domingo, 27 de dezembro de 2020

Um câmbio automatizado com 5 marchas ainda pode ser melhor que um automático com 4?

Em se tratando de opções de câmbio automático para carros subcompactos, já faz algum tempo que os do tipo CVT tem sido favorecidos pela maior suavidade e por serem mais favoráveis à permanência dos motores em faixas de rotação mais eficientes. O fato de proporcionarem infinitas relações de marcha entre a mais curta e a mais longa também é especialmente favorável a motores com desempenho mais modesto, ao mesmo tempo que o tamanho do câmbio pode ser tão contido quanto o de automáticos com uma quantidade fixa de marchas que ficaria a princípio muito limitada para proporcionar adequar-se às diversas condições de uso às quais o veículo vá estar submetido. Um exemplo é a 7ª geração do Suzuki Alto, que além das versões japonesas oferecendo a opção entre o câmbio manual de 5 marchas também teve as opções entre um automático com 4 marchas e um CVT de acordo com as versões, e no caso do modelo internacional produzido na Índia onde era vendido como Maruti Suzuki A-Star ou como Suzuki Celerio para exportação limitava-se entre os mesmos manual de 5 marchas e automático com apenas 4, e cujo sucessor destinado especificamente ao mercado indiano com uma menor presença em mercados de exportação substituiu o automático por um automatizado de 5 marchas.
Por mais que em algumas circunstâncias um CVT possa ser até melhor que o manual, não é possível esquecer que o custo adicional de um câmbio automático e a menor oferta de assistência técnica mais capacitada para atender às especificidades desse sistema acabam desencorajando uma parte do público generalista a procurar por uma opção para libertar-se dos incômodos causados pela presença do pedal de embreagem no tráfego urbano. Nesse caso, é inevitável reconhecer que um câmbio automatizado por mais que recorra a um sistema eletromecânico ou eletro-hidráulico para acionar a embreagem e efetuar a troca de marchas ainda parece mais fácil para que um mecânico pouco familiarizado com câmbios automáticos entenda o funcionamento e siga os cronogramas de manutenção à risca, tendo em vista que oferece uma maior similaridade com o câmbio manual. E apesar de permanecer necessário substituir o conjunto de embreagem periodicamente como se faz com câmbios manuais, mesmo sendo um serviço aparentemente mais complexo que verificar o nível de fluido ATF num câmbio automático e fazer as trocas do ATF e do filtro periodicamente, não convém esquecer de fazer um flush completo do ATF a ser substituído e que não é tão fácil de fazer sem o equipamento apropriado.

Outro caso que merece ser observado é o do Renault Logan de 2ª geração, que chegou a ter versões com motor K4M de 1.6L e 16 válvulas e câmbio automático com 4 marchas substituídas por outras com o motor K7M de mesma cilindrada mas 8 válvulas e o câmbio automatizado de 5 marchas denominado Easy-R que era equipado com um sistema de automatização desenvolvido pela ZF, antes que passasse a fazer uso de um conjunto mecânico originário da Nissan com outro motor 1.6 de 16 válvulas e a opção automática sendo um CVT. Considerando até a proposta de baixo custo que originalmente norteou o desenvolvimento do Logan, não teria sido de se estranhar que um câmbio automatizado pudesse ter sido oferecido desde o início, tanto por estar mais adequado ao viés mais favorável aos câmbios manuais e automatizados que aos automáticos na Europa e às limitações de custo em mercados emergentes como o Brasil onde ainda não havia uma massificação do câmbio automático por razões desde conforto puro e simples até uma maior demanda por veículos adquiridos com isenção de impostos por deficientes que se beneficiam da maior facilidade de fazer uma adaptação. À medida que o câmbio automático ganhou a confiança do consumidor brasileiro, que também acabou passando a ter uma percepção negativa dos automatizados, o Logan Easy-R foi saindo de cena até tornar-se uma curiosa lembrança.

Outro caso que chama a atenção é do Chery Tiggo2, que nada mais é do que um Chery Celer maquiado para ser empurrado como se fosse um SUV ao invés de um hatch compacto, e que apenas para oferecer uma opção de câmbio automático recorreu a um Aisin antigo com só 4 marchas que já teve seus dias de glória na década de '90 e começo dos anos 2000 mas hoje é considerado obsoleto. Em outros modelos da fabricante chinesa que atualmente mantém parceria no Brasil com o grupo CAOA para montagem de veículos em Goiás, até já são oferecidas opções de câmbio automático e automatizado mais avançadas como um CVT ou um automatizado de dupla embreagem que é basicamente uma cópia do PowerShift que tanta dor de cabeça deu a proprietários de alguns modelos da Ford mundo afora e que no Brasil foi abolido recentemente. Apesar da reputação de produtos chineses em geral já não ser das melhores, e os ânimos mais exaltados em função da proliferação de uma variação do coronavírus criada em laboratório na China aumentar exponencialmente a rejeição de consumidores, possivelmente o caso específico do Chery Tiggo2 não seja o mais adequado para avaliar o quanto um câmbio automatizado de embreagem simples e 5 marchas pudesse ser favorecido junto ao público generalista comparado a um automático com 4 marchas fornecido pela Aisin japonesa que é referência mundial.

Outro caso bastante peculiar é o da atual geração do Suzuki Jimny, primeira a finalmente oferecer aos consumidores brasileiros a opção pelo câmbio automático ainda que tenha só 4 marchas. O jipe japonês já se destaca por manter uma configuração essencialmente tradicional, com características como o uso de eixos rígidos mesmo que seja tecnicamente possível incorporar suspensão independente ao menos no eixo dianteiro, e em função do tamanho extremamente compacto que se faz necessário para uma mesma carroceria poder servir tanto a versões internacionais quanto as classificadas como "kei" no Japão ainda limitam o espaço para a montagem de um conjunto mecânico muito mais sofisticado, portanto é muito mais fácil assimilar a idéia de que o câmbio automático permaneça com uma quantidade de marchas menos "impressionante" que a de utilitários com proposta igualmente tradicional mas com porte mais avantajado. É conveniente destacar também que um câmbio automático é especialmente vantajoso para trafegar em áreas com topografia acentuada que são facilmente encontradas em percursos off-road, nas quais o acoplamento entre motor e câmbio sem as interrupções que um manual ou um automatizado apresentam torna-se mais favorável também à segurança quando o câmbio automático é corretamente usado.

