mais de conforto e segurança seriam bem-vindos. O problema é que a atual legislação de trânsito brasileira restringe a utilização de triciclos com cabine fechada em vias expressas, enquanto versões sem cabine não sofrem essa restrição. Vale destacar que apesar disso alguns modelos conseguem manter velocidades compatíveis com o tráfego rodoviário, que exige uma velocidade mínima igual à metade do limite máximo.

É possível para um triciclo atender às necessidades de um consumidor que hoje, por interesses diversos, se vê obrigado a recorrer a um carro 1.0  (o triciclo da foto apresenta um motor 4 vezes menor e pesa cerca de 1/3 do que um hatch "popular") ou a um "sucatão" usado, eventualmente em estado precário de manutenção. Ainda há quem acabe usando uma motocicleta, efetivamente mais perigosa que um triciclo por ser conduzida em equilíbrio precário desafiando as leis da física e sofrendo mais com os efeitos de ventos laterais, que ainda promovem um desgaste mais irregular dos pneus.
Fica ainda mais difícil levar os triciclos a sério com a forma caricata com que são apresentados por programas como o Top Gear, que embora não seja regularmente transmitido para o Brasil (exceto por operadoras de TV por assinatura que ofereçam transmissão da BBC) tem alguns episódios legendados em português no YouTube. No vídeo a seguir, o apresentador Jeremy Clarkson, com um senso peculiar de humor associado à elegância esperada de um lorde britânico, satiriza a estabilidade do Reliant Robin, modelo ainda bastante popular na terra do Austin Mini (apesar de custar mais que o famoso compacto, chegou a ter bastante popularidade em uma região de mineração devido à facilidade com que se deslocava após nevascas) apesar de não ser produzido a alguns anos.
Mas não há quem me convença que, apesar do cockpit não estar alinhado à roda dianteira, algum lastro foi colocado para facilitar os tombamentos, que foram todos para o mesmo lado. O mercado britânico foi bastante receptivo a triciclos após a II Guerra Mundial, e até hoje tais veículos são beneficiados com impostos menores por serem considerados motos. Haviam desde modelos como o Reliant Robin até os chamados "reverse trike", com duas rodas dianteiras e uma traseira motriz, com uma estabilidade até melhor em altas velocidades, tanto que até a consagrada fábrica de automóveis esportivos Morgan já chegou a produzir modelos nessa configuração.

Apesar de alguns mitos ainda persistirem, triciclos constituem uma opção suficientemente segura para atender a necessidades de transporte pessoal, de passageiros (tanto no uso familiar quanto como táxi ou como veículo para passeios turísticos), ou cargas leves.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Estaria a "popularização do automóvel" já consolidada no cenário brasileiro?

A alguns dias atrás eu estava num shopping e encontrei por acaso um amigo meu, que eu não via desde quando terminamos o ensino médio, e enquanto nós colocávamos o assunto em dia ele notou que o jornalista Luiz Carlos Prates, ex-comentarista de um noticiário da emissora afiliada da Rede Globo em Santa Catarina, estava circulando pelas imediações. Recentemente uma declaração feita pelo mesmo causou indignação em camadas menos abastadas da sociedade brasileira, por ter citado a "popularização do automóvel" como motivo para tantos acidentes. Criticou os "desgraçados" que "nunca leram um livro" mas adquirem um carrinho por meio de suadas prestações, e moram em "gaiolas que chamam de apartamento" (nisso ele se equivocou, pois tanto a classe média-alta ou mesmo ricos hoje optam por morar em apartamentos tendo em consideração uma sensação de segurança, acreditando estar mais protegido com os vizinhos perto o suficiente para chamar a polícia a qualquer sinal de perigo ou cercado de seguranças particulares quase como se fossem milícias de um senhor feudal, enquanto em alguns programas habitacionais na periferia se encontram uns sobradinhos até razoáveis, mas economicamente inviáveis em áreas mais valorizadas, como ocorre hoje nos novos assentamentos de moradores das antigas vilas Dique e Nazaré na zona norte de Porto Alegre), como se estes fossem os únicos culpados pelas tragédias nas estradas a cada feriadão. Sim, a falta de educação (não necessariamente erudição ou instrução escolar) provoca acidentes, mas não é só pobre que descuida da manutenção dos veículos, pratica racha ou fica parando em beira de estrada para olhar acidentes com uma curiosidade mórbida como foi dito no noticiário.


