Enquanto o etanol ainda sofria com a desconfiança do grande público, outra alternativa passava a ser alvo de maior interesse: o chamado "gás natural", composto principalmente por metano e ocorrendo tanto em bacias petrolíferas quanto em bolsões isolados, antes usualmente aplicado diretamente em motores estacionários para geração de eletricidade ou operação de maquinário nos próprios campos de extração petrolífera ou simplesmente queimado nas plataformas offshore devido à dificuldade em armazenar e transportar para o continente. Ao contrário do gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha"), obtido artificialmente durante a destilação fracionada de petróleo, o gás natural já é extraído em estado gasoso. Outra diferença substancial é a pressão de armazenamento: enquanto o GLP é mantido a 15 bar, com o gás natural veicular (GNV) se trabalha a pressões entre 200 e 250 bar.
Inicialmente com uma disponibilidade mais restrita ao eixo Rio-São Paulo, e limitado ao uso em caminhões, ônibus e táxis, a partir de '96 passou a ter o uso liberado em veículos particulares, e em 2001 começava a ganhar mais espaço outras regiões com a conclusão do gasoduto Bolívia-Brasil e por conseguinte da ampliação da rede de distribuição. Apesar do custo inicial da instalação do kit de conversão para gás natural, o preço do combustível era atrativo não apenas diante da gasolina mas também do etanol, e tinha alguma competitividade até mesmo diante do óleo diesel.
Ao contrário do etanol, que proporciona um rendimento cerca de 30% menor em km/l comparado à gasolina, um metro cúbico de gás natural pode render de 20 a 25% mais que um litro de gasolina. No entanto, ao levarmos em consideração a "sustentabilidade" tão aclamada nos dias de hoje, o etanol ainda se destaca por ser de origem 100% renovável enquanto o gás natural consumido no país é em grande parte extraído de reservas fósseis ainda que o principal componente desse combustível, o metano, também ocorra naturalmente em estações de tratamento de esgoto, "lixões" a céu aberto e aterros sanitários controlados, de onde pode ser recuperado e aproveitado para fins energéticos embora seja recomendada uma filtragem e eventualmente purificação do biometano para reduzir os prejuízos ao desempenho em aplicação automotiva, tendo como vantagem em comparação com o etanol o fato de não comprometer a disponibilidade de terras agricultáveis para a produção de gêneros alimentícios e insumos industriais. O município de São Pedro da Aldeia, na região dos Lagos no Rio de Janeiro, já tem um projeto em andamento para tratar o biogás gerado no Aterro Sanitário Dois Arcos e direcionar ao uso como combustível veicular em escala comercial. Também é uma boa opção para incrementar a rentabilidade de operações agroindustriais.
Mesmo a produção de etanol e biodiesel gera efluentes que podem ser direcionados à produção de biogás, como a vinhaça da cana, e gomas e ceras que devem ser removidas do óleo visando produzir um biodiesel da melhor qualidade. Por mais que possa soar contraditória a observação quanto ao etanol, vale salientar que tem uma ampla gama de aplicações nas indústrias alimentícia, farmacêutica e química geral, e portanto uma substituição total ou parcial do etanol pelo biogás em aplicações veiculares manteria uma maior estabilidade dos preços de ambos os produtos.
Outro ponto importante a salientar é a simplificação do processo logístico, ao considerar que os mesmos gasodutos atualmente utilizados na distribuição do gás natural serviriam também ao biogás, reduzindo a circulação de caminhões-tanque que ainda são necessários para garantir a distribuição do etanol das usinas aos postos.
Mas nem tudo são flores: uma adoção do biogás preservaria desvantagens práticas já observadas num veículo convertido para operar com gás natural, mais notadamente uma redução na capacidade de carga tanto em peso quanto volume quando o cilindro de armazenamento do combustível é montado no compartimento de carga, como pode ser visto nessa Chevrolet S10 Advantage FlexPower. O peso do cilindro também provoca um desgaste mais acentuado nos conjuntos de freio e suspensão, embora tais efeitos sejam menos sentidos numa caminhonete em comparação a um veículo de porte mais modesto...
Em alguns veículos ainda há a possibilidade de se montar o cilindro de gás por baixo da carroceria, como nessa Ford F-1000 com motor de 6 cilindros em linha e 4.9L, o que apesar de não eliminar a redução na capacidade de carga em peso ao menos mantém a capacidade volumétrica inalterada, facilitando a acomodação dos materiais a serem transportados...
Há ainda alguns temores quanto a efeitos do uso do gás como combustível veicular por ser mais "seco" que a gasolina e o etanol, levando por exemplo a Ford a oferecer uma preparação especial com reforço das sedes de válvulas no motor Duratc de 2.3L que equipava a Ranger para atender a consumidores interessados em fazer a conversão. Entretanto, por não ser um solvente como a gasolina nem ter problemas de corrosibilidade como o etanol, além de eliminar o problema da diluição de combustível no óleo lubrificante, o gás até favorece a durabilidade do motor.
No caso do Doblò, além da aplicação em serviços de entrega e distribuição urbana, convém mencionar a grande popularidade que o modelo tem no mercado de ambulâncias em cidades do interior onde a vocação agropastoril ainda se faz presente, e portanto o biogás seria perfeitamente justificável.
Enquanto isso, muitos modelos que no Brasil são oferecidos apenas como bicombustível gasolina/etanol, como o Toyota Corolla, são vendidos na Venezuela já preparados para operar com GNV direto de fábrica, em que pese o fato de ter um volume de vendas menor que o do mercado brasileiro e ser um grande exportador de petróleo. A bem da verdade, desde abril de 2009 uma cota mínima de 50% de todos os veículos 0km comercializados na Venezuela por cada fabricante ou importador deve ser preenchida por modelos capazes de usar o gás natural em função de um decreto do ditador Hugo Chávez, que tinha como objetivo principal liberar gasolina e óleo diesel para exportação pelo real valor de mercado ao invés de comercializar no mercado interno por preços fortemente subsidiados. Também é apontada até hoje pela petroleira estatal venezuelana PDVSA (Petroleos de Venezuela S.A.) uma transição relativamente fácil entre o gás natural de origem fóssil e o biogás, sem tantas dificuldades técnicas como as associadas à maior corrosibilidade do etanol em comparação à gasolina.
E para citar outro player importante no mercado internacional de petróleo, projetos envolvendo o biogás estão ganhando espaço até mesmo em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Além de um amplo programa de conversão de veículos de serviços públicos para gás natural, já está em andamento um projeto para recuperação e purificação do biometano na principal estação de tratamento de esgoto do emirado. Pode-se deduzir portanto que, se até os sheiks do petróleo estão atentos ao potencial do biogás, trata-se de uma opção coerente não apenas em âmbito ecológico mas também no tocante à viabilidade econômica.
De um modo geral, seria injusto apontar o ProÁlcool como um erro, visto que foi a opção considerada mais fácil pelo governo militar para manter a segurança energética brasileira diante dos primeiros choques do petróleo e deu origem a um programa de substituição de combustíveis fósseis que, apesar de estar sofrendo constantes sabotagens políticas, permanece numa posição de destaque a nível internacional e inspira projetos semelhantes mundo afora. Porém, seria muita arrogância deixar de reconhecer que hoje há outras alternativas mais adequadas às atuais necessidades do país, como o biogás vem se mostrando apesar de ser tratado com algum descaso tanto pelo povão quanto pela administração pública...