quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Momento nostalgia: Asia Motors Towner Truck

Um dos importados mais populares no mercado brasileiro durante os anos 90, a Towner acabou mais conhecida pelas versões furgão, muito usadas por vendedores de cachorro-quente e outros lanches, mas também foi comercializada uma versão pick-up, às vezes apresentada como Towner Truck e outras vezes simplesmente como "Towner pickup". Importada da Coréia do Sul de '93 até a falência da Asia Motors e incorporação à Hyundai, usava motor de 3 cilindros a gasolina, com 796cc, potência de 40cv e torque de 6kgfm, suficientes para chegar com muito esforço a pouco mais de 110km/h de velocidade máxima. Ao contrário das vans, atualmente não há muitas remanescentes dessa versão, fazendo com que um exemplar bem conservado logo salte aos olhos, como foi o caso desse exemplar avistado por mim ontem em Porto Alegre, no bairro Moinhos de Vento. Também se diferenciava pelo comprimento 26cm maior que o das vans, que seguiam estritamente as regulações de tamanho aplicáveis aos kei-jidosha japoneses, visto que era uma cópia licenciada da Daihatsu HiJet japonesa, e assim ao invés de 3,36m chegava a 3,62m, mesma medida do Ford Ka de 1ª geração. A capacidade de carga era de 550kg, 100kg a mais que os furgões.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Momento nostalgia: Chevrolet Grand Blazer

Produzida na Argentina apenas entre '99 e 2000, a Chevrolet Grand Blazer era uma variação da Chevrolet Tahoe americana adaptada à realidade sul-americana, e renomeada de modo a valer-se em parte do sucesso da Blazer no mercado brasileiro. Ao invés de sedentos motores V8, contava com o tradicional motor de 6 cilindros em linha e 4.1L a gasolina, que até pode ser reputado tecnicamente inferior ao V6 de 4.3L então oferecido na Blazer, e quem preferisse o Diesel poderia contar com o MWM Sprint 6.07TCA também de 6 cilindros em linha. Cabe salientar que, ao contrário do motor Detroit Diesel V8 de 6.5L com injeção indireta usado na Tahoe americana, o MWM tinha injeção direta. O modelo argentino também tinha apenas câmbio manual de 5 marchas, em contraste à preferência dos consumidores americanos pelo câmbio automático. Outra opção que fazia falta era a tração 4X4. Além dessas limitações, a alta do dólar em '99 e a crise argentina de 2000 tornaram difícil a continuidade da produção do modelo.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Breve reflexão sobre triciclos em aplicações comerciais no mercado brasileiro

Já faz algum tempo que os triciclos estão conquistando uma participação mais significativa no segmento de veículos comerciais leves, favorecidos pela economia operacional em comparação com outros utilitários compactos como o antigo Fiat Uno Furgão. Ainda que mais relegados à operação em ambiente urbano, praticamente não encontram concorrentes.

Inicialmente vistos com algum ceticismo, e mais como uma alternativa complementar às motocicletas e furgonetas tradicionais, encontram na instabilidade econômica brasileira um cenário particularmente favorável devido ao custo inicial menor e à manutenção mais barata, não apenas promovendo um retorno mais rápido do investimento mas também uma economia significativa ao longo da vida útil operacional do veículo. Além do consumo de combustível, em alguns casos reduzido a um pouco menos da metade do de um utilitário compacto tradicional de 4 rodas, há de se recordar também a menor quantidade de peças que venham a precisar de substituição, e por extensão gasta-se menos matérias-primas para a produção das mesmas.

Outro fator que vem sendo importante para estimular o uso dos triciclos utilitários é a proporção mais racionalizada entre posto de condução e área útil de carga pelo comprimento e largura totais do veículo, refletindo-se num tamanho mais compacto que melhora a manobrabilidade em espaços confinados e facilita a circulação nos grandes centros urbanos cada vez mais congestionados.
Também chama a atenção a razão entre carga útil e peso bruto total pela quantidade de pneus e largura das respectivas bandas de rodagem. Alguns triciclos chegam a apresentar capacidade de carga em torno de 400 a 450kg, parelha com a grande maioria dos automóveis de passageiros, tomando por exemplo o Fiat Palio Fire Economy que é bastante usado também em aplicações profissionais.