Eu até gosto do jeito que ele faz os comentários, falando com uma firmeza que não se vê tanto nesses tempos em que o gênero popularesco faz mais sucesso na mídia e a direita política brasileira está quase extinta, mas isso não significa que eu seja obrigado a concordar sempre com tudo o que ele falar e depois dizer amém...

Vale destacar a citada "popularização do automóvel": eu não posso concordar com tal colocação, tendo em vista que, por mais precários que sejam alguns modelos, o automóvel próprio ainda é visto como um luxo por uma grande parcela da população brasileira. Para muitos usuários insatisfeitos com o transporte coletivo, as motocicletas acabam sendo um paliativo mais acessível tanto por se encontrar modelos que custam menos de 20% do preço de um automóvel dito "popular" quanto pelo custo operacional algumas vezes até inferior ao que se gastaria com passagens de ônibus, apesar de não oferecer nenhuma proteção contra intempéries ou elementos presentes no ambiente urbano que possam provocar um acidente, como buracos na pavimentação ou linhas de pipa com cerol. Ainda que a indústria automobilística instalada localmente esteja vivendo um bom momento, nunca se vendeu tanta moto no mercado brasileiro, tanto em vilarejos que sofrem com a seca no sertão nordestino (chega a ser mais barato manter uma moto de baixa cilindrada que cuidar de um jegue, e como a quase totalidade das motos pequenas tem motor refrigerado a ar não gasta tanta água quanto o folclórico animal necessitaria beber para não morrer de sede) quanto em metrópoles onde a quantidade de veículos circulando (alguns realmente com a manutenção precária e ao sofrerem panes no meio da rua tornam a situação ainda mais crítica) em vias já saturadas acabam levando à busca por alternativas consideradas mais ágeis (daí sim, nunca se teve tanto acidente com "motoqueiros" inexperientes ou vitimados pelo próprio excesso de confiança trafegando nos "corredores" entre os carros).

Algo que é pouco comentado é sobre como são inadequados à realidade brasileira alguns dos carros ditos "populares", geralmente adaptações de projetos europeus (normalmente oferecidos em seus mercados de origem como opção de primeiro carro para jovens ou segundo carro da família, mas que por aqui necessitam ser "pau pra toda obra" mesmo com motores mais modestos e ainda sofrendo com a baixa qualidade da gasolina) originalmente desenvolvidos para locais com uma pavimentação próxima da perfeição simplesmente empobrecidas na oferta de equipamentos (principalmente de segurança - infelizmente um equipamento de som e alguns enfeites de gosto duvidoso são mais valorizados por grande parte dos consumidores que airbag, freios com ABS ou controles de tração/estabilidade) e às vezes até em componentes estruturais e dinâmicos, caso do Fiat Uno de 1ª geração vendido até hoje com a mesma suspensão traseira adaptada do antecessor 147, que toma tanto espaço que demanda o posicionamento do pneu sobressalente próximo ao motor e ainda apresenta tendência ao sobreesterço em curvas. A verdade é que as condições socioeconômicas locais estão mais próximas da Índia com seus carismáticos triciclos que da desenvolvida Europa. Apesar disso, projetos locais concebidos desde o início respeitando alguns aspectos especificamente brasileiros mas mantendo um nível de qualidade e segurança comparável a similares europeus como alguns dos minicarros desenvolvidos pelo saudoso João Augusto Conrado do Amaral Gurgel (em função do tamanho, seria até mais justo comparar tais modelos com o que se conhece em Portugal como "quadriciclos qualificados" com o que se oferecia no Brasil à época, ainda que o espaço interno não deixe a desejar comparado a alguns modelos mais recentes como a primeira versão do Ford Ka), acabaram sucumbindo.

