sábado, 23 de janeiro de 2021

Clássico nacional: DKW-Vemag Fissore

Um modelo bastante raro, o DKW-Vemag Fissore teve menos de 2700 exemplares produzidos entre '64 e '67 unindo a mecânica DKW de origem alemã produzida sob licença pela Vemag com a sofisticação do desenho italiano. O motor 2-tempos de 3 cilindros e 981cc a gasolina era essencialmente o mesmo dos modelos mais generalistas da linha DKW-Vemag, mas com a taxa de compressão mais alta visando um desempenho mais confortável com a carroceria que também era relativamente pesada comparando a outros veículos com o mesmo motor. Bastante moderno no tocante ao visual frente à geração anterior de automóveis DKW-Vemag com o qual compartilhava a mesma concepção básica e a linha de fabricação, de certa forma remetia ao DKW F-102 alemão que foi o último modelo a usar a marca DKW e motor 2-tempos de 3 cilindros já com 1175cc na Alemanha Ocidental antes da mudança da marca para Audi e a substituição do motor pelo 4-tempos Mercedes-Benz M118 na faixa entre 1.5L e 1.8L com 4 cilindros. Destacando-se não só pela ampla área envidraçada, o modelo de pretensões luxuosas para os padrões do Brasil da década de '60 foi o primeiro DKW-Vemag a incorporar o sistema Lubrimat, que dispensava a mistura prévia do óleo lubrificante no tanque de gasolina e fazia automaticamente a injeção de óleo. A venda da Auto Union feita pela Mercedes-Benz para a Volkswagen ainda em '64, já incluindo no pacote o projeto do motor M118, bem como o início da retirada das marcas Auto Union e DKW em favor do retorno da Audi, certamente pesaram na decisão de descontinuar a linha DKW-Vemag em '67, pouco tempo após a Volkswagen adquirir também a Vemag no mesmo ano.

O exemplar das fotos é do ano '65, e já estava com as placas de coleção no novo padrão do Mercosul.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Encerramento da produção da Ford no Brasil: surpreendente, mas até certo ponto previsível

Um fabricante inegavelmente muito tradicional, a Ford teve por muito tempo uma estratégia confusa no Brasil, apesar de ocasionais golpes de sorte terem postergado um encerramento da produção no Brasil. A dependência excessiva por poucos modelos para manter um volume razoável de vendas, nos últimos anos mais restrita ao Ka e ao EcoSport que desde 2019 foram os últimos automóveis Ford produzidos no Brasil, não proporcionava uma agilidade necessária diante da volatilidade de um mercado brasileiro mais complexo do que conseguiam supor os dirigentes tanto a nível internacional quanto nacional. Por mais iminente que parecesse a necessidade de uma reestruturação drástica da Ford a nível institucional, no fim das contas a decisão de fechar as fábricas de Taubaté que produz componentes mecânicos e a de Camaçari onde eram produzidos o Ka e o EcoSport das gerações atuais não soa tão surpreendente.
No caso específico do EcoSport, por simplesmente pertencer à categoria dos SUVs crossover até podia levar a crer que se mantivesse mais sustentável diante da consolidação de alguns dos maiores mercados em torno de modelos com essa proposta, e permaneceria enquadrado na recente estratégia de priorizar a linha de utilitários em detrimento de automóveis mais convencionais. A perda de relevância do modelo no mercado brasileiro, à medida que a concorrência foi ficando mais acirrada entre os SUVs crossover compactos nos últimos 10 anos, contrasta com a importância que o EcoSport teve em outra época para a continuidade da própria presença da Ford no Brasil quando a fábrica de Camaçari se encaminhava para ser a principal unidade da empresa no país. Uma operação baseada na importação, com modelos como a Ranger que permanece em produção na Argentina apesar da instabilidade política e econômica por lá, a princípio pode facilitar uma oferta mais diversificada de modelos, mas não deixa de ser arriscada tanto em função da complexidade na logística de reposição de peças e manutenção quanto pela tradição como uma marca generalista dificultar um reposicionamento da Ford em segmentos mais prestigiosos.
Não deixa de ser conveniente observar que a aposta em SUVs e pick-ups denota um comodismo que de certa forma remete à estratégia da época dos calhambeques, tendo em vista que hoje uma pick-up média como a Ranger por incrível que pareça ainda guarda alguma semelhança conceitual com o Ford Modelo T, além da presença global da atual geração da Ranger ser também comparável à quase-onipresença do "Ford Bigode". Apesar das diferentes configurações de motor e câmbio de acordo com as preferências e normas de cada região proporcionarem algum distanciamento das premissas de que um único projeto já atenda a todos os mercados, e também outros sistemas tenham evoluído significativamente durante os 104 anos que separam os respectivos lançamentos, o simples fato da Ranger e outras pick-ups médias e grandes ainda terem o chassi separado da cabine e da carroceria e o motor disposto longitudinalmente com o eixo traseiro rígido sendo o da tração principal mesmo em versões 4X4 guarda semelhanças com um calhambeque. E considerando também as condições de cada mercado, com alguns hoje alçando as pick-ups a uma posição de prestígio que não chega a ser o caso nos Estados Unidos, o mesmo ocorria com o Ford Modelo T no Brasil quando o simples fato de possuir um automóvel ainda era um privilégio em contraste à popularização dos carros que o modelo proporcionou ao público americano.
A insistência da Ford em acomodar-se a um segmento "popular" com relativamente poucas variações já se revelou insustentável em outros momentos, quando algum modelo de pretensões mais modestas tinha que ser oferecido para atender a mercados com peculiaridades que iam desde a incidência de impostos atrelada à cilindrada que prejudicou o Modelo T na Europa até a relevância dos sedans compactos como na atual geração do Ka tanto para usuários particulares quanto operadores comerciais como taxistas. Se em outros tempos a rusticidade de um calhambeque até não se distanciava muito de premissas utilitárias hoje alçadas a uma condição até prestigiosa, hoje a prevalência de características como o monobloco e o motor transversal combinado à tração dianteira parecem distanciar a Ford daquela velha mentalidade que remonta à época do próprio Henry Ford. Enfim, mesmo que cause alguma surpresa o encerramento da produção de veículos pela Ford no Brasil, era uma decisão até certo ponto previsível.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Caso para reflexão: triciclo Motocar MTX 150 modificado para transporte de carga