Apesar de serem comprovadamente aptos às condições operacionais brasileiras, e ainda poderem contribuir para um trânsito menos caótico tanto em função da manobrabilidade superior quanto da menor área que ocupam sobre o leito carroçável, os triciclos ainda são vistos mais como uma excentricidade e um improviso. Por serem classificados como motocicletas, também estão suscetíveis a uma maior alíquota do seguro DPVAT, o que constitui basicamente a única desvantagem no custo operacional. A exigência de habilitação específica para motocicletas aplicável aos condutores de triciclos também pode ser considerada um problema, apesar do tamanho mais intermediário entre um carro e uma moto e a maior estabilidade direcional puderem servir como pretexto para uma flexibilização dessa regra de modo a permitir a condução por detentores de carteira de habilitação categoria B ou superior, o que poderia vir a atrair um maior contingente de operadores (tanto autônomos quanto frotas) para os triciclos...

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Vans com posto de condução avançado: teriam futuro no mercado brasileiro?

É só falar em van com posto de condução avançado que uma das primeiras imagens a vir à mente é a Kombi, que a Volkswagen só se viu compelida a tirar de linha entre o final de 2013 e o começo de 2014 por ter considerado inviável equipar o modelo com freios ABS, que passaram a ser obrigatórios em todos os veículos fabricados no Brasil a partir de 2014.
Modelos definidos como "utilitários", com capacidade de carga mínima de 1000kg (uma tonelada), ou com acomodações para no mínimo 9 passageiros além do motorista, ou mesmo que não cumprisse nenhum desses requisitos tenham tração 4X4 com caixa de transferência de dupla velocidade (popularmente conhecida como "reduzida"), estão isentos apenas da obrigatoriedade do airbag, e embora seja homologada para carregar 14 passageiros além do motorista quando adaptada para transporte escolar ou 11 passageiros numa rara versão "lotação", ambas elaboradas pela Rontan, a versão Standard carregava apenas 8 passageiros além do motorista (embora uma peça publicitária dos anos '60 tenha mencionado que "extra-oficialmente" uma Kombi carregava 12 pessoas e ainda hoje induza muitos ao erro), e após a adoção do motor EA-111 de 4 cilindros em linha com refrigeração líquida a capacidade de carga tenha ficado pouco abaixo do mínimo de 1000kg exigido para a homologação como "utilitário".
Durante os anos '90 uma grande variedade de vans, predominantemente asiáticas como a japonesa Mitsubishi L300 e a coreana Kia Besta, mostrava no entanto que a configuração de posto de condução avançado não era necessariamente obsoleta. Embora a posição de motor central-dianteiro associada à tração traseira por eixo rígido tenha levado à necessidade de um assoalho mais elevado, o que às vezes se mostra um tanto desfavorável por aumentar a distância do solo à plataforma de embarque e limitar a altura máxima interna do salão de passageiros, mantinham algumas características bastante apreciáveis no tocante à racionalização da extensão da plataforma de carga em função da maior proporção de área útil ao longo do veículo e manobrabilidade em espaços mais limitados devido à distância entre-eixos mais curta que se torna viável sem sacrificar espaço para as pernas ao posicionar o motorista imediatamente acima do eixo dianteiro.
Nada impedia que fosse incorporada a uma van com posto de condução avançado a tração dianteira, hoje tão popular até em utilitários, tomando por exemplo a Mercedes-Benz MB-180D de fabricação espanhola. Nesse caso, porém, como o motor era montado mais à frente e já praticamente dentro da cabine (isolado por uma "dog house" como a usada em vans americanas tradicionais e em ônibus "cabritos" de motor dianteiro) se tornava inviável implementar um terceiro assento dianteiro mas, além de ganhar altura interna sem afetar as dimensões externas e ter uma plataforma de embarque mais baixa como é característico de vans com tração dianteira, pode-se afirmar que a proporção de área útil pelo comprimento total ainda é favorável em comparação a vans mais recentes de cabine semi-avançada.
