domingo, 26 de dezembro de 2021

Ford Modelo A: mais cultuado até que o Modelo T?

Projetado um tanto às pressas dada a necessidade de substituir o Ford Modelo T já em 1927, o Modelo A era menos rudimentar em alguns aspectos, e deixava um pouco de lado aquelas premissas utilitárias e extremamente austeras que faziam o antecessor parecer mais com um trator. Buscando um público mais urbanizado e exigente tão logo estavam consolidados os conceitos de uma classe média americana e do American Way of Life explorado à exaustão por Hollywood, o Ford Modelo A incorporava um cockpit mais parecido com o dos carros atuais e algumas melhorias que hoje podem parecer banais como freios atuantes nas 4 rodas, ainda a tambor e de acionamento totalmente mecânico substituindo o sistema das cintas no câmbio como freios de serviço que o Modelo T usava enquanto os tambores traseiros serviam ao freio de estacionamento. Mesmo que uma definição estereotipada de "calhambeque" possa induzir o observador mais desatento ao erro, e a denominação extra-oficial brasileira "Ford Bigode" atribuída ao Modelo T seja às vezes usada incorretamente com relação ao Modelo A, detalhes como os freios nas 4 rodas e o formato do capô melhor integrado ao restante da carroceria desfazem facilmente a confusão.

O uso de um chassi com suspensões por eixo rígido e feixes de molas transversais for repetido no Ford Modelo A, embora o projeto fosse mais suavizado para as condições de rodagem urbanas e rodoviárias, tendo em vista até as mudanças fomentadas pela introdução anterior do Ford Modelo T que fomentaram um maior interesse em desenvolver a malha viária nos Estados Unidos, e até ecoando no Brasil onde se atribui ao ex-presidente Washington Luís a tese de que "governar é construir estradas". A altura livre do solo e a articulação total da suspensão também acabaram ficando menores, refletindo as prioridades da classe média urbana americana, mesmo com o Ford Modelo A na prática deixando de lado a capacidade de atender a algumas necessidades mais específicas do público rural, e também em alguns mercados de exportação que tinham um desenvolvimento mais lento das respectivas malhas viárias. Considerando os precedentes que também já abriam espaço para o surgimento dos primeiros hot-rods, uma ênfase maior à aptidão para trafegar por trechos pavimentados também favorecia esse cenário, apesar da austeridade que ainda se impunha a um automóvel de pretensões populares como ainda se tratava o Ford Modelo A.

Embora o motor preservasse a configuração de válvulas laterais e tivesse um regime de rotação ainda bastante modesto para os padrões atuais, só de alcançar uma velocidade máxima de 105km/h já ficava mais próximo de alcançar um desempenho minimamente conveniente para uma condição de uso atual, de certa forma favorecendo mais o interesse na preservação de um Ford Modelo A sem alterações que o descaracterizem demasiadamente. Naturalmente é um veículo que hoje chama muita atenção, talvez até numa proporção maior que a de quando ainda era novo, e portanto sair às ruas num Ford Modelo A seja mais confortável para alguém extrovertido para lidar com toda a exposição que acaba invariavelmente envolvida e a curiosidade dos transeuntes com relação a um carro desse tipo, mas até 2012 permanecia relativamente fácil se deparar com algum rodando normalmente em Porto Alegre, principalmente na zona norte. Um tanto intrigante é a prevalência de exemplares com 4 portas e carroceria aberta entre os que eu ainda costumava ver como carros de uso mais próximo do normal, ao passo que o modelo Sedan Tudor fechado de duas portas era mais fácil de ver especificamente no Bom Fim em algum domingo.

Lançado num período em que algumas preferências observadas junto ao público generalista até os dias atuais como pela carroceria fechada estavam se consolidando num âmbito mundial, bem como o padrão da disposição dos principais comandos usados na condução de um veículo, é natural que o Ford Modelo A pareça muito mais familiar hoje, mas sem esquecer as origens e às vezes ainda ser confundido com o Modelo T. Eventualmente uma desatenção quanto a algumas especificidades de cada projeto possa levar a crer que um encantamento pelo Modelo A seja resumível a uma continuidade da proposta popular que o Modelo T apresentou, e também o distanciamento histórico da atualidade com relação aos respectivos ciclos de produção acabe favorecendo uma proliferação desse erro. No fim das contas, mesmo que nem sempre seja reconhecido por leigos como substancialmente diferente do antecessor, ao qual se costuma atribuir o primeiro sucesso na implementação de uma linha de montagem na indústria automobilística, o Ford Modelo A tornou-se até mais cultuado que o Modelo T.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Honda XLX 250 com motor de Tornado: um exemplo interessante de restomod