Embora já tenha sido a regra em outros momentos históricos, hoje o câmbio automático com 4 marchas é uma exceção a ser evitada em nome da preservação do desempenho e da economia de combustível, de modo que acaba sendo preferível mesmo um automatizado de embreagem simples e 5 marchas quando um automático mais moderno de 6 marchas ou um CVT estejam totalmente fora de cogitação. Chama a atenção o caso da atual geração do Suzuki Vitara hoje oferecida no Brasil com câmbio automático de 6 marchas, enquanto na Índia conta com câmbio manual de 5 marchas como opção de entrada mas teve o automatizado de 5 marchas substituído por um automático com somente 4 marchas tão logo deixou de dispor do antigo motor Diesel passando a ser vendido com um único motor a gasolina. Tendo em vista não só a preferência de uma parte do público por motores Diesel, especialmente nos SUVs embora no Brasil o Vitara nunca tenha contado com essa opção, mas é importante lembrar de quem está disposto a fazer algumas concessões quanto à imagem de funcionamento áspero da embreagem em automatizados comparada à suavidade do conversor de torque hidráulico, além do mais se economia de combustível e um menor prejuízo ao desempenho sigam na pauta tal qual a manutenção aparentemente mais simples.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Poderia uma maior participação da operação brasileira da GM ter sido mais providencial na Índia e na África do Sul?

Em meio a tantas transições que o mercado automotivo tem vivenciado num contexto mundial, chama a atenção que a General Motors tenha se retirado de algumas regiões como a Europa onde destacou-se em função de ter sido proprietária da Opel entre 1929 e 2017 quando vendeu a operação para o grupo PSA. Certamente um dos modelos mais emblemáticos de quando havia um alinhamento entre a Chevrolet no Brasil e a Opel em outros mercados foi o Corsa B, que além do hatch disponibilizado na maioria dos países também chegou a contar com outras variações de carroceria desenvolvidas no Brasil como o sedan (que posteriormente foi renomeado Classic e teve a permanência prolongada no contexto do carro "popular" brasileiro) e a pick-up, que chegaram também a marcar presença em mercados tão distintos como a Índia e a África do Sul antes que a GM adquirisse a Daewoo e a transformasse em GM Korea. A consolidação da Coréia do Sul como pólo de desenvolvimento de modelos compactos a nível global foi um dos motivos para a operação brasileira ter uma participação menor em estratégia internacionais, culminando com a subordinação à joint-venture chinesa SAIC-GM ao invés de responder diretamente à matriz nos Estados Unidos, e tal situação a princípio pode também ter comprometido a sustentabilidade das operações da General Motors na Índia e na África do Sul.
Naturalmente, especificidades como o Brasil adotar a circulação pelo lado direito da via com o cockpit do lado esquerdo do veículo em contraste ao uso da mão inglesa poderiam fazer parecer improvável um sucesso do Corsa Sedan e da pick-up Corsa na África do Sul por exemplo, mas o fato da plataforma dos modelos já ter levado em consideração essa característica também em função do mercado europeu onde o Reino Unido, Malta e o Chipre também usarem a mão inglesa não foi empecilho para o envio de kits CKD brasileiros para a montagem na antiga operação sul-africana da GM onde os modelos usavam a marca Opel. Outro aspecto relevante é quanto a opções de motorização, com o motor 1.0 que foi usado em versões básicas do sedan no Brasil sendo irrelevante na imensa maioria dos mercados de exportação que preferiam o 1.4 disponibilizado também como opção de entrada para a pick-up em contraste com o uso exclusivo do motor 1.6 no mercado nacional, além de motores Diesel que também eram apreciados em países onde não há limitações ao uso em função das capacidades de carga e passageiros ou tração. É perfeitamente compreensível observar também que, muito embora a carroceria sedan mantenha-se com uma certa relevância sobretudo devido à demanda em mercados emergentes, a ponto de ter feito sucesso com o Corsa B tanto na África do Sul suprida pela produção brasileira quanto na Índia onde também foi feito uso de componentes do equivalente chinês Buick Sail, a pick-up Opel Corsa Utility poderia não ter na Índia a mesma receptividade encontrada na África do Sul, tendo em vista que o mercado indiano tem uma demanda maior por triciclos como o Piaggio Ape entre os veículos comerciais mais básicos que foi ainda mais difícil de superar durante o ciclo de produção da pick-up Corsa brasileira.

O reposicionamento de marcas da GM que culminou na tentativa de reavivar a Chevrolet como marca generalista global, abrangendo também a Chevrolet Montana desde a geração baseada no Opel Corsa C até a atual, também foi um momento que poderia ter sido melhor para reconhecer alguma relevância da operação brasileira no atendimento aos mercados ditos "emergentes" e periféricos. Só o simples fato da Montana ter deixado de usar o nome Opel Corsa Utility na África do Sul para tornar-se simplesmente Chevrolet Utility já poderia parecer mais favorável a um alinhamento mais forte entre a General Motors do Brasil e a General Motors South Africa que também dependia do suprimento de kits CKD coreanos para a linha de automóveis Chevrolet mesmo em segmentos de entrada enquanto a linha Opel já estava tecnicamente mais próxima dos congêneres europeus. Mesmo que a linha Chevrolet brasileira pudesse parecer demasiado defasada até em função do aproveitamento de alguns projetos antigos da Opel tidos como obsoletos em alguns casos, especialmente no tocante ao motor Família 1 que equipou a Montana em versões 1.8 e 1.4 na geração antiga no Brasil enquanto para a atual o maior é reservado para atender à exportação, o desafio de se manter relevante num mercado tão peculiar quanto o brasileiro pode não ser uma experiência desprezível em outras regiões onde uma imagem de "modernidade" mais atribuída à concorrência japonesa e coreana acaba contrastando com a simplicidade de um motor antigo porém à prova de burro que se mantém aceitável para o público no segmento de veículos utilitários de trabalho.

