terça-feira, 27 de setembro de 2022

5 aspectos pelos quais me surpreende o Jeep da II Guerra Mundial nunca ter sido equipado com o motor do Ford Modelo T em nenhuma configuração

Um utilitário versátil tanto em campo de batalha quanto no âmbito civil, cujo primeiro contato de tropas brasileiras deu-se quando a Força Expedicionária Brasileira botou a cobra para fumar na Itália, o Jeep é sem sombra de dúvidas um modelo marcante, assim como ao seu tempo foi o Ford Modelo T. Apesar de parecer um tanto improvável a comparação entre o Willys MB e um carro que hoje mais me lembra um trator, uma série de aspectos que transcendem o fato de terem ambos recorrido à configuração de chassi separado da carroceria com suspensão por eixo rígido e feixe de molas me parece justificar observações mais peculiares. Tendo em vista que o Ford Modelo T cujo ciclo de produção foi de 27 de setembro de 1908 a 26 de maio de 1927 teve o motor mantido em linha até 4 de agosto de 1941, exatamente 4 meses e 3 dias antes do ataque japonês a Pearl Harbor que motivou a entrada formal dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, convém destacar ao menos 5 aspectos que tornam a meu ver surpreendente que nunca tenha sido usado em qualquer versão do Jeep o motor do eterno "Ford Bigode":

1 - configuração semelhante de válvulas laterais e 3 mancais de virabrequim: o motor Willys L134 "Go Devil" que equipava os primeiros Willys MB seguia uma concepção bastante tradicional à época, e apesar de apresentar uma taxa de compressão mais alta e operar em faixas de rotação impensáveis para o motor do Ford Modelo T considerando ambos nas configurações originais, o fato de ambos contarem com válvulas no bloco e somente 3 mancais de virabrequim leva a crer que com algumas melhorias já experimentadas por tantos fornecedores de acessórios e mecânicos independentes durante a época áurea do Ford Modelo T seria possível ter proporcionado uma sobrevida a esse motor para atender ao esforço de guerra que se iniciava. Cabeçotes e pistões especiais para aumentar a compressão, eixos de comando de válvulas com outras graduações, carburadores diferentes, uma série de melhorias já conhecidas podia ser aplicada, e eventualmente o motor Willys apesar de mais "girador" teria um concorrente à altura, já considerando a diferença de mais de 40% nas faixas de cilindrada e como o Go Devil era originalmente menos "amarrado" que o motor do Ford Modelo T;

2 - familiaridade dos recrutas: embora tanto o Jeep quanto o Ford Modelo T fossem projetos voltados às condições americanas das respectivas épocas, esse aspecto também pode ser considerado pertinente em relação aos expedicionários brasileiros, tendo em vista tanto as faixas etárias quanto a probabilidade das primeiras experiências com veículos motorizados terem ocorrido justamente com o Ford Modelo T, que acabou sendo visto como um "carro velho comum" em áreas rurais, mais de 20 anos após passada a guerra. Talvez nem a disposição pouco convencional dos comandos de um Ford Modelo T se tornasse um empecilho para a maioria dos militares à época, lembrando que até viaturas militares costumam ter um acelerador manual além do pedal que se tornou padrão em veículos civis;

3 - aptidão para enfrentar condições ambientais severas: o sistema de ignição costumava ser muito mais vulnerável à umidade em motores equipados com distribuidor, como o Willys Go Devil, enquanto o Ford Modelo T dispunha de um sistema mais resiliente a tais condições com o magneto integrado ao volante do motor e um comutador, que distribuía a tensão para as bobinas de acordo com a ordem de fogo para elevarem a tensão antes de centelhar nas velas. O comutador podia parecer um distribuidor melhorado, mas o princípio de funcionamento era o inverso, ao transferir corrente de baixa tensão para bobinas individuais que transmitiam alta tensão para as velas, enquanto um distribuidor receberia alta tensão de uma única bobina e serviria a vela de cada cilindro;

4 - a experiência de Jesse Livingood: mesmo que a tração 4X4 só tenha sido massificada junto ao grande público no pós-guerra por influência do Jeep, vale lembrar que kits de adaptação para o Ford Modelo T já haviam sido apresentados, e o mais conhecido foi desenvolvido por Jesse Livingood. Seria improvável que o mesmo sistema acabasse sendo incorporado ao Jeep, tendo em vista que mantinha o precário sistema de freios original do Modelo T por cintas no câmbio e com tambores apenas nas rodas traseiras para o freio-de-mão, apesar de também terem sido oferecidos como acessórios para o Modelo T melhorias como o sistema Rocky Mountain que incorporava o acionamento dos tambores ao pedal de freio e até kits de freio a tambor nas 4 rodas. No entanto, considerando a necessidade da tração 4X4 no Jeep, a experiência de Jesse Livingood com adaptações servia como prova da aptidão do motor do Ford Modelo T a essa necessidade;