Não posso negar que uma dose de nostalgia já me atinge quando eu me deparo com uma Kia Besta GS (em outros mercados era comercializada como Kia Pregio mas no Brasil pegou embalo no sucesso da Besta original e acabou mantendo o nome), que pode não empolgar alguns que se dizem entusiastas de automóveis mas seria absolutamente injusto negar que marcou época no mercado brasileiro. Embora tenha sido trazida só com o motor J2 Diesel de 2.7L e aspiração natural (com o JT de 3.0L restrito à versão Grand, mais longa e com acomodação para 15 passageiros ao invés dos 11 na GS curta, em ambos os casos sem contar o posto do motorista) homologado nas normas de emissões Euro-2, não seria inviável readequar para as normas subseqüentes como a Euro-3 e a Euro-5 atualmente em vigor, incorporando o motor 4D56 de 2.5L que chegou a ser usado na Europa a partir de 2000 com turbo e injeção eletrônica common-rail. Ou mesmo entrar mais forte na onda do downsizing...
Outro ponto que merece algum destaque, e sempre suscita algumas polêmicas, é no tocante à aerodinâmica, e que tem um efeito significativo na redução do consumo de combustível: normalmente um posto de condução avançado poderia ser considerado problemático, visto que a frente do veículo se tornaria um "paredão" ao passo que o perfil mais alongado que se poderia obter com um posto de condução mais recuado permitiria uma área frontal mais inclinada, mas a Besta GS até tinha um desenho bem equilibrado apesar das limitações do layout. Até que veio um facelift no final de 2004 e não apenas piorou a aerodinâmica como deu um aspecto visual muito questionável...
Embora não seja o único fator por trás de um arrefecimento no interesse do consumidor brasileiro pelas vans com posto de condução avançado, pode-se até apontar no melancólico encerramento da coreana Asia Motors, fabricante da microvan Towner e da van Topic, uma importância significativa nesse contexto. Entre '93 e '99 a empresa chegou a contar com redução nos impostos de importação, valendo-se de um plano para instalar uma fábrica em Camaçari-BA que acabou não sendo honrado pela Hyundai, que incorporou a Asia e a Kia quando faliram durante a "Crise dos Tigres Asiáticos" entre '97 e '99. A título de curiosidade, para ser autorizada a finalmente instalar uma fábrica própria no Brasil sem participação do grupo CAOA, a Hyundai teve que pagar uma enorme dívida deixada pelo fracasso do projeto da fábrica em Camaçari.
Uma imagem de modernidade associada a vans com posto de condução semi-avançada, como Mercedes-Benz Sprinter e Fiat Ducato, levou-as a conquistar uma participação significativa no mercado a partir da segunda metade da década de '90, apesar dos custos normalmente mais elevados, tornando-as preferidas principalmente no segmento de transporte de passageiros favorecidas também por uma percepção das mesmas como mais confortáveis em função de uma maior facilidade para promover um isolamento termoacústico eficiente em função do cofre do motor totalmente segregado da cabine. Somava-se esse cenário a um interesse dos fabricantes japoneses e coreanos em firmar uma imagem de prestígio no mercado brasileiro, que contrastava com a concepção meramente funcional e até certo ponto minimalista das vans com posto de condução avançada.
Até mesmo a Hyundai, que teve bastante sucesso com a H-100, passou a adotar o layout semi-avançado nas vans para transporte de passageiros com a H-1, cuja atual geração não é vendida no Brasil.
Tive a oportunidade de ver uma Hyundai H-1 da atual geração no Largo da Epatur em junho do ano passado, emplacada na Argentina, nitidamente mais "gorda" e requintada que a antiga H-100, e até seria competitiva diante do atual cenário do mercado brasileiro. Chega a ser até estranho que não seja mais comercializada nenhuma van da Hyundai no Brasil, principalmente considerando que o drivetrain tanto da antiga H-100 quanto da H-1 é basicamente o mesmo da caminhonete Hyundai HR já produzida em Anápolis-GO...
Considerando que 2014 foi um ano particularmente agitado em função da Copa do Mundo, o que acabou intensificando a demanda por serviços de fretamento para transporte de passageiros, teria sido uma oportunidade de ouro para o mercado voltar a reconhecer os méritos das vans com posto de condução semi-avançado, e mesmo modelos já fora-de-linha como a Hyundai H-100 certamente conquistariam um bom volume de vendas caso fossem reintroduzidos. Quem sabe as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro sejam melhor aproveitadas tanto pelos fabricantes de veículos utilitários quanto por empresários do setor de transportes...

