domingo, 18 de dezembro de 2022

Caso para reflexão: cabine dupla Tropical e muitas mancadas da Ford no mercado brasileiro

Já é público e notório que o Brasil não é para principiantes, e um daquelas situações que exemplificam bem o quão peculiar é esse país são as transformações antigas de pick-ups para cabine dupla como as da extinta Tropical Cabines, cuja atividade nos últimos anos esteve perigosamente centrada na linha Ford e acabou comprometendo a própria sustentabilidade desse modelo de negócio. Lembrando que a Ford faz basicamente a mesma coisa desde a época dos calhambeques, fomentando uma dependência excessiva por um único tipo básico de produto a ponto de agora tentar se posicionar mais como especializada nos veículos utilitários, é ainda mais bizarra a sucessão de erros culminada nos encerramentos de fabricação brasileira. E por mais que aquelas cabines duplas que apresentam um perfil mais parecido ao dos sedans acabem fugindo um pouco daquelas pretensões essencialmente utilitárias, e tivessem servido como um paliativo desde a época da restrição às importações entre '76 e '90, além de atenderem a quem preferia os motores Diesel a qualquer custo e por isso partiam para utilitários transformados desde quando ainda não se falava tanto de SUV, uma Ford F-250 com a cabine dupla Tropiclassic traz à tona alguns vacilos que remontam até mesmo à época que Amaral Gurgel foi funcionário da operação brasileira da Ford...

Por mais que algumas diferenças nem sempre muito óbvias entre os chassis de um utilitário de grande porte e o de um carro mais convencional pudessem levar a conclusões equivocadas quanto à viabilidade de produzir automóveis de perfil mais generalista desde o início da fabricação brasileira de caminhões Ford ainda na década de '50, um aparente descaso com o país já transparecia, e se refletia em gerações de caminhões e pick-ups full-size anteriores à F-250 lançada em '98, que chegavam ao Brasil obsoletas em relação ao mercado americano, enquanto até países como Venezuela e Argentina já acompanhavam mais de perto as evoluções da linha americana. E a bem da verdade, até a F-250 de certa forma expunha bem algumas mancadas da Ford, especialmente no tocante a opções de powertrain mas principalmente a maior disponibilidade de opções destinadas exclusivamente à exportação em determinados momentos na época que África do Sul e Austrália recebiam o modelo fabricado no Brasil com o cockpit à direita e opções que iam da cabine dupla original de fábrica à tração 4X4 cujas respectivas introduções oficiais ao modelo de especificação regional Mercosul eram sempre atrasadas. Mesmo considerando necessária uma regionalização das opções de motor turbodiesel, num primeiro momento com o Cummins B3.9 de 141cv e "só" 4 cilindros e logo em seguida o MWM Sprint 6.07 TCA de 180cv e 6 cilindros em linha que foi o único oferecido na África do Sul e chegou a ser oferecido na Austrália como uma opção mais austera ao V8 Power Stroke de 7.3L que no Brasil só equipou exemplares destinados à exportação com cockpit à direita, o fato de nunca ter sido vendida oficialmente pela Ford no Brasil uma F-250 equipada com câmbio automático entre '98 e 2011, e a tração 4X4 já oferecida desde o início para a Austrália e a África do Sul só ter chegado ao catálogo brasileiro no final de 2005 com uma nova versão de 203cv do motor Cummins incorporando gerenciamento eletrônico, certamente favoreceram outros modelos até de outras categorias e com um tamanho menor.

Lembrando que um chassi totalmente renovado para a linha Super Duty só surgiu nos Estados Unidos com o modelo de 2017, quando a F-250 já estava fora do mercado brasileiro e o relançamento da F-350 e F-4000 em 2014 ignorou qualquer alteração estética dos equivalentes estrangeiros e também deixava de lado a opção pela cabine dupla de fábrica na F-350, coube exatamente à Tropical Cabines como uma transformadora homologada pela Ford suprir aos clientes que desejavam ou efetivamente necessitavam desse recurso. Nesse caso já cabe até traçar um paralelo com a forma que a Tropical Cabines recorria ao plástico reforçado com fibra de vidro para a fabricação própria de componentes para a transformação de cabine simples em cabine dupla, e a forma como a Gurgel usou à exaustão esse mesmo material, apesar de caber uma ressalva pela Tropical ter sempre usado os chassis originais das caminhonetes ao contrário da Gurgel que chegou a produzir chassis próprios, podendo também ser feita até uma analogia entre as pick-ups transformadas e o encarroçamento de um chassi para ônibus. Tendo em vista a complexidade dos processos de homologação de veículos no Brasil atualmente, que no caso de alguns utilitários pode envolver desde um chassi básico até opções de carrocerias especializadas, eventualmente a Ford ainda pudesse ter aproveitado melhor a experiência da Tropical Cabines, concentrando-se apenas no chassi e opções de motor e transmissão, enquanto um fornecedor especializado que nos últimos anos de atuação esteve efetivamente devotado à Ford podia até haver implementado uma maior similaridade estética dos modelos nacionais com os similares americanos.

Por mais que a fábrica de São Bernardo do Campo onde era produzida a F-250 nacional tivesse sido um barril de pólvora no âmbito de ações judiciais trabalhistas e outros problemas entre a Ford e o sindicato dos metalúrgicos do ABC, a empresa ter desativado aquela operação que havia se tornado especializada em veículos pesados num mesmo momento que dependia do outsourcing junto à Otosan na Turquia no intuito de retomar a presença no mercado de caminhões na Europa Ocidental e com a Changan e a JMC na China visando atender tanto a segmentos de carros mais tradicionais quanto os SUVs e os utilitários para trabalho em geral soa um tanto incoerente. Tendo em vista que até hoje uma caminhonete full-size segue praticamente a mesma "receita" dos calhambeques acrescida de alguns "ingredientes" modernos, e portanto se enquadra naquela zona de conforto que a Ford buscou se posicionar, é inegável que havia um aproveitamento mais viável da operação brasileira no contexto de reestruturação a nível mundial. Enfim, mesmo à primeira vista parecendo "só" mais uma daquelas "brasilidades" difíceis de explicar a um estrangeiro que visita o Brasil pela primeira vez, uma F-250 com cabine dupla Tropical torna-se um bom exemplo de como a Ford negligenciou demasiadamente o mercado brasileiro mesmo quando tinha plenas condições de atender com mais empenho.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Críticas ao Fusca: algumas fazem sentido

Um carro que transcendeu da condição de mera ferramenta, e foi alçado a uma posição de ícone histórico e cultural, o Fusca sempre desperta reações intensas, tanto no exterior quanto no Brasil. Naturalmente, passa longe de ser uma unanimidade, tornando-se alvo de eventuais críticas chegando à proporção do ódio em alguns casos. O conturbado ciclo de produção do modelo, que efetivamente só ganhou impulso porque um oficial inglês das forças de estabilização da Alemanha durante o imediato pós-guerra entendeu que haveria uma oportunidade de fomento econômico e oferta de empregos à população da cidade de Fallersleben/Wolfsburg com a Volkswagen renascendo dos escombros, também passou por momentos distintos no Brasil, como um relançamento politicamente motivado que deu origem ao Fusca Itamar de '93 a '96.