Um exemplo recente de como a operação brasileira da GM merece mais reconhecimento é o Chevrolet Onix, cuja primeira geração lançada em 2012 e discretamente reestilizada em 2017 foi desenvolvida em função de peculiaridades do mercado local que prejudicariam a competitividade dos modelos mundiais numa faixa de tamanho próxima, embora a atual lançada em 2019 tenha contado com mais participação da SAIC no projeto até por interesse dos chineses em se apropriar de propriedade intelectual da GM. É de se destacar o fato do Onix ter sido o carro mais vendido da América Latina em 2018, apesar de não ter sido oferecida nenhuma versão RHD para atender a mercados de mão inglesa que também existem nessa região e em alguns casos como o de Trinidad e Tobago não permitem a venda de modelos LHD, a exemplo do que também ocorre na Índia e na África do Sul onde em outras ocasiões uma aproximação técnica com a GM do Brasil foi muito mais benéfica do que se poderia supor. Enfim, considerando uma série de fatores geográficos, culturais e econômicos que levam à necessidade de soluções nem sempre tão ortodoxas até para um fabricante de automóveis dos mais tradicionais se manter competitivo, seria até fácil deduzir que uma maior participação da operação brasileira poderia salvar a GM na Índia e na África do Sul.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Uma reflexão sobre o estigma de "inferioridade" atribuído aos câmbios automatizados monoembreagem

Rejeitados pelo público generalista que atualmente se divide entre a rapidez dos câmbios automatizados de dupla embreagem ou a suavidade dos automáticos convencionais, mas seguindo firme e forte como a opção mais comum para atender ao mercado de caminhões, os automatizados monoembreagem acabam sendo estigmatizados como gambiarra e ainda alvo de desconfiança por parte de consumidores que não entendem algumas peculiaridades da operação desse tipo de câmbio. É previsível que uma carga não vá reclamar da menor suavidade durante trocas de marcha em comparação a um automático convencional, e as próprias condições operacionais não justifiquem a complexidade do câmbio de dupla embreagem, e portanto um gestor de frota que prefira manter os procedimentos de manutenção mais padronizados seja mais facilmente convencido a ver no câmbio automatizado de embreagem simples uma possibilidade de melhoria no conforto para o operador sem aumentar em demasia o custo operacional. Mesmo que hoje a redução no consumo de combustível em comparação ao câmbio manual já possa também ser alcançada usando um câmbio automático moderno cujo conversor de torque hidráulico conte com bloqueio (lock-up), o investimento inicial menor torna o automatizado mais atrativo para uma grande parte do público de caminhões como o Volvo VM e o Volkswagen Constellation.

Mesmo que um câmbio automatizado monoembreagem como o I-Motion que já chegou a ser oferecido em modelos como o Volkswagen Fox não tenha a mesma rapidez que é alegadamente a maior vantagem dos câmbios de dupla embreagem como o DSG que já equipou ou ainda equipa outros modelos da linha Volkswagen, e também possa estar sujeito ao risco de danos aos atuadores eletro-hidráulicos, ainda vale destacar como a maior similaridade construtiva com um câmbio manual a princípio facilitaria promover o treinamento necessário para a rede de assistência técnica autorizada e para mecânicos independentes. Apesar de ser apresentado como um "quebra-galho" para modelos cujo fabricante eventualmente não se interesse em oferecer um câmbio automático por questões de custo ou o impacto sobre o desempenho e o consumo de combustível, exatamente por ser uma tecnologia intermediária o câmbio automatizado de embreagem simples também é favorecido pela logística ao poder ser produzido nas mesmas instalações que produzem câmbios manuais. Tendo em vista que a maior parte dos câmbios automáticos oferecidos em automóveis de fabricação brasileira depende da importação do Japão e da Coréia do Sul, o aumento na procura por essa comodidade tanto pelo público generalista quando na modalidade de vendas diretas destinada a deficientes com acesso à isenção de alguns impostos levaria a crer que uma produção local de câmbios automáticos fizesse mais sentido, embora não seja inoportuno levar em consideração como os automatizados monoembreagem ainda serviriam bem a um público até certo ponto mais imediatista e seriam favorecidos pela economia de escala e por uma supply-chain mais enxuta e menos dependente de importações.

Um caso interessante é do Maruti Suzuki Swift DZire de fabricação indiana, atualmente oferecido com um motor de 1.2L a gasolina podendo ser equipado com câmbio manual de 5 marchas ou automatizado com a mesma quantidade de marchas, mesmo que seja disponibilizado no Swift hatch em outras regiões um automático CVT como opcional. Naturalmente o fato da carroceria sedan ser destinada sobretudo a mercados emergentes, que por sua vez costumam ser mais críticos no tocante ao custo inicial, já parece um bom argumento para justificar que se ofereça um câmbio automatizado monoembreagem apesar de haver um automático perfeitamente compatível com a plataforma do modelo. Outro ponto digno de nota é a oferta de manutenção e reposição de peças em mercados periféricos onde prevalece a familiaridade dos mecânicos tanto nas representações oficiais de fabricantes e importadores quanto entre profissionais independentes com os câmbios manuais, em contraponto à percepção do câmbio automático como algo muito sofisticado e até certo ponto mais especializado para aplicações críticas onde um mínimo erro do condutor durante uma mudança de marcha ou na operação do pedal de embreagem possa comprometer a integridade de algum material que esteja sendo transportado em condições adversas, condicionando o público generalista a se dar por satisfeito com um automatizado de embreagem simples caso deseje tão somente uma maior facilidade para dirigir em meio ao trânsito urbano congestionado.