Não há como ficar indiferente diante de tantas situações no mínimo peculiares que ocorrem no Brasil, e as percepções um tanto equivocadas do público generalista com relação a triciclos utilitários certamente estão entre as mais incoerentes. A maior aceitação desse tipo de veículo no transporte de cargas leves já dispensa maiores explicações, especialmente em função da manobrabilidade em espaços mais exíguos, mas a pouca presença no transporte de passageiros tanto remunerado quanto particular chama a atenção. Deparar-se com um triciclo Motocar MTX 150 cuja configuração original é semelhante aos "mototaxis" peruanos, mas transformado artesanalmente em furgão, é um bom pretexto para refletir sobre como nem sempre uma boa solução encontra o justo reconhecimento.
Naturalmente a percepção de uma suposta "inferioridade" inerente às motocicletas em relação a outros tipos de veículo, como se a quantidade de rodas fosse o único fator relevante para mensurar o prestígio, leva os triciclos utilitários a serem também subestimados por uma parte do público que eventualmente viesse a ser mais beneficiada por essa categoria caso a observasse sob outra perspectiva. A mecânica de concepção mais modesta, que no caso do Motocar MTX 150 conta com transmissão final por corrente e tração somente na roda traseira esquerda como nas igualmente subestimadas motos com sidecar, é mais valorizada por operadores comerciais mesmo no momento em que o preço de qualquer carro "popular" tem se distanciado das premissas iniciais definidas ainda na década de '90. Embora seja compreensível a preferência do público generalista por veículos com um desempenho mais compatível também com os percursos rodoviários, bem como dotados de mais acessórios para tornar mais conveniente o tempo que se passa em meio ao trânsito urbano cada vez mais congestionado, quem possa preferir uma abordagem mais minimalista por qualquer razão tem sido praticamente esquecido pelo mercado automobilístico.
Apesar da concepção mais modesta do conjunto mecânico mesmo comparado aos modelos de carga da própria Motocar que usam eixo cardan e tração em ambas as rodas traseiras por eixo rígido, não dá para negar que um MTX 150 transformado em cargueiro destaca a versatilidade que os triciclos oferecem. É importante reconhecer que o Brasil é um país de terceiro mundo, onde os custos do transporte acabam tendo um impacto proporcionalmente alto sobre o custo de vida da população, de modo que a economia operacional dos triciclos torna-se desejável também em aplicações no transporte de passageiros. Enfim, mesmo que ainda prevaleça junto ao público generalista uma visão muito simplória que ignora tanto as condições econômicas do país quanto fatores de ordem estritamente técnica, um triciclo Motocar MTX 150 modificado para transporte de carga oferece uma perspectiva diferenciada para observação.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

5 fatores que poderiam ser úteis para revigorar a idéia do "carro popular"

Antes de começar qualquer análise quanto ao mercado automobilístico brasileiro, é importante destacar que ainda reflete decisões no mínimo inusitadas que alguns fabricantes tomaram num passado nem tão distante e que às vezes respondiam a ações um tanto peculiares de algum governo como o relançamento do Fusca em '93 com a joint-venture AutoLatina que consorciava operações da Ford e da Volkswagen atendendo a uma sugestão do então presidente Itamar Franco. Mesmo em meio ao conservadorismo de uma parte expressiva do público tanto urbano quanto rural, o "Fusca Itamar" foi descontinuado em '96. Uma série de fatores permite avaliar eventuais pontos em que a idéia do "carro popular" se desvirtuou, e ao menos 5 podem ser apontados como boas oportunidades para revigorar esse conceito.
1 - revisar o limite de cilindrada: assim como na época do Fusca Itamar foi necessária uma provisão para assegurar que o modelo permanecesse beneficiado com uma alíquota reduzida de IPI, mesmo com a cilindrada de 1584cc e refrigeração a ar extrapolando em exatos 58,4% o limite aplicado aos modelos com motor de refrigeração líquida como o Chevrolet Corsa, hoje permaneceria desejável reavaliar esse aspecto tão subjetivo e que às vezes torna-se problemático para famílias que dependem do único carro da casa tanto para o uso cotidiano na cidade quanto para percursos rodoviários esporádicos.
No caso específico da primeira geração nacional do Corsa, equivalente à 2ª geração do modelo europeu e que também fez muito sucesso no México com o motor 1.6 em praticamente todas as configurações, é interessante considerar tanto questões como a influência das faixas de rotação e relações de marcha na economia de combustível quanto a escala de produção para exportação. Os modelos de exportação para o México, onde era denominado Chevrolet Chevy, não chegaram a ser oferecidos com o mesmo motor 1.0 oferecido no Brasil, com a opção de cilindrada mais baixa sendo o 1.4 oferecido na versão Chevy Popular de somente duas portas. Outro caso a se destacar foi o da África do Sul, para onde kits CKD de procedência brasileira eram enviados somente com os motores 1.4 e 1.6 e uma versão de entrada com o motor 1.4 e a denominação Opel Corsa Lite seguiu em produção até 2009;