A bem da verdade, vans com posto de condução avançado ainda se mostram perfeitamente adequadas às condições operacionais brasileiras. As dimensões externas mais compactas fazem com que uma menor quantidade de matérias-primas seja usada na fabricação, assim reduzindo o custo e também o peso, levando a uma maior capacidade de carga útil comparado a modelos com posto de condução semi-avançado em faixas de peso bruto total e capacidade volumétrica semelhantes. Ironicamente, tomando como exemplo a Kia, embora tenha tirado a Besta de linha ainda oferece a caminhonete K2500/Bongo para aplicações no transporte de cargas, mas que até poderia ser uma base adequada à montagem de um microônibus...
Outra característica bastante apreciável nas vans com posto de condução avançado, que pode até ser creditado à origem asiática da maioria dos projetos, é uma maior aptidão a condições de rodagem severas devido à intercambialidade de sistemas como direção, freios, suspensão e transmissão com pick-ups, jipões e SUVs, como no caso da Mitsubishi L300 que compartilhava componentes com L200 e Pajero. Num país com uma malha viária ainda muito precária como infelizmente ainda é o caso do Brasil, tal característica é muito desejável.
Enfim, pode-se concluir que, embora o consumidor brasileiro venha sendo condicionado a seguir outro caminho, o posto de condução avançado ainda tem qualidades que merecem ser avaliadas com o devido cuidado...

sábado, 10 de janeiro de 2015

Biogás: possível sucessor para o etanol?

Dentre as principais alternativas visando uma substituição total ou parcial da gasolina, o etanol ainda tem uma forte presença no mercado brasileiro desde tempos em que ainda era denominado comercialmente como "álcool hidratado" ou "álcool etílico carburante". No entanto, a euforia em torno do combustível que no Brasil ainda tem na cana de açúcar a matéria-prima mais comum teve um fim na safra '89-'90 quando a prioridade do setor sucroalcooleiro foi direcionada à produção de açúcar para exportação. Apenas em 2003, com a introdução dos primeiros automóveis bicombustível a álcool e gasolina no mercado brasileiro, ressurgiu algum entusiasmo, que a partir de 2009 já se firmava também no mercado motociclístico.

Enquanto o etanol ainda sofria com a desconfiança do grande público, outra alternativa passava a ser alvo de maior interesse: o chamado "gás natural", composto principalmente por metano e ocorrendo tanto em bacias petrolíferas quanto em bolsões isolados, antes usualmente aplicado diretamente em motores estacionários para geração de eletricidade ou operação de maquinário nos próprios campos de extração petrolífera ou simplesmente queimado nas plataformas offshore devido à dificuldade em armazenar e transportar para o continente. Ao contrário do gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"), obtido artificialmente durante a destilação fracionada de petróleo, o gás natural já é extraído em estado gasoso. Outra diferença substancial é a pressão de armazenamento: enquanto o GLP é mantido a 15 bar, com o gás natural veicular (GNV) se trabalha a pressões entre 200 e 250 bar.
Inicialmente com uma disponibilidade mais restrita ao eixo Rio-São Paulo, e limitado ao uso em caminhões, ônibus e táxis, a partir de '96 passou a ter o uso liberado em veículos particulares, e em 2001 começava a ganhar mais espaço outras regiões com a conclusão do gasoduto Bolívia-Brasil e por conseguinte da ampliação da rede de distribuição. Apesar do custo inicial da instalação do kit de conversão para gás natural, o preço do combustível era atrativo não apenas diante da gasolina mas também do etanol, e tinha alguma competitividade até mesmo diante do óleo diesel.