Tal circunstância podia parecer óbvia para "blindar" o Fusca de críticas, tendo em vista que havia passado 7 anos fora de produção no Brasil iniciada em '59 e desativada em '86. A bem da verdade, por mais que o Fusca até conseguisse atender bem a um público mais específico fora da "bolha" das capitais e de alguns centros regionais com infraestrutura mais desenvolvida, é natural que o projeto já antigo à época do primeiro encerramento da fabricação brasileira acarretasse em alguns compromissos que o público generalista via como inaceitáveis diante da nova geração de carros "populares" que surgia na década de '90. E por mais que o bom e velho motor com refrigeração a ar tenha seus méritos diante de negligências na manutenção que ainda se vê muito por esse Brasil afora, já começa por aí uma reflexão quanto a eventuais descasos por parte da Volkswagen quanto a possíveis melhorias como a injeção eletrônica que já se usava no Fusca mexicano antes que fosse retomado o ciclo brasileiro na fase Itamar.

A suspensão dianteira com barras de torção, que ocupavam um espaço imenso na frente, era um empecilho para ampliar capacidades do bagageiro frontal e também do tanque de combustível, além do bagageiro interno que se localiza entre o encosto do banco traseiro e o quadro de fogo ter acesso mais difícil em comparação ao bagageiro de um hatch com motor dianteiro. Para quem podia dispensar a capacidade de trafegar por trechos severos nas periferias ou no interior, era previsível a preferência por uma melhor ergonomia para a acomodação de bagagens e cargas leves, já relegando o Fusca a um público "de nicho" e teoricamente pouco rentável. Pode ser que a própria Volkswagen não tenha mais sabido segmentar a propaganda para alcançar aos clientes com um perfil devidamente ajustado ao Fusca, que na prática se via totalmente livre de concorrência tanto em meio ao fim da Gurgel e os custos de utilitários 4X4 que poderiam ser considerados mais parelhos no tocante à aptidão off-road.

Ter somente duas portas, que já influenciou até modelos de segmentos mais prestigiosos ao ponto de terem versões de duas portas só para o Brasil, era algo indesejável aos olhos de uma parte expressiva do público quando o Fusca Itamar surgiu. Por mais que ainda se veja muito carro "popular" de gerações mais novas com só duas portas, a ascensão das 4 portas no mercado brasileiro já atrapalhava a competitividade mesmo antes do Itamar ter a produção encerrada em '96. A pequena área envidraçada, característica que já tinha sido revista na Europa enquanto o Fusca no Brasil se mantinha sem grandes alterações durante o ciclo de produção original que foi até '86, também se revelava um problema e desencorajava potenciais compradores, bem como a falta de ventilação forçada que era especialmente injustificável em um país com climas tão extremos em algumas localidades, por mais que aqueles ventiladores de camelô para ligar ao acendedor de cigarros às vezes quebrassem um galho...

A perfeição é francamente impossível de se alcançar, e diferentes graus de evolução nas indústrias e uma exigência também maior do público generalista acabam por levar um antigo sucesso a ter as limitações expostas a uma avaliação mais severa. No caso do Fusca mais especificamente, que era favorecido no Brasil pela falta de um efetivo concorrente especialmente antes da reabertura das importações, ficava até mais previsível uma acomodação da Volkswagen do Brasil, bem como resignação de uma parte expressiva do público que comprava Fusca mais em função das condições de uso severas. Enfim, apesar de terem se firmado outros parâmetros no mercado brasileiro que atrapalhavam uma continuidade do Fusca, algumas críticas ao modelo já se mostravam justificáveis, em que pese ter se tornado um ícone cultural.

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Momento nostalgia: Honda CBX 150 Aero

Uma daquelas motos que a Honda ofereceu especificamente no Brasil, a CBX 150 Aero foi produzida entre 1988 e 1993 com a missão específica de atrair a uma parte do segmento de pequena cilindrada que desejava algo além daquela austeridade então apresentada pela CG. Com o lançamento ocorrido durante o governo Sarney, e a desastrosa política do Controle Interministerial de Preços (CIP) implementada no intuito de conter a inflação também afetando o mercado motociclístico à medida que as motos até 150cc tinham os preços tabelados, alterar o motor de 148cc como previsto no projeto original para 151cc foi o artifício usado pela Honda para estabelecer o preço com mais liberdade. Incorporando características como o freio dianteiro a disco e a partida elétrica que só chegariam na CG 125 ao fim de 1999, também se destacava por um desenho com pretensões esportivas, destacando as formas aerodinâmicas da rabeta com a lanterna integrando os indicadores de direção, chegando a ter sido oferecida como opcional uma carenagem integral que eu nunca vi ao vivo...

Nunca foi exatamente um modelo comum, mas já foi bem mais fácil ver um exemplar tão íntegro como o das fotos que é do ano de lançamento, e possivelmente o fato da Aero ter escapado ao tabelamento de preços pesou contra um maior volume de vendas, bem como a reabertura do mercado brasileiro a carros e motos importados já durante o governo Collor. O motor já ter incorporado o comando de válvulas no cabeçote com sincronização por corrente, que hoje parece tão óbvio mesmo nas motos utilitárias, podia ser considerado outro eventual empecilho sob o ponto de vista comercial em comparação à austeridade do motor que a CG usava à época, com comando no bloco e sincronização direta por engrenagens mais resiliente diante de alguns eventuais desleixos na manutenção como atrasos entre as trocas de óleo. No fim das contas, em meio a tantas peculiaridades do mercado brasileiro que desafiam a lógica, a Honda CBX 150 Aero é um dentre tantos modelos que vem sendo alçados à condição de clássicos mais pela própria raridade que por alguma característica técnica específica.

