sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Refletindo sobre alguns erros estratégicos da GM no tocante a motores

Mesmo já tendo sido em outros momentos um fã mais exaltado da General Motors, é impossível não considerar que a empresa possa ter cometido alguns erros estratégicos que hoje cobram um preço pela perda de algumas oportunidades. Não seria nem o caso de considerar um excessivo overlap na linha de sedãs compactos na América Latina, com modelos como o Chevrolet Classic derivado do Opel Corsa e o Chevrolet Aveo que originalmente era o Daewoo Kalos coreano aparentemente gerando um fogo amigo, mas outros pontos como a tentativa de sacrificar projetos de motores mais "à prova de burro" no intuito de se nivelar aos concorrentes japoneses quando estes ainda estavam em ascensão e a dependência excessiva por projetos de terceiros no tocante a motores Diesel para veículos leves não deixam de ser parte de uma série de problemas que culminaram numa menor relevância da GM a nível mundial e até na retirada de alguns mercados. Hoje parece mais difícil ou até mesmo impossível correr atrás de um prejuízo que vem sendo causado por décadas de erros, e até certo ponto não seria de todo errado atribuir parte do problema a uma "desamericanização" principalmente na concepção de motores.

A demora para que a linha de utilitários tivesse a 3ª geração mundial dos motores de 6 cilindros em linha substituindo o motor "Chevrolet Brasil", primeiro da GM a ser efetivamente produzido no país, foi de certa forma algo problemático especialmente durante as primeiras crises do petróleo na década de '70 que tornaram mais relevantes no segmento de caminhões médios o uso de motores Diesel. Foi relativamente comum no Brasil a conversão rudimentar tipo "misto-quente" de motores Chevrolet de 6 cilindros em linha a gasolina ou álcool para óleo diesel, valendo-se do uso do cabeçote e do sistema de injeção dos motores Mercedes-Benz OM321 de injeção indireta e OM352 já com injeção direta, e no caso do motor mais antigo o fato de ter apenas 4 mancais principais de virabrequim não favorecia a durabilidade em virtude das maiores pressões internas às quais estava submetido, além do processo de forja em aço do virabrequim proporcionar tensões que alteravam a estrutura cristalina da liga metálica, enquanto o motor posterior contando com 7 mancais principais e virabrequim fundido em ferro nodular oferecia uma maior aptidão a essa adaptação tão polêmica. O fato desse procedimento não ter sido exatamente desconhecido até por parte de engenheiros da General Motors do Brasil à época chama ainda mais a atenção, principalmente em função da oportunidade perdida para que o desenvolvimento de motores Diesel aplicáveis às mais variadas linhas da GM em âmbito mundial pudesse ter se tornado menos dependente da Detroit Diesel e da Opel ou do outsourcing junto à Perkins por exemplo.

Por mais que o motor Perkins 4-236 tenha sido um ativo valioso durante a massificação dos motores Diesel junto ao segmento de pick-ups, tendo equipado a Chevrolet D-10, a percepção desse tipo de motor como uma mera ferramenta de trabalho excessivamente ruidosa, lenta e áspera demais para uso em veículos particulares era especialmente desafiadora também em função do programa brasileiro de substituição da gasolina pelo álcool iniciado no Regime Militar constituindo uma alternativa para quem não abria mão da maior suavidade que os motores de 6 cilindros a gasolina ofereciam diante de um motor "de trator" com 4 cilindros. Assim, salta aos olhos a perda da oportunidade para a General Motors se firmar entre as pioneiras no desenvolvimento de motores Diesel de alta rotação, cada vez mais fundamentais para manter a relevância em mercados onde uma tributação atrelada às faixas de cilindrada também tem afetado veículos utilitários que no Brasil sofrem menos com esse problema em comparação a veículos mais generalistas. Naturalmente, depender de um eventual fornecimento de cabeçotes por um terceiro seria indesejável caso as conversões "misto-quente" deixassem de ser uma abordagem extra-oficial para serem levadas adiante pela GM, de modo que se faria necessário o desenvolvimento de cabeçotes próprios até levando em consideração a modularidade que viabilizou o compartilhamento do projeto básico do motor de 6 cilindros em linha da 3ª geração mundial com os derivados de apenas 4 cilindros visando cobrir uma maior variedade de segmentos e podendo até mesmo favorecer a pauta das exportações regionais.