5 - o Willys MB também ter sido produzido pela Ford: em meio ao esforço de guerra, dentre tantas empresas que acabaram produzindo suprimentos militares, a Ford chegou a produzir também o Willys MB, que nas versões fabricadas pela Ford foi renomeado GPW. Portanto, se ao menos uma versão do Jeep original tivesse saído com o motor do Ford Modelo T, poderia ser até fácil de explicar, lembrando de situações inusitadas envolvendo a adaptação de motores e componentes destinados ao público civil para atender às necessidades daquele momento.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Kombi '75 nacional transformada em Barndoor

Um daqueles veículos tão icônicos que dispensam maiores apresentações, a Kombi tem uma história às vezes subestimada de tanto que permanece presente nas ruas brasileiras, a ponto de configurações hoje raras como a "Barndoor" com a tampa do motor estendendo-se até a moldura do vidro traseiro cheguem a passar despercebidas num primeiro momento. E a bem da verdade, meses atrás na primeira vez que vi especificamente essa Kombi, apesar da estranheza inicial pelas luzes indicadoras de direção abaixo dos faróis e o teto mais curto em comparação a outros exemplares split-window (ou "corujinha") que ainda podem ser vistos Brasil afora, demorei um pouco a me dar conta que se tratava aparentemente de uma legítima Barndoor da década de '50, apesar de algumas modificações mais evidentes como a tampa do motor ranhurada para melhorar a refrigeração e as lanternas traseiras maiores com seção central branca. Ao rever a mesma Kombi nas imediações do Parcão no dia 7 de setembro, onde em meio ao movimento muito intenso devido aos atos comemorativos do bicentenário da independência do Brasil consegui tirar somente duas fotos, também demorei a prestar atenção a um detalhe que me fez levantar dúvidas quanto à possibilidade de ter sido uma Kombi nacional modificada para a estética semelhante à da Barndoor.

A exemplo do Fusca cujo acesso ao bagageiro interno atrás do banco traseiro se dá somente por dentro, o espaço acima do compartimento do motor numa Barndoor originalmente também era acessível apenas dessa forma, e a bem da verdade a maior altura entre aquela área e o assoalho do salão de passageiros já diminuía consideravelmente o vão de abertura de uma tampa do porta-malas. Chegaram a ser oferecidos por fabricantes de acessórios para a linha Volkswagen tradicional diversos acessórios como molduras de parabrisa basculantes para melhorar a ventilação interna, e também para o vidro traseiro que facilitava a acomodação de pequenos volumes, mas tampas de porta-malas propriamente ditas também foram feitas para adaptação na Barndoor embora tenha aparentemente sido uma opção pouco popular considerando até como um vão tão estreito de abertura seria praticamente inútil em aplicações mais específicas, como no segmento de ambulâncias ao qual pode ser atribuída uma influência para o fim da Barndoor. Depois de observar melhor as fotos, me chamando a atenção uma trava como a do compartimento do motor em versões nacionais até o encerramento da produção da Kombi, uma rápida apuração me levou a menções do ano de fabricação dessa como sendo 1975, e portanto foi transformada para parecer uma Barndoor.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

5 motivos para ter sido um erro a General Motors do Brasil nunca ter produzido o motor Buick V6 no Brasil

Um motor que foi uma verdadeira tábua de salvação para diferentes divisões da General Motors tanto a nível de Américas quanto Austrália, e no Brasil teve como única aplicação "oficial" na linha Chevrolet o Omega australiano com a faixa de cilindrada de 3.8L mais notabilizada, o V6 da Buick tem origens na década de '60 quando uma versão de 3.2L com bloco e cabeçotes de ferro surgia ao final de '61 para uso no ano-modelo '62 em substituição a um V8 de 3.5L com bloco e cabeçotes em alumínio. Mesmo sendo um pouco mais pesado e inicialmente com cilindrada menor que o V8 substituído, o motor Fireball V6 tinha na relação custo/benefício uma vantagem, mas a concorrência com o conhecido motor Chevrolet de 6 cilindros em linha e 250 polegadas cúbicas (4.1L) tão conhecido no Brasil motivou a GM a vender o ferramental de produção do Fireball para a AMC em '67 quando uma versão de 3.7L conhecida como Dauntless era usada na linha Jeep nos Estados Unidos e mercados de exportação supridos pela produção americana. A eclosão da primeira crise do petróleo em '73 motivou a General Motors a adquirir de volta o ferramental de produção desse motor já em '74, tendo em vista que o custo para fazer um outsourcing junto à AMC ficaria inviável, e em '78 a faixa de cilindrada de 3.8L pela qual o motor Buick V6 ficaria mais conhecido se consolidava como a principal, embora algumas versões de 3.0L e 4.1L tenham sido oferecidas em alguns modelos da década de '80 nos Estados Unidos e outra de 3.3L surgiu entre o final da década de '80 e começo da década de '90. Além dos Estados Unidos onde foi produzido até 2008, e da Austrália onde foi produzido até 2004, certamente o motor Buick V6 poderia ter contado com uma história mais gloriosa no Brasil, e ao menos 5 bons motivos podem ser apontados:

1 - peso menor e mais centralizado que nos motores Chevrolet de 6 cilindros em linha: levando em consideração o maior alinhamento da General Motors do Brasil com a Opel a partir do final da década de '60, em que pese o uso de motores Chevrolet de concepção americana mais abrutalhada comparados aos motores alemães, certamente o motor V6 teria atendido satisfatoriamente a modelos desenvolvidos com o uso de motores mais leves que o "linguição", além do peso do V6 ficar mais próximo ao centro e melhorar a dinâmica da maioria dos veículos. Por mais que o aproveitamento de um motor já produzido no Brasil inicialmente para uso nas linhas de caminhões e outros utilitários de concepção americanizada até fizesse sentido no tocante à logística, a princípio o Buick V6 era mais adaptável às características de modelos com um projeto essencialmente europeu;

2 - custo de produção relativamente baixo: assim como os motores Chevrolet 153 e posteriormente 151 de 2.5L com 4 cilindros em linha e os motores 230 e 250 de 3.8L e 4.1L com 6 cilindros em linha, o motor Buick V6 também ter bloco e cabeçotes de ferro favorecia o custo de produção, em que pese ter usado um ferramental de produção originalmente desenvolvido para motores V8, que nunca foram produzidos pela General Motors do Brasil. Certamente que a General Motors-Holden na Australia ter desenvolvido um motor V8 próprio, também com bloco e cabeçotes em ferro e o mesmo ângulo de 90° entre as bancadas de cilindros facilitou a implementação da produção do Buick V6 por lá, mantendo o aproveitamento de um ferramental que deixou de ser usado para produzir os V8 em 2000 para estender a produção do V6 até 2004, quando foi substituído pelo High-Feature (ou Alloytec) V6 de 3.0L e 3.6L com ângulo de 60° entre as bancadas, bloco de alumínio e duplo comando de válvulas nos cabeçotes também de alumínio;

3 - adaptabilidade à indução forçada: diferentes versões lançaram mão do turbo nos Estados Unidos, e do supercharger (vulgo blower) tanto nos Estados Unidos quanto na Austrália. Apesar do downsizing ter demorado a se firmar no Brasil, e a subsidiária brasileira da General Motors já ter contado com uma vantagem competitiva durante a crise do petróleo com os motores de 6 cilindros em linha quando Ford e Chrysler priorizavam os V8, já levava uma parcela mais austera do público a eventualmente ignorar a possibilidade de recorrer ao turbo ou ao supercharger;

4 - viabilidade para instalação em veículos de porte menor: levando em consideração que o motor V6 é mais compacto, tendo sido mais usado nos Estados Unidos tanto em posição longitudinal e tração traseira quanto na posição transversal com tração dianteira, ao menos em teoria faria mais sentido usar esse motor até em modelos que no Brasil vieram somente com 4 cilindros, enquanto similares europeus e americanos chegaram a contar com motores V6. Em que pese o Omega australiano ter sido baseado até 2007 em um modelo europeu cujas opções de motor V6 entre 2.5L e 3.0L tinham um layout que na teoria seria mais compacto, com ângulo de 54° entre as bancadas de cilindros apesar dos cabeçotes com duplo comando de válvulas, vale lembrar que a instalação do motor Buick V6 esteve longe de ser muito problemática mesmo com o ângulo de 90° entre bancadas, a princípio porque o comando de válvulas no bloco permite que os cabeçotes sejam mais compactos;

5 - possibilidade de exportação: assim como a GMB chegou a exportar motores com 4 cilindros para os Estados Unidos e a Europa, inclusive em versões turbo, eventualmente o motor Buick V6 pudesse ter uma boa demanda em mercados externos por ser mais fácil de instalar em alguns modelos para os quais os motores de 6 cilindros em linha que tiveram algum uso no Brasil até 2001 seriam muito mais difíceis de acomodar. Mesmo usando corrente de comando, que os motores Chevrolet de 6 cilindros em linha de fabricação nacional e uma linha de motores de configuração semelhante feita pela Holden dispensavam, a princípio o motor Buick poderia ter atendido mais facilmente a outros mercados tanto na América do Sul quanto na África Subsaariana, após o fechamento de uma fábrica de motores na África do Sul em '82 ter levado a operação sul-africana da GM a usar até motores Holden de 6 cilindros em linha além de motores com 4 cilindros de origem inglesa, alemã, sul-coreana e também brasileira até o encerramento da venda de veículos Chevrolet na África do Sul e na Índia no final de 2017. A bem da verdade, seria até mais lógico que países banhados pelo Oceano Atlântico recebessem motores brasileiros, ao invés de motores feitos em países banhados pelo Pacífico como é o caso da Austrália e da Coréia do Sul.