2 - inclusão de veículos utilitários: o fato de modelos homologados como utilitários estarem sujeitos a uma alíquota de IPI sem distinção por cilindrada, e mais alta que a aplicada aos carros "populares", já é problemático para quem poderia beneficiar-se de um modelo mais especializado como o Suzuki Vitara em função de características mais específicas, como a aptidão off-road que cairia como uma luva para o público rural. A imensa maioria dos exemplares desse SUV compacto japonês importados para o Brasil durante a década de '90 veio com motor 1.6 e tração 4X4 part-time, embora uns poucos também tenham vindo com tração somente traseira que a princípio já os excluiria das definições de "utilitário" com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração em vigor no Brasil, e até pudessem ser enquadrados como "carro popular" se a Suzuki tivesse seguido a estratégia de oferecer uma versão especificamente depauperada de algum modelo internacional para atender a esse segmento no mercado nacional;
3 - viabilidade de plataformas tidas como obsoletas: novamente tomando como referência o Suzuki Vitara de 1ª geração, descontinuado pela própria Suzuki no Japão em '98 com a produção concentrada na Espanha nas instalações da Santana Motor até 2009 suprindo também chassis e carrocerias em CKD para países tão diversos quanto o Equador e a Indonésia, convém observar a improvável adaptabilidade de alguns modelos antigos a exigências mais recentes sem sacrificar algumas funcionalidades. Mesmo que pareça improvável um modelo cujo projeto original já tem mais de 30 anos ainda ser aceitável em meio à atual obsessão por uma alegada modernidade que nem sempre é tão benéfica quanto possa ser alegado, ainda convém observar tanto a facilidade para manutenções preventivas ou também corretivas e atualizações tanto em componentes mecânicos quanto sistemas de segurança. Vale destacar que, além do motor 1.6 HDi turbodiesel com injeção eletrônica common-rail oferecido nos últimos exemplares do Suzuki Vitara já rebatizado como Santana 300 destinados ao mercado espanhol enquadrado em normas de emissões mais avançadas que no início do ciclo de produção do modelo, a obrigatoriedade dos freios ABS para todos os veículos novos na União Européia a partir de julho de 2004 não foi um empecilho, e o fim das afiliações entre a Suzuki e a Santana Motor em resposta a uma aproximação com a Fiat foi o que decretou o encerramento da produção do Suzuki Vitara. Até sistemas mais modernos como controle eletrônico de estabilidade, normalmente integrado aos freios ABS e ao gerenciamento eletrônico dos motores, também não são impossíveis de incorporar;
4 - precariedade das condições de rodagem mesmo em centros urbanos: por mais que se insista em tentar imputar uma imagem de modernidade ao Brasil, nem sempre a infraestrutura acompanha essas aspirações de progresso que alçaram os SUVs à condição de objeto de desejo da classe média urbana mesmo antes que a categoria ficasse mais conhecida pelo público generalista por essa denominação. É óbvio que não se pode ignorar o trabalho do ministro Tarcísio Gomes de Freitas pela melhoria da malha viária brasileira, sobretudo em grandes eixos rodoviários que permaneciam entregues às traças (ou às praças - de pedágio) em governos anteriores e também em rotas de extrema importância para escoar a produção agropecuária e integrar o interior aos grandes centros que não recebiam a devida atenção em governos anteriores, mas até capitais estaduais ainda tem alguns trechos desafiadores tanto em função de características coloniais antigas que dificultam a implementação de um pavimentação melhor quanto do crescimento desordenado de alguns núcleos urbanos e suburbanos inclusive em áreas com topografia muito acentuada que se torna mais desafiadora a um hatch pé-duro atual que a um SUV compacto já antigo;

