terça-feira, 23 de agosto de 2022

Alterar a disposição dos comandos de um veículo: possível talvez, mas impopular certamente

Uma característica que pouco mudou nos carros em quase 100 anos, a disposição básica dos comandos no cockpit sofre no máximo algumas adequações pontuais, mais influenciadas por poucos fatores como a quantidade de marchas ou o tipo de câmbio e um acionamento de acessórios facilmente acessível para o motorista. Assim, tomando por referência o exemplo da Volkswagen permitindo alegar que motoristas de Fusca poderiam fazer uma transição até bastante suave para dirigir um Gol por exemplo, logo parece pouco provável que se tentasse justificar uma alteração tão drástica a ponto de atrapalhar os condutores mais familiarizados com um modelo específico impondo que praticamente reaprendessem a dirigir para poderem usar um veículo diferente. Mesmo sendo improvável tanto que legisladores aprovassem outras disposições de comandos em um veículo que diferissem substancialmente do padrão, e o público ficasse eventualmente insatisfeito diante de alguma tentativa de incorporar tais modificações, ainda pode ser o caso de observar alguns fatores que me levariam a apostar que uma pequena parte do público oferecesse maior receptividade até a configurações um tanto bizarras à primeira vista...

Ao mencionar carros com uma configuração hoje incomum para alguns dos principais comandos, vem à mente de forma praticamente imediata o Ford Modelo T, usando desde o lançamento em 1908 até o fim da produção em 1927 uma disposição bastante inusitada de acelerador manual e seleção das marchas no câmbio por pedais, valendo frisar que a simetria entre as alavancas para o controle do avanço de ignição e do acelerador posicionadas na coluna de direção atrás do volante fizeram com que no Brasil o apelido "Ford Bigode" em alguns momentos fosse mais conhecido que a nomenclatura de fábrica. Talvez por só ter duas marchas à frente e uma à ré, ficava mais fácil justificar o recurso a um par de pedais acionados pelo pé esquerdo para servir como seletor do câmbio, prática que seria desfavorecida à medida que nos automóveis mais modernos a quantidade de marchas ia aumentando, e uma alavanca de câmbio com a disposição em H era a opção mais favorecida em detrimento de um seletor sequencial, que poderia ser por alavanca ou até por um pedal se fosse o caso. Naturalmente o Ford Modelo T dispor de embreagem automática favorecia os métodos hoje pouco ortodoxos para controle de câmbio e acelerador, ainda que a alavanca do freio de estacionamento também incorpore um estágio que inibe uma seleção da marcha mais longa, e seja portanto mencionada como se também controlasse a embreagem, enquanto o freio de serviço é o único controlado por um pedal comandado pelo pé direito tendo em vista que o acelerador é manual.
Em que pesem inúmeras diferenças de ordem técnica nas mais distintas categorias de veículos, passados mais de 100 anos desde a época áurea do Ford Modelo T, podem até ser feitas algumas analogias pouco ortodoxas para tentar justificar a incorporação de uma disposição dos comandos no cockpit semelhante, por mais improvável que pudesse soar na atualidade qualquer proposta de fazê-lo a sério. Cabe destacar a ausência de um variador manual de avanço de ignição em todos os veículos modernos, desde as motos e os carros com motores a gasolina ou flex até os veículos pesados como ônibus nos quais predominam  motores Diesel, e hoje o espaço logo atrás do volante costuma abrigar uma alavanca para o controle das luzes, e em alguns veículos acionando também os limpadores de parabrisa ao invés de contar com outra alavanca para a mesma finalidade no lado oposto. De qualquer forma, considerando a presença cada vez maior do câmbio automático que até passou a ser obrigatório em ônibus articulados novos no Brasil ao menos desde 2012, poderia parecer mais fácil sugerir que um seletor de câmbio acionado por pedal para controlar apenas as posições D-N-R normalmente acionadas por teclas no painel no caso da maioria dos ônibus urbanos com câmbio automático, enquanto uma disponibilidade do cruise-control adaptativo em alguns caminhões pesados e chassis para ônibus rodoviário também chega a permitir que os motoristas possam fazer percursos inteiros praticamente sem tocar no pedal do acelerador.
Tendo em vista que em veículos equipados com câmbio automático, mesmo com a eliminação do pedal de embreagem acionado com o pé esquerdo, ainda permanece para os pedais de freio e acelerador o uso do pé direito, e a bem da verdade poucos condutores ficariam felizes em "desaprender" tais hábitos para conduzir um ônibus por exemplo, mesmo que em função do tamanho e peso já se exija uma habilitação diferente da usada para conduzir um carro. Ironicamente, é oportuno destacar o caso das motos, para as quais tanto o acelerador quanto o freio dianteiro são controlados na mão direita e a embreagem quando aplicável pela mão esquerda, enquanto as luzes e a buzina e outros dispositivos elétricos são acionados por botoeiras próximas às extremidades do guidon, com o seletor do câmbio sendo um pedal à esquerda e o freio traseiro controlado por um pedal à direita. Embora pareça francamente impossível até mesmo uma mera tentativa de convencer um condutor de qualquer outro tipo de veículo que o acionamento dos freios de serviço poderia ter resultados satisfatórios caso houvesse uma divisão entre os dianteiros e os traseiros, além do mais que o predomínio de circuitos duplos de freios atualmente implementado como ítem de segurança em automóveis e utilitários costuma ser diagonal ao invés de controlar isoladamente os freios de cada eixo, até poderia soar menos surpreendente que alguém realmente levasse a sério uma intenção de incorporar diferentes disposições de comandos com ou sem "inspiração" nas motocicletas.

