quarta-feira, 14 de abril de 2021

3 motivos pelos quais a idéia do "carro popular" justificaria ser revigorada

Tomando por referência o lançamento do Fiat Uno Mille no Brasil em '90, após alguns anos com essa opção permanecendo restrita à exportação para países onde a incidência de impostos sobre automóveis já era baseada na cilindrada, como a Itália onde era vendido como Innocenti Mille, o conceito de "carro popular" começou a ter mais atenção do público generalista. Embora a limitação da faixa de cilindrada a 1.0L para enquadrar numa alíquota de IPI mais baixa não tenha sido necessariamente a mais acertada sob um aspecto estritamente técnico, tendo em vista tanto a necessidade de um mesmo veículo cobrir as necessidades tanto do uso urbano quanto eventuais percursos rodoviários e prover força para acionar acessórios que ganharam mais espaço no mercado ao longo do tempo após a consolidação da categoria "popular", como direção hidráulica e ar condicionado que seriam sofríveis para a configuração original com 47cv e carburador de corpo simples do primeiro Uno Mille de "frente alta", tal medida burocrática iniciada durante o conturbado governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello (atualmente senador) ainda encontra reflexos em medidas que destoam da proposta de contenção de custos à medida que foi incorporado o turbo em alguns motores nessa faixa de cilindrada para servirem a modelos de pretensões menos minimalistas. Naturalmente, uma série de circunstâncias tanto estritamente técnicas quanto mais políticas e burocráticas levam à necessidade de reavaliar alguns parâmetros, mas ao menos 3 motivos ainda justificam que a idéia do carro "popular" mereça ser reavaliada e revigorada pelo presidente Jair Bolsonaro.
1 - mais seguro e confortável que uma moto: a princípio, mesmo um "popular" de gerações anteriores como o Fiat Uno Mille já oferecia maior proteção aos passageiros e bagagens em comparação às motos de pequena cilindrada contemporâneas. Modelos mais recentes incorporaram recursos como freios ABS e airbag duplo, que diga-se de passagem foram alegados como o principal motivo para o Mille ter saído de linha mesmo sendo tecnicamente viável equipá-lo com tais dispositivos apenas para cumprir normas e, considerando que no Brasil os freios ABS ainda não são obrigatórios para motos até 250cc, na prática um carro pequeno ainda pode oferecer mais segurança e conforto para usuários que não precisem ou não possam contar com a manobrabilidade mais favorável às motocicletas em meio ao trânsito pesado;

2 - competitividade em mercados de exportação regional: com o Brasil consolidado como o maior mercado automobilístico da América do Sul, servindo ainda como hub de exportação tanto para países vizinhos quanto para a África e o Oriente Médio em alguns casos mais específicos, o fato de não haver na maioria desses mercados externos o mesmo benefício fiscal para uma faixa de cilindrada tão restrita, a demanda pelos motores de 1.0L não encontra necessariamente a mesma receptividade fora do país. É de se considerar que, apesar de regiões como a Europa e o Japão ou até mesmo a África do Sul serem tão ou mais receptivas ao downsizing que o Brasil ou países vizinhos como a Argentina e a Bolívia, vale salientar que mesmo a tributação diferenciada não impede que um motor de 1.0L e 3 cilindros com turbo (e mais recentemente a injeção direta ganhando espaço) permaneça mais caro que outro de 1.6L e 4 cilindros com aspiração natural (e invariavelmente injeção sequencial nos pórticos de válvula);