Ao contrário do etanol, que proporciona um rendimento cerca de 30% menor em km/l comparado à gasolina, um metro cúbico de gás natural pode render de 20 a 25% mais que um litro de gasolina. No entanto, ao levarmos em consideração a "sustentabilidade" tão aclamada nos dias de hoje, o etanol ainda se destaca por ser de origem 100% renovável enquanto o gás natural consumido no país é em grande parte extraído de reservas fósseis ainda que o principal componente desse combustível, o metano, também ocorra naturalmente em estações de tratamento de esgoto, "lixões" a céu aberto e aterros sanitários controlados, de onde pode ser recuperado e aproveitado para fins energéticos embora seja recomendada uma filtragem e eventualmente purificação do biometano para reduzir os prejuízos ao desempenho em aplicação automotiva, tendo como vantagem em comparação com o etanol o fato de não comprometer a disponibilidade de terras agricultáveis para a produção de gêneros alimentícios e insumos industriais. O município de São Pedro da Aldeia, na região dos Lagos no Rio de Janeiro, já tem um projeto em andamento para tratar o biogás gerado no Aterro Sanitário Dois Arcos e direcionar ao uso como combustível veicular em escala comercial. Também é uma boa opção para incrementar a rentabilidade de operações agroindustriais.

O abate de animais e posterior processamento industrial de carnes é outra fonte de resíduos que podem ser convertidos em biogás e fertilizante agrícola quando tratados num biodigestor, tomando por exemplo penas de aves, sangue e algumas vísceras de baixo valor comercial. Também cabe levar em consideração a possibilidade de se aproveitar ao menos parcialmente a gordura de animais abatidos na produção de biodiesel, que poderia ser utilizado nos caminhões de entrega, tanto puro como combinado ao biogás.

Mesmo a produção de etanol e biodiesel gera efluentes que podem ser direcionados à produção de biogás, como a vinhaça da cana, e gomas e ceras que devem ser removidas do óleo visando produzir um biodiesel da melhor qualidade. Por mais que possa soar contraditória a observação quanto ao etanol, vale salientar que tem uma ampla gama de aplicações nas indústrias alimentícia, farmacêutica e química geral, e portanto uma substituição total ou parcial do etanol pelo biogás em aplicações veiculares manteria uma maior estabilidade dos preços de ambos os produtos.
Outro ponto importante a salientar é a simplificação do processo logístico, ao considerar que os mesmos gasodutos atualmente utilizados na distribuição do gás natural serviriam também ao biogás, reduzindo a circulação de caminhões-tanque que ainda são necessários para garantir a distribuição do etanol das usinas aos postos.

Mas nem tudo são flores: uma adoção do biogás preservaria desvantagens práticas já observadas num veículo convertido para operar com gás natural, mais notadamente uma redução na capacidade de carga tanto em peso quanto volume quando o cilindro de armazenamento do combustível é montado no compartimento de carga, como pode ser visto nessa Chevrolet S10 Advantage FlexPower. O peso do cilindro também provoca um desgaste mais acentuado nos conjuntos de freio e suspensão, embora tais efeitos sejam menos sentidos numa caminhonete em comparação a um veículo de porte mais modesto...


Em alguns veículos ainda há a possibilidade de se montar o cilindro de gás por baixo da carroceria, como nessa Ford F-1000 com motor de 6 cilindros em linha e 4.9L, o que apesar de não eliminar a redução na capacidade de carga em peso ao menos mantém a capacidade volumétrica inalterada, facilitando a acomodação dos materiais a serem transportados...