Uma parte do público poderia ser efetivamente beneficiada caso alguma disposição pouco ortodoxa dos comandos pelo cockpit fosse mais "normal", tendo em vista eventuais facilidades proporcionadas para a adaptação de acordo com necessidades e preferências específicas do usuario final, seriam os condutores com alguma deficiência física que prejudique ou até impossibilite total ou parcialmente a operação dos controles de um automóvel na configuração mais usual. Ainda que a ausência de um sistema de direção assistida tanto hidráulica quanto mais recentemente elétrica invariavelmente torne mais desconfortável virar o volante usando apenas uma mão até num carro compacto como por exemplo o Gol quadrado, e o câmbio manual exigisse levar em consideração tanto as trocas de marcha quanto um acionamento para a embreagem, a forma como os principais comandos de um automóvel são dispostas torna mais complexa uma modificação para atender a um contingente maior de usuários mantendo a simplicidade inerente ao câmbio manual. Embora os recentes aumentos na demanda pelo câmbio automático até no Brasil façam parecer que essa seria a solução mais óbvia para todos desde o consumidor generalista até o cadeirante, passando por alguém com lesão grave em um ou ambos os braços que inviabilize usar a alavanca de um câmbio manual com conforto e segurança, uma viabilidade técnica para realocar alguns comandos e até a possibilidade de usar em conjunto com soluções específicas como kits de automatização da embreagem e a favor da adaptabilidade outros acessórios que são mais direcionados à preparação para competições como kits de conversão para seletor de câmbio do tipo sequencial poderia facilitar a implementação de configurações mais convenientes de acordo com as condições de cada motorista.

Lembrando que o câmbio manual chegou a ter uma prevalência tão forte e aparentemente incontestável no Brasil, a ponto de tornar mais complexas as adaptações necessárias para por exemplo um cadeirante conduzir com segurança e conforto, e a um patamar menor comparado ao câmbio automático a bem da verdade, outro ponto a salientar é o acionamento de uma embreagem automática poder ser suprido pelo vácuo gerado no coletor de admissão em alguns motores a gasolina de concepção mais austera como foi o EA827 "AP" na linha Volkswagen. Método mais comum para os kits de automatização da embreagem que se usavam em veículos adaptados, usando solenóides que podiam ser acionados por sensor de toque e controlados por microprocessadores capazes de proporcionar uma maior progressividade do sistema, é justo supor que uma tecnologia capaz de facilitar alterações específicas no cockpit de veículos de várias categorias seria insuficiente para justificar tal abordagem junto ao público generalista por conta de uma incompatibilidade com motores Diesel, que chegaram a ser oferecidos no exterior até em modelos como o Volkswagen Polo Classic argentino trazido ao Brasil somente com o motor AP 1.8 a gasolina e alguns raros exemplares com motor 1.0 de 16 válvulas. Curiosamente o Polo Classic chegou a ter oferecida no México e na Europa a opção pelo câmbio automático, e somente com os motores a gasolina, e apesar de ser tecnicamente compatível com motores Diesel estava longe de ser uma prioridade diante de um perfil mais austero dos adeptos desse tipo de motorização em veículos compactos durante o ciclo de produção do Polo Classic que foi de '95 a 2002 na Europa e de '96 a 2009 na Argentina abrangendo a importação ao Brasil entre '96 e 2002.