3 - economia de combustível e redução de emissões: simplesmente limitar a cilindrada pode não se refletir num consumo de combustível mais modesto ou nas emissões em todas as condições de uso, tendo em vista tanto aqueles momentos em que o motor permanece ligado em marcha-lenta em meio ao trânsito quanto outros em que se faz necessário "esgoelar" em uma faixa de rotações mais altas visando alcançar o mesmo desempenho que um motor maior associado a uma relação de marcha mais longa teriam em outras situações. À medida que o sistema de desligamento automático em marcha-lenta com o veículo parado ganha espaço em outras categorias, até em meio a um trânsito urbano mais lento já não é mais tão justificável tratar o consumo nesse cenário como diretamente proporcional à cilindrada, e até pode ser implementado com relativa facilidade também na atual geração de carros "populares". Além de nem sempre ter um custo de fabricação menor que justifique no tocante à escala de produção, o atual parâmetro da cilindrada como o que defina se um carro é ou não "popular" pode contradizer também as premissas de baixo custo de operação e manutenção.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Fiat Prêmio, uma oportunidade perdida para atender aos mercados "emergentes" já nas décadas de '80 e '90

Produzido no Brasil entre '85 e '94, e na Argentina de '88 até o ano 2000, o Fiat Prêmio com certeza foi menos apreciado do que efetivamente mereceu durante o ciclo de produção e a fase em que vinha já da Argentina renomeado como Duna em '95. Robustez e economia tão apreciadas que inspiraram a grande quantidade de memes sobre o Fiat Uno também marcaram presença no sedan, que acabava por oferecer uma capacidade de bagagem mais conveniente sem aumentar de forma tão absurda o tamanho externo (indo dos 3.64m do Uno para 4,04m). Contou no mercado brasileiro com os motores de 1.3L e 1.5L da série Fiasa, bem como outros de 1.5L e 1.6L da série Sevel provenientes da Argentina, além de versões Diesel de 1.3L e 1.7L somente para mercados externos. A opção pela carroceria com 4 portas chegou ao Brasil em '87 e já abriu mais espaço para a comercialização do modelo em outros países onde carros de duas portas eram menos apreciados, seguida pela remodelação conhecida por "frente baixa" em '91, e o modelo chegou a ser exportado até para a Europa tendo em vista que o Prêmio e os outros derivados do Uno não chegaram a ser produzidos na Itália. Mas ao contrário da Argentina, onde sedans chegaram a ter uma proposta mais "popular" que hatches e justificaram a continuidade do modelo usando por lá o nome Duna desde o início da produção local, na Europa só foi disponibilizado o Prêmio também com a denominação Fiat Duna até '91 mesmo. Ao contrário do Uno Mille e da Elba também conhecida como Duna Weekend em alguns mercados de exportação, e que foram realinhados no mercado europeu com a marca Innocenti até '97 na Itália como Innocenti Mille e Innocenti Elba, o Prêmio não teve a mesma sorte, permanecendo com uma disponibilidade mais limitada à América do Sul. Vale destacar que, com os sedans tendo permanecido por muito tempo mais apreciados em mercados hoje ditos "emergentes" em comparação à Europa Ocidental, o Fiat Prêmio eventualmente pudesse ter sido aproveitado até para fortalecer a presença do fabricante em regiões como a África e o sudeste asiático, onde a concepção mais robusta do Uno brasileiro com relação ao análogo europeu certamente favorece o enfrentamento a condições de rodagem mais duras.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Fiat 509 S

Um carro pequeno porém com alguns aspectos técnicos um tanto arrojados para os padrões da década de '20 do século passado, produzido entre 1924 e 1929, o Fiat 509 tinha diversas opções de carroceria, e até chassi para encarroçamento especializado que ainda era uma prática bastante comum à época. Com um motor de 990cc e 22cv a 3400 RPM que já trazia um comando de válvulas no cabeçote sincronizado por corrente enquanto motores de válvulas laterais ainda eram comuns, chegou a servir de base também para modelos esportivos como o 509 S. No tocante ao chassi, tipo escada com eixos rígidos e suspensão por feixes de molas semi-elípticas, não diferia muito à configuração predominante nos "calhambeques" contemporâneos, bem como os freios a tambor de acionamento mecânico nas 4 rodas.