Sendo assim, a falta de modelos novos realmente adequados à geografia de zonas rurais e periferias leva uma parte de seus moradores a usar veículos mais antigos, considerados mais aptos a enfrentar terrenos mais hostis e uma topografia mais irregular, e ainda há a economia no licenciamento anual por conta da isenção de IPVA. É claro que há quem aproveite o crédito facilitado para adquirir o tão sonhado carro zero-quilômetro, mas o mercado de serviços financeiros nesse segmento é dominado por instituições privadas. Mesmo assim, não são todas as famílias brasileiras que tem acesso a financiamentos para aquisição de um bem tão caro, às vezes valendo mais do que a própria residência. Portanto, apesar do mercado bastante aquecido, eu não acredito que a "popularização do automóvel" está tão consolidada no cenário brasileiro.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Triciclos: uma alternativa para aliviar o pesado trânsito urbano quase ignorada

Uma reclamação comum a moradores de várias cidades brasileiras, desde metrópoles conhecidas mundialmente como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre e Manaus, passando por cidades médias como Florianópolis, Itajaí e Pelotas, até cidades pequenas interioranas, é o trânsito excessivamente congestionado. Por mais que eu goste de carros, não posso negar que há alguns que acabam sendo desnecessários em função do tamanho exagerado e de serem subaproveitados. Isso não significa, entretanto, que eu seja a favor da proibição aos carros, que todos andassem de ônibus, metrô ou bicicleta (embora eu seja a favor de uma ampliação da malha cicloviária tanto para proteger alguns ciclistas de atropelamentos quanto pedestres de alguns "bicicleteiros" mais desatentos e manter a fúria de alguns dos que se dizem "cicloativistas" o mais longe possível dos veículos motorizados), mas é visível que em alguns casos há usuários que são "empurrados" para veículos maiores do que seria realmente necessário tanto por falta de incentivos para o uso de modelos adequados às reais necessidades (às vezes a falta de um motor a diesel por causa de uma restrição jurídica absurda e obsoleta leva um possível usuário de uma pickup compacta a um modelo médio), por pressão social (a questão do status de alguns modelos associada ao fato do consumidor brasileiro ser mais apegado tanto ao tamanho em detrimento da oferta de equipamentos quanto à cilindrada em relação à tecnologia agregada num motor, recentemente desafiada pela Peugeot oferecendo um motor 1.6 com turbo e intercooler onde normalmente se encontraria um 2.0 aspirado) ou por causa de uma sensação de superioridade no trânsito a bordo de alguns modelos (não é raro ver "madames" desfilando em sport-utilities apenas para levar os filhos à escola parando em fila dupla ou procurar vaga em estacionamento de shopping e às vezes ainda enchem a boca para dizer que apreciam enxergar o trânsito "por cima").

Não é raro ver pequenos utilitários antigos como Fiat Fiorino, Ford Pampa e VW Saveiro em péssimo estado de conservação transportando cargas. Certamente os proprietários dos veículos poderiam se beneficiar do uso de um triciclo que geralmente pesa vazio menos da metade dos modelos convencionais, ocupa menos espaço físico nas ruas e em alguns casos conserva a mesma capacidade de carga ou a diferença é mínima. E o custo de manutenção e operação mais baixos, apesar do seguro obrigatório ser mais alto para os triciclos por serem considerados motocicletas, ainda que por conta da estabilidade direcional superior a estas acabem menos sujeitos a acidentes como os que constantemente vitimam e afastam do trabalho milhares de motoboys anualmente.



Não só para transportadores autônomos tais benefícios seriam apreciados, pois empresas de diversos tamanhos acabariam aderindo a tais veículos. Cortariam gastos com manutenção dos veículos, desde pneus eventualmente armazenados de forma inadequada antes de serem reciclados a gastos com combustível, consequentemente reduzindo a emissão de gases poluentes e a proliferação do mosquito da dengue através das águas pluviais empoçadas dentro de pneus velhos. Ainda, a agilidade de um triciclo em locais com pouco espaço para manobrar, como diversas ruas estreitas de mão única, seria benéfica ao trânsito como um todo por reduzir a eventual formação de congestionamentos.