De fato, o motor Chevrolet 153 que no Brasil teve como principal aplicação as versões mais simples do Opala e teve somente versões de 2.5L produzidas no país ainda hoje não deixa de ser um projeto interessante pela simplicidade construtiva, e a modularidade possibilitou uma amortização mais fácil do custo de implementação que se revelou particularmente útil durante o início da produção de carros da GM no país. E mesmo que pareça obsoleto sob uma perspectiva mais recente, convém lembrar que o recurso ao bloco e cabeçote de ferro em contraponto a projetos mais recentes que incorporam pelo menos o cabeçote de alumínio proporciona um menor custo de produção, e ainda favorece a retenção de calor que auxilia numa melhor vaporização ao se usar álcool como combustível e reduzir a "fase fria" imediatamente após a partida na qual um catalisador ainda não atinge as temperaturas ideais para promover a redução do índice de poluentes. Também não deixa de ser interessante destacar que o uso de comando de válvulas no bloco com sincronização direta por engrenagens acarreta em menos um possível foco de problemas comparado a motores com corrente ou correia sincronizadora, o que não deixa de ser relevante num país como o Brasil onde mesmo com a disponibilidade mais ampla de oportunidades de aperfeiçoamento para mecânicos independentes e insumos de melhor qualidade não se revertem necessariamente num maior rigor na observância de planos de manutenção por parte de operadores de veículos mais modernos. Com atualizações que acabariam sendo imprescindíveis para cumprir requisitos mais recentes de controle de emissões como injeção e ignição eletrônicas e o uso de catalisadores, não seria tão difícil que um motor frequentemente apontado como defasado pudesse se manter adequado às efetivas necessidades do público generalista em modelos mais modernos e de diferentes categorias.
Tendo em vista que o próprio Opala era uma adaptação dum projeto da Opel à mecânica americana, a princípio considerada mais adequada às condições brasileiras na época do lançamento, já pode até ser considerado um bom precedente do quão falho seria tentar unificar soluções técnicas entre mercados mais desenvolvidos e devidamente consolidados e as antigas colônias de exploração ainda precárias no tocante à infra-estrutura e qualidade de insumos como combustíveis e lubrificantes, bem como da oferta de assistência técnica independente que também acabava por manter uma defasagem técnica. É natural que nesse meio-tempo desde o final da década de '60 até a atualidade tenham ocorrido muitas mudanças tanto no mercado automobilístico quanto na oferta de assistência técnica especializada, e a percepção um tanto equivocada de que a rusticidade não seria mais tão apreciável seja mais difundida até entre algumas partes do público generalista que se deixam levar só pela leitura de fichas técnicas e possam não interpretá-las da melhor forma possível. Porém, outro fator que não deixa de se destacar entre os que motivaram uma alteração tão drástica no mercado brasileiro que hoje possibilita motores mais atualizados frente aos principais mercados mundiais foi a incidência de impostos passar a ter um peso maior da cilindrada do que da potência, de modo que o downsizing passou a ser beneficiado em detrimento ao downrevving.

Lembrando que um equivalente argentino do Chevette "tubarão" usava uma versão do motor 153 com apenas 110 polegadas cúbicas ou 1.8L ao invés de ter sido implementada por lá também a produção de motores Isuzu G140 de 1.4L e G160 de 1.6L com comando de válvulas no cabeçote sincronizado por correia dentada, não deixa de ser relevante considerar a aptidão para cobrir diferentes faixas de cilindrada e até uma possibilidade do mesmo projeto básico poder ser readequado às necessidades de outros modelos com projeto mais recente. Naturalmente, para aplicações de alto desempenho manter a configuração com 4 cilindros seria mais favorável do que seguir a mesma estratégia de reaproveitar o projeto básico de um motor com maior quantidade de cilindros para ir mais além, e desenvolver um derivado com apenas 2 cilindros que poderia cobrir facilmente a faixa de 0.9L a 1.5L em aplicações mais generalistas tendo em vista desde o motor "110" argentino até outras variações de 1.9L e 2.3L que marcaram época na África do Sul e outra de 3.0L feita no México que foi mais comum para uso em equipamentos estacionários/industriais e embarcações. A bem da verdade, considerando que é muito comum no Brasil a adaptação de motores Volkswagen EA827 "AP" no Chevette ao invés de se fazer preparações baseadas no motor Isuzu, no fim das contas uma eventual disponibilidade de um motor de 2 cilindros e 1.5L não teria sido tão problemática, lembrando que para os puristas que repudiam o uso de motores de outra marca não seria impossível montar um "Chepala". E como outros modelos derivados do mesmo projeto que originou o Chevette tinham motores diferentes de acordo com o mercado, como na Europa (exceto Reino Unido) onde foi vendido como Opel Kadett C e usou motores Opel OHV de 1.0L e 1.2L com comando no bloco sincronizado por corrente nas versões mais simples e com versões de 1.6L a 2.0L do CIH com comando no cabeçote também sincronizado por corrente, um eventual uso de motores cujo ferramental já estava disponível e não necessitaria profundas alterações para produzir versões adequadas à proposta original de economia do Chevette poderia ter sido melhor tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Considerando também eventuais interpretações equivocadas em torno da quantidade de cilindros como sendo um fator determinante para o consumo de combustível, eventualmente uma resistência inicial à idéia de usar um motor de 2 cilindros acabaria mais restrita a aplicações de alto desempenho mesmo, podendo ser mais facilmente contornável junto ao público generalista.