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Clássico revisitado: Ford Crestline Victoria 1953

Ao que tudo indica o último remanescente desse modelo em Porto Alegre, esse Ford Crestline Victoria 1953 já me era conhecido ao menos desde 2009. Naturalmente já chama a atenção pelo simples fato de ser um modelo da primeira metade da década de '50 ainda em plena operação, e com uma cor mais viva que destoa do binômio preto/prata visto mais frequentemente em carros atuais.

O interior traz aquele layout bastante tradicional dos carros full-size americanos clássicos, incluindo os bancos inteiriços tanto atrás quanto na frente e a alavanca de câmbio na coluna de direção, liberando o espaço para um passageiro no centro do banco dianteiro em que pese a intrusão do túnel de transmissão. Chama a atenção por ainda ter câmbio manual de 3 marchas, que pela posição da alavanca é conhecido por "three-on-the-tree", embora a prosperidade do pós-guerra tenha feito o câmbio automático ganhar o apreço do público americano com uma celeridade incomparavelmente maior que no Brasil...

Um aspecto marcante do ano-modelo 1953 na linha Ford foi ter sido o último ano que o motor Flathead V8 foi usado em automóveis, com exceção do Canadá, da Austrália e na França onde era oferecido até 1954. Nesse exemplar específico, o motor é de 3.9L ou 239 polegadas cúbicas.
Já se tratando do motor EAB, introduzido no ano-modelo anterior com um aumento de 6,8:1 para 7,2:1 na taxa de compressão, com 110hp de potência a 3900 RPM e 27kgfm de torque a 2000 RPM, levando em consideração que essas faixas de rotação tão baixas são bem características de motores com válvulas laterais (no bloco) como o próprio nome dos motores Flathead V8 indica. Mas uma característica que me chamou a atenção quando o proprietário abriu o capô para mostrar o motor foi o calor que começou a ser exaurido, e o motor Flathead V8 realmente costuma ter temperaturas bastante altas até em função do direcionamento do fluxo de escape por dentro do bloco para sair pelas laterais, tendo em vista que as válvulas ficam no "vale" do V entre as bancadas de cilindro.

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Kombi: ainda teria viabilidade se fosse disponível 0km?

Um tanto estigmatizada como "inferior" em comparação a utilitários mais modernos, e tendo deixado de ser produzida ao final de 2013 em antecipação à obrigatoriedade de freios ABS para os automóveis e utilitários novos comercializados no Brasil a partir de 2014, a Kombi até poderia ter seguido em linha ao menos em algumas versões beneficiadas pela isenção da obrigatoriedade de airbag duplo que passou a vigorar no mesmo período. Naturalmente, a necessidade de carteira de habilitação na categoria D que é necessária para conduzir veículos de transporte escolar por exemplo desencorajaria uma grande parte do público da versão Standard, com apenas 9 lugares já contando o do motorista, enquanto a Escolar era homologada com 15 lugares e a Lotação com 12 lugares, e o modelo Furgão ainda pode ser conduzido com CNH categoria B mas ter apenas 3 lugares seria inviável para o uso misto que tanto notabilizou a Kombi ao longo das décadas. Outros fatores como o recrudescimento das normas de emissões a partir de 2022 também levariam a crer que a Kombi teria uma sobrevida muito curta para justificar o eventual uso de freios ABS, embora a princípio encontrar algum espaço para instalar um cânister de capacidade maior para versões flex ou até instalar um motor turbodiesel moderno com toda a parafernália associada ao controle de emissões como um filtro de material particulado (DPF) e um tanque para o fluido-padrão AdBlue/ARLA-32 usado pelo sistema SCR estivesse longe de ser totalmente impossível, mesmo sendo o caso do molho mais caro que o peixe...
Apesar do álcool/etanol ser inviável na maior parte do país, e o gás natural também ter atingido preços um tanto exorbitantes, a recente guerra entre Rússia e Ucrânia fez com que pela primeira vez o diesel se tornasse mais caro que a gasolina até no Brasil, e nisso a Kombi ainda estaria bem servida com o motor flex, contrastando com a hegemonia dos motores turbodiesel em vans e pick-ups médias modernas com capacidades semelhantes tanto no transporte de carga quanto de passageiros. Para aqueles operadores de perfil mais tradicional, dos quais a Volkswagen de um modo geral parece estar se distanciando, ainda é justificável crer que a Kombi permaneceria desejável se tivesse permanecido em linha, embora algumas melhorias no conforto como direção assistida e ar condicionado também se tornassem mais demandadas para reter alguns potenciais clientes que de outra maneira fariam a transição para outros utilitários com um projeto mais moderno.Enfim, por mais tecnicamente desafiador que seria manter a Kombi dentro de normas de segurança e emissões mais restritivas que foram implementadas no Brasil desde quando teve a produção encerrada, uma série de circunstâncias que vão desde o intenso conservadorismo por parte do público de veículos comerciais no mercado nacional até a praticidade que o porte mais compacto em comparação a utilitários de capacidades próximas tende a oferecer em algumas condições operacionais, é possível crer que a Kombi ainda teria alguma demanda caso tivesse permanecido em produção.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Fusca '67 sem pintura

Me chamou a atenção esse Fusca 1300, ano '67, pela ausência de uma pintura externa. Ao contrário de tantou outros Fuscas que sobrevivem como veículos de uso normal nas mãos de motoristas com perfil mais austero, esse parece ser daqueles que caíram nas mãos de alguém com perfil de uso recreativo por assim dizer. Entre entusiastas de modelos antigos da Volkswagen, um grupo que acaba tendo esse viés é o dos que apreciam o estilo HoodRide ou RatVolks, que tem uma predileção pela aparência com marcas do tempo como a ferrugem aparente, embora de forma controlada na medida do possível e sem afetar a integridade estrutural dos veículos.
Desconheço qualquer tratamento que possa ter sido feito na carroceria desse Fusca para restringir uma eventual expansão dos pontos de oxidação, como por exemplo uma fosfatização ou o recobrimento com verniz incolor para manter aparente a cor natural da chapa de aço pelo lado externo. O painel no entanto preserva a pintura na cor branca, ao que tudo indica a cor original desse exemplar antes que tivesse sido decapado. É difícil deduzir simplesmente ao observar esse Fusca se a remoção da pintura foi feita por meios inteiramente mecânicos como lixando, ou se foi feita com solventes para remover a tinta por ação química.
Outra modificação que chama a atenção imediatamente é o uso das rodas de liga-leve conhecidas como "roda gaúcha", que foram muito populares em outras épocas, mencionadas até na música "Pelados em Santos" do grupo Mamonas Assassinas. Bastante apropriada a escolha dessas rodas para um Fusca em Porto Alegre, diga-se de passagem... E embora alguns puristas rejeitem a aparência sem pintura, ficou um aspecto até interessante, com a incidência do sol ressaltando algumas marcas de ferrugem e refletida nas partes que ainda preservam o brilho do metal.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