Os mesmos congestionamentos e dificuldade de encontrar espaços para estacionar e manobrar que direcionam alguns consumidores a modelos como o Smart seriam um atrativo a mais para triciclos, ao ser levada em conta a questão do transporte individual. Com o preço absurdo que se cobra no mercado brasileiro pelo carrinho francês devido aos altos impostos de importação é possível comprar uma caminhonete média com motor flex, que por conta das condições socioeconômicas acaba sendo preferida tanto por uma sensação de segurança a bordo de um veículo maior (como se isso significasse que as áreas de absorção de impacto fossem melhor projetadas em função do tamanho) quanto pela maioria dos consumidores priorizar um único veículo que pudesse atender a diversas necessidades ao invés de adquirir modelos específicos a cada necessidade, fazendo com que tais veículos compactos sejam considerados "excentricidades" ou simples "brinquedinhos de filha de dono de Mercedes" como dizia o engenheiro Dr. João Augusto do Amaral Gurgel. Desde triciclos brasileiros para transporte de cargas leves improvisados a partir de motocicletas modificadas artesanalmente até modelos como o Piaggio Ape e diversos similares de fabricação indiana (e mais recentemente chinesa), não é difícil encontrar modelos com comprimento menor que os 2,69m e largura inferior a 1,56m do Smart com uma melhor otimização do espaço.




Apesar do breve momento em que os triciclos tiveram alguma visibilidade junto ao público brasileiro por causa de uma obra de teledramaturgia ambientada na Índia que fez grande sucesso e lançou alguns bordões bizarros e fez o povão correr atrás do dicionário para ver o que significava "auspicioso", o uso de triciclos no transporte de passageiros continua sendo considerado uma mera curiosidade, ou excentricidade indiana. Entretanto, não seria tão ilógico considerar as aplicações práticas de triciclos localmente para transporte de passageiros, tanto no uso particular (há quem tenha medo de motos mas considere um típico carro compacto com motor 1.0 desnecessário e ocasionalmente até grande demais, principalmente considerando as diminutas vagas nas garagens de edifícios residenciais e comerciais) quanto para táxi, considerando a agilidade e o baixo custo operacional, especialmente em algumas localidades onde não há rede de abastecimento de gás natural, incluindo cidades com mais de 300.000 habitantes. Alguns condutores com medo da violência urbana ainda apreciariam o fato da maioria dos triciclos ter o cockpit montado em uma posição que não possibilitaria a presença de passageiros tão próximos, até facilitando a instalação de um anteparo de proteção como os que se usa nos táxis londrinos, novaiorquinos ou mesmo em Montevideo. Vale destacar que até em países hoje bastante desenvolvidos como Itália e Japão chegaram a ser usados como táxi, pois economia era palavra de ordem para reconstruir a destruição por causa da II Guerra Mundial, e em alguns locais turísticos italianos ainda são usados com intensidade.



Uma aplicação que alguns considerariam totalmente inviável seria o uso de triciclos como ambulância. Sinceramente, eu mesmo me impressionei com a criatividade que levou alguns desses veículos a servirem para tal função na Índia. Por lá até pode não ser tão inadequado devido às condições das ruas, eventualmente piores que as brasileiras, inviabilizarem altas velocidades, mas o desempenho limitado da maioria dos triciclos utilitários que na quase totalidade mal chegam a 60km/h (as "piores" ambulâncias brasileiras que eu já vi alcançavam no mínimo 80km/h) dificultaria a inserção dos mesmos nesse segmento de mercado. Vale destacar, entretanto, que alguns contam com suspensões independentes nas 3 rodas proporcionando um certo conforto em comparação com os arcaicos eixos rígidos com feixes de molas constantemente usados na suspensão traseira das ambulâncias brasileiras...