Mesmo que o alinhamento da GM do Brasil com a Opel tenha atingido o ápice na década de '90 com exemplos como a chegada do Corsa revolucionando o segmento dos "populares" e a produção local da 2ª geração do Astra, ambos os modelos equipados com versões de motores projetados pela Opel e conhecidos como "Família 1" e "Família 2" com 4 cilindros e comando de válvulas simples ou duplo no cabeçote sincronizado por correia dentada, não deixa de ser relevante questionar até que ponto tal integração entre regiões com condições de rodagem tão distintas pode ter sido realmente benéfica ao público brasileiro e sul-americano em geral. Considerando que tal prática não inibiu a diferenciação entre versões brasileiras do Corsa, que usavam apenas motores com 4 cilindros mesmo que o análogo europeu já tivesse na faixa de 1.0L um motor de 3 cilindros, e no Astra o modelo brasileiro tivesse o subchassi dianteiro feito em aço ao invés de alumínio, não chega a ser tão absurdo supor que motores de concepção mais rústica e teoricamente obsoleta ainda pudessem ter servido tão bem quanto ou até melhor a alguns perfis de utilização, e um custo de produção menor em função do aproveitamento de ferramentais de produção mais antigos e de matérias-primas mais baratas devido ao cabeçote de ferro ainda poderia em alguns casos até amortizar pelo menos em parte a diferença nas alíquotas de IPI se fossem oferecidos motores com uma faixa de cilindrada mais alta que pudesse compensar as faixas de rotação mais modestas em comparação aos que foram originalmente usados nesses modelos. Tendo em vista também a importância que a oferta de motores Diesel tinha para os principais mercados de exportação regional durante a década de '90, e no caso da GMB acabava valendo-se naquele período principalmente dos motores Isuzu 4EE1 e 4EE2-TC de 1.7L e 4FC1 de 2.0L importados, também não deixa de ser relevante retomar a questão dos motores "misto-quente" e como derivações com 2 ou 4 cilindros poderiam se manter competitivas diante da rusticidade que já se observava entre os motores Diesel leves dos principais concorrentes como Fiat, Peugeot e Volkswagen no mercado argentino.

Recordando uma das fases mais nebulosas da história recente da General Motors a nível mundial, que teve reflexos na América Latina como a produção do Agile na Argentina e da 2ª geração da Montana no Brasil desenvolvidos reaproveitando a plataforma já tecnicamente obsoleta trazida à região junto com o Corsa da década de '90 enquanto se desenrolavam a falência e a reorganização institucional da matriz americana visando manter a operação da empresa, a idéia de redução de custos que norteou o projeto do Agile até foi atendida pelos motores "Família 1" em versões de 1.4L e 1.8L que no Brasil só foi oferecida nesse modelo quando equipado com o câmbio automatizado Easytronic. Não deixa de ser pertinente considerar, entretanto, que eventualmente ter seguido adiante com motores baseados num layout teoricamente até mais defasado porém ainda adaptável às necessidades específicas dos veículos menores que se tornaram mais comuns do que as antigas "banheiras" teria acarretado não só uma maior economia operacional para a GM como também eventualmente até mesmo poupado recursos que acabaram fazendo falta em tempos de vacas magras. Nesse caso, como já se tinha o motor "Família 1" à mão e a crise causada pela eclosão da "bolha imobiliária" americana entre 2008 e 2009 fez com que deixasse de ser substituído pelos motores S-TEC de origem Daewoo que cobriria as faixas de cilindrada entre 1.0L e 1.5L como já fazia em mercados como o chinês e o russo, parece incontestável a escolha que foi feita, mas não serve para provar que o "Família 1" fosse capaz de ser o principal motor para "salvar" a GM...