E se por um lado a configuração de comando de válvulas lembra motores mais modernos, outros pontos como a ignição por magneto, o suprimento de mistura ar/combustível por um carburador e o recurso ao efeito de termo-sifão para a recirculação no sistema de refrigeração líquida ao invés de bomba d'água eram uma solução bastante conservadora. Diâmetro e curso dos pistões de 57 e 97 mm respectivamente, caracterizando o motor como subquadrado, também eram uma característica mais usual à época, bem como o uso de um câmbio manual com apenas 3 marchas. Pode não parecer tão visceral como outros esportivos italianos à primeira vista, mas a concepção relativamente minimalista aproveitando muitos elementos de um modelo mais generalista já é algo a se destacar em contraste com a atualmente muito limitada oferta de esportivos compactos e não tão inacessíveis.

O exemplar das fotos, cujo ano de fabricação eu não me recordo, esteve exposto no 27º Encontro Sul-Brasileiro de Veículos Antigos, ocorrido entre os dias 8 e 18 de novembro de 2018 no estacionamento do shopping Bourbon Wallig, em Porto Alegre.

quinta-feira, 11 de março de 2021

Uma rápida observação sobre a presença da hibridização em automóveis esportivos de luxo

O fato de modelos como o Porsche Panamera de 2ª geração serem mais fáceis de ver no Brasil na configuração híbrida plug-in é algo que tem me chamado a atenção por uma série de fatores que não se restringem à pauta da "sustentabilidade" tão alardeada pela mídia e por fabricantes de automóveis. Em meio à ênfase exagerada que vem sendo dada à eletrificação veicular de um modo geral, chega a ser até um contra-senso quando não são adequadamente exploradas as características como o uso do turbo e da injeção direta num motor como o V6 de 2.9L que atualmente equipa o Porsche Panamera 4 e-hybrid, e que a bem da verdade proporcionariam alguma facilidade para promover o etanol ao invés de difundir inverdades tanto com relação à produção brasileira desse biocombustível baseada na cana de açúcar quanto à americana mais dependente do milho como matéria-prima. Por mais que a hibridização possa ser usada mais como um auxílio para manter um desempenho vigoroso ao invés de permanecer como uma opção estritamente voltada à redução do consumo de combustível e emissões, vale lembrar que um tratamento privilegiado em âmbito governamental a veículos híbridos acaba tratando essa abordagem de forma exageradamente otimista, sem observar outras medidas que possam ser integradas visando promover uma redução na dependência pela gasolina. E diga-se de passagem, se em outras épocas um funcionamento mais irregular na "fase fria" e a partida mais difícil com o etanol em baixas temperaturas constituíam um problema, hoje a injeção direta não apenas permite que se use uma taxa de compressão mais benéfica a esse biocombustível sem aumentar em demasia o risco da pré-ignição ao operar com gasolina mas também facilita a partida a frio.

segunda-feira, 1 de março de 2021

4 carros já fora de linha que de certa forma poderiam manter vivo o segmento dos "populares"

Uma série de fatores tem levado o segmento de carros "populares" a um desvirtuamento, e não faz tanto sentido apontar somente o enquadramento em normas de segurança e emissões como pretexto para que modelos mais pé-duro sejam eliminados em meio à concentração de mercado cada vez maior em torno dos SUVs. Se por um lado ainda os hatches e sedãs compactos persistem com bons volumes de vendas, e diga-se de passagem alguns modelos mais recentes nessa categoria já chegam a apresentar dimensões maiores que alguns carros médios de gerações anteriores, por outro acabam se afastando de premissas mais estritamente utilitárias e funcionais ainda procuradas por alguns consumidores em meio aos preços exorbitantes que até veículos com motor 1.0 de aspiração natural vem atingindo. Ao menos 4 exemplos de hatches já fora de linha, mas que poderiam muito bem reaquecer o segmento dos "populares", podem ser listados:

Celta: com a implantação da fábrica da GM em Gravataí inicialmente para a produção desse modelo a partir do ano 2000, a ascensão da Chevrolet no Rio Grande do Sul que antes era basicamente um reduto da Volkswagen a ponto de muitos idosos ainda acharem que "trocar de carro" é sinônimo de "comprar um Gol mais novo", o Celta chegou a ser oferecido com airbag duplo e ABS a partir de 2013 antecipado à obrigatoriedade iniciada em 2014, mas saiu de linha em 2015. Por mais que a segurança veicular seja atualmente tratada com mais relevância pelo público brasileiro desde a implementação do Latin NCAP, e a idade da plataforma do Celta tenha lá suas limitações no tocante à proteção em colisões, não deixa de ter ainda algum potencial de se manter relevante no mercado caso permanecesse com um preço mais comedido diante de modelos mais atualizados;

Gol G4: um modelo bastante controverso devido ao acabamento, constantemente apontado como o pior já oferecido para um Gol, o G4 saiu de linha em 2014 sob a alegação de inviabilidade técnica em adotar airbag duplo e freios ABS. Na prática foi uma desculpa esfarrapada, tendo em vista que anteriormente o Gol chegou a dispor de tais equipamentos como opcionais no G2 (o popular "Gol bola") e no G3, além de terem permanecido disponíveis tanto para exportação quanto para clientes corporativos que fazem a aquisição como frotistas via CNPJ e em alguns casos já exigiam ABS e airbag mesmo antes que fosse obrigatório no Brasil. Além de desagradar uma parcela mais conservadora do público do Gol, que já não simpatizava tanto com a geração subsequente equipada com motor transversal, a retirada de linha do G4 foi problemática para a Volkswagen que não conseguiu firmar o Up como um sucessor na faixa dos modelos de entrada junto ao público generalista e muito menos junto aos frotistas;

Palio: por mais que não tenha dado origem a tantos memes exaltando uma aptidão a usos relativamente severos quanto o Fiat Uno/Mille, o Palio de certa forma honrou o antecessor nesse aspecto. O fato de ser projetado especificamente para condições de países "em desenvolvimento" como o Brasil, e o foco claramente definido no segmento dos compactos, ao invés de atirar para todos os lados como a Fiat faz atualmente com o Argo mirando também nos médios, torna o Palio um modelo essencialmente racional, de modo que poderia se manter confortável tanto junto a usuários profissionais quanto ao público rural que muitas vezes acaba optando por modelos compactos e de custo de manutenção relativamente baixo ao invés de SUVs 4X4 como seria de se esperar;

Renault Twingo: a primeira geração foi lançada na Europa em '92 onde permaneceu em produção até 2007, e durou até 2012 na Colômbia, um mercado a princípio improvável, mas o tamanho compacto e o bom aproveitamento de espaço interno em proporção ao comprimento como nas minivans justificavam o modelo que foi alvo de piadas no Brasil devido à aparência pouco convencional. Chegou a ser feito também no Uruguai entre '99 e 2002 usando o motor 1.0 de procedência brasileira, apesar de não ter sido exatamente um "popular" generalista e ter sido mais direcionado para quem tinha um carro maior mas desejava um modelo mais compacto e "especializado" ao uso urbano. Certamente hoje não haveria tanto interesse do fabricante em retomar uma produção, principalmente no Brasil, até porque o Kwid hoje ocupa uma faixa de tamanho bastante próxima e com uma estética que faz referências ao modismo dos SUVs.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Fusca '80 caracterizado como split-window

Não é novidade que o Fusca tornou-se um dos maiores ícones da história automobilística, não só por ter dado origem à potência industrial que a Volkswagen viria a se tornar, mas também com a popularidade que alcançou. E apesar de modelos não tão antigos também já alcançarem o status de colecionáveis, os primeiros com o vidro traseiro bipartido conhecidos como "split-window" (ou simplesmente "split") ou como "zwitter" também encontram fãs fervorosos que eventualmente modificam modelos posteriores com o objetivo de incorporar uma aparência mais antiga, principalmente no caso de exemplares que já recebam outras modificações tanto mecânicas quanto estéticas pelas mais variadas razões.
No caso desse 1300-L brasileiro ano '80, a parte traseira teve um resultado estético mais próximo ao de um split-window original, enquanto na dianteira o parabrisa maior e mais reto já entrega tratar-se de um exemplar modificado. Os faróis mais recuados também são visivelmente distintos dos originais tanto do split quanto do ano de fabricação desse Fusca, sendo mais retos e recuados em relação aos para-lamas dianteiros.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Até que ponto o termo "calhambeque" seria realmente pejorativo?