5 - facilidade de manutenção: num momento em que até um modelo considerado compacto é maior que alguns médios de 10 a 20 anos atrás, é imprescindível que o motor 1.0 incorpore alguns recursos mais sofisticados para atender a esse desafio. Tomando por referência a atual geração do Chevrolet Onix, que mesmo mantendo a injeção sequencial nos pórticos de válvula até nas versões com motor turbo já incorpora o comando de válvulas duplo com variação de fase na admissão e no escape também para o aspirado e até uma correia sincronizadora banhada a óleo bem mais difícil de substituir que a do motor muito mais à prova de burro usado na geração anterior. Por mais que alguns avanços até sejam bem vindos em nome de uma eficiência geral que se reflita na diminuição do consumo de combustível e das emissões de poluentes, não faz sentido ignorar que uma maior simplicidade técnica nem sempre é um demérito, e ao menos no Brasil uma maior sofisticação observada em motores 1.0 que preenchem a lacuna de mercado anteriormente destinada a outros de cilindrada até 60% mais alta mas de concepção mais modesta só é viabilizada pela definição estritamente burocrática de carro "popular" que leva em conta apenas um parâmetro extremamente subjetivo. O próprio fato da atual geração do Onix nacional ser oferecido em alguns mercados de exportação regional com um motor 1.2 aspirado ao invés do 1.0 com a mesma configuração disponível localmente já reforça essa discrepância, que de certa forma tem sido um dos maiores empecilhos para revigorar a idéia do "carro popular".

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

5 motivos para o Opel Corsa B ser um dos modelos mais emblemáticos da década de '90

Um modelo que foi muito destacado na época do lançamento tanto na Europa em '93 quanto no Brasil em '94, o Opel Corsa B marcou presença nos 5 continentes também sob as marcas Chevrolet e Holden. No caso específico do Brasil, onde foi produzido e comercializado como Chevrolet Corsa e atendendo a mercados de exportação tanto como Chevrolet quanto como Opel até 2009 mesmo com a carroceria do tipo hatch já fora do mercado local desde 2002, o modelo foi uma verdadeira revolução no segmento de carros "populares", sendo decisivo para a consolidação desse segmento. Por mais despretensioso que um modelo de entrada pudesse parecer à primeira vista, ao menos 5 motivos levam a crer que o Opel Corsa de 2ª geração que correspondia à 1ª geração dos equivalentes brasileiro e mexicano figure entre os carros mais importantes da década de '90:
1 - inclusão da injeção eletrônica entre os populares: o carburador ainda era a regra ao invés de já ser uma exceção para os modelos na faixa de 1.0L de cilindrada no Brasil quando o primeiro Corsa Wind foi lançado ainda com a injeção eletrônica monoponto. A chegada da injeção multiponto em '96 para as versões "populares" foi acompanhada da eliminação do distribuidor, sendo incorporada uma ignição do tipo wasted-spark;
2 - maior aceitação da configuração com 4 portas no Brasil: foi somente com a chegada do Corsa que caiu por terra a rejeição do público brasileiro a carros mais generalistas com 4 portas, com impacto maior até em comparação ao retorno dos importados exatamente pelo Corsa ter sido voltado a grandes volumes de vendas. Oferecida a partir de '95, essa opção caiu no gosto de um público que já assimilava melhor o caráter inovador que o Corsa incorporou desde a chegada ao país;
3 - um choque de modernidade no desenho de carros "populares": enquanto projetos requentados das décadas de '70 e '80 então ainda disponíveis no Brasil durante o lançamento do Corsa tinham linhas mais quadradas, a chegada do modelo fez o consumidor perceber o quão envelhecidos estavam os concorrentes nesse aspecto. Foi ainda mais curioso ao relembrarmos que, durante a volta do Fusca em '93 pouco antes da chegada do Corsa, algumas peças publicitárias faziam alusão às linhas arredondadas como uma tendência que de certa forma foi antecipada pelo Fusca;
4 - uma pedra no sapato do Fusca no México: mesmo com uma concepção radicalmente distinta e ao menos 50 anos mais antiga, o Fusca só foi encontrar um adversário combativo no mercado mexicano com o Opel Corsa B, que foi oferecido lá a partir de '94 como Chevrolet Chevy com carrocerias hatch e Chevrolet Monza na configuração sedan. Às vezes, chega a parecer que o designer Hideo Kodama fez propositalmente um uso de elementos mais arredondados no Opel Corsa B até para tentar fisgar aqueles nostálgicos que cultivam uma memória afetiva em torno do Fusca, e guardadas as devidas proporções é possível considerar que foi uma boa medida para fazer mexicanos que pensavam em Volkswagen para carros compactos econômicos assimilar a idéia de que um Chevrolet não seria necessariamente uma má opção;

5 - manteve-se competitivo diante da expansão de fabricantes japoneses: não é de hoje que o Japão se destaca na produção e desenvolvimento de veículos compactos, e hoje os fabricantes japoneses estão numa posição bem mais confortável que a General Motors e outros fabricantes em regiões tão diversas quanto Ásia e África ou até nos Estados Unidos. Por mais que no Brasil os fabricantes japoneses tentem arrotar um prestígio que não lhes pertence, nos mercados mais desenvolvidos e até em alguns países pobres do sudeste asiático e da África são vistos como um pé-duro que não incomoda mas também não empolga. Destacando-se os casos da Austrália onde o Opel Corsa B foi importado da Espanha oferecido como a 3ª geração do Holden Barina em substituição a versões do Suzuki Swift japonês anteriormente oferecidas com essa denominação, e da África do Sul onde kits CKD brasileiros foram usados até 2009 para a montagem do Opel Corsa Lite, fica evidente a combinação entre versatilidade e durabilidade que fez do modelo um bom concorrente no segmento de entrada mesmo em regiões onde o uso da mão inglesa favorece os japoneses no tocante à economia de escala.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Um câmbio automatizado com 5 marchas ainda pode ser melhor que um automático com 4?