O fato de alguns modelos desenvolvidos pela Daewoo, como o Chevrolet Spark que chegou a fazer sucesso em alguns países vizinhos além de ter sido montado na Colômbia a partir de kits CKD, não é de se desconsiderar também a possibilidade desperdiçada de se agregar mais conteúdo regional caso os motores de 3 e 4 cilindros de procedência coreana pudessem haver sido substituídos por outros de 2 cilindros eventualmente baseados no mesmo projeto básico que originou a 3ª geração de motores de 6 cilindros em linha da Chevrolet e o 153 com 4 cilindros. Até um temor quanto à rejeição por essa configuração seria questionável, tendo em vista que tanto na Argentina e no Uruguai não impediu que a Citroën quando dispunha de motores flat-twin refrigerados a ar fizesse um sucesso comparável ao da Volkswagen no Brasil. Outros mercados como a Índia e a África do Sul, de onde a GM se retirou já entre o final de 2017 e início de 2018 mas tentou manter a operação indiana num modelo de negócios voltado estritamente à exportação justamente para seguir fabricando o Spark, também teriam sido especialmente beneficiados com uma eventual continuidade de um projeto básico que foi desenvolvido num período em que a Chevrolet era a principal marca de veículos a nível mundial. Além de se considerar que a defasagem entre normas de emissões em países subdesenvolvidos na comparação com países desenvolvidos facilitaria a sobrevida de um motor mais "arcaico" e eventuais derivativos que pudessem servir a modelos de concepção mais recente, também é particularmente interessante lembrar que no caso da África do Sul um encerramento da produção local de motores em '82 quando passou a importar motores Opel diretamente da Alemanha pode ter sido um tiro no pé que se refletiu no fim das operações mesmo que já estivesse suprindo os motores de países como Tailândia, Coréia do Sul e até do Brasil...
Já em se tratando da Índia, onde a geração denominada em alguns mercados latino-americanos Spark GT contou com um exclusivo motor turbodiesel de 3 cilindros e 936cc derivado de um motor Fiat de 1248cc e 4 cilindros, um melhor aproveitamento tanto de características compartilhadas pelo motor 153 e pelo de 6 cilindros que o originou quanto das experiências brasileiras com as conversões para Diesel tipo "misto-quente" poderia ter sido mais útil do que ficar dependente de tecnologia fornecida por terceiros. Vale destacar que o motor Fiat de 1248cc era usado em versões indianas do Chevrolet Sail de 2ª geração originalmente fabricado pela joint-venture chinesa entre a SAIC e a GM somente com motores a gasolina e que foi montado na Índia a partir de kits CKD. Naturalmente, uma eventual possibilidade de aproveitar ferramentais desativados em algum outro mercado mais desenvolvido ou simplesmente copiado tanto na China quanto na Índia poderiam ser consideradas para manter uma redução de custo operacional e de desenvolvimento, de modo que se tornaria mais fácil manter a competitividade no tocante ao preço inicial na comparação com concorrentes de origem japonesa que tem prevalecido em alguns dos principais mercados subdesenvolvidos. Por mais que pareça mais difícil disputar com os japoneses, que conseguiram conciliar tecnologia de ponta com uma imagem de durabilidade e fácil manutenção, não dá para negar que motores mais "à prova de burro" que pudessem ser reparados por qualquer mecânico de trator nas condições mais precárias e tendo acesso fácil somente a ferramentas mais rústicas não deixam de ser desejáveis em países pobres.
Considerando também questões como respeito à propriedade intelectual e transferência de tecnologia obrigatória entre fabricantes estrangeiros e os parceiros operacionais chineses, certamente poderia ser mais confortável focar exatamente em motores de concepção antiga já amplamente conhecidos e que ainda podem até ter sido alvo de cópias não-autorizadas em outros momentos na história da indústria automobilística mundial. A importância crescente da linha chinesa da Chevrolet a nível internacional, com o alinhamento deixando de ser exclusivo aos mercados de menor volume de vendas e passando a alcançar até o Brasil e o México, acaba dando uma força descomunal à SAIC para avançar em países onde a GM diminuiu ou encerrou definitivamente as operações próprias, e portanto franquear acesso a projetos de motores mais modernos não deixa de ser de certa forma como chocar o ovo da serpente. E a bem da verdade, o fato de modelos desenvolvidos especificamente de acordo com as preferências do mercado chinês virem ganhando uma maior presença global sobretudo em função de custos, chega a soar contraditório que eventuais benefícios de se recorrer a motores mais "pé-duro" tanto em termos de um custo de desenvolvimento mais do que amortizado quanto da facilidade de manutenção não sejam tão aproveitados.
O caso recente da 2ª geração do Chevrolet Onix, cujas vendas no Brasil tiveram início pelo sedã Onix Plus com motor de 1.0L e 3 cilindros em versão turbo, foi um daqueles casos em que as tentativas de fazer economia acabaram sendo muito arriscadas. Além desse motor ter vindo para substituir o antigo "Família 1" em versões de 1.0L e 1.4L com aspiração natural, que já vinha sendo considerado o mais "à prova de burro" no segmento de entrada, a ocorrência de alguns incêndios atribuídos à qualidade da gasolina associada à supressão da injeção direta usada no modelo chinês substituída no Brasil pela injeção nos pórticos de válvula acabou fomentando algumas desconfianças iniciais e influenciou até algumas desistências de interessados em adquirir o modelo. Com bloco e cabeçote de alumínio, o novo motor também se torna mais caro, além da própria presença do turbo também ter um custo que pode não ser tão competitivo mesmo com a alíquota de IPI menor para motores até 1.0L comparado a similares de aspiração natural com cilindrada mais alta. Tendo em vista que a injeção nos pórticos de válvula num motor turbo acaba requerendo um enriquecimento da mistura ar/combustível em alguns momentos que a injeção direta evitaria, além da necessidade de algum auxílio à partida a frio quando se usa etanol que no caso é o pré-aquecimento dos bicos injetores, a combinação das circunstâncias de uma obrigatoriedade da transferência de tecnologia para empresas chinesas e uma sensibilidade a variações na qualidade do combustível brasileiro é um daqueles pretextos que podem tornar menos absurdo crer que uma aparente defasagem tecnológica possa não ser tão indesejável...