5 aspectos pelos quais me surpreende o Jeep da II Guerra Mundial nunca ter sido equipado com o motor do Ford Modelo T em nenhuma configuração

Um utilitário versátil tanto em campo de batalha quanto no âmbito civil, cujo primeiro contato de tropas brasileiras deu-se quando a Força Expedicionária Brasileira botou a cobra para fumar na Itália, o Jeep é sem sombra de dúvidas um modelo marcante, assim como ao seu tempo foi o Ford Modelo T. Apesar de parecer um tanto improvável a comparação entre o Willys MB e um carro que hoje mais me lembra um trator, uma série de aspectos que transcendem o fato de terem ambos recorrido à configuração de chassi separado da carroceria com suspensão por eixo rígido e feixe de molas me parece justificar observações mais peculiares. Tendo em vista que o Ford Modelo T cujo ciclo de produção foi de 27 de setembro de 1908 a 26 de maio de 1927 teve o motor mantido em linha até 4 de agosto de 1941, exatamente 4 meses e 3 dias antes do ataque japonês a Pearl Harbor que motivou a entrada formal dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, convém destacar ao menos 5 aspectos que tornam a meu ver surpreendente que nunca tenha sido usado em qualquer versão do Jeep o motor do eterno "Ford Bigode":

1 - configuração semelhante de válvulas laterais e 3 mancais de virabrequim: o motor Willys L134 "Go Devil" que equipava os primeiros Willys MB seguia uma concepção bastante tradicional à época, e apesar de apresentar uma taxa de compressão mais alta e operar em faixas de rotação impensáveis para o motor do Ford Modelo T considerando ambos nas configurações originais, o fato de ambos contarem com válvulas no bloco e somente 3 mancais de virabrequim leva a crer que com algumas melhorias já experimentadas por tantos fornecedores de acessórios e mecânicos independentes durante a época áurea do Ford Modelo T seria possível ter proporcionado uma sobrevida a esse motor para atender ao esforço de guerra que se iniciava. Cabeçotes e pistões especiais para aumentar a compressão, eixos de comando de válvulas com outras graduações, carburadores diferentes, uma série de melhorias já conhecidas podia ser aplicada, e eventualmente o motor Willys apesar de mais "girador" teria um concorrente à altura, já considerando a diferença de mais de 40% nas faixas de cilindrada e como o Go Devil era originalmente menos "amarrado" que o motor do Ford Modelo T;

2 - familiaridade dos recrutas: embora tanto o Jeep quanto o Ford Modelo T fossem projetos voltados às condições americanas das respectivas épocas, esse aspecto também pode ser considerado pertinente em relação aos expedicionários brasileiros, tendo em vista tanto as faixas etárias quanto a probabilidade das primeiras experiências com veículos motorizados terem ocorrido justamente com o Ford Modelo T, que acabou sendo visto como um "carro velho comum" em áreas rurais, mais de 20 anos após passada a guerra. Talvez nem a disposição pouco convencional dos comandos de um Ford Modelo T se tornasse um empecilho para a maioria dos militares à época, lembrando que até viaturas militares costumam ter um acelerador manual além do pedal que se tornou padrão em veículos civis;

3 - aptidão para enfrentar condições ambientais severas: o sistema de ignição costumava ser muito mais vulnerável à umidade em motores equipados com distribuidor, como o Willys Go Devil, enquanto o Ford Modelo T dispunha de um sistema mais resiliente a tais condições com o magneto integrado ao volante do motor e um comutador, que distribuía a tensão para as bobinas de acordo com a ordem de fogo para elevarem a tensão antes de centelhar nas velas. O comutador podia parecer um distribuidor melhorado, mas o princípio de funcionamento era o inverso, ao transferir corrente de baixa tensão para bobinas individuais que transmitiam alta tensão para as velas, enquanto um distribuidor receberia alta tensão de uma única bobina e serviria a vela de cada cilindro;

4 - a experiência de Jesse Livingood: mesmo que a tração 4X4 só tenha sido massificada junto ao grande público no pós-guerra por influência do Jeep, vale lembrar que kits de adaptação para o Ford Modelo T já haviam sido apresentados, e o mais conhecido foi desenvolvido por Jesse Livingood. Seria improvável que o mesmo sistema acabasse sendo incorporado ao Jeep, tendo em vista que mantinha o precário sistema de freios original do Modelo T por cintas no câmbio e com tambores apenas nas rodas traseiras para o freio-de-mão, apesar de também terem sido oferecidos como acessórios para o Modelo T melhorias como o sistema Rocky Mountain que incorporava o acionamento dos tambores ao pedal de freio e até kits de freio a tambor nas 4 rodas. No entanto, considerando a necessidade da tração 4X4 no Jeep, a experiência de Jesse Livingood com adaptações servia como prova da aptidão do motor do Ford Modelo T a essa necessidade;

5 - o Willys MB também ter sido produzido pela Ford: em meio ao esforço de guerra, dentre tantas empresas que acabaram produzindo suprimentos militares, a Ford chegou a produzir também o Willys MB, que nas versões fabricadas pela Ford foi renomeado GPW. Portanto, se ao menos uma versão do Jeep original tivesse saído com o motor do Ford Modelo T, poderia ser até fácil de explicar, lembrando de situações inusitadas envolvendo a adaptação de motores e componentes destinados ao público civil para atender às necessidades daquele momento.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Kombi '75 nacional transformada em Barndoor

Um daqueles veículos tão icônicos que dispensam maiores apresentações, a Kombi tem uma história às vezes subestimada de tanto que permanece presente nas ruas brasileiras, a ponto de configurações hoje raras como a "Barndoor" com a tampa do motor estendendo-se até a moldura do vidro traseiro cheguem a passar despercebidas num primeiro momento. E a bem da verdade, meses atrás na primeira vez que vi especificamente essa Kombi, apesar da estranheza inicial pelas luzes indicadoras de direção abaixo dos faróis e o teto mais curto em comparação a outros exemplares split-window (ou "corujinha") que ainda podem ser vistos Brasil afora, demorei um pouco a me dar conta que se tratava aparentemente de uma legítima Barndoor da década de '50, apesar de algumas modificações mais evidentes como a tampa do motor ranhurada para melhorar a refrigeração e as lanternas traseiras maiores com seção central branca. Ao rever a mesma Kombi nas imediações do Parcão no dia 7 de setembro, onde em meio ao movimento muito intenso devido aos atos comemorativos do bicentenário da independência do Brasil consegui tirar somente duas fotos, também demorei a prestar atenção a um detalhe que me fez levantar dúvidas quanto à possibilidade de ter sido uma Kombi nacional modificada para a estética semelhante à da Barndoor.