Novamente vale buscar referências motociclísticas no tocante a uma viabilidade técnica que poderia ter a implementação de um layout diferente para os comandos de um carro, e um exemplo a ser analisado é a linha de motonetas Honda Cub, como a C100 Dream que chegou ao Brasil década de '90 e favorecida no uso urbano pelo câmbio semi-automático com 4 marchas. A facilidade de conduzir mantendo apenas a mão direita no guidon para controlar o acelerador e o freio dianteiro, enquanto o piloto poderia com a mão esquerda ir carregando uma embalagem de yakisoba ou ramen, certamente abriu caminhos para um perfil de operadores ainda mais amplo tanto no Japão quanto na expansão internacional da Honda. Com o acionamento centrífugo da embreagem nas arrancadas sendo útil para evitar que o motor "morra" até se o piloto arrancar com uma marcha alta dependendo das condições de tráfego ou topografia da região, e o motor permanecer ligado durante as paradas mesmo com uma marcha engatada, outro acionamento da embreagem atrelado ao mesmo pedal do câmbio permitia uma troca de marchas tranquila, apesar dos câmbios mais frequentemente do tipo sequencial nas motos continuarem desprovidos da sincronização que tornou-se padrão nos carros com câmbio manual controlado por alavanca e disposição das marchas em H.

Por mais que alguma diferenciação vá ocorrer em função de peculiaridades de cada modelo, com o tipo do câmbio e a quantidade de marchas tendo uma relevância até mais significativa que a discrepância na quantidade de acessórios entre um austero Gol e um Bentley Continental GT Convertible que sejam do mesmo ano de fabricação, uma disposição padronizada de principais comandos nos respectivos cockpits exemplifica bem o quão improvável seria uma aceitação de outras configurações por condutores com os mais variados perfis. Talvez parte da experiência de dirigir um modelo generalista ou esportivos de alto luxo pudesse ser mais desafiadora e empolgante com um reaprendizado bem mais abrangente de acordo com as respectivas categorias, embora as décadas de evolução tecnológica tenham provado o contrário. Enfim, mesmo com um precedente histórico que poderia justificar outras opções, e várias questões de ordem técnica eventualmente plausíveis numa análise mais ampla, é praticamente impossível encontrar alguém que realmente seja facilmente convencido quanto a uma implementação menos ortodoxa para o cockpit de um automóvel moderno...

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Seria desejável uma vinda da Isuzu para o Brasil?

Uma fabricante que já teve relações mais estreitas com a General Motors, especialmente nos segmentos de pick-ups médias e caminhões, a japonesa Isuzu foi especialmente beneficiada por tais relações tanto em mercados onde a GM ainda é forte quanto em outros onde de certa forma tornou-se uma improvável sucessora para a oferta de utilitários das linhas Chevrolet/GMC e Bedford. Convém salientar ainda que a penúltima geração da pick-up Isuzu D-Max era praticamente idêntica à Chevrolet S10 brasileira, com as principais diferenças em pequenos detalhes estéticos e no uso de motores e câmbios Isuzu próprios, e para algumas regiões onde caminhonete média a gasolina ainda era relevante como nos Andes a Isuzu chegou a usar motores Chevrolet complementando as opções turbodiesel. Naturalmente poderia ocorrer uma sobreposição de modelos e versões com propostas semelhantes, e ao menos teoricamente dificultar a economia de escala por conta de pequenas diferenças, embora a continuidade da operação conjunta da Isuzu com a General Motors no mercado de caminhões em outros países leve a crer na viabilidade que a comercialização de utilitários Isuzu poderia ter no Brasil com ou sem participação direta da GM.

Apesar de experiências anteriores como a montagem de caminhões Isuzu que foram vendidos no Brasil com a marca GMC entre a década de '90 e o final de 2001 terem sido descontinuadas mais por erros da General Motors do Brasil que da própria Isuzu, embora a princípio naquele momento fosse mais difícil os japoneses assimilarem algumas diferenças que o mercado brasileiro apresentava em relação a outros países sul-americanos, é inegável que a marca Isuzu é bem conhecida por um público especializado e já conseguiria se firmar no mercado mesmo sem um eventual amparo da GM. Tratando-se de um país com tradição agropecuária fortíssima como o Brasil, além de outros setores econômicos também oferecerem consideráveis oportunidades em variados segmentos do mercado de veículos utilitários, um player com a força e a presença global da Isuzu certamente encontraria boas oportunidades de negócios, e talvez até explorar vínculos culturais com a comunidade nipo-brasileira como fazia a Toyota ao iniciar a operação brasileira somente com utilitários. Enfim, considerando que ao longo do tempo a Isuzu especializou-se em utilitários e motores Diesel para aplicações diversas, certamente seria desejável uma vinda para o Brasil.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