Mesmo em segmentos que no Brasil acabam tendo aspirações mais prestigiosas que no fim das contas não condizem com a realidade de outros mercados onde um sedan médio como o Toyota Corolla é visto como uma espécie de "Fusca japonês" pela robustez e presença global, também acaba sendo pertinente destacar como um câmbio automatizado monoembreagem não é tão absurdo. Tomando como referência a geração E120 do Corolla, cujas versões japonesas e européias tiveram uma carroceria um pouco mais estreita que a do modelo americano também fabricado no Brasil entre 2002 e 2007 e também havendo diferenças quanto à oferta de motores em cada região, vale destacar que a hegemonia do câmbio automático tanto no Japão quanto nos Estados Unidos não foi impedimento para que se oferecesse no modelo europeu um câmbio automatizado de embreagem simples com atuadores elétricos ao invés de eletro-hidráulicos que estava mais de acordo com a maior prioridade que era dada à economia de combustível na Europa Ocidental ainda que com um menor nível de suavidade nas trocas de marcha. Por mais que o câmbio automático convencional oferecido em versões do Toyota Corolla E120 destinadas a mercados tão diversos quanto o brasileiro e o americano ou o japonês não tenha sido alvo de maiores objeções, o simples fato de um automatizado ter equipado versões européias não deixa de ser um bom contraponto diante do complexo de inferioridade de alguns brasileiros que preferem recorrer a algo mais complexo mesmo se estivesse bem servido por um mecanismo mais simples.
Se por um lado encontram uma rejeição até certo ponto injusta entre as aplicações veiculares leves, por outro o segmento comercial se beneficia por melhorias no consumo de combustível e pela durabilidade da embreagem que também se vê beneficiada levando em consideração que os câmbios automatizados tendem a efetuar as trocas de marcha "no tempo" e a maior integração com o gerenciamento eletrônico do motor proporciona proteção contra erros de condução como rotação excessiva. O fato de permanecer mais comum em câmbios manuais para caminhões e ônibus a disponibilidade de câmbios "secos" sem sincronização, que em algumas condições até dispensam o uso da embreagem em mudanças de marcha, também é vantajoso em função de um câmbio automatizado proporcionar uma maior similaridade entre as médias de consumo que um motorista experiente e um novato obteriam com um câmbio manual, e já não seja mais tão comum encontrar profissionais que conduzam satisfatoriamente veículos com "caixa seca". Enfim, ainda que a desmistificação do câmbio automático em veículos leves no Brasil constitua um grande avanço, é preocupante que um estigma de "inferioridade" distancie o público generalista dos benefícios que os câmbios automatizados ainda proporcionam no segmento de veículos comerciais.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Gurgel X-12: precursor improvável dos SUVs crossover, mas ainda focado em aspectos essencialmente utilitários

Um daqueles casos que poderiam parecer absolutamente improváveis para quem não faça um esforço e tente entender algumas peculiaridades do mercado automobilístico brasileiro, especialmente durante os anos '80 no auge da restrição às importações e da defasagem tecnológica que o país vivenciou, o Gurgel X-12 de certa forma pode ser considerado um precursor da obsessão por SUVs compactos que hoje são objeto de desejo da classe média urbana. Em que pese o compartilhamento das mesmas plataformas dos automóveis generalistas na atual geração dos SUVs tipo "crossover", em contraste ao uso de um chassi tubular próprio e revestido pela própria carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro dando forma a um monobloco em "Plasteel" como era anunciado pela Gurgel em alusão ao uso do plástico e do aço (steel em inglês), o simples fato de ter recorrido essencialmente ao mesmo conjunto mecânico do Fusca já dá margem a comparações com veículos mais recentes derivados de carros "populares" generalistas.

Diferenciando-se da estratégia atualmente aplicada pelos fabricantes generalistas aos "crossovers" hoje, o Gurgel X-12 destacava-se também pelo comprimento e distância entre-eixos menores que os do Fusca com o qual compartilhava o conjunto motriz, característica que favorecia ainda mais a aptidão off-road pela qual a linha clássica da Volkswagen com motor e tração traseiros era muito apreciada no Brasil em meio às condições de rodagem severas tanto nos principais pólos agropecuários quanto nas periferias de grandes centros urbanos. É bastante peculiar observar que o crescimento da Gurgel, focada no nicho das aplicações utilitárias profissionais e favorecida pela viabilidade de desenvolver versões especiais até em função da escala de produção menor que a dos fabricantes generalistas, chegou a impactar na demanda pelo Jeep CJ-5 cuja produção no Brasil foi encerrada pela Ford em '83 apesar de claras diferenças entre os sistemas de tração, com a tração somente traseira não impedindo o Gurgel X-12 de atrair uma parte dos consumidores que podia abrir mão da tração 4X4 do Jeep.

Ironicamente, hoje a falta da opção de tração 4X4 em alguns "crossovers" modernos ou os sistemas de tração integral mais otimizados para uso em trechos pavimentados como uma espécie de auxílio para a compensação de características dinâmicas que os diferenciam de um carro mais generalista e exigiriam maiores cuidados pelo condutor tal qual se observa em pick-ups médias ou grandes e caminhões levam a críticas quanto à falta de aptidão ao enfrentamento de condições de rodagem efetivamente severas, em contraponto ao que se observava no Gurgel X-12 que tinha na tração simples a premissa de economia e simplicidade que favoreciam a redução de custos operacionais. Não seria de se duvidar que, se a Gurgel não tivesse falido na década de '90 e eventualmente ocorresse uma liberação irrestrita de motores Diesel em veículos de tração simples sem levar em conta as capacidades de carga e passageiros, talvez uma modernização do conceito do Gurgel X-12 sem abdicar a aptidão off-road manteria um público cativo.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

5 motivos que ainda me levariam a não rejeitar um câmbio automatizado monoembreagem