Em se tratando de opções de câmbio automático para carros subcompactos, já faz algum tempo que os do tipo CVT tem sido favorecidos pela maior suavidade e por serem mais favoráveis à permanência dos motores em faixas de rotação mais eficientes. O fato de proporcionarem infinitas relações de marcha entre a mais curta e a mais longa também é especialmente favorável a motores com desempenho mais modesto, ao mesmo tempo que o tamanho do câmbio pode ser tão contido quanto o de automáticos com uma quantidade fixa de marchas que ficaria a princípio muito limitada para proporcionar adequar-se às diversas condições de uso às quais o veículo vá estar submetido. Um exemplo é a 7ª geração do Suzuki Alto, que além das versões japonesas oferecendo a opção entre o câmbio manual de 5 marchas também teve as opções entre um automático com 4 marchas e um CVT de acordo com as versões, e no caso do modelo internacional produzido na Índia onde era vendido como Maruti Suzuki A-Star ou como Suzuki Celerio para exportação limitava-se entre os mesmos manual de 5 marchas e automático com apenas 4, e cujo sucessor destinado especificamente ao mercado indiano com uma menor presença em mercados de exportação substituiu o automático por um automatizado de 5 marchas.
Por mais que em algumas circunstâncias um CVT possa ser até melhor que o manual, não é possível esquecer que o custo adicional de um câmbio automático e a menor oferta de assistência técnica mais capacitada para atender às especificidades desse sistema acabam desencorajando uma parte do público generalista a procurar por uma opção para libertar-se dos incômodos causados pela presença do pedal de embreagem no tráfego urbano. Nesse caso, é inevitável reconhecer que um câmbio automatizado por mais que recorra a um sistema eletromecânico ou eletro-hidráulico para acionar a embreagem e efetuar a troca de marchas ainda parece mais fácil para que um mecânico pouco familiarizado com câmbios automáticos entenda o funcionamento e siga os cronogramas de manutenção à risca, tendo em vista que oferece uma maior similaridade com o câmbio manual. E apesar de permanecer necessário substituir o conjunto de embreagem periodicamente como se faz com câmbios manuais, mesmo sendo um serviço aparentemente mais complexo que verificar o nível de fluido ATF num câmbio automático e fazer as trocas do ATF e do filtro periodicamente, não convém esquecer de fazer um flush completo do ATF a ser substituído e que não é tão fácil de fazer sem o equipamento apropriado.

Outro caso que merece ser observado é o do Renault Logan de 2ª geração, que chegou a ter versões com motor K4M de 1.6L e 16 válvulas e câmbio automático com 4 marchas substituídas por outras com o motor K7M de mesma cilindrada mas 8 válvulas e o câmbio automatizado de 5 marchas denominado Easy-R que era equipado com um sistema de automatização desenvolvido pela ZF, antes que passasse a fazer uso de um conjunto mecânico originário da Nissan com outro motor 1.6 de 16 válvulas e a opção automática sendo um CVT. Considerando até a proposta de baixo custo que originalmente norteou o desenvolvimento do Logan, não teria sido de se estranhar que um câmbio automatizado pudesse ter sido oferecido desde o início, tanto por estar mais adequado ao viés mais favorável aos câmbios manuais e automatizados que aos automáticos na Europa e às limitações de custo em mercados emergentes como o Brasil onde ainda não havia uma massificação do câmbio automático por razões desde conforto puro e simples até uma maior demanda por veículos adquiridos com isenção de impostos por deficientes que se beneficiam da maior facilidade de fazer uma adaptação. À medida que o câmbio automático ganhou a confiança do consumidor brasileiro, que também acabou passando a ter uma percepção negativa dos automatizados, o Logan Easy-R foi saindo de cena até tornar-se uma curiosa lembrança.

Outro caso que chama a atenção é do Chery Tiggo2, que nada mais é do que um Chery Celer maquiado para ser empurrado como se fosse um SUV ao invés de um hatch compacto, e que apenas para oferecer uma opção de câmbio automático recorreu a um Aisin antigo com só 4 marchas que já teve seus dias de glória na década de '90 e começo dos anos 2000 mas hoje é considerado obsoleto. Em outros modelos da fabricante chinesa que atualmente mantém parceria no Brasil com o grupo CAOA para montagem de veículos em Goiás, até já são oferecidas opções de câmbio automático e automatizado mais avançadas como um CVT ou um automatizado de dupla embreagem que é basicamente uma cópia do PowerShift que tanta dor de cabeça deu a proprietários de alguns modelos da Ford mundo afora e que no Brasil foi abolido recentemente. Apesar da reputação de produtos chineses em geral já não ser das melhores, e os ânimos mais exaltados em função da proliferação de uma variação do coronavírus criada em laboratório na China aumentar exponencialmente a rejeição de consumidores, possivelmente o caso específico do Chery Tiggo2 não seja o mais adequado para avaliar o quanto um câmbio automatizado de embreagem simples e 5 marchas pudesse ser favorecido junto ao público generalista comparado a um automático com 4 marchas fornecido pela Aisin japonesa que é referência mundial.