Mesmo com modelos que poderiam atender bem aos segmentos de entrada nos principais mercados mundiais como a atual geração do Chevrolet Onix, é impossível ignorar que eventuais inadequações das linhas de motores em diferentes regiões tenham prejudicado a competitividade da GM não só em alguns mercados tradicionais como a Europa quanto nos países emergentes. Até não seria justo dizer que foi inteiramente errado deixar um pouco de lado uma estratégia mais conservadora que ainda se poderia considerar mais adequada ao perfil tradicional de uma parte muito significativa do público da Chevrolet no Brasil ou mesmo em alguns países onde a GM deixou de operar como a África do Sul, mas uma perda da identidade da marca que acabava sendo associada aos motores "à prova de burro" certamente teve um impacto negativo tanto nos custos operacionais quanto na presença global da GM de um modo geral e não apenas da divisão Chevrolet. Enfim, por mais que circunstâncias do mercado automobilístico tenham sofrido transições muito profundas que impactaram os fabricantes ocidentais e principalmente os americanos de um modo geral, em alguns momentos tentar manter o mesmo passo de inovações no tocante à concepção de motores pode ter sido uma faca de dois gumes para a GM.

domingo, 12 de janeiro de 2020

Seriam o Volkswagen Vento indiano e o Virtus os mais próximos de um sucessor do Fusca na linha atual da Volkswagen?