Há ainda alguns temores quanto a efeitos do uso do gás como combustível veicular por ser mais "seco" que a gasolina e o etanol, levando por exemplo a Ford a oferecer uma preparação especial com reforço das sedes de válvulas no motor Duratc de 2.3L que equipava a Ranger para atender a consumidores interessados em fazer a conversão. Entretanto, por não ser um solvente como a gasolina nem ter problemas de corrosibilidade como o etanol, além de eliminar o problema da diluição de combustível no óleo lubrificante, o gás até favorece a durabilidade do motor.


O uso do gás natural como o principal combustível nas frotas de táxis em grandes centros urbanos como Porto Alegre até poderia servir de pretexto para um fomento ao biogás, ainda que a presença de veículos configurados de fábrica para operar com GNV no mercado brasileiro hoje esteja resumida nas versões Tetrafuel do Fiat Siena e do Grand Siena, dificultando em parte a aceitação de um perfil mais amplo de consumidores que desejariam algo mais que um sedan compacto. Considerando que a minivan Idea e o furgão Doblò são oferecidos com o mesmo motor de 1.4L que serviu de base ao Tetrafuel, e tenham espaço abaixo do assoalho traseiro onde cilindros de GNV podem ser instalados com facilidade, chega a me causar alguma estranheza que a Fiat nunca tenha introduzido versões Tetrafuel para esses modelos...
No caso do Doblò, além da aplicação em serviços de entrega e distribuição urbana, convém mencionar a grande popularidade que o modelo tem no mercado de ambulâncias em cidades do interior onde a vocação agropastoril ainda se faz presente, e portanto o biogás seria perfeitamente justificável.

Enquanto isso, muitos modelos que no Brasil são oferecidos apenas como bicombustível gasolina/etanol, como o Toyota Corolla, são vendidos na Venezuela já preparados para operar com GNV direto de fábrica, em que pese o fato de ter um volume de vendas menor que o do mercado brasileiro e ser um grande exportador de petróleo. A bem da verdade, desde abril de 2009 uma cota mínima de 50% de todos os veículos 0km comercializados na Venezuela por cada fabricante ou importador deve ser preenchida por modelos capazes de usar o gás natural em função de um decreto do ditador Hugo Chávez, que tinha como objetivo principal liberar gasolina e óleo diesel para exportação pelo real valor de mercado ao invés de comercializar no mercado interno por preços fortemente subsidiados. Também é apontada até hoje pela petroleira estatal venezuelana PDVSA (Petroleos de Venezuela S.A.) uma transição relativamente fácil entre o gás natural de origem fóssil e o biogás, sem tantas dificuldades técnicas como as associadas à maior corrosibilidade do etanol em comparação à gasolina.

E para citar outro player importante no mercado internacional de petróleo, projetos envolvendo o biogás estão ganhando espaço até mesmo em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Além de um amplo programa de conversão de veículos de serviços públicos para gás natural, já está em andamento um projeto para recuperação e purificação do biometano na principal estação de tratamento de esgoto do emirado. Pode-se deduzir portanto que, se até os sheiks do petróleo estão atentos ao potencial do biogás, trata-se de uma opção coerente não apenas em âmbito ecológico mas também no tocante à viabilidade econômica.

De um modo geral, seria injusto apontar o ProÁlcool como um erro, visto que foi a opção considerada mais fácil pelo governo militar para manter a segurança energética brasileira diante dos primeiros choques do petróleo e deu origem a um programa de substituição de combustíveis fósseis que, apesar de estar sofrendo constantes sabotagens políticas, permanece numa posição de destaque a nível internacional e inspira projetos semelhantes mundo afora. Porém, seria muita arrogância deixar de reconhecer que hoje há outras alternativas mais adequadas às atuais necessidades do país, como o biogás vem se mostrando apesar de ser tratado com algum descaso tanto pelo povão quanto pela administração pública...