Outro caso bastante peculiar é o da atual geração do Suzuki Jimny, primeira a finalmente oferecer aos consumidores brasileiros a opção pelo câmbio automático ainda que tenha só 4 marchas. O jipe japonês já se destaca por manter uma configuração essencialmente tradicional, com características como o uso de eixos rígidos mesmo que seja tecnicamente possível incorporar suspensão independente ao menos no eixo dianteiro, e em função do tamanho extremamente compacto que se faz necessário para uma mesma carroceria poder servir tanto a versões internacionais quanto as classificadas como "kei" no Japão ainda limitam o espaço para a montagem de um conjunto mecânico muito mais sofisticado, portanto é muito mais fácil assimilar a idéia de que o câmbio automático permaneça com uma quantidade de marchas menos "impressionante" que a de utilitários com proposta igualmente tradicional mas com porte mais avantajado. É conveniente destacar também que um câmbio automático é especialmente vantajoso para trafegar em áreas com topografia acentuada que são facilmente encontradas em percursos off-road, nas quais o acoplamento entre motor e câmbio sem as interrupções que um manual ou um automatizado apresentam torna-se mais favorável também à segurança quando o câmbio automático é corretamente usado.

Embora já tenha sido a regra em outros momentos históricos, hoje o câmbio automático com 4 marchas é uma exceção a ser evitada em nome da preservação do desempenho e da economia de combustível, de modo que acaba sendo preferível mesmo um automatizado de embreagem simples e 5 marchas quando um automático mais moderno de 6 marchas ou um CVT estejam totalmente fora de cogitação. Chama a atenção o caso da atual geração do Suzuki Vitara hoje oferecida no Brasil com câmbio automático de 6 marchas, enquanto na Índia conta com câmbio manual de 5 marchas como opção de entrada mas teve o automatizado de 5 marchas substituído por um automático com somente 4 marchas tão logo deixou de dispor do antigo motor Diesel passando a ser vendido com um único motor a gasolina. Tendo em vista não só a preferência de uma parte do público por motores Diesel, especialmente nos SUVs embora no Brasil o Vitara nunca tenha contado com essa opção, mas é importante lembrar de quem está disposto a fazer algumas concessões quanto à imagem de funcionamento áspero da embreagem em automatizados comparada à suavidade do conversor de torque hidráulico, além do mais se economia de combustível e um menor prejuízo ao desempenho sigam na pauta tal qual a manutenção aparentemente mais simples.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Poderia uma maior participação da operação brasileira da GM ter sido mais providencial na Índia e na África do Sul?

Em meio a tantas transições que o mercado automotivo tem vivenciado num contexto mundial, chama a atenção que a General Motors tenha se retirado de algumas regiões como a Europa onde destacou-se em função de ter sido proprietária da Opel entre 1929 e 2017 quando vendeu a operação para o grupo PSA. Certamente um dos modelos mais emblemáticos de quando havia um alinhamento entre a Chevrolet no Brasil e a Opel em outros mercados foi o Corsa B, que além do hatch disponibilizado na maioria dos países também chegou a contar com outras variações de carroceria desenvolvidas no Brasil como o sedan (que posteriormente foi renomeado Classic e teve a permanência prolongada no contexto do carro "popular" brasileiro) e a pick-up, que chegaram também a marcar presença em mercados tão distintos como a Índia e a África do Sul antes que a GM adquirisse a Daewoo e a transformasse em GM Korea. A consolidação da Coréia do Sul como pólo de desenvolvimento de modelos compactos a nível global foi um dos motivos para a operação brasileira ter uma participação menor em estratégia internacionais, culminando com a subordinação à joint-venture chinesa SAIC-GM ao invés de responder diretamente à matriz nos Estados Unidos, e tal situação a princípio pode também ter comprometido a sustentabilidade das operações da General Motors na Índia e na África do Sul.
Naturalmente, especificidades como o Brasil adotar a circulação pelo lado direito da via com o cockpit do lado esquerdo do veículo em contraste ao uso da mão inglesa poderiam fazer parecer improvável um sucesso do Corsa Sedan e da pick-up Corsa na África do Sul por exemplo, mas o fato da plataforma dos modelos já ter levado em consideração essa característica também em função do mercado europeu onde o Reino Unido, Malta e o Chipre também usarem a mão inglesa não foi empecilho para o envio de kits CKD brasileiros para a montagem na antiga operação sul-africana da GM onde os modelos usavam a marca Opel. Outro aspecto relevante é quanto a opções de motorização, com o motor 1.0 que foi usado em versões básicas do sedan no Brasil sendo irrelevante na imensa maioria dos mercados de exportação que preferiam o 1.4 disponibilizado também como opção de entrada para a pick-up em contraste com o uso exclusivo do motor 1.6 no mercado nacional, além de motores Diesel que também eram apreciados em países onde não há limitações ao uso em função das capacidades de carga e passageiros ou tração. É perfeitamente compreensível observar também que, muito embora a carroceria sedan mantenha-se com uma certa relevância sobretudo devido à demanda em mercados emergentes, a ponto de ter feito sucesso com o Corsa B tanto na África do Sul suprida pela produção brasileira quanto na Índia onde também foi feito uso de componentes do equivalente chinês Buick Sail, a pick-up Opel Corsa Utility poderia não ter na Índia a mesma receptividade encontrada na África do Sul, tendo em vista que o mercado indiano tem uma demanda maior por triciclos como o Piaggio Ape entre os veículos comerciais mais básicos que foi ainda mais difícil de superar durante o ciclo de produção da pick-up Corsa brasileira.

