sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Uma reflexão sobre o estigma de "inferioridade" atribuído aos câmbios automatizados monoembreagem

Rejeitados pelo público generalista que atualmente se divide entre a rapidez dos câmbios automatizados de dupla embreagem ou a suavidade dos automáticos convencionais, mas seguindo firme e forte como a opção mais comum para atender ao mercado de caminhões, os automatizados monoembreagem acabam sendo estigmatizados como gambiarra e ainda alvo de desconfiança por parte de consumidores que não entendem algumas peculiaridades da operação desse tipo de câmbio. É previsível que uma carga não vá reclamar da menor suavidade durante trocas de marcha em comparação a um automático convencional, e as próprias condições operacionais não justifiquem a complexidade do câmbio de dupla embreagem, e portanto um gestor de frota que prefira manter os procedimentos de manutenção mais padronizados seja mais facilmente convencido a ver no câmbio automatizado de embreagem simples uma possibilidade de melhoria no conforto para o operador sem aumentar em demasia o custo operacional. Mesmo que hoje a redução no consumo de combustível em comparação ao câmbio manual já possa também ser alcançada usando um câmbio automático moderno cujo conversor de torque hidráulico conte com bloqueio (lock-up), o investimento inicial menor torna o automatizado mais atrativo para uma grande parte do público de caminhões como o Volvo VM e o Volkswagen Constellation.

Mesmo que um câmbio automatizado monoembreagem como o I-Motion que já chegou a ser oferecido em modelos como o Volkswagen Fox não tenha a mesma rapidez que é alegadamente a maior vantagem dos câmbios de dupla embreagem como o DSG que já equipou ou ainda equipa outros modelos da linha Volkswagen, e também possa estar sujeito ao risco de danos aos atuadores eletro-hidráulicos, ainda vale destacar como a maior similaridade construtiva com um câmbio manual a princípio facilitaria promover o treinamento necessário para a rede de assistência técnica autorizada e para mecânicos independentes. Apesar de ser apresentado como um "quebra-galho" para modelos cujo fabricante eventualmente não se interesse em oferecer um câmbio automático por questões de custo ou o impacto sobre o desempenho e o consumo de combustível, exatamente por ser uma tecnologia intermediária o câmbio automatizado de embreagem simples também é favorecido pela logística ao poder ser produzido nas mesmas instalações que produzem câmbios manuais. Tendo em vista que a maior parte dos câmbios automáticos oferecidos em automóveis de fabricação brasileira depende da importação do Japão e da Coréia do Sul, o aumento na procura por essa comodidade tanto pelo público generalista quando na modalidade de vendas diretas destinada a deficientes com acesso à isenção de alguns impostos levaria a crer que uma produção local de câmbios automáticos fizesse mais sentido, embora não seja inoportuno levar em consideração como os automatizados monoembreagem ainda serviriam bem a um público até certo ponto mais imediatista e seriam favorecidos pela economia de escala e por uma supply-chain mais enxuta e menos dependente de importações.

Um caso interessante é do Maruti Suzuki Swift DZire de fabricação indiana, atualmente oferecido com um motor de 1.2L a gasolina podendo ser equipado com câmbio manual de 5 marchas ou automatizado com a mesma quantidade de marchas, mesmo que seja disponibilizado no Swift hatch em outras regiões um automático CVT como opcional. Naturalmente o fato da carroceria sedan ser destinada sobretudo a mercados emergentes, que por sua vez costumam ser mais críticos no tocante ao custo inicial, já parece um bom argumento para justificar que se ofereça um câmbio automatizado monoembreagem apesar de haver um automático perfeitamente compatível com a plataforma do modelo. Outro ponto digno de nota é a oferta de manutenção e reposição de peças em mercados periféricos onde prevalece a familiaridade dos mecânicos tanto nas representações oficiais de fabricantes e importadores quanto entre profissionais independentes com os câmbios manuais, em contraponto à percepção do câmbio automático como algo muito sofisticado e até certo ponto mais especializado para aplicações críticas onde um mínimo erro do condutor durante uma mudança de marcha ou na operação do pedal de embreagem possa comprometer a integridade de algum material que esteja sendo transportado em condições adversas, condicionando o público generalista a se dar por satisfeito com um automatizado de embreagem simples caso deseje tão somente uma maior facilidade para dirigir em meio ao trânsito urbano congestionado.

Mesmo em segmentos que no Brasil acabam tendo aspirações mais prestigiosas que no fim das contas não condizem com a realidade de outros mercados onde um sedan médio como o Toyota Corolla é visto como uma espécie de "Fusca japonês" pela robustez e presença global, também acaba sendo pertinente destacar como um câmbio automatizado monoembreagem não é tão absurdo. Tomando como referência a geração E120 do Corolla, cujas versões japonesas e européias tiveram uma carroceria um pouco mais estreita que a do modelo americano também fabricado no Brasil entre 2002 e 2007 e também havendo diferenças quanto à oferta de motores em cada região, vale destacar que a hegemonia do câmbio automático tanto no Japão quanto nos Estados Unidos não foi impedimento para que se oferecesse no modelo europeu um câmbio automatizado de embreagem simples com atuadores elétricos ao invés de eletro-hidráulicos que estava mais de acordo com a maior prioridade que era dada à economia de combustível na Europa Ocidental ainda que com um menor nível de suavidade nas trocas de marcha. Por mais que o câmbio automático convencional oferecido em versões do Toyota Corolla E120 destinadas a mercados tão diversos quanto o brasileiro e o americano ou o japonês não tenha sido alvo de maiores objeções, o simples fato de um automatizado ter equipado versões européias não deixa de ser um bom contraponto diante do complexo de inferioridade de alguns brasileiros que preferem recorrer a algo mais complexo mesmo se estivesse bem servido por um mecanismo mais simples.
Se por um lado encontram uma rejeição até certo ponto injusta entre as aplicações veiculares leves, por outro o segmento comercial se beneficia por melhorias no consumo de combustível e pela durabilidade da embreagem que também se vê beneficiada levando em consideração que os câmbios automatizados tendem a efetuar as trocas de marcha "no tempo" e a maior integração com o gerenciamento eletrônico do motor proporciona proteção contra erros de condução como rotação excessiva. O fato de permanecer mais comum em câmbios manuais para caminhões e ônibus a disponibilidade de câmbios "secos" sem sincronização, que em algumas condições até dispensam o uso da embreagem em mudanças de marcha, também é vantajoso em função de um câmbio automatizado proporcionar uma maior similaridade entre as médias de consumo que um motorista experiente e um novato obteriam com um câmbio manual, e já não seja mais tão comum encontrar profissionais que conduzam satisfatoriamente veículos com "caixa seca". Enfim, ainda que a desmistificação do câmbio automático em veículos leves no Brasil constitua um grande avanço, é preocupante que um estigma de "inferioridade" distancie o público generalista dos benefícios que os câmbios automatizados ainda proporcionam no segmento de veículos comerciais.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sempre vejo descerem a lenha nos automatizados em carro pequeno, mas quando pergunto para caminhoneiro eles costumam ser mais favoráveis.

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