Um modelo que não chegou a ser vendido no Brasil mas foi oferecido em outros mercados da região, como é o caso da Argentina onde ainda é vendido como Polo Sedan, o Volkswagen Vento indiano é baseado na 5ª geração do hatch, mas não foi oferecido na Europa Ocidental onde o segmento de sedãs compactos não é tão apreciado quanto nos países da antiga Cortina de Ferro, no sudeste asiático, na América Latina e em algumas partes da África e do Oriente Médio. No mercado doméstico indiano as opções de motor a gasolina são o 1.6 MSI aspirado com câmbio manual de 5 marchas e 1.2 TSI com turbo e injeção direta e câmbio automatizado DSG de dupla embreagem e 7 marchas, além de versões turbodiesel com o motor 1.5 TDI e opção por ambas as configurações de câmbio. Para exportação, considerando fatores que vão desde a complexidade de gerações mais recentes de motores turbodiesel tornando-se demasiadamente caras aos olhos de uma parcela do público até o ceticismo com relação a vantagens de motores turbo a gasolina em regiões com altitude elevada, além de pura e simplesmente não ser tão vantajoso financeiramente recorrer ao motor de cilindrada mais baixa por não se aplicar o escalonamento de alíquotas de imposto atrelado à cilindrada, a opção por um câmbio automático de 6 marchas é oferecida com o motor 1.6 aspirado. Tendo em vista as especificidades de alguns dos mercados onde os sedãs compactos acabam tendo até uma imagem mais prestigiosa diante do hatch equivalente, a maior distância entre-eixos ampliando o espaço interno não apenas proporciona mais conforto mas também torna tanto o Vento indiano quanto o Virtus brasileiro mais adequados à proposta de um modelo destinado ao uso como carro familiar. Já a oferta mais simplificada de motores nos mercados de exportação, para os quais o Virtus oferece só o 1.6 MSI e não tem nenhuma opção turbodiesel, chega a remeter bem vagamente a uma estratégia da época do Fusca que mantinha uma concepção mecânica básica o mais inalterada possível, e assim até favorecia aspectos como a simplicidade de manutenção e a reposição de peças. O fato de serem ainda modelos desenvolvidos para atender a mercados com grandes volumes de vendas é outro ponto que se pode associar ao conceito do Fusca, lembrando ainda que mesmo o Vento não tendo nem chegado a ser vendido no Brasil e o Virtus ter um preço que chega a distanciá-lo de parcelas mais modestas do público brasileiro mesmo contando com a alíquota de IPI menor para motores até 1.0L em versões TSI e o custo de produção menor do MSI ainda proporcionar um preço de tabela mais modesto, o que de certa forma se torna mais um pretexto para ter um pé atrás com a definição de "carro popular" ainda hoje em vigor no Brasil ser baseada estritamente na cilindrada.

Embora seja comum apontar o up! como o modelo mais próximo do conceito essencial do Fusca na linha atual da Volkswagen, o fato de ter um menor espaço interno o descredencia para atender ao uso geral e o mantém mais "especializado" para o tráfego urbano. Considerando também que hoje já não se dá a mesma importância para a transposição de terrenos mais irregulares como na época do Fusca e a grande maioria dos "populares" atuais não ser otimizado para essas condições, nem a versão cross up! conseguiria evocar uma memória afetiva que pudesse ser associada ao clássico que deu origem à marca, apesar da atual linha de sedãs compactos também não ter algum apelo nostálgico tão forte mas atenderem melhor às necessidades de um único veículo para uso familiar apto a proporcionar conforto também em trechos rodoviários mais extensos se tornou outro tiro no pé com relação à idéia do up! como um sucessor direto do Fusca.

Invariavelmente, um aspecto marcante do Fusca que não pode ser assimilado na mesma proporção pelos modelos que venham a ser tratados como eventual sucessor é o carisma.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Triciclo com caracterização inspirada em viaturas militares

Triciclos tipo custom já chamam alguma atenção naturalmente, e esse exemplar apresentando uma caracterização alusiva a viaturas militares acaba se sobressaindo.
A mecânica utilizada é de origem Volkswagen, bastante tradicional nesse tipo de veículo no Brasil. O motor é o bom e velho boxer refrigerado a ar na versão 1600, e o câmbio manual de 4 marchas.
Registrado como protótipo ano e modelo 2002, ao que tudo indica teve como inspiração para a caracterização as viaturas da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Downsizing: nem sempre a abordagem mais adequada

Que o downsizing se tornou cada vez mais relevante, a ponto de alguns modelos como o Volkswagen T-Cross hoje serem oferecidos na maioria dos mercados somente com motores que já recorrem a esse princípio, já é algo que não se discute. Expectativas por uma redução dos índices de emissões e metas de redução de consumo mais rigorosas tem balizado a maior presença de motores com turbo e injeção direta em modelos generalistas, mas em algumas circunstâncias um motor mais à moda antiga ainda é capaz de atender melhor. No caso específico do Volkswagen T-Cross, considerando que no Brasil são feitas versões com o motor 1.6 MSI somente a gasolina para exportação regional pela América do Sul e Central até o México, além de versões 1.0 e 1.4 TSI flex destinadas ao mercado local e ao Paraguai, a questão da altitude faz com que mesmo a presença do turbocompressor não vá ser necessariamente tão bem aproveitada em países montanhosos como a Bolívia e o Chile, ou na Cidade do México.