5 motivos para a Kombi ainda ser uma presença constante nas ruas brasileiras

Um veículo bastante icônico, tanto quanto o Fusca do qual é considerada um derivado, a Kombi permaneceu em linha no Brasil até o final de 2013 sucumbindo à obrigatoriedade dos freios ABS e em algumas categorias de veículos também do airbag duplo. E apesar da alegada impossibilidade de equipá-la com freios ABS, teria sido até bastante razoável crer que ao menos a versão furgão de carga ter permanecido em linha pela capacidade de carga acima do mínimo de uma tonelada, que também serve como parâmetro para a homologação de veículos com motor Diesel no Brasil. Mas deixando de lado como a falta do sistema ABS abreviou a permanência da Kombi no mercado de veículos novos, ainda há fortes argumentos para que exemplares do modelo sigam firmes e fortes em diversos serviços, cabendo destacar ao menos 5 bons motivos para permanecer comum ver uma Kombi mesmo diante de algumas vantagens de utilitários mais modernos:

1 - manobrabilidade: a tração traseira e as dimensões externas proporcionalmente compactas favorecem a Kombi até mesmo em operações de entrega e distribuição urbana. Além de ser mais curta e estreita que alguns furgões mais modernos com capacidades de carga comparáveis, ainda é pertinente destacar a distância entre-eixos idêntica à do Fusca;

2 - capacidade de tração em diferentes condições de terreno: contando com motor e tração traseiros, além de atender bem à operação urbana, a Kombi também é capaz de proporcionar uma moderada capacidade de incursão off-road quando um utilitário de tração 4X4 seria demasiado caro para pouca vantagem prática. Tal característica serve bem mesmo para uso recreativo, como em campervans e pequenos motorhomes;

3 - concepção mecânica modesta: em que pese a substituição do tradicional motor boxer com 4 cilindros e refrigeração a ar por um com 4 cilindros em linha e refrigeração líquida no final de 2005, além da suspensão traseira ter sido modernizada quase 30 anos antes, poucas alterações tão drásticas foram feitas no conceito básico da Kombi. Até o câmbio permaneceu com apenas 4 marchas da década de '50 ao fim da produção. Assim, uma aparente vantagem é a familiaridade de mecânicos com o modelo, facilitada também pela similaridade de alguns componentes com os do Fusca;

4 - custo operacional competitivo: apesar da opção por um motor Diesel em poucos anos da década de '80 ter sido um fracasso comercial, e a princípio ter atrapalhado a Kombi quando concorrentes importados consolidavam a preferência por esse tipo de motor em furgões no Brasil a partir da década de '90, o modelo permaneceu firme e forte com um público cativo. Além do custo de aquisição menor quando era disponível no mercado de veículos novos comparada a utilitários de projeto mais moderno com capacidades semelhantes, a Kombi tinha até uma vantagem para operadores que podiam usar o gás natural quando era muito mais barato;

5 - aproveitamento de espaço: ainda que o compartimento do motor acabe acarretando numa intrusão na área de carga, limitando até o vão da tampa traseira, a Kombi oferece uma capacidade volumétrica bastante grande em proporção ao comprimento e à largura. Comparando a um utilitário com motor dianteiro, no qual seria impossível acomodar alguma carga por cima do capô sem sacrificar a visibilidade do motorista, a vantagem da Kombi nesse aspecto fica clara.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Packard Super Clipper Special Club Sedan 1942

Raro até nos Estados Unidos, tendo em vista que foi lançado em 1941 poucos meses antes do ataque a Pearl Harbor e já em 1942 para atender ao esforço de guerra se interrompia a produção de veículos civis, esse Packard Super Clipper Special Club Sedan tem motivos de sobra para se destacar. Influenciado por um desenvolvimento da aerodinâmica ainda relativamente recente, fugia da estética "de calhambeque" ao máximo, mas apresentava uma aparência bastante sóbria e adequada à proposta de luxo da Packard.
Uma peculiaridade é o motor de 8 cilindros em linha, configuração que teve seus dias de glória antes da proliferação dos V8 no pós-guerra, e nesse caso específico cabe destacar que o virabrequim se apoiava em 9 mancais principais, quando motores semelhantes que tivessem só 5 mancais de virabrequim ainda seriam bem aceitos. Curiosamente, o motor Packard mantinha as válvulas laterais, sendo portanto um flathead, mas ainda assim tinha desempenho parelho com muitos motores V8 OHV que começaram a ganhar espaço no pós-guerra.