Atualmente rejeitados pelo público generalista no segmento de veículos leves, embora mantenham uma boa aceitação entre operadores e gestores de frota em veículos pesados como caminhões e ônibus, os câmbios automatizados monoembreagem podem não ter a mesma suavidade de um câmbio automático convencional nem a rapidez de um automatizado de dupla embreagem, mas a princípio ainda poderiam ser tão apreciados em automóveis como são na linha de caminhões e ônibus Volkswagen V-Tronic. Por mais que a princípio um automático ainda seja a opção que mais me agrade, também em comparação aos automatizados de dupla embreagem, ao menos 5 motivos me fariam ainda considerar um câmbio automatizado monoembreagem:

1 - custo inicial: dadas as características construtivas mais próximas a um câmbio manual, é previsível que um câmbio automatizado monoembreagem tenha uma diferença menos exacerbada no tocante ao custo inicial. E enquanto a maioria dos câmbios automáticos convencionais é produzida no Japão, nos Estados Unidos ou na Coréia do Sul, a princípio permanece mais fácil uma nacionalização da produção de câmbios automatizados a exemplo do que já ocorre para atender ao mercado de veículos pesados;

2 - teoricamente mais fácil oferecer treinamento para assistência técnica independente: enquanto os câmbios automáticos permanecem com uma imagem de serem mais "especializados" aos olhos dos gestores de frotas comerciais, e portanto favorecendo uma prevalência do câmbio manual, uma maior similaridade que os automatizados monoembreagem apresentam com os manuais a princípio na teoria pode favorecer a familiarização de mecânicos independentes. Mas em se tratando do Brasil, acabou não ocorrendo uma receptividade tão boa pela assistência técnica independente na época da introdução dos câmbios automatizados monoembreagem I-Motion na linha de automóveis da Volkswagen, Dualogic na Fiat e Easytronic na Chevrolet, além da maior parte do público aparentemente não ter entendido bem a idéia por trás desse tipo de câmbio que não é idêntico a um automático convencional;

3 - relativa agilidade: enquanto os câmbios automáticos convencionais não escapam ao deslizamento (slip) do conversor de torque, o fato de um automatizado manter o acoplamento por fricção proporciona uma relativa agilidade nas arrancadas. Naturalmente, calibrações que não proporcionavam um nível de progressividade no acionamento e na liberação da embreagem causam alguns "trancos" que não seriam observados num automático convencional exatamente em função do acoplamento viscoso através do conversor de torque. E mesmo que o conversor de torque tenha evoluído nas últimas décadas com o bloqueio (lock-up) se tornando mais comum e diminuindo sensivelmente o deslizamento sem causar um prejuízo à suavidade, ainda persistem diferenças sensíveis entre os tipos de acoplamento;

4 - expectativas de redução de consumo e custo de manutenção sem sacrificar o desempenho: não se pode ignorar a necessidade de substituir conjuntos de embreagem com uma periodicidade que varia de acordo com as condições de uso do veículo, procedimento que um câmbio automático convencional dispensa, mas o fato de ter uma concepção mais parecida com a de um câmbio manual faz com que um automatizado monoembreagem permaneça menos sensível a um prolongamento dos intervalos entre as lubrificações que pode ser extremamente crítico no caso de câmbios automáticos quando se leve ao pé da letra alegações de que o fluido para transmissão automática ATF "longa vida" dispense a necessidade de trocas durante a vida útil operacional do veículo. E como um câmbio automatizado monoembreagem tende a fazer as mudanças de marcha "no tempo", dispensando a necessidade de acionar a embreagem, já reduz a incidência de manutenções. O menor impacto sobre o peso do veículo e o acoplamento mais direto também tendem a favorecer uma redução no consumo de combustível em comparação a câmbios automáticos, motivo pelo qual os automatizados monoembreagem permaneceram relevantes na Europa até em modelos que no Brasil já eram oferecidos com câmbio automático convencional. Também cabe salientar que um câmbio automatizado, ao menos teoricamente, é calibrado para manter a marcha que proporcione o melhor equilíbrio entre desempenho e economia de combustível;

5 - eventual facilidade para adaptações: tal qual um câmbio automático convencional, é importante destacar que a ausência de um pedal de embreagem já é um elemento a menos para modificar no caso de adaptações para condutores com alguma deficiência física, ou até dispensá-las caso o problema se restrinja à perna esquerda. Usuários que tenham uma lesão mais severa que comprometa totalmente a operação de um câmbio manual, ou que considerem mais seguro valer-se da automação das mudanças de marcha, também são favorecidos.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Momento nostalgia: Kymco Zing 150

Uma daquelas motos de pequena cilindrada, mas que ainda me chamavam a atenção por parecerem uma opção realista para um motociclista não tão experiente em busca de algo menos generalista que a Honda CG 125, a Kymco Zing 150 chegou a ser importada para o Brasil entre os anos de '98 e 2003. Produzida em Taiwan entre '95 e 2007, o modelo usava um motor bastante parecido com o da Honda CG varetada, como resultado de cooperações oficiais entre a Honda e a Kymco em contraponto às cópias dos motores Honda feitas sem autorização na China continental. Com uma aparência surpreendentemente bonita em se tratando de um modelo que se podia considerar generalista em função da pequena cilindrada e com o preço como um grande argumento de vendas em alguns mercados de exportação, mas evocando o estilo das custom/cruiser de cilindrada mais alta, não era exatamente fácil de encontrar uma no Brasil e hoje é ainda mais incomum se deparar com uma especialmente em bom estado de conservação. Muitas peças são intercambiáveis por outras de modelos nacionais da Honda e da Yamaha, ou adaptáveis com poucas alterações, o que a princípio facilitaria a manutenção ainda que seja mais difícil encontrar componentes de acabamento. Por mais que alguns considerem irrelevante uma moto taiwanesa que não alcançou um volume de vendas no mercado brasileiro que ameaçasse os modelos generalistas da Honda e da Yamaha numa faixa de cilindrada próxima, e ignorando o fato da Kymco hoje ser uma das maiores fabricantes de scooters do mundo e já ter fornecido motores até para a BMW, não seria justo negar que a Zing 150 tinha uma combinação interessante de simplicidade mecânica e um desenho mais elaborado que o das motos nacionais de entrada da mesma época que eram essencialmente utilitárias.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Câmbio automático e ônibus urbanos: deveria ser obrigatório até nos de motor dianteiro