Mesmo que o turbo possa proporcionar alguma compensação dos efeitos da altitude, como o ar mais rarefeito que diminui o desempenho em comparação ao observado a nível do mar, essa circunstância também faz com que leve mais tempo para o próprio turbo desenvolver a sobrepressão de admissão. O menor aquecimento aerodinâmico resultante da compressão também faz com que uma injeção nos pórticos de válvula já não acarrete num risco tão alto para ocorrência da pré-ignição, que exigiria um enriquecimento da mistura ar/combustível no caso de motores com turbo caso não haja a substituição pela injeção direta. No caso do Hyundai HB20, que na geração anterior recorria sempre à injeção nos pórticos de válvula tanto para os motores aspirados de 1.0L e 1.6L quanto para o de 1.0L já equipado com turbo mesmo que aplicações em outros modelos no exterior não suprimissem a injeção direta nas versões turbo, esse erro custou ao desempenho e ao consumo de combustível falta de competitividade que não se justificaria nem pela alíquota de IPI menor para veículos com motor até 1.0L que poderia servir de pretexto para o downsizing. A atual geração agora mantém a injeção nos pórticos de válvula somente nos motores aspirados que seguem com as mesmas especificações da geração anterior, mas o turbo passou a contar com a injeção direta. Considerando que todas as versões do HB20 são flex, cabe relembrar que a injeção direta até facilita a partida a frio quando se usa etanol, sem precisar fazer o pré-aquecimento do combustível como se costuma fazer nas atuais gerações de motores flex com injeção nos pórticos de válvula.

No geral, outros tópicos que ainda geram desconfiança quanto ao downsizing são referentes ao custo e complexidade de manutenção e eventuais dificuldades para implementar uma conversão para gás natural. Nesse caso cabe lançar a observação com relação à geração anterior do Volkswagen Jetta que ainda oferecia uma versão aspirada de 2.0L com injeção convencional como alternativa aos 1.4 e 2.0 TSI enquadrados no downsizing enquanto a atual chegou inicialmente apenas com o 1.4 TSI e já não oferece nenhuma opção de motor mais simples. De fato, a presença do turbo impõe um maior stress térmico ao óleo lubrificante, tendo em vista as altas temperaturas nos mancais do eixo principal do dispositivo mesmo que recorra a uma carcaça com refrigeração líquida, e uma queda abrupta na pressão do óleo logo após o desligamento do motor pode fazer com que a rotação do turbo mantida pela inércia não seja suficiente para garantir que alguma quantidade de óleo não circule e assim fique exposta por um período excessivo às altas temperaturas com o risco de formar a temida borra. Quanto à conversão para gás natural, se num motor com injeção nos pórticos de válvula os bicos injetores originais não ficam expostos diretamente à frente de propagação de chama (flame spread) nas câmaras de combustão e podem ter o fluxo de gasolina e/ou etanol cortado ao operar com o gás, nos motores de injeção direta ainda é necessário manter um pequeno fluxo do combustível original para evitar danos aos injetores.

Um ponto particularmente controverso no tocante ao downsizing é o controle de emissões, tendo em vista que o menor intervalo de tempo para a vaporização do combustível entre a injeção e a centelha tem levado a uma formação de material particulado fino antes considerada um calcanhar de Aquiles dos motores Diesel. O fato da injeção direta permitir que se usem taxas de compressão mais altas, e a injeção na fase líquida faça com que a gasolina só possa vaporizar já submetida às altas temperaturas e pressões internas muito próximas ao fim de curso de compressão dos pistões (ponto morto superior) e algumas gotículas que não estejam totalmente vaporizadas sejam queimadas mais irregularmente, e formam uma fuligem. Tal situação já levou fabricantes como a Mercedes-Benz a incorporarem filtros de material particulado até em modelos a gasolina, como o A250 hatch e o A200 sedan vendidos no Brasil. Também acaba havendo algum problema em função das condições de temperatura e pressão nas câmaras de combustão se tornarem mais propícias à formação dos óxidos de nitrogênio (NOx), e mesmo podendo ser compensadas com um maior volume de injeção do combustível visando resfriar a carga de ar próximo ao início da ignição acaba-se acarretando num inconveniente incremento nessa questão do material particulado.