Um veículo mais antigo ainda pode encantar uma parte do público, mas naturalmente alguns fatores são um tanto problemáticos, e considerações quanto ao desempenho, consumo de combustível e segurança possam ser convidativas à implementação de algum upgrade. No caso específico dessa Honda XLX 250 da década de '80, duas características que logo saltam aos olhos são o freio dianteiro a disco hidráulico ao invés do tambor acionado a cabo, e o motor DOHC originalmente usado nas CBX 250 Twister/CBF 250 e XR 250 Tornado ao invés do RFVC. Só ao proporcionar uma extensão da vida útil operacional de um veículo antigo, ao invés de ignorar uma eventual importância que possa apresentar até mesmo como um ícone cultural em meio a tantas mudanças que o Brasil e o mundo passaram ao longo das décadas, a idéia por trás de uma restomod já me parece fazer bastante sentido, além da partida elétrica que é muito mais cômoda em comparação ao pedal que nas XL e XLX com o motor RFVC dava um contragolpe tão violento na canela direita que hoje provavelmente causaria incômodos à Honda...
Em meio à histeria político-midiática a favor da eletrificação das frotas, defendida à exaustão em nome de uma falsa "sustentabilidade" que ignora a importância do motor de combustão interna até mesmo no tocante à estabilização biológica dos ciclos do carbono e do nitrogênio caso seja levado a sério o uso de biocombustíveis como o etanol em opção à gasolina, a viabilidade de instalar um motor mais moderno a um veículo cuja funcionalidade esteja preservada pode ser justificada ainda mais facilmente no caso de modelos tão icônicos quanto foi a Honda XLX 250 para o mercado brasileiro. Por mais que até motores antigos ainda possam ser justificáveis mesmo em meio à paranóia ecoterrorista, uma restomod pode ser interessante também como contraponto às tentativas de impor um fim ao motor de combustão interna, e o resultado estético nesse caso específico ficou bastante agradável, e a essa altura do campeonato seria o caso de até alguns puristas às vezes chamados pejorativamente de "zé-frisinho" apreciarem. Enfim, se a imposição de falsas soluções serve de pretexto para desovar veículos novos a peso de ouro, o fato de ser tecnicamente viável implementar algumas modernizações num antigo sem comprometer a estética e o valor histórico-cultural também é digno de nota.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Mais fotografias caninas

Esse é o Ozzy, um spitz alemão anão com pouco mais de 1 ano. Muito pequeno e leve, mas a pelagem dá a impressão de ser um pouco mais gordinho para quem está mais acostumado com os cachorros de pelagem curta. Ainda tem aquele vigor típico de filhotes, e portanto é difícil manter a concentração dele por muito tempo, e às vezes até por intervalos mais curtos que ainda seriam propícios para fazer uma fotografia.

De vez em quando demonstra ter uma personalidade bastante forte e gostos bastante peculiares, até me surpreendeu pela curiosidade diante de um Chevette que eu acredito ter sido o primeiro que ele viu de perto e por esse Fusca rat-rod. Exageros à parte, é até possível fazer uma analogia entre esse improvável fascínio dele por esses carros e o encanto que um calhambeque ainda pode exercer sobre uma criança na atualidade. Lembrando que esse cachorro não é meu, e eu não cheguei a incentivar ele a fazer poses especificamente próximo ao Chevette ou ao Fusca.
Se duvidar, é provável que ficasse tentado a roer aquela caveira de boi pendurada nesse rack no Fusca...