A presença de alguns ônibus com chassi Volkswagen de motor dianteiro e câmbio automatizado na frota da empresa Biguaçu, que presta serviço em linhas intermunicipais entre o município homônimo e Florianópolis fomenta uma reflexão sobre como operadores e clientes teriam mais conforto e segurança com um automático propriamente dito, embora a simples eliminação do pedal de embreagem já ofereça um conforto relevante para o motorista. A bem da verdade, mesmo diante de algumas regulamentações no tocante à acessibilidade para deficientes físicos e idosos que poderiam favorecer chassis com motor traseiro no mercado, não se pode negar que o motor dianteiro ainda é preferido por alguns operadores e também por fabricantes em função do custo e da facilidade logística ao compartilhar mais componentes com as linhas de caminhões, embora acabe fomentando uma percepção de que se tratem de caminhões adaptados para o transporte de passageiros. Portanto, não se pode negar que uma eventual inclusão de equipamentos já difundidos mais amplamente nos chassis para ônibus de motor traseiro possa atenuar a percepção eventualmente negativa em torno do motor dianteiro.

A presença já consolidada do câmbio automático entre os chassis com motor traseiro, com destaque aos "trucados" de 15 metros com 3º eixo direcional e também entre os articulados para os quais diga-se de passagem já é obrigatório, proporciona uma maior suavidade nas trocas de marcha sem comprometer o desempenho em condições críticas como o peso e a topografia, ao contrário de câmbios manuais ou até automatizados cuja embreagem simples não deixa de ser mais vulnerável em comparação ao conversor de torque hidráulico usado em conjunto com os câmbios automáticos propriamente ditos. Além de mais confortáveis, não se pode negar que ônibus com câmbio automático hoje são mais robustos para atender às condições severas do tráfego mesmo em cidades não tão exageradamente grandes mas que já contam com as mesmas dificuldades de uma metrópole nesse sentido. Convém destacar que um acoplamento do motor ao câmbio sem interrupções pode ser ainda mais vantajoso para a integração aos retardadores de frenagem, tanto o já conhecido "freio-motor" aplicado ao escapamento quanto sistemas mais complexos de acionamento hidráulico ou eletropneumático, proporcionando não apenas uma maior segurança mas também redução de custos de manutenção ao prolongar a vida útil do material de atrito dos freios.
No caso específico da Mercedes-Benz, cujos chassis desenvolvidos especificamente para a montagem de ônibus articulados já vem incorporando desde algumas décadas atrás o motor traseiro e o câmbio automático, chama a atenção que também ofereça o câmbio automático para alguns chassis com motor dianteiro embora essa ainda seja uma opção menos difundida em comparação ao câmbio manual apesar de proporcionar até mesmo uma redução no consumo de combustível. Além da presença dos controles eletrônicos proporcionar uma precisão eventualmente até superior à de um motorista experiente para a seleção da marcha mais adequada a determinada condição ao longo do trajeto, atualmente o conversor de torque também dispõe do bloqueio (lock-up) que proporciona um acoplamento mais imediato ainda que sem perder a suavidade em momentos de aceleração mais intensa. Tendo em vista que desenvolver uma velocidade desde a partida é uma situação em que o consumo de combustível fica mais alto, pode-se atribuir em grande parte ao bloqueio do conversor de torque uma atenuação dessa desvantagem que antes era o maior calcanhar de Aquiles aos olhos da grande maioria dos gestores de frota.
Outro aspecto a se observar é o melhor aproveitamento dos parâmetros de potência e torque com um câmbio automático, e fatores tão diversos quanto o espaçamento das marchas (gear spread) e a relação de diferencial podem influenciar. Se antes era mais comum o câmbio automático ter menos marchas em comparação ao manual, o que limitava a eficiência do conjunto, chassis atuais como o Mercedes-Benz OF 1721-L são oferecidos com câmbios de 6 marchas tanto para o manual quanto para o automático, e mesmo em operação urbana o automático já apresenta uma economia de combustível 4% melhor que já favorece o retorno do investimento como também acontece em função da menor manutenção preventiva a ser necessária ao longo da vida útil operacional de um ônibus urbano. Mesmo com o custo inicial para a opção de câmbio automático permanecendo um empecilho aos olhos de gestores de frota, assim como a maior complexidade sendo interpretada como uma eventual dificuldade para manutenção preventiva, é importante lembrar a menor frequência de procedimentos mais complexos que a troca do fluido ATF em comparação a um câmbio manual que dependendo de fatores como topografia da região e eventuais vícios de um ou mais condutores acaba sofrendo um desgaste mais intenso da embreagem.
Por mais que o mesmo imediatismo que garante a sobrevida dos chassis para ônibus de motor dianteiro também se reflita num aparente desinteresse de gestores de frota em beneficiar-se das vantagens que só o câmbio automático hoje proporciona, não deixa de ser oportuno especialmente diante da necessidade em atrair passageiros que atualmente tem migrado para o serviço dos aplicativos de transporte. Apesar de parecer à primeira vista difícil justificar o investimento sob uma perspectiva que chega a ser até mais conservadora que a do transporte de cargas, o maior conforto e melhor ergonomia para o motorista não podem ser subestimados, e também são de extrema relevância para uma condução segura nas diversas condições que podem ser observadas nas vias urbanas das principais cidades brasileiras e respectivas regiões metropolitanas. Enfim, colocando na ponta do lápis desde um menor consumo de combustível e a consequente redução de emissões de poluentes, passando por um incremento na segurança e conforto tanto para operadores quanto para o usuário, já se justificaria até mesmo uma eventual obrigatoriedade do câmbio automático para futuras renovações de frota.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Caminhões "bitrucados": fácil entender a crescente presença no Brasil