O reposicionamento de marcas da GM que culminou na tentativa de reavivar a Chevrolet como marca generalista global, abrangendo também a Chevrolet Montana desde a geração baseada no Opel Corsa C até a atual, também foi um momento que poderia ter sido melhor para reconhecer alguma relevância da operação brasileira no atendimento aos mercados ditos "emergentes" e periféricos. Só o simples fato da Montana ter deixado de usar o nome Opel Corsa Utility na África do Sul para tornar-se simplesmente Chevrolet Utility já poderia parecer mais favorável a um alinhamento mais forte entre a General Motors do Brasil e a General Motors South Africa que também dependia do suprimento de kits CKD coreanos para a linha de automóveis Chevrolet mesmo em segmentos de entrada enquanto a linha Opel já estava tecnicamente mais próxima dos congêneres europeus. Mesmo que a linha Chevrolet brasileira pudesse parecer demasiado defasada até em função do aproveitamento de alguns projetos antigos da Opel tidos como obsoletos em alguns casos, especialmente no tocante ao motor Família 1 que equipou a Montana em versões 1.8 e 1.4 na geração antiga no Brasil enquanto para a atual o maior é reservado para atender à exportação, o desafio de se manter relevante num mercado tão peculiar quanto o brasileiro pode não ser uma experiência desprezível em outras regiões onde uma imagem de "modernidade" mais atribuída à concorrência japonesa e coreana acaba contrastando com a simplicidade de um motor antigo porém à prova de burro que se mantém aceitável para o público no segmento de veículos utilitários de trabalho.

Um exemplo recente de como a operação brasileira da GM merece mais reconhecimento é o Chevrolet Onix, cuja primeira geração lançada em 2012 e discretamente reestilizada em 2017 foi desenvolvida em função de peculiaridades do mercado local que prejudicariam a competitividade dos modelos mundiais numa faixa de tamanho próxima, embora a atual lançada em 2019 tenha contado com mais participação da SAIC no projeto até por interesse dos chineses em se apropriar de propriedade intelectual da GM. É de se destacar o fato do Onix ter sido o carro mais vendido da América Latina em 2018, apesar de não ter sido oferecida nenhuma versão RHD para atender a mercados de mão inglesa que também existem nessa região e em alguns casos como o de Trinidad e Tobago não permitem a venda de modelos LHD, a exemplo do que também ocorre na Índia e na África do Sul onde em outras ocasiões uma aproximação técnica com a GM do Brasil foi muito mais benéfica do que se poderia supor. Enfim, considerando uma série de fatores geográficos, culturais e econômicos que levam à necessidade de soluções nem sempre tão ortodoxas até para um fabricante de automóveis dos mais tradicionais se manter competitivo, seria até fácil deduzir que uma maior participação da operação brasileira poderia salvar a GM na Índia e na África do Sul.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Uma reflexão sobre o estigma de "inferioridade" atribuído aos câmbios automatizados monoembreagem

Rejeitados pelo público generalista que atualmente se divide entre a rapidez dos câmbios automatizados de dupla embreagem ou a suavidade dos automáticos convencionais, mas seguindo firme e forte como a opção mais comum para atender ao mercado de caminhões, os automatizados monoembreagem acabam sendo estigmatizados como gambiarra e ainda alvo de desconfiança por parte de consumidores que não entendem algumas peculiaridades da operação desse tipo de câmbio. É previsível que uma carga não vá reclamar da menor suavidade durante trocas de marcha em comparação a um automático convencional, e as próprias condições operacionais não justifiquem a complexidade do câmbio de dupla embreagem, e portanto um gestor de frota que prefira manter os procedimentos de manutenção mais padronizados seja mais facilmente convencido a ver no câmbio automatizado de embreagem simples uma possibilidade de melhoria no conforto para o operador sem aumentar em demasia o custo operacional. Mesmo que hoje a redução no consumo de combustível em comparação ao câmbio manual já possa também ser alcançada usando um câmbio automático moderno cujo conversor de torque hidráulico conte com bloqueio (lock-up), o investimento inicial menor torna o automatizado mais atrativo para uma grande parte do público de caminhões como o Volvo VM e o Volkswagen Constellation.