Algo que eu costumo dizer é que as frotas policiais acabam refletindo a situação econômica e geográfica dos locais. Se por um lado algumas cidades brasileiras são tão mal equipadas em termos de viaturas de polícia que um único modelo precisa ser como um "canivete suíço" e executar todas as funções, desde procedimentos administrativos passando por patrulhamento até transporte de detentos, corporações policiais de países desenvolvidos mesmo em cidades pequenas acabam contando com veículos mais apropriados para algumas funções específicas, de superesportivos para perseguições em alta velocidade até triciclos que possam ser adaptados para funções como procedimentos administrativos, apoio logístico e patrulhamento de rotina em áreas com alto fluxo de pedestres (mesmo perfil de algumas ruas de Porto Alegre e Florianópolis, ou parques e praças) ou onde as condições geográficas beneficiem tais veículos. Vale destacar o caso da Itália e do Japão novamente, que em algumas regiões apresentam uma topografia bastante irregular como os morros do Rio de Janeiro cheios de becos e vielas estreitas o bastante para dificultar a circulação de viaturas de polícia mais convencionais (manobrar o Caveirão, então, nem se fala na perícia que é exigida do piloto da máquina). Pensando dessa forma eu não consideraria tão inapropriado a presença de pelo menos um triciclo em cada UPP carioca...


Outra situação onde a agilidade dos triciclos poderia ser um grande benefício é na manutenção de serviços como telefonia, TV por assinatura, instalações elétricas e hidráulicas. Não é incomum encontrar hatches 1.0 normais com alguns suportes de teto para escadas e prateleiras improvisadas desde o pequeno compartimento de bagagens até onde seria o banco traseiro sendo usados para a assistência técnica, quando eventualmente um triciclo com os compartimentos de carga devidamente projetados para armazenar os equipamentos poderia proporcionar uma segurança adicional, enquanto a agilidade dos veículos permitiria uma maior rapidez para atender aos usuários em ambientes urbanos com trânsito tão caótico onde encontrar um espaço para transitar e outro para estacionar acaba sendo mais decisivo que uma velocidade elevada. Até em algumas localidades rurais o uso de triciclos poderia ser considerado adequado, tanto por conta do custo inferior quanto do menor impacto ambiental de um veículo significativamente mais leve e econômico que algum utilitário de 4 rodas.

Apesar do aparente desinteresse em promover tais veículos, enquanto a economia permanecer eternamente "em desenvolvimento" e o trânsito sempre bagunçado, os triciclos são uma opção bastante apropriada ao mercado brasileiro...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Acessibilidade em veículos para deficientes físicos e sistemas de direção alternativos

A primeira vez que eu parei para pensar sobre a questão dos automóveis adaptados para deficientes físicos foi em agosto de 1996, quando eu tinha apenas 6 anos, mas já tinha um  grande interesse por automóveis, e estava folheando alguma edição da revista Quatro Rodas que mencionava o lançamento de algumas versões do então novo Fiat Palio adaptadas para ser conduzidas por deficientes físicos.

O então revolucionário Fiat Palio, em 1996.

Antes de abrir a revista eu imaginava que o volante pudesse ter sido substituído por um sistema semelhante ao guidon da Vespa com todos os comandos agrupados para ser acionados pelas mãos - a idéia predominante quando se fala em deficiência física é a paraplegia, tanto por conta do eufemismo "dificuldades de locomoção" constantemente usado quanto pelo próprio símbolo internacional de acessibilidade fazer menção clara à cadeira de rodas - semelhantes a alguns dispositivos de controle hidráulico produzidos pelo grande mecânico inglês Jim Doran, especialista em adaptações complexas (sobretudo hidráulicas) falecido recentemente.
Vespa: comandos centralizados ao redor do guidon eram a minha referência 
 
Fui surpreendido pelos sistemas adaptativos usados nas referidas versões: um sistema com aro de aceleração abaixo do volante (que entretanto não acompanhava a rotação do mesmo) bastante primitivo, o primeiro sistema desenvolvido pelo Sr. Ottelo Venturini, fundador da Guidosimplex italiana, na década de 50, com freio acionado por uma alavanca montada à direita próxima à do câmbio e embreagem automatizada a vácuo, um sistema alemão da Kempf em que o aro era montado por cima do volante (acompanhando a rotação do mesmo mas impossibilitando o uso do airbag) e freio por alavanca com embreagem eletrônica K-Matic (mesmo sistema usado pelo saudoso Clay Regazzoni em alguns veículos de competição que ele pilotava depois do acidente que o deixou paraplégico) e um sistema francês fornecido pela Okey Technologie, que usava pequenas e discretas alavancas atrás do volante para acelerador e uma maior à direita para acionar o freio, igualmente com embreagem eletrônica.