A exemplo do Fusca cujo acesso ao bagageiro interno atrás do banco traseiro se dá somente por dentro, o espaço acima do compartimento do motor numa Barndoor originalmente também era acessível apenas dessa forma, e a bem da verdade a maior altura entre aquela área e o assoalho do salão de passageiros já diminuía consideravelmente o vão de abertura de uma tampa do porta-malas. Chegaram a ser oferecidos por fabricantes de acessórios para a linha Volkswagen tradicional diversos acessórios como molduras de parabrisa basculantes para melhorar a ventilação interna, e também para o vidro traseiro que facilitava a acomodação de pequenos volumes, mas tampas de porta-malas propriamente ditas também foram feitas para adaptação na Barndoor embora tenha aparentemente sido uma opção pouco popular considerando até como um vão tão estreito de abertura seria praticamente inútil em aplicações mais específicas, como no segmento de ambulâncias ao qual pode ser atribuída uma influência para o fim da Barndoor. Depois de observar melhor as fotos, me chamando a atenção uma trava como a do compartimento do motor em versões nacionais até o encerramento da produção da Kombi, uma rápida apuração me levou a menções do ano de fabricação dessa como sendo 1975, e portanto foi transformada para parecer uma Barndoor.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

5 motivos para ter sido um erro a General Motors do Brasil nunca ter produzido o motor Buick V6 no Brasil

Um motor que foi uma verdadeira tábua de salvação para diferentes divisões da General Motors tanto a nível de Américas quanto Austrália, e no Brasil teve como única aplicação "oficial" na linha Chevrolet o Omega australiano com a faixa de cilindrada de 3.8L mais notabilizada, o V6 da Buick tem origens na década de '60 quando uma versão de 3.2L com bloco e cabeçotes de ferro surgia ao final de '61 para uso no ano-modelo '62 em substituição a um V8 de 3.5L com bloco e cabeçotes em alumínio. Mesmo sendo um pouco mais pesado e inicialmente com cilindrada menor que o V8 substituído, o motor Fireball V6 tinha na relação custo/benefício uma vantagem, mas a concorrência com o conhecido motor Chevrolet de 6 cilindros em linha e 250 polegadas cúbicas (4.1L) tão conhecido no Brasil motivou a GM a vender o ferramental de produção do Fireball para a AMC em '67 quando uma versão de 3.7L conhecida como Dauntless era usada na linha Jeep nos Estados Unidos e mercados de exportação supridos pela produção americana. A eclosão da primeira crise do petróleo em '73 motivou a General Motors a adquirir de volta o ferramental de produção desse motor já em '74, tendo em vista que o custo para fazer um outsourcing junto à AMC ficaria inviável, e em '78 a faixa de cilindrada de 3.8L pela qual o motor Buick V6 ficaria mais conhecido se consolidava como a principal, embora algumas versões de 3.0L e 4.1L tenham sido oferecidas em alguns modelos da década de '80 nos Estados Unidos e outra de 3.3L surgiu entre o final da década de '80 e começo da década de '90. Além dos Estados Unidos onde foi produzido até 2008, e da Austrália onde foi produzido até 2004, certamente o motor Buick V6 poderia ter contado com uma história mais gloriosa no Brasil, e ao menos 5 bons motivos podem ser apontados:

1 - peso menor e mais centralizado que nos motores Chevrolet de 6 cilindros em linha: levando em consideração o maior alinhamento da General Motors do Brasil com a Opel a partir do final da década de '60, em que pese o uso de motores Chevrolet de concepção americana mais abrutalhada comparados aos motores alemães, certamente o motor V6 teria atendido satisfatoriamente a modelos desenvolvidos com o uso de motores mais leves que o "linguição", além do peso do V6 ficar mais próximo ao centro e melhorar a dinâmica da maioria dos veículos. Por mais que o aproveitamento de um motor já produzido no Brasil inicialmente para uso nas linhas de caminhões e outros utilitários de concepção americanizada até fizesse sentido no tocante à logística, a princípio o Buick V6 era mais adaptável às características de modelos com um projeto essencialmente europeu;

2 - custo de produção relativamente baixo: assim como os motores Chevrolet 153 e posteriormente 151 de 2.5L com 4 cilindros em linha e os motores 230 e 250 de 3.8L e 4.1L com 6 cilindros em linha, o motor Buick V6 também ter bloco e cabeçotes de ferro favorecia o custo de produção, em que pese ter usado um ferramental de produção originalmente desenvolvido para motores V8, que nunca foram produzidos pela General Motors do Brasil. Certamente que a General Motors-Holden na Australia ter desenvolvido um motor V8 próprio, também com bloco e cabeçotes em ferro e o mesmo ângulo de 90° entre as bancadas de cilindros facilitou a implementação da produção do Buick V6 por lá, mantendo o aproveitamento de um ferramental que deixou de ser usado para produzir os V8 em 2000 para estender a produção do V6 até 2004, quando foi substituído pelo High-Feature (ou Alloytec) V6 de 3.0L e 3.6L com ângulo de 60° entre as bancadas, bloco de alumínio e duplo comando de válvulas nos cabeçotes também de alumínio;

3 - adaptabilidade à indução forçada: diferentes versões lançaram mão do turbo nos Estados Unidos, e do supercharger (vulgo blower) tanto nos Estados Unidos quanto na Austrália. Apesar do downsizing ter demorado a se firmar no Brasil, e a subsidiária brasileira da General Motors já ter contado com uma vantagem competitiva durante a crise do petróleo com os motores de 6 cilindros em linha quando Ford e Chrysler priorizavam os V8, já levava uma parcela mais austera do público a eventualmente ignorar a possibilidade de recorrer ao turbo ou ao supercharger;

4 - viabilidade para instalação em veículos de porte menor: levando em consideração que o motor V6 é mais compacto, tendo sido mais usado nos Estados Unidos tanto em posição longitudinal e tração traseira quanto na posição transversal com tração dianteira, ao menos em teoria faria mais sentido usar esse motor até em modelos que no Brasil vieram somente com 4 cilindros, enquanto similares europeus e americanos chegaram a contar com motores V6. Em que pese o Omega australiano ter sido baseado até 2007 em um modelo europeu cujas opções de motor V6 entre 2.5L e 3.0L tinham um layout que na teoria seria mais compacto, com ângulo de 54° entre as bancadas de cilindros apesar dos cabeçotes com duplo comando de válvulas, vale lembrar que a instalação do motor Buick V6 esteve longe de ser muito problemática mesmo com o ângulo de 90° entre bancadas, a princípio porque o comando de válvulas no bloco permite que os cabeçotes sejam mais compactos;