A questão do desempenho e certificação de emissões também pode ser interessante de se observar em modelos cuja classificação como "utilitário" para fins de homologação de versões com motor Diesel faz com que não ocorra diferenciação nas alíquotas de IPI em função da cilindrada. Tomando como referências a atual geração do Land Rover Discovery e o caminhão Volkswagen 11.180 Delivery, vale salientar como as diferenças entre a concepção do motor 3.0 V6 twin-turbo usado nas versões Diesel do SUV vendidas no Brasil e o Cummins ISF3.8 que equipa as versões de peso bruto total mais alto do caminhão leve. No caso do Discovery, para se alcançar a potência de 258cv a 3750 RPM e torque de 600Nm a 1500 RPM, é necessário lançar mão de uma sofisticação que inclui ainda o comando de válvulas duplo nos cabeçotes com sincronização por uma correia dentada cuja substituição é reputada um serviço mais complexo do que de costume. Já para o motor Cummins ISF3.8 na versão de 175cv a 2600 RPM e 600Nm entre 1100 e 1700 RPM, o comando simples sincronizado só por engrenagens é muito valorizado por operadores comerciais pela imagem de maior confiabilidade enquanto um único turbo diminui a complexidade, e já é capaz de proporcionar um desempenho adequado a um SUV grande em condições de uso normais ou até para explorar um pouco mais as eventuais capacidades de incursão off-road ou de reboque. Diferenças nas faixas de peso também podem favorecer o controle de emissões ao se aplicar num veículo de peso menos exagerado um motor mais bruto, levando em consideração os dispositivos de controle de emissões que podem ser aplicados ao motor. Enquanto para se enquadrar nas normas Euro-5 o Land Rover Discovery recorre somente ao EGR e o Volkswagen 11.180 Delivery lança mão apenas do SCR, o avanço das normas de emissões rumo à Euro-6 acaba por exigir a integração de ambos os dispositivos, e numa condição de peso menor é mais fácil manter uma velocidade de cruzeiro confortável com faixas de rotação mais modestas e relação final de transmissão mais longa, e uma carga mais alta de EGR já viabiliza diminuir a proporção entre o volume de fluido AdBlue/ARLA-32 necessário para o sistema SCR promover a redução das emissões de NOx e o consumo de combustível. Certamente, se não fosse pelas políticas que vem sendo implementadas na Europa e que são menos desfavoráveis ao downsizing, não seria de se duvidar que um motor como o ISF3.8 acabasse tomando o espaço hoje destinado a motores de 3.0L e 6 cilindros que podem até servir a um SUV premium mas se tornariam uma dor de cabeça num caminhão mesmo que leve...

Outro caso peculiar é o da Ford com o EcoSport, cuja versão Storm 4WD hoje é a única a oferecer o motor Duratec Direct flex de 2.0L no Brasil, que mesmo sendo de aspiração natural lança mão da injeção direta. Apesar de que a Ford não costuma acertar muito na estratégia de motores no Brasil, não deixa de ser interessante observar esse caso como um contraponto ao downsizing, tendo em vista que em alguns países supridos por versões fabricadas na Índia os únicos motores a gasolina são o mesmo de 1.5L com 3 cilindros aspirado e de injeção nos pórticos de válvula oferecido como flex no Brasil e o EcoBoost de 1.0L também de 3 cilindros mas com turbo e injeção direta. A proposta pretensamente aventureira da versão Storm até leva a pressupor que uma resposta mais previsível mesmo em meio a variações de altitude que acabem invariavelmente limitando o desempenho, ou ainda as questões de custo e complexidade técnica que eventualmente não se justifiquem em função da incidência de IPI, acabam sendo mais um daqueles casos em que se pode deduzir que o downsizing nem sempre vá ser a abordagem mais adequada no desenvolvimento de motores...