Uma característica que está se tornando mais comum de observar em caminhões pesados brasileiros é a presença do 2º eixo direcional, tanto com controle direcional conjunto com o 1º eixo quanto o chamado autodirecional ou "eixo louco" que esterça de forma passiva e via de regra deve ser suspenso durante as manobras em marcha à ré. Tanto em caminhões com uma implementação mais específica para algumas cargas como combustíveis quanto outros destinados a carga geral, essa tem sido uma opção considerada mais econômica por muitos operadores ao invés de partirem para um cavalo-mecânico e semi-reboque, e faz sentido por uma série de fatores que vão da menor despesa com manutenção e até eventualmente a dificuldade para encontrar motoristas com habilitação categoria E enquanto um caminhão rígido já pode ser conduzido por detentores de CNH nas categorias C e D. Ainda que a lotação possa ser menor diante de uma carreta, uma maior facilidade para executar manobras tanto em terminais logísticos quanto no destino é digna de nota, e uma menor quantidade de componentes como pneus e material de atrito dos freios também proporciona uma boa economia.
O menor peso morto também auxilia a melhorar a rentabilidade em comparação a uma combinação de cavalo-mecânico e semi-reboque, tendo em vista um menor consumo de combustível que por sua vez se reflete em menos emissões de poluentes. Mesmo que acabe não sendo tão simples de reconfigurar para atender a diferentes tipos de carga, ao contrário de um cavalo-mecânico que pode ser acoplado a outros implementos de acordo com a necessidade e disponibilidade, para operadores que podem contar com uma maior previsibilidade na demanda por um determinado tipo de carga um caminhão "bitrucado" nas configurações 8X2 ou 8X4 pode ser perfeitamente adequado às condições operacionais. Uma solução que se mostra bastante adequada às distintas condições geográficas de um país enorme e essencialmente dependente do modal de transporte rodoviário como é caso do Brasil, o 2º eixo direcional é sem sombra de dúvidas um excelente aliado para atender à necessidade de otimizar as operações logísticas e manter um custo operacional menos oneroso em proporção à quantidade de carga transportada em médias e até longas distâncias, e alcançando mais facilmente locais onde manobrar um cavalo-mecânico se tornaria um empecilho.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Faria sentido um eventual retorno da Fiat Strada ao mercado europeu com a 2ª geração?

Uma referência na categoria das pick-ups compactas, a recentemente renovada Fiat Strada dita regras e modismos junto a uma parte expressiva do público que usa o modelo tanto para aplicações profissionais quanto usos particulares e recreacionais. Com a 2ª geração consolidando duas opções de cabine sendo a simples batizada pela Fiat como "cabine Plus" e sendo um meio termo entre a simples e a estendida da geração anterior, enquanto a cabine dupla finalmente incorporou a conveniência das 4 portas, a Strada é caracterizada por uma versatilidade que a permite atingir também consumidores que a princípio podem cogitar um SUV, e portanto fica ainda mais previsível o sucesso que já se constata pela aceitação que o modelo atual encontra tanto no Brasil quanto em mercados de exportação regional. Conta nas versões básicas Endurance com o motor 1.4 Fire Flex, enquanto a intermediária Freedom e a top Volcano já são equopadas com o 1.3 Firefly também flex, o que pode parecer contraditório num primeiro momento em função da proximidade de cilindrada que eventualmente leve alguns a considerarem justificável manter somente um motor, mas o apreço pelo Fire junto a um público profissional que se manteve fiel à Strada desde a geração anterior permite compreender a cautela por parte da Fiat ao invés de empurrar logo de cara só o moderno Firefly apesar da versão oferecida ser dimensionada especialmente para atender a um público que pode ser considerado igualmente conservador.
Embora o motor Firefly possa ser uma boa plataforma também para tentar expandir a presença global do modelo para fora da América Latina, eventualmente até viabilizando uma volta à Europa e à África, também é relevante observar que até agora não há nenhum sinal claro de que a 2ª geração da Fiat Strada possa contar com ao menos um motor turbodiesel, nem mesmo o 1.3 Multijet II que ainda era oferecido na geração anterior visando atender principalmente à Argentina e ao Paraguai. A bem da verdade, para atender à crescente histeria ecoterrorista na Europa, seria até de se esperar que eventualmente surgisse uma configuração mild-hybrid para o motor Firefly, levando em consideração que a única versão com aspiração natural dessa mesma série de motores já disponível por lá cobrindo a faixa de cilindrada de 1.0L recorre a esse expediente embora lance mão do mesmo cabeçote com comando de válvulas duplo e da injeção direta disponíveis nas versões turbo para ambas as faixas de cilindrada. Tendo em vista que a Fiat Strada costuma ser usada de forma bastante intensa pela maioria do público que a procura, talvez a configuração de cabeçote mais simples e a injeção sequencial nos pórticos de válvula não fossem um problema mesmo no caso de uma hipotética reentrada no mercado europeu, nem tanto somente devido a um custo menor que seria mais atrativo aos olhos de operadores profissionais mas também por ter uma curva de torque mais generosa em faixas de rotação mais modestas que apesar da evolução dos sistemas de variação de fase dos comandos de válvulas em motores modernos ainda não elimina a diferença na inércia entre cabeçotes com comando único ou duplo e também entre motores com duas ou 4 válvulas por cilindro, e também porque a injeção nos pórticos dispensa a complexidade dos filtros de material particulado que já começaram a ser exigidos na Europa em veículos a gasolina com injeção direta ao invés de permanecerem como um calcanhar de Aquiles exclusivo dos turbodiesel.
Um modelo versátil, mas que de uma forma bastante equivocada hoje tem uma disponibilidade restrita a mercados periféricos, a Fiat Strada também poderia beneficiar-se de alterações recentes nas normas de tráfego da União Européia equiparando pick-ups a automóveis ao invés de caminhões, de modo que não precisam seguir os limites de velocidade mais restritivos no tráfego rodoviário e portanto já ficaria mais conveniente para consumidores generalistas que hoje iriam preferir um SUV ou uma furgoneta. Mesmo em meio a toda a histeria em torno de emissões que dificulta a implementação de um motor turbodiesel, em que pese a viabilidade técnica em mantê-lo enquadrado nas normas ambientais em vigor e podendo até recorrer ao catalisador LNT ao invés do inconveniente SCR caso fosse usada a calibração de menor potência disponível para o motor 1.3 Multijet II já atendendo às normas Euro 6d, não convém ignorar a viabilidade que um motor a gasolina à primeira vista muito pé-duro teria até para integrar-se a sistemas híbridos mais rudimentares que no entanto já se beneficiariam das políticas em vigor em países como a Espanha. Considerando ainda uma versatilidade que poderia ser especialmente útil a quem se colocaria entre a cruz e a espada no momento de escolher um veículo para atender ao uso familiar ou outro para trabalhar, num momento em que esforços precisam ser feitos ao redor do mundo para recuperar-se dos efeitos do bioterrorismo chinês deflagrado pelo "novo coronavírus" sobre as principais economias, já é possível encontrar mais um bom argumento a favor de um eventual retorno da Fiat Strada à Europa...