5 - possibilidade de exportação: assim como a GMB chegou a exportar motores com 4 cilindros para os Estados Unidos e a Europa, inclusive em versões turbo, eventualmente o motor Buick V6 pudesse ter uma boa demanda em mercados externos por ser mais fácil de instalar em alguns modelos para os quais os motores de 6 cilindros em linha que tiveram algum uso no Brasil até 2001 seriam muito mais difíceis de acomodar. Mesmo usando corrente de comando, que os motores Chevrolet de 6 cilindros em linha de fabricação nacional e uma linha de motores de configuração semelhante feita pela Holden dispensavam, a princípio o motor Buick poderia ter atendido mais facilmente a outros mercados tanto na América do Sul quanto na África Subsaariana, após o fechamento de uma fábrica de motores na África do Sul em '82 ter levado a operação sul-africana da GM a usar até motores Holden de 6 cilindros em linha além de motores com 4 cilindros de origem inglesa, alemã, sul-coreana e também brasileira até o encerramento da venda de veículos Chevrolet na África do Sul e na Índia no final de 2017. A bem da verdade, seria até mais lógico que países banhados pelo Oceano Atlântico recebessem motores brasileiros, ao invés de motores feitos em países banhados pelo Pacífico como é o caso da Austrália e da Coréia do Sul.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Alterar a disposição dos comandos de um veículo: possível talvez, mas impopular certamente

Uma característica que pouco mudou nos carros em quase 100 anos, a disposição básica dos comandos no cockpit sofre no máximo algumas adequações pontuais, mais influenciadas por poucos fatores como a quantidade de marchas ou o tipo de câmbio e um acionamento de acessórios facilmente acessível para o motorista. Assim, tomando por referência o exemplo da Volkswagen permitindo alegar que motoristas de Fusca poderiam fazer uma transição até bastante suave para dirigir um Gol por exemplo, logo parece pouco provável que se tentasse justificar uma alteração tão drástica a ponto de atrapalhar os condutores mais familiarizados com um modelo específico impondo que praticamente reaprendessem a dirigir para poderem usar um veículo diferente. Mesmo sendo improvável tanto que legisladores aprovassem outras disposições de comandos em um veículo que diferissem substancialmente do padrão, e o público ficasse eventualmente insatisfeito diante de alguma tentativa de incorporar tais modificações, ainda pode ser o caso de observar alguns fatores que me levariam a apostar que uma pequena parte do público oferecesse maior receptividade até a configurações um tanto bizarras à primeira vista...

Ao mencionar carros com uma configuração hoje incomum para alguns dos principais comandos, vem à mente de forma praticamente imediata o Ford Modelo T, usando desde o lançamento em 1908 até o fim da produção em 1927 uma disposição bastante inusitada de acelerador manual e seleção das marchas no câmbio por pedais, valendo frisar que a simetria entre as alavancas para o controle do avanço de ignição e do acelerador posicionadas na coluna de direção atrás do volante fizeram com que no Brasil o apelido "Ford Bigode" em alguns momentos fosse mais conhecido que a nomenclatura de fábrica. Talvez por só ter duas marchas à frente e uma à ré, ficava mais fácil justificar o recurso a um par de pedais acionados pelo pé esquerdo para servir como seletor do câmbio, prática que seria desfavorecida à medida que nos automóveis mais modernos a quantidade de marchas ia aumentando, e uma alavanca de câmbio com a disposição em H era a opção mais favorecida em detrimento de um seletor sequencial, que poderia ser por alavanca ou até por um pedal se fosse o caso. Naturalmente o Ford Modelo T dispor de embreagem automática favorecia os métodos hoje pouco ortodoxos para controle de câmbio e acelerador, ainda que a alavanca do freio de estacionamento também incorpore um estágio que inibe uma seleção da marcha mais longa, e seja portanto mencionada como se também controlasse a embreagem, enquanto o freio de serviço é o único controlado por um pedal comandado pelo pé direito tendo em vista que o acelerador é manual.
Em que pesem inúmeras diferenças de ordem técnica nas mais distintas categorias de veículos, passados mais de 100 anos desde a época áurea do Ford Modelo T, podem até ser feitas algumas analogias pouco ortodoxas para tentar justificar a incorporação de uma disposição dos comandos no cockpit semelhante, por mais improvável que pudesse soar na atualidade qualquer proposta de fazê-lo a sério. Cabe destacar a ausência de um variador manual de avanço de ignição em todos os veículos modernos, desde as motos e os carros com motores a gasolina ou flex até os veículos pesados como ônibus nos quais predominam  motores Diesel, e hoje o espaço logo atrás do volante costuma abrigar uma alavanca para o controle das luzes, e em alguns veículos acionando também os limpadores de parabrisa ao invés de contar com outra alavanca para a mesma finalidade no lado oposto. De qualquer forma, considerando a presença cada vez maior do câmbio automático que até passou a ser obrigatório em ônibus articulados novos no Brasil ao menos desde 2012, poderia parecer mais fácil sugerir que um seletor de câmbio acionado por pedal para controlar apenas as posições D-N-R normalmente acionadas por teclas no painel no caso da maioria dos ônibus urbanos com câmbio automático, enquanto uma disponibilidade do cruise-control adaptativo em alguns caminhões pesados e chassis para ônibus rodoviário também chega a permitir que os motoristas possam fazer percursos inteiros praticamente sem tocar no pedal do acelerador.
Tendo em vista que em veículos equipados com câmbio automático, mesmo com a eliminação do pedal de embreagem acionado com o pé esquerdo, ainda permanece para os pedais de freio e acelerador o uso do pé direito, e a bem da verdade poucos condutores ficariam felizes em "desaprender" tais hábitos para conduzir um ônibus por exemplo, mesmo que em função do tamanho e peso já se exija uma habilitação diferente da usada para conduzir um carro. Ironicamente, é oportuno destacar o caso das motos, para as quais tanto o acelerador quanto o freio dianteiro são controlados na mão direita e a embreagem quando aplicável pela mão esquerda, enquanto as luzes e a buzina e outros dispositivos elétricos são acionados por botoeiras próximas às extremidades do guidon, com o seletor do câmbio sendo um pedal à esquerda e o freio traseiro controlado por um pedal à direita. Embora pareça francamente impossível até mesmo uma mera tentativa de convencer um condutor de qualquer outro tipo de veículo que o acionamento dos freios de serviço poderia ter resultados satisfatórios caso houvesse uma divisão entre os dianteiros e os traseiros, além do mais que o predomínio de circuitos duplos de freios atualmente implementado como ítem de segurança em automóveis e utilitários costuma ser diagonal ao invés de controlar isoladamente os freios de cada eixo, até poderia soar menos surpreendente que alguém realmente levasse a sério uma intenção de incorporar diferentes disposições de comandos com ou sem "inspiração" nas motocicletas.