Um ponto bastante controverso entre apreciadores de veículos antigos, o uso do termo "calhambeque" como sinônimo daquela estética que ainda predominava entre as décadas de '20 e '30 do século passado, tendo modelos como o Ford Modelo A entre os exemplos mais recordados. As carrocerias ainda tinham alguns componentes mais destacados e pouco integrados aos demais subconjuntos, como faróis, grade do radiador e os paralamas, sendo bastante comum em veículos normalmente associados ao imaginário popular como calhambeque a presença de estribos laterais unidos aos paralamas. O desenvolvimento de um maior apreço aos veículos antigos com base no valor histórico, algo relativamente recente e que não deixa de ter sido favorecido pela reabertura das importações facilitando o acesso a peças de reposição com especificações mais próximas das originais e a influência cultural americana referente aos hot-rods que levou algumas empresas a oferecerem reproduções das carrocerias de alguns "calhambeques" até em versões originalmente utilitárias como pick-ups cujos originais tendiam a sucumbir a uma utilização mais severa enquanto ainda eram consideradas meras ferramentas de trabalho, certamente interferiu na menor aceitação do uso desse termo, ainda que não seja necessariamente tão depreciativo como outros mais específicos a exemplo de "chimbica" que está mais frequentemente associado ao Ford Modelo A.
É interessante observar que as características estéticas associados ao estereótipo de "calhambeque" não se restringiam a modelos de proposta "popular" como o Ford Modelo A, e chegavam a se manter até em veículos de pretensão mais prestigiosa como o Mercedes-Benz 170 S até a metade da década de '50. Até pode-se deduzir que uma interpretação do termo "calhambeque" como ofensivo varia de acordo com os modelos aos quais sejam aplicados, tomando por referência menções a outros veículos de projeto mais recente que fogem a essa estética e não fazem nenhuma referência "nostálgica" à mesma, mas também eventualmente não agrade a proprietários ou entusiastas embora a princípio uma referência a um Ford como calhambeque pareça menos fora de contexto que com relação a um Mercedes-Benz. Enfim, por mais que alguns elementos estéticos possam embasar uma utilização "neutra" ou até mesmo afetiva do termo, referir-se a alguns automóveis antigos como "calhambeque" pode causar constrangimentos desnecessários.

sábado, 23 de janeiro de 2021

Clássico nacional: DKW-Vemag Fissore

Um modelo bastante raro, o DKW-Vemag Fissore teve menos de 2700 exemplares produzidos entre '64 e '67 unindo a mecânica DKW de origem alemã produzida sob licença pela Vemag com a sofisticação do desenho italiano. O motor 2-tempos de 3 cilindros e 981cc a gasolina era essencialmente o mesmo dos modelos mais generalistas da linha DKW-Vemag, mas com a taxa de compressão mais alta visando um desempenho mais confortável com a carroceria que também era relativamente pesada comparando a outros veículos com o mesmo motor. Bastante moderno no tocante ao visual frente à geração anterior de automóveis DKW-Vemag com o qual compartilhava a mesma concepção básica e a linha de fabricação, de certa forma remetia ao DKW F-102 alemão que foi o último modelo a usar a marca DKW e motor 2-tempos de 3 cilindros já com 1175cc na Alemanha Ocidental antes da mudança da marca para Audi e a substituição do motor pelo 4-tempos Mercedes-Benz M118 na faixa entre 1.5L e 1.8L com 4 cilindros. Destacando-se não só pela ampla área envidraçada, o modelo de pretensões luxuosas para os padrões do Brasil da década de '60 foi o primeiro DKW-Vemag a incorporar o sistema Lubrimat, que dispensava a mistura prévia do óleo lubrificante no tanque de gasolina e fazia automaticamente a injeção de óleo. A venda da Auto Union feita pela Mercedes-Benz para a Volkswagen ainda em '64, já incluindo no pacote o projeto do motor M118, bem como o início da retirada das marcas Auto Union e DKW em favor do retorno da Audi, certamente pesaram na decisão de descontinuar a linha DKW-Vemag em '67, pouco tempo após a Volkswagen adquirir também a Vemag no mesmo ano.