domingo, 1 de novembro de 2020

5 fatores que podem ser decisivos para a Volkswagen finalmente conseguir abrir mão de motores aspirados

Por volta de 17 anos atrás, já circulavam rumores sobre a Volkswagen eventualmente abolir motores de aspiração natural. De fato, a tecnologia do turbo parecia especialmente promissora em função da faixa de IPI mais contida à qual estão sujeitos os motores de até 1.0L no Brasil, apesar do público tradicional da marca tenha num primeiro momento se mostrado refratário à manutenção mais criteriosa que se fazia necessária em modelos turbo à época e também se esperasse uma reação negativa por parte de clientes interessados em modelos com uma pretensão de mais sofisticação que ainda via essa faixa de cilindrada com desdém. Hoje portanto não deixa de chamar a atenção que o recentemente lançado Nivus disponha somente do motor 200TSI de 1.0L e 3 cilindros mesmo em mercados de exportação regional onde não é aplicável o mesmo benefício fiscal observado no Brasil, levando a crer que finalmente estaria iniciando uma nova era de uma presença mais consolidada do turbocompressor junto ao público generalista. Mas é interessante observar ao menos 5 fatores que podem se revelar decisivos para um eventual sucesso da estratégia de eliminação dos motores de aspiração natural na linha Volkswagen:

1 - capacidade de operar com combustíveis alternativos: embora um motor de injeção direta como o 200TSI chegue a apresentar uma melhor resposta ao etanol, diminuindo a diferença de consumo numa comparação à gasolina, a adaptabilidade para operar com combustíveis gasosos não é tão simples, o que pode ser um problema tanto em algumas regiões brasileiras com maior demanda pelo gás natural como o Rio de Janeiro quanto em mercados de exportação regional com destaque para a Argentina que ainda é o maior mercado para veículos a gás natural no subcontinente sul-americano;

2 - custo de produção: naturalmente, para uma marca generalista ainda pode ser mais difícil justificar o maior custo associado a tecnologias como a indução forçada, especialmente quando associada a outra como a injeção direta que tem se revelado uma faca de dois gumes ao agregar complexidade e trazer ao campo dos motores de ignição por faísca o problema do material particulado que antes era tratado como um calcanhar de Aquiles mais específico dos motores Diesel. Mesmo com os incentivos fiscais para os motores de até 1.0L até certo ponto auxiliando a amortizar o maior impacto no custo em comparação a motores de cilindrada mais alta com aspiração natural, ainda é seguro dizer que a modernidade tem um preço que nem todos estariam tão dispostos a pagar;

3 - percepção da cilindrada como um fator de prestígio: problema que no Brasil tem mais a ver com o fato da cilindrada ter servido de parâmetro para a introdução do programa do carro "popular", e que o uso de motores de 1.0L em modelos com pretensões menos modestas como o Volkswagen Nivus pode ser considerado uma desvirtuação. O simples fato de atualmente a única opção de motor para o Nivus ser exatamente o 200TSI até serve para desafiar a percepção de "inferioridade" aos olhos daquela parte do público generalista que troca hatches médios e até sedans por um SUV, tendo em vista que essa hoje é a categoria mais tratada como símbolo de ascensão ou sucesso pela classe média urbana;

4 - mitigação do turbo-lag: um ponto bastante crítico para alguns mercados de exportação regional como a Bolívia, onde outros modelos que no Brasil contam com o motor 200TSI são oferecidos apenas com motores de aspiração natural e cilindrada mais alta. Apesar do turbo ser visto como um importante aliado para compensar os efeitos de uma elevada altitude e baixa pressão atmosférica no desempenho, o ar mais rarefeito em zonas montanhosas como o Vale do México ainda faz com que demore um pouco a haver pressão suficiente no fluxo de gases de escapamento para vencer a inércia do turbocompressor;

5 - aptidão a ciclos de funcionamento mais intermitentes: manter faixas de rotação mais constantes por períodos prolongados tendem a favorecer a lubrificação, fator especialmente crítico para os motores turbo devido à necessidade de manter o eixo central do turbocompressor lubrificado e também a função do óleo para auxiliar na refrigeração sendo intensificado. Hoje que sistemas como o start-stop ganham espaço em função das normas de emissões e metas de redução de consumo cada vez mais rigorosas em mercados como o europeu e o americano, é previsível que tanto o motor completo quanto componentes específicos como o turbocompressor precisam ser adequados a tais condições de operação.