Uma parte do público poderia ser efetivamente beneficiada caso alguma disposição pouco ortodoxa dos comandos pelo cockpit fosse mais "normal", tendo em vista eventuais facilidades proporcionadas para a adaptação de acordo com necessidades e preferências específicas do usuario final, seriam os condutores com alguma deficiência física que prejudique ou até impossibilite total ou parcialmente a operação dos controles de um automóvel na configuração mais usual. Ainda que a ausência de um sistema de direção assistida tanto hidráulica quanto mais recentemente elétrica invariavelmente torne mais desconfortável virar o volante usando apenas uma mão até num carro compacto como por exemplo o Gol quadrado, e o câmbio manual exigisse levar em consideração tanto as trocas de marcha quanto um acionamento para a embreagem, a forma como os principais comandos de um automóvel são dispostas torna mais complexa uma modificação para atender a um contingente maior de usuários mantendo a simplicidade inerente ao câmbio manual. Embora os recentes aumentos na demanda pelo câmbio automático até no Brasil façam parecer que essa seria a solução mais óbvia para todos desde o consumidor generalista até o cadeirante, passando por alguém com lesão grave em um ou ambos os braços que inviabilize usar a alavanca de um câmbio manual com conforto e segurança, uma viabilidade técnica para realocar alguns comandos e até a possibilidade de usar em conjunto com soluções específicas como kits de automatização da embreagem e a favor da adaptabilidade outros acessórios que são mais direcionados à preparação para competições como kits de conversão para seletor de câmbio do tipo sequencial poderia facilitar a implementação de configurações mais convenientes de acordo com as condições de cada motorista.

Lembrando que o câmbio manual chegou a ter uma prevalência tão forte e aparentemente incontestável no Brasil, a ponto de tornar mais complexas as adaptações necessárias para por exemplo um cadeirante conduzir com segurança e conforto, e a um patamar menor comparado ao câmbio automático a bem da verdade, outro ponto a salientar é o acionamento de uma embreagem automática poder ser suprido pelo vácuo gerado no coletor de admissão em alguns motores a gasolina de concepção mais austera como foi o EA827 "AP" na linha Volkswagen. Método mais comum para os kits de automatização da embreagem que se usavam em veículos adaptados, usando solenóides que podiam ser acionados por sensor de toque e controlados por microprocessadores capazes de proporcionar uma maior progressividade do sistema, é justo supor que uma tecnologia capaz de facilitar alterações específicas no cockpit de veículos de várias categorias seria insuficiente para justificar tal abordagem junto ao público generalista por conta de uma incompatibilidade com motores Diesel, que chegaram a ser oferecidos no exterior até em modelos como o Volkswagen Polo Classic argentino trazido ao Brasil somente com o motor AP 1.8 a gasolina e alguns raros exemplares com motor 1.0 de 16 válvulas. Curiosamente o Polo Classic chegou a ter oferecida no México e na Europa a opção pelo câmbio automático, e somente com os motores a gasolina, e apesar de ser tecnicamente compatível com motores Diesel estava longe de ser uma prioridade diante de um perfil mais austero dos adeptos desse tipo de motorização em veículos compactos durante o ciclo de produção do Polo Classic que foi de '95 a 2002 na Europa e de '96 a 2009 na Argentina abrangendo a importação ao Brasil entre '96 e 2002.

Novamente vale buscar referências motociclísticas no tocante a uma viabilidade técnica que poderia ter a implementação de um layout diferente para os comandos de um carro, e um exemplo a ser analisado é a linha de motonetas Honda Cub, como a C100 Dream que chegou ao Brasil década de '90 e favorecida no uso urbano pelo câmbio semi-automático com 4 marchas. A facilidade de conduzir mantendo apenas a mão direita no guidon para controlar o acelerador e o freio dianteiro, enquanto o piloto poderia com a mão esquerda ir carregando uma embalagem de yakisoba ou ramen, certamente abriu caminhos para um perfil de operadores ainda mais amplo tanto no Japão quanto na expansão internacional da Honda. Com o acionamento centrífugo da embreagem nas arrancadas sendo útil para evitar que o motor "morra" até se o piloto arrancar com uma marcha alta dependendo das condições de tráfego ou topografia da região, e o motor permanecer ligado durante as paradas mesmo com uma marcha engatada, outro acionamento da embreagem atrelado ao mesmo pedal do câmbio permitia uma troca de marchas tranquila, apesar dos câmbios mais frequentemente do tipo sequencial nas motos continuarem desprovidos da sincronização que tornou-se padrão nos carros com câmbio manual controlado por alavanca e disposição das marchas em H.

Por mais que alguma diferenciação vá ocorrer em função de peculiaridades de cada modelo, com o tipo do câmbio e a quantidade de marchas tendo uma relevância até mais significativa que a discrepância na quantidade de acessórios entre um austero Gol e um Bentley Continental GT Convertible que sejam do mesmo ano de fabricação, uma disposição padronizada de principais comandos nos respectivos cockpits exemplifica bem o quão improvável seria uma aceitação de outras configurações por condutores com os mais variados perfis. Talvez parte da experiência de dirigir um modelo generalista ou esportivos de alto luxo pudesse ser mais desafiadora e empolgante com um reaprendizado bem mais abrangente de acordo com as respectivas categorias, embora as décadas de evolução tecnológica tenham provado o contrário. Enfim, mesmo com um precedente histórico que poderia justificar outras opções, e várias questões de ordem técnica eventualmente plausíveis numa análise mais ampla, é praticamente impossível encontrar alguém que realmente seja facilmente convencido quanto a uma implementação menos ortodoxa para o cockpit de um automóvel moderno...

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Seria desejável uma vinda da Isuzu para o Brasil?