O exemplar das fotos é do ano '65, e já estava com as placas de coleção no novo padrão do Mercosul.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Encerramento da produção da Ford no Brasil: surpreendente, mas até certo ponto previsível

Um fabricante inegavelmente muito tradicional, a Ford teve por muito tempo uma estratégia confusa no Brasil, apesar de ocasionais golpes de sorte terem postergado um encerramento da produção no Brasil. A dependência excessiva por poucos modelos para manter um volume razoável de vendas, nos últimos anos mais restrita ao Ka e ao EcoSport que desde 2019 foram os últimos automóveis Ford produzidos no Brasil, não proporcionava uma agilidade necessária diante da volatilidade de um mercado brasileiro mais complexo do que conseguiam supor os dirigentes tanto a nível internacional quanto nacional. Por mais iminente que parecesse a necessidade de uma reestruturação drástica da Ford a nível institucional, no fim das contas a decisão de fechar as fábricas de Taubaté que produz componentes mecânicos e a de Camaçari onde eram produzidos o Ka e o EcoSport das gerações atuais não soa tão surpreendente.
No caso específico do EcoSport, por simplesmente pertencer à categoria dos SUVs crossover até podia levar a crer que se mantivesse mais sustentável diante da consolidação de alguns dos maiores mercados em torno de modelos com essa proposta, e permaneceria enquadrado na recente estratégia de priorizar a linha de utilitários em detrimento de automóveis mais convencionais. A perda de relevância do modelo no mercado brasileiro, à medida que a concorrência foi ficando mais acirrada entre os SUVs crossover compactos nos últimos 10 anos, contrasta com a importância que o EcoSport teve em outra época para a continuidade da própria presença da Ford no Brasil quando a fábrica de Camaçari se encaminhava para ser a principal unidade da empresa no país. Uma operação baseada na importação, com modelos como a Ranger que permanece em produção na Argentina apesar da instabilidade política e econômica por lá, a princípio pode facilitar uma oferta mais diversificada de modelos, mas não deixa de ser arriscada tanto em função da complexidade na logística de reposição de peças e manutenção quanto pela tradição como uma marca generalista dificultar um reposicionamento da Ford em segmentos mais prestigiosos.
Não deixa de ser conveniente observar que a aposta em SUVs e pick-ups denota um comodismo que de certa forma remete à estratégia da época dos calhambeques, tendo em vista que hoje uma pick-up média como a Ranger por incrível que pareça ainda guarda alguma semelhança conceitual com o Ford Modelo T, além da presença global da atual geração da Ranger ser também comparável à quase-onipresença do "Ford Bigode". Apesar das diferentes configurações de motor e câmbio de acordo com as preferências e normas de cada região proporcionarem algum distanciamento das premissas de que um único projeto já atenda a todos os mercados, e também outros sistemas tenham evoluído significativamente durante os 104 anos que separam os respectivos lançamentos, o simples fato da Ranger e outras pick-ups médias e grandes ainda terem o chassi separado da cabine e da carroceria e o motor disposto longitudinalmente com o eixo traseiro rígido sendo o da tração principal mesmo em versões 4X4 guarda semelhanças com um calhambeque. E considerando também as condições de cada mercado, com alguns hoje alçando as pick-ups a uma posição de prestígio que não chega a ser o caso nos Estados Unidos, o mesmo ocorria com o Ford Modelo T no Brasil quando o simples fato de possuir um automóvel ainda era um privilégio em contraste à popularização dos carros que o modelo proporcionou ao público americano.
A insistência da Ford em acomodar-se a um segmento "popular" com relativamente poucas variações já se revelou insustentável em outros momentos, quando algum modelo de pretensões mais modestas tinha que ser oferecido para atender a mercados com peculiaridades que iam desde a incidência de impostos atrelada à cilindrada que prejudicou o Modelo T na Europa até a relevância dos sedans compactos como na atual geração do Ka tanto para usuários particulares quanto operadores comerciais como taxistas. Se em outros tempos a rusticidade de um calhambeque até não se distanciava muito de premissas utilitárias hoje alçadas a uma condição até prestigiosa, hoje a prevalência de características como o monobloco e o motor transversal combinado à tração dianteira parecem distanciar a Ford daquela velha mentalidade que remonta à época do próprio Henry Ford. Enfim, mesmo que cause alguma surpresa o encerramento da produção de veículos pela Ford no Brasil, era uma decisão até certo ponto previsível.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Caso para reflexão: triciclo Motocar MTX 150 modificado para transporte de carga