Em alguns momentos, muda de expressão muito rapidamente. Tem que ser rápido para acompanhar ele e prestar atenção para não perder o momento propício para as fotos...


sábado, 11 de dezembro de 2021

Caso para reflexão: KTM Duke 200 e a pouca oferta no Brasil de motos de pequena cilindrada tecnicamente sofisticadas

Uma motocicleta que escancarou o quão atrasado tecnologicamente está o mercado brasileiro quanto a modelos de pequena cilindrada, a KTM Duke 200 chamou a atenção por trazer um conjunto sofisticado tanto a nível de chassi quanto de motor. Dificilmente se vê uma moto abaixo de 250cc com a suspensão traseira monoamortecida, enquanto o garfo dianteiro upside-down hoje é indisponível nas motos mais generalistas até em algumas faixas de cilindrada maiores e que aparentem justificar mais o alto custo da sofisticação. E mesmo que as primeiras tenham vindo sem o sistema ABS, só de trazer freio a disco nas duas rodas também era algo a se destacar, considerando a posição intermediária entre as utilitárias mais austeras entre 150 e 160cc que permanecem oferecendo freios somente a tambor em algumas versões e as monocilíndricas de 250cc que ainda levaram algum tempo para consolidar a presença dos discos até na roda traseira impulsionadas justamente pela maior economia de escala à medida que o ABS ganhava relevância na categoria.

O motor incorporar comando de válvulas duplo até passa longe de ser algo tão surpreendente diante da proposta esportiva da linha KTM Duke, e também relembrando que algumas motos coreanas Hyosung de 125cc montadas no Brasil pela antiga Kasinski também incorporavam esse recurso mesmo contando com uma refrigeração mista a ar e óleo mais simples que a refrigeração líquida que marca presença na Duke. Mas por ser uma monocilíndrica, e portanto mesmo que fosse usada a rústica refrigeração a ar já seria menos problemática em comparação a modelos com uma quantidade maior de cilindros, aos olhos do público generalista essa é uma característica que costuma ser apontada como um supérfluo e até uma inconveniência para consumidores com um perfil mais negligente quanto à manutenção devido à maior complexidade técnica. E se por um lado é pouco provável que um "mano" prefira lidar com o radiador e uma válvula termostática, além de observar as especificações dos aditivos de refrigeração e priorizar o uso de água desmineralizada para fazer a mistura, por outro o controle mais preciso da temperatura logo após a partida já proporciona melhor eficiência e uma diminuição de emissões ao encurtar a "fase fria" na qual o catalisador ainda tem uma menor capacidade de converter gases nocivos, e também seria útil caso a KTM desse uma atenção ao álcool/etanol que é ainda mais sensível ao controle da temperatura do motor para um melhor rendimento.

Vale destacar que na União Européia o modelo é oferecido numa versão 125 ao invés da 200 oferecida no Brasil, considerando também a permissão para se conduzir motocicletas de até 125cc e 15cv/11kW somente com a habilitação para automóveis que é bastante difundida na Europa Ocidental, e já chama a atenção por permanecer apresentando uma potência específica alta de 120cv/l que por motivos políticos se vê restrita diante dos 130cv/l observados no modelo de especificação brasileira com 26cv de potência declarada. Em parte pelo custo proporcionalmente alto em relação à faixa de cilindrada, infelizmente a importadora que representa a KTM no Brasil tem concentrado esforços numa faixa de cilindrada maior na qual o público é mais receptivo à sofisticação, e a Duke 200 deixou de ser oferecida e a perspectiva para chegar a próxima geração é mais incerta. Mas de um modo geral, desde 2015 a KTM Duke 200 foi notabilizada como um choque de modernidade em meio à aparente inércia do segmento das motos de pequena cilindrada para a incorporação de características técnicas mais avançadas.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Poderia um motor de 2 cilindros ter caído como uma luva no Corsa?