Sistema francês: para quem prefira uma adaptação de aspecto mais discreto.

Uma versão modernizada do tradicional sistema francês, produzida na Itália pela Kivi Allestimenti:
com gerenciamento eletrônico da alavanca de aceleração, que é desativada quando se freia.

Tais sistemas estavam, ainda assim, anos-luz à frente das adaptações até então mais comuns para paraplégicos no mercado brasileiro, que consistiam em uma alavanca que é puxada para acelerar e empurrada para frear, ocasionalmente associada a um pomo no volante para facilitar a movimentação do mesmo com apenas uma mão, e se o veículo não tivesse câmbio automático se necessitava ainda de um acionamento manual ou automatizado para a embreagem. Para deficiências apenas na perna esquerda podia se encomendar o veículo apenas com a embreagem adaptada, enquanto quem tivesse problemas na perna direita dependeria ainda de um sistema de inversão do pedal do acelerador (que demandava um pedal removível para a embreagem, livrando espaço para o pedal de acelerador invertido).

Clay Regazzoni: "il camionista"chegou a usar o sistema Kempf em caminhões de rali na década de 80, antes de começar a usar sistemas da Guidosimplex


Depois de algum tempo, a curiosidade relacionada a esse assunto começou a esfriar, até ressurgir em 2000 quando eu comprei uma miniatura de um Citroën Xsara caracterizado como o modelo usado pelo piloto andorrano Albert Llovera, primeiro paraplégico a competir no WRC. Era uma mera curiosidade para um moleque de 10 anos que adorava automóveis em geral, mas no ano seguinte estava bastante devotado às competições de motociclismo, empolgado com os êxitos do japonês Daijiro Kato. O falecimento desse grande piloto em 2003 chegou a me causar depressão, mas como se ele tivesse sobrevivido ao gravíssimo acidente que lhe custou a vida ele provavelmente ficaria tetraplégico acabou sendo mais um interesse quanto à questão da acessibilidade veicular.

Além da dirigibilidade para paraplégicos, que ainda adotam predominantemente a alavanca universal para acelerador e freio, começaram a despertar a minha curiosidade alguns dispositivos semelhantes a um controle remoto de televisão com vários botões para acionar as funções elétricas do veículo e acopladas ao pomo de volante, bastante usadas no exterior por pessoas com alguma deficiência em uma mão ou braço, enquanto localmente se recorre mais a extensões nas alavancas-satélite montadas ao redor do volante para serem acionadas pela mão contralateral.
 Acionamento de dispositivos elétricos por alavanca ainda é o padrão prevalente.
 
Até 2004 eu considerava tetraplégico apenas quem não tivesse movimentos abaixo do pescoço, mas depois eu fiquei sabendo que quem tem limitações na preensão da mão é considerado tetraplégico. Eu conheço um tetraplégico desse nível, que conduz um triciclo até bastante precário (por não ter reversor dificulta manobras em locais mais apertados) adaptado com um guidon especial para apoiar apenas a mão esquerda enquanto a direita controla alavancas de freio e acelerador.



O triciclo que aparece nessa foto não é adaptado, mas eu já vi modelos semelhantes sendo conduzidos por deficientes.

Adaptações em motos são pouco comentadas, mas em alguns locais como Araranguá, no litoral sul de Santa Catarina, está sendo mais frequente ver deficientes conduzindo motonetas transformadas em triciclo, e com a recente expansão do mercado de triciclos no Rio Grande do Sul até poderiam ser mais difundidas. Em alguns casos até há algumas adaptações rústicas feitas para que pilotos com amputação em uma perna possam operar o câmbio com a mão ou o pé contralateral, assim como acionamentos alternativos para o freio traseiro, mas com um triciclo fica mais fácil até para um usuário de cadeira de rodas poder pilotar ao ar livre, e a maior estabilidade ainda possibilitaria que pessoas com deficiência em um ou mais membros superiores pudessem ter a mesma sensação, no caso com alguns comandos transferidos para acionamento no pé ou pelos membros vestigiais superiores.