Mesmo que um câmbio automatizado monoembreagem como o I-Motion que já chegou a ser oferecido em modelos como o Volkswagen Fox não tenha a mesma rapidez que é alegadamente a maior vantagem dos câmbios de dupla embreagem como o DSG que já equipou ou ainda equipa outros modelos da linha Volkswagen, e também possa estar sujeito ao risco de danos aos atuadores eletro-hidráulicos, ainda vale destacar como a maior similaridade construtiva com um câmbio manual a princípio facilitaria promover o treinamento necessário para a rede de assistência técnica autorizada e para mecânicos independentes. Apesar de ser apresentado como um "quebra-galho" para modelos cujo fabricante eventualmente não se interesse em oferecer um câmbio automático por questões de custo ou o impacto sobre o desempenho e o consumo de combustível, exatamente por ser uma tecnologia intermediária o câmbio automatizado de embreagem simples também é favorecido pela logística ao poder ser produzido nas mesmas instalações que produzem câmbios manuais. Tendo em vista que a maior parte dos câmbios automáticos oferecidos em automóveis de fabricação brasileira depende da importação do Japão e da Coréia do Sul, o aumento na procura por essa comodidade tanto pelo público generalista quando na modalidade de vendas diretas destinada a deficientes com acesso à isenção de alguns impostos levaria a crer que uma produção local de câmbios automáticos fizesse mais sentido, embora não seja inoportuno levar em consideração como os automatizados monoembreagem ainda serviriam bem a um público até certo ponto mais imediatista e seriam favorecidos pela economia de escala e por uma supply-chain mais enxuta e menos dependente de importações.

Um caso interessante é do Maruti Suzuki Swift DZire de fabricação indiana, atualmente oferecido com um motor de 1.2L a gasolina podendo ser equipado com câmbio manual de 5 marchas ou automatizado com a mesma quantidade de marchas, mesmo que seja disponibilizado no Swift hatch em outras regiões um automático CVT como opcional. Naturalmente o fato da carroceria sedan ser destinada sobretudo a mercados emergentes, que por sua vez costumam ser mais críticos no tocante ao custo inicial, já parece um bom argumento para justificar que se ofereça um câmbio automatizado monoembreagem apesar de haver um automático perfeitamente compatível com a plataforma do modelo. Outro ponto digno de nota é a oferta de manutenção e reposição de peças em mercados periféricos onde prevalece a familiaridade dos mecânicos tanto nas representações oficiais de fabricantes e importadores quanto entre profissionais independentes com os câmbios manuais, em contraponto à percepção do câmbio automático como algo muito sofisticado e até certo ponto mais especializado para aplicações críticas onde um mínimo erro do condutor durante uma mudança de marcha ou na operação do pedal de embreagem possa comprometer a integridade de algum material que esteja sendo transportado em condições adversas, condicionando o público generalista a se dar por satisfeito com um automatizado de embreagem simples caso deseje tão somente uma maior facilidade para dirigir em meio ao trânsito urbano congestionado.

Mesmo em segmentos que no Brasil acabam tendo aspirações mais prestigiosas que no fim das contas não condizem com a realidade de outros mercados onde um sedan médio como o Toyota Corolla é visto como uma espécie de "Fusca japonês" pela robustez e presença global, também acaba sendo pertinente destacar como um câmbio automatizado monoembreagem não é tão absurdo. Tomando como referência a geração E120 do Corolla, cujas versões japonesas e européias tiveram uma carroceria um pouco mais estreita que a do modelo americano também fabricado no Brasil entre 2002 e 2007 e também havendo diferenças quanto à oferta de motores em cada região, vale destacar que a hegemonia do câmbio automático tanto no Japão quanto nos Estados Unidos não foi impedimento para que se oferecesse no modelo europeu um câmbio automatizado de embreagem simples com atuadores elétricos ao invés de eletro-hidráulicos que estava mais de acordo com a maior prioridade que era dada à economia de combustível na Europa Ocidental ainda que com um menor nível de suavidade nas trocas de marcha. Por mais que o câmbio automático convencional oferecido em versões do Toyota Corolla E120 destinadas a mercados tão diversos quanto o brasileiro e o americano ou o japonês não tenha sido alvo de maiores objeções, o simples fato de um automatizado ter equipado versões européias não deixa de ser um bom contraponto diante do complexo de inferioridade de alguns brasileiros que preferem recorrer a algo mais complexo mesmo se estivesse bem servido por um mecanismo mais simples.
Se por um lado encontram uma rejeição até certo ponto injusta entre as aplicações veiculares leves, por outro o segmento comercial se beneficia por melhorias no consumo de combustível e pela durabilidade da embreagem que também se vê beneficiada levando em consideração que os câmbios automatizados tendem a efetuar as trocas de marcha "no tempo" e a maior integração com o gerenciamento eletrônico do motor proporciona proteção contra erros de condução como rotação excessiva. O fato de permanecer mais comum em câmbios manuais para caminhões e ônibus a disponibilidade de câmbios "secos" sem sincronização, que em algumas condições até dispensam o uso da embreagem em mudanças de marcha, também é vantajoso em função de um câmbio automatizado proporcionar uma maior similaridade entre as médias de consumo que um motorista experiente e um novato obteriam com um câmbio manual, e já não seja mais tão comum encontrar profissionais que conduzam satisfatoriamente veículos com "caixa seca". Enfim, ainda que a desmistificação do câmbio automático em veículos leves no Brasil constitua um grande avanço, é preocupante que um estigma de "inferioridade" distancie o público generalista dos benefícios que os câmbios automatizados ainda proporcionam no segmento de veículos comerciais.