Culturalmente mais aceitos entre fabricantes de motocicletas sediados nos Estados Unidos, destacando a Harley-Davidson que foi alçada a um grande ícone cultural e fortemente associada ao American Way of Life exaltado em produções de Hollywood anteriores à encenação de virtude hoje predominante nos estúdios cinematográficos, os motores de 2 cilindros vem sendo solenemente ignorados por fabricantes de automóveis. Tomando por referência o motor Twin-Cam 88 que equipou a Harley-Davidson Softail Deuce tanto em versões com carburador quanto com injeção eletrônica sequencial, cabe a comparação com o motor de 1.4L e 4 cilindros que chegou a ser usado em algumas versões do Corsa vendido como Chevrolet no Brasil e como Opel na Europa, Ásia e África, e até que ponto uma rejeição à configuração de 2 cilindros em aplicações automotivas pode ter custado caro à General Motors no tocante à presença mundial. Apesar do modelo não ter sido comercializado nos Estados Unidos e no Canadá, ainda seria o caso de atribuir uma influência americana no tocante à percepção da quantidade de cilindros como fator de prestígio, a ponto de no Brasil ter sido desenvolvida uma versão de 1.0L do motor com 4 cilindros.
Em que pese a equivocada atribuição de benefícios fiscais com base na faixa de cilindrada ter motivado essa estratégia no Brasil de uma forma relativamente imediatista, e um motor de 1.2L e 4 cilindros foi o menor oferecido na Europa até a chegada do 1.0 de 3 cilindros por lá em '97, é inevitável especular até que ponto um motor ainda mais rústico e "à prova de burro" poderia ter favorecido a GM na tomada de um mercado mais expressivo mundo afora, num contraste aparentemente improvável à hegemonia que os japoneses conquistavam. A bem da verdade, lembrando como o motor Chevrolet com 6 cilindros em linha da 3ª geração e alguns derivados com 4 cilindros foram especialmente relevantes fora dos Estados Unidos até princípios da década de '90, favorecidos por uma simplicidade técnica e a relativa facilidade para adaptar a modelos de outras divisões da GM eventualmente reposicionados como Chevrolet devido a condições de cada região, chega a ser até certo ponto surpreendente que se tenha deixado de lado uma oportunidade para desenvolver versões de 2 cilindros, partindo do mesmo princípio que uma redução de 6 para 4 cilindros já tinha sido efetuada com poucas alterações no ferramental de fábricas de motores do grupo. Vale lembrar que o Corsa chegou a ser exportado do Brasil para a África do Sul em regime CKD para a montagem local, onde era vendido como Opel, incluindo o motor tendo em vista que a fábrica de motores sul-africana da GM havia sido encerrada em '82, e por questões de economia de escala dedicou maiores esforços à produção do motor de 6 cilindros e diversas variações do 153 com 4 cilindros, que a bem da verdade poderiam ter sido complementadas por ao menos uma configuração de 2 cilindros mais adequada a versões austeras do Corsa.


Quando se fala em motores "à prova de burro", uma das primeiras referências que vêm à mente de uma parte considerável do público tanto no Brasil e no México é o Volkswagen boxer com 4 cilindros que se notabilizou com o Fusca, graças à refrigeração a ar e outras características como a sincronização só por engrenagens para o comando de válvulas, embora o motor Opel Família 1 usado no Corsa tenha tomado esse lugar na atualidade. Por mais que a sincronização do comando de válvulas por correia dentada seja um ponto que acaba requerendo mais atenção, e a refrigeração líquida também requeira o uso de fluidos de boa qualidade ao invés de só ir completando com água da torneira, o Fusca só teve um concorrente à altura no México com a chegada do Corsa lá em '93 ainda importado da Espanha, o que poderia inibir o interesse por um aparente downgrade caso as versões de produção local tivessem recebido um motor de 2 cilindros que poderia aproveitar o ferramental de produção das versões estacionárias/industriais entre 2.8L e 3.0L do motor 153 que se mantinham em produção por lá ao invés de ter recebido motores feitos no Brasil. Naturalmente um modelo que tinha proposta relativamente austera poderia ter se beneficiado por um motor mais rústico em comparação ao usado na Europa, além do mais considerando que poderia ser mais fácil aproveitar ferramentais já instalados nas fábricas latino-americanas e africanas.

Considerando ainda a versão pick-up que foi desenvolvida no Brasil, e também destinada à exportação para países tão diversos quanto o México, a África do Sul e até mesmo a Síria, um motor mais "à prova de burro" seria ainda mais desejável em função da proposta utilitária, e também vale destacar que para a África do Sul as versões mais básicas usavam motor de 1.4L enquanto no Brasil só se ofereceu o motor de 1.6L nesse modelo. E no caso das versões Diesel destinadas à exportação regional, também convém recordar que a General Motors do Brasil chegou a ter conhecimento das conversões "misto-quente" que eram feitas em motores Chevrolet de 6 cilindros para que passassem a funcionar com óleo diesel, e uma eventual tentativa de replicar e aprimorar esse procedimento dentro da fábrica teria sido mais benéfico à economia de escala ao invés de depender dos motores Isuzu trazidos ao Brasil só para equipar modelos destinados ao exterior. Portanto, mesmo que algumas condições que podiam ter favorecido um uso de motores com 2 cilindros no Corsa pareçam improváveis e tenham sido solenemente ignoradas, a recente popularização dos motores de 3 cilindros no Brasil dá a entender que às vezes menos é mais...