Não há como ficar indiferente diante de tantas situações no mínimo peculiares que ocorrem no Brasil, e as percepções um tanto equivocadas do público generalista com relação a triciclos utilitários certamente estão entre as mais incoerentes. A maior aceitação desse tipo de veículo no transporte de cargas leves já dispensa maiores explicações, especialmente em função da manobrabilidade em espaços mais exíguos, mas a pouca presença no transporte de passageiros tanto remunerado quanto particular chama a atenção. Deparar-se com um triciclo Motocar MTX 150 cuja configuração original é semelhante aos "mototaxis" peruanos, mas transformado artesanalmente em furgão, é um bom pretexto para refletir sobre como nem sempre uma boa solução encontra o justo reconhecimento.
Naturalmente a percepção de uma suposta "inferioridade" inerente às motocicletas em relação a outros tipos de veículo, como se a quantidade de rodas fosse o único fator relevante para mensurar o prestígio, leva os triciclos utilitários a serem também subestimados por uma parte do público que eventualmente viesse a ser mais beneficiada por essa categoria caso a observasse sob outra perspectiva. A mecânica de concepção mais modesta, que no caso do Motocar MTX 150 conta com transmissão final por corrente e tração somente na roda traseira esquerda como nas igualmente subestimadas motos com sidecar, é mais valorizada por operadores comerciais mesmo no momento em que o preço de qualquer carro "popular" tem se distanciado das premissas iniciais definidas ainda na década de '90. Embora seja compreensível a preferência do público generalista por veículos com um desempenho mais compatível também com os percursos rodoviários, bem como dotados de mais acessórios para tornar mais conveniente o tempo que se passa em meio ao trânsito urbano cada vez mais congestionado, quem possa preferir uma abordagem mais minimalista por qualquer razão tem sido praticamente esquecido pelo mercado automobilístico.
Apesar da concepção mais modesta do conjunto mecânico mesmo comparado aos modelos de carga da própria Motocar que usam eixo cardan e tração em ambas as rodas traseiras por eixo rígido, não dá para negar que um MTX 150 transformado em cargueiro destaca a versatilidade que os triciclos oferecem. É importante reconhecer que o Brasil é um país de terceiro mundo, onde os custos do transporte acabam tendo um impacto proporcionalmente alto sobre o custo de vida da população, de modo que a economia operacional dos triciclos torna-se desejável também em aplicações no transporte de passageiros. Enfim, mesmo que ainda prevaleça junto ao público generalista uma visão muito simplória que ignora tanto as condições econômicas do país quanto fatores de ordem estritamente técnica, um triciclo Motocar MTX 150 modificado para transporte de carga oferece uma perspectiva diferenciada para observação.