Segue um vídeo mostrando uma interessante adaptação feita em uma motocicleta para ser usada por piloto profissional que foi vítima da Síndrome de Talidomida, tendo uma agenesia transradial direita, encaixando o antebraço vestigial numa órtese que garante toda a estabilidade para que ele pilote com conforto e segurança:
:
O caso apresentado nesse vídeo, do piloto gaúcho de motocross Anderson Alberton, que chegou a ser campeão estadual, é um dos exemplos de que a ignorância domina a burocracia estatal. A adaptação que ele usa num ambiente extremo seria perfeitamente viável para uso em vias públicas, assim como tantas outras soluções técnicas que são simplesmente engavetadas pelos departamentos de trânsito por todo o país, que equiparam alternativas desenvolvidas de acordo com exigências de segurança como se fossem meras "xunilarias" de fundo de quintal.

As suspensões ajustáveis, sobretudo as eletropneumáticas usadas em quase todos os ônibus acessíveis a deficientes físicos pela possibilidade de rebaixar automaticamente a entrada para nivelar às calçadas, vem tendo a adaptação em veículos convencionais vetada por causa de uma legislação arcaica teoricamente desenvolvida para evitar modificações feitas sem critério e bastante populares entre os adeptos do tuning, mas que na prática acabam limitando a acessibilidade para cidadãos com deficiências físicas. Outra alteração que em países desenvolvidos (ou às vezes nem tão desenvolvidos) é bastante associada a essas modificações de suspensão é o rebaixamento parcial do assoalho interno, possibilitando que sejam usadas rampas retráteis mais curtas e leves ao invés de pesadas plataformas elevatórias ainda mais trabalhosas de operar ou rampas mais longas para manter uma inclinação suave.




Se é permitido alterar o assoalho de veículos como a Chevrolet Meriva e o Fiat Doblò para caber cilindros de gás natural atrás do parachoque eu não entendo qual é a moral de se proibir uma alteração para facilitar o acesso a um cadeirante (e que ainda proporciona uma melhoria na economia de combustível comparado com sistemas mais pesados e que interferem negativamente na aerodinâmica ao demandar elevações na altura do teto).






Alegam uma questão de segurança, que o tanque de combustível em alguns casos acaba sendo modificado (o que a legislação local proibe) ou substituído (geralmente por um "fuel-cell" homologado para normas de segurança da FIA, bem mais seguro que o tanque de um veículo de produção regular), ou que a estrutura é alterada, sendo que isso já ocorre naqueles táxis adaptados que já circulam em algumas capitais brasileiras, baseados no Fiat Doblò com o teto elevado algumas vezes de forma bastante precária com fibra de vidro sem os devidos reforços para evitar que a retirada do teto original deixe a estrutura mais propensa a torções (não é à toa que às vezes os conversíveis são mais pesados que um modelo de produção regular, pois o teto acaba sendo um elemento estrutural importante no projeto do veículo, portanto reforços em pontos estratégicos são demandados para preservar a rigidez estrutural após sua remoção).



Um dos sistemas mais avançados de condução adaptada é o AEVIT, Advanced Electronic Vehicle Interface Technology, desenvolvido pelo empresário americano Scott Bolduc a partir de sistemas fly-by-wire bastante usados na indústria aeroespacial, onde o nível de exigências de segurança é bastante severo e a exposição a condições meteorológicas extremas é constante. A confiabilidade é tanta que é usado até por forças militares em veículos não-tripulados para missões de reconhecimento e pela indústria cinematográfica em algumas cenas onde é melhor não arriscar situações onde nem os melhores dublês escapariam ilesos.
"Cockpit" do sistema AEVIT usado em alguns aviões militares. O sistema usado em veículos terrestres é essencialmente o mesmo, apenas modificado para ficar acessível a motoristas com deficiências.

Tal sistema não é homologado pelas autoridades de trânsito brasileiras, embora seja reconhecido em diversos países onde é bastante usado por tetraplégicos, e localmente a ANAC permita o uso de sistemas idênticos na aviação.

Fala-se tanto em "democratização" da tecnologia mas essa aplicação tão humanitária é solenemente ignorada, sobretudo pelos esquerdistas rançosos que se dizem humanistas mas parecem mais favoráveis a um retorno à Idade da Pedra.