Uma fabricante que já teve relações mais estreitas com a General Motors, especialmente nos segmentos de pick-ups médias e caminhões, a japonesa Isuzu foi especialmente beneficiada por tais relações tanto em mercados onde a GM ainda é forte quanto em outros onde de certa forma tornou-se uma improvável sucessora para a oferta de utilitários das linhas Chevrolet/GMC e Bedford. Convém salientar ainda que a penúltima geração da pick-up Isuzu D-Max era praticamente idêntica à Chevrolet S10 brasileira, com as principais diferenças em pequenos detalhes estéticos e no uso de motores e câmbios Isuzu próprios, e para algumas regiões onde caminhonete média a gasolina ainda era relevante como nos Andes a Isuzu chegou a usar motores Chevrolet complementando as opções turbodiesel. Naturalmente poderia ocorrer uma sobreposição de modelos e versões com propostas semelhantes, e ao menos teoricamente dificultar a economia de escala por conta de pequenas diferenças, embora a continuidade da operação conjunta da Isuzu com a General Motors no mercado de caminhões em outros países leve a crer na viabilidade que a comercialização de utilitários Isuzu poderia ter no Brasil com ou sem participação direta da GM.

Apesar de experiências anteriores como a montagem de caminhões Isuzu que foram vendidos no Brasil com a marca GMC entre a década de '90 e o final de 2001 terem sido descontinuadas mais por erros da General Motors do Brasil que da própria Isuzu, embora a princípio naquele momento fosse mais difícil os japoneses assimilarem algumas diferenças que o mercado brasileiro apresentava em relação a outros países sul-americanos, é inegável que a marca Isuzu é bem conhecida por um público especializado e já conseguiria se firmar no mercado mesmo sem um eventual amparo da GM. Tratando-se de um país com tradição agropecuária fortíssima como o Brasil, além de outros setores econômicos também oferecerem consideráveis oportunidades em variados segmentos do mercado de veículos utilitários, um player com a força e a presença global da Isuzu certamente encontraria boas oportunidades de negócios, e talvez até explorar vínculos culturais com a comunidade nipo-brasileira como fazia a Toyota ao iniciar a operação brasileira somente com utilitários. Enfim, considerando que ao longo do tempo a Isuzu especializou-se em utilitários e motores Diesel para aplicações diversas, certamente seria desejável uma vinda para o Brasil.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

5 motivos para a Kombi ainda ser uma presença constante nas ruas brasileiras

Um veículo bastante icônico, tanto quanto o Fusca do qual é considerada um derivado, a Kombi permaneceu em linha no Brasil até o final de 2013 sucumbindo à obrigatoriedade dos freios ABS e em algumas categorias de veículos também do airbag duplo. E apesar da alegada impossibilidade de equipá-la com freios ABS, teria sido até bastante razoável crer que ao menos a versão furgão de carga ter permanecido em linha pela capacidade de carga acima do mínimo de uma tonelada, que também serve como parâmetro para a homologação de veículos com motor Diesel no Brasil. Mas deixando de lado como a falta do sistema ABS abreviou a permanência da Kombi no mercado de veículos novos, ainda há fortes argumentos para que exemplares do modelo sigam firmes e fortes em diversos serviços, cabendo destacar ao menos 5 bons motivos para permanecer comum ver uma Kombi mesmo diante de algumas vantagens de utilitários mais modernos:

1 - manobrabilidade: a tração traseira e as dimensões externas proporcionalmente compactas favorecem a Kombi até mesmo em operações de entrega e distribuição urbana. Além de ser mais curta e estreita que alguns furgões mais modernos com capacidades de carga comparáveis, ainda é pertinente destacar a distância entre-eixos idêntica à do Fusca;

2 - capacidade de tração em diferentes condições de terreno: contando com motor e tração traseiros, além de atender bem à operação urbana, a Kombi também é capaz de proporcionar uma moderada capacidade de incursão off-road quando um utilitário de tração 4X4 seria demasiado caro para pouca vantagem prática. Tal característica serve bem mesmo para uso recreativo, como em campervans e pequenos motorhomes;

3 - concepção mecânica modesta: em que pese a substituição do tradicional motor boxer com 4 cilindros e refrigeração a ar por um com 4 cilindros em linha e refrigeração líquida no final de 2005, além da suspensão traseira ter sido modernizada quase 30 anos antes, poucas alterações tão drásticas foram feitas no conceito básico da Kombi. Até o câmbio permaneceu com apenas 4 marchas da década de '50 ao fim da produção. Assim, uma aparente vantagem é a familiaridade de mecânicos com o modelo, facilitada também pela similaridade de alguns componentes com os do Fusca;

4 - custo operacional competitivo: apesar da opção por um motor Diesel em poucos anos da década de '80 ter sido um fracasso comercial, e a princípio ter atrapalhado a Kombi quando concorrentes importados consolidavam a preferência por esse tipo de motor em furgões no Brasil a partir da década de '90, o modelo permaneceu firme e forte com um público cativo. Além do custo de aquisição menor quando era disponível no mercado de veículos novos comparada a utilitários de projeto mais moderno com capacidades semelhantes, a Kombi tinha até uma vantagem para operadores que podiam usar o gás natural quando era muito mais barato;

5 - aproveitamento de espaço: ainda que o compartimento do motor acabe acarretando numa intrusão na área de carga, limitando até o vão da tampa traseira, a Kombi oferece uma capacidade volumétrica bastante grande em proporção ao comprimento e à largura. Comparando a um utilitário com motor dianteiro, no qual seria impossível acomodar alguma carga por cima do capô sem sacrificar a visibilidade do motorista, a vantagem da Kombi nesse aspecto fica clara.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Packard Super Clipper Special Club Sedan 1942

Raro até nos Estados Unidos, tendo em vista que foi lançado em 1941 poucos meses antes do ataque a Pearl Harbor e já em 1942 para atender ao esforço de guerra se interrompia a produção de veículos civis, esse Packard Super Clipper Special Club Sedan tem motivos de sobra para se destacar. Influenciado por um desenvolvimento da aerodinâmica ainda relativamente recente, fugia da estética "de calhambeque" ao máximo, mas apresentava uma aparência bastante sóbria e adequada à proposta de luxo da Packard.
Uma peculiaridade é o motor de 8 cilindros em linha, configuração que teve seus dias de glória antes da proliferação dos V8 no pós-guerra, e nesse caso específico cabe destacar que o virabrequim se apoiava em 9 mancais principais, quando motores semelhantes que tivessem só 5 mancais de virabrequim ainda seriam bem aceitos. Curiosamente, o motor Packard mantinha as válvulas laterais, sendo portanto um flathead, mas ainda assim tinha desempenho parelho com muitos motores V8 OHV que começaram a ganhar espaço no pós-guerra.