sexta-feira, 20 de maio de 2022

Renault Juvaquatre Berline 1947

Um dentre os vários carros que poderiam ter eventualmente alcançado a mesma posição de "carro do povo" que o Fusca alcançou, e que curiosamente até chegou a ter alguns exemplares fabricados durante a II Guerra para uso das forças militares da Alemanha na França invadida, o Renault Juvaquatre era tecnicamente mais tradicional, com motor dianteiro e tração traseira por eixo rígido. A carroceria sedan com 4 portas, ou Berline conforme a nomenclatura adotada pela Renault, foi introduzida em 1939 e teve a fabricação continuada até 1951 já levando em consideração as limitações da época da guerra, mas o Juvaquatre foi oficialmente lançado em 1937 no Salão de Paris tendo a comercialização iniciada em 1938 ainda com carroceria de duas portas. Também foram oferecidos modelos utilitários station-wagon e furgoneta, que de 1956 em diante foram rebatizadas Renault Dauphinoise e tiveram a produção estendida até 1960, e alguns exemplares chegaram a ser montados em Porto Alegre a partir de kits CKD. O motor de 1003cc de válvulas laterais e 4 cilindros em linha com refrigeração líquida, na classe de 6CV da "potência fiscal" que vigorava na França à época, acabou sendo o único que a versão sedan usou, enquanto os utilitários receberiam a partir de 1952 o motor de 747cc então usado no Renault 4CV "rabo quente" de motor traseiro e em 1956 um motor de 845cc do Dauphine na "potência fiscal" de 5CV que acompanhou a linha até o encerramento da produção. O exemplar das fotos é de 1947, e já apresenta alterações de algumas características, particularmente visíveis na iluminação com lanternas de algum caminhão Mercedes-Benz antigo e as luzes indicadoras de direção dianteiras que eram ausentes no modelo original, mas com comprimento de 3,72m e distância entre eixos de 2,35m ainda parece bastante prático para uso normal em Porto Alegre em que pese tratar-se de um carro com 75 anos e a princípio com adaptações mecânicas como era habitual em carros importados antigos durante as décadas de '70 e '80 devido à escassez de peças de reposição originais. 

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Parachoques pretos num Renault Clio Campus

Parachoques em plástico preto, sem uma pintura na cor da carroceria, permaneciam comuns nos carros mais básicos no Brasil até por volta de 2010, embora já estivessem se tornando menos comuns desde o ano 2000 para ficarem mais relegados a versões mais austeras de veículos utilitários. Em modelos como o Renault Clio de 2ª geração por exemplo, os parachoques pretos deixaram de ser equipamento padrão a partir de 2003 com o primeiro facelift que foi aplicado no mercado brasileiro, e portanto ver exemplares com essa característica acaba chamando a atenção de quem for mais apegado a pequenos detalhes. Com exceção de algum exemplar que tenha sido usado como táxi em Porto Alegre na época que táxis novos eram pintados de laranja (ou "vermelho-ibérico" como era a nomenclatura oficial daquela cor) e mesmo alguns carros que já tinham os parachoques na cor da carroceria recebiam pintura preta nesses ítens, e só os táxis do aeroporto eram brancos e sempre com os parachoques como viessem de fábrica, um Clio Campus branco na configuração oferecida entre os anos-modelo 2009 e 2012 com parachoques pretos acabou por chamar a minha atenção.

Nem mesmo o reposicionamento do Clio na linha brasileira da Renault foi suficiente para a austeridade dos parachoques pretos retomar como configuração padrão, tendo em vista que as gerações posteriores do modelo nem sequer foram oferecidas no Brasil em meio à ascensão das primeiras gerações do Logan a partir de 2007 e do Sandero em 2008. O resultado estético com os parachoques pretos ainda ficou até interessante, mas o público brasileiro dando muito valor à aparência favorecia mais os parachoques com pintura na cor da carroceria mesmo num modelo de entrada, e o custo relativamente baixo na fabricação das peças já pintadas levava a crer que deixar na cor natural do plástico fosse uma economia porca. Mas hoje, em meio a uma situação bastante complicada no mercado de veículos novos, até me surpreende os parachoques pretos estarem distantes de um retorno ao menos entre os modelos generalistas de proposta mais alegadamente "popular", além do mais que a ausência de uma pintura nos parachoques que acaba sujeita ao risco de ser danificada em pequenas colisões até seria desejável aos olhos de uma parte do público.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Algumas considerações sobre a transferência da produção do Chevrolet Joy do Brasil para a Colômbia

Um modelo que ainda é bem aceito em mercados de exportação regional, embora tenha deixado de ser vendido no Brasil em função das normas de emissões implementadas recentemente, o Chevrolet Joy vai ter a produção transferida para a Colômbia a partir de 2023 em meio a uma reorganização das linhas da General Motors na América do Sul. O carro mais vendido da América Latina em 2018 quando ainda era denominado Chevrolet Onix antes da chegada de uma geração mais nova, e tendo liderado as vendas no Brasil entre 2015 e 2020, ainda sustenta estimativas de um volume de produção de 35.000 unidades por ano quando passar a ser produzido na GM Colmotores em Bogotá, com 30% destinados para o mercado colombiano e os 70% restantes para exportação atendendo principalmente à Argentina, ao Equador e ao Peru. Naturalmente, ainda há oportunidades a serem exploradas também em outros mercados que eram supridos por hatches de fabricação chinesa ou indiana antes da joint-venture com a SAIC passar a focar em modelos mais sofisticados na China e encerrar totalmente a marca Chevrolet na Índia, bem como o fim iminente da produção de hatches compactos na fábrica da Coréia do Sul que passou a pertencer só à GM quando absorveu a divisão automobilística da antiga Daewoo.
A princípio é de se esperar que o hatch possa ter boas perspectivas até fora da América Latina, porque o fogo amigo da SAIC poderia se manter mais intenso com relação ao sedan basicamente por esse tipo de carroceria ainda preservar uma escala de produção que a justifique tanto na China quanto em mercados supridos pela fabricação chinesa e anteriormente também pelos modelos de proposta análoga que foram fabricados na Índia até 2021 mesmo com as vendas de veículos Chevrolet novos no mercado indiano já encerradas desde o final de 2017. Possivelmente um retorno da opção por câmbio automático, excluído dos opcionais quando a geração inicial do Onix e a última do Prisma foram redesignadas Joy, seria útil a uma eventual tentativa de reter clientes de outros modelos Chevrolet destinados a segmentos básicos, e em outras regiões onde hatches e sedans compactos ainda são relevantes para consolidar o volume de vendas, até em países tão improváveis como as Filipinas onde se pode supor que a maior proximidade geográfica com a China e a Coréia do Sul favorecesse uma concentração de veículos asiáticos na linha, embora venha seguindo algumas especificações de modelos destinados aos Estados Unidos. E apesar de alegadamente o Chevrolet Joy permanecer restrito à América do Sul, um modelo de entrada ainda pode se manter importante ao menos para o México, América Central e alguns países insulares do Caribe, até aqueles onde se dirige pela mão inglesa mas é permitido o licenciamento de veículos com o cockpit no lado esquerdo como é o caso da Jamaica.
Uma medida que vai abrir espaço para a fabricação de mais caminhonetes em São Caetano do Sul, bem como consolidar a operação da GM Colmotores que vem sendo usada para a montagem de caminhões e chassis para ônibus fabricados pela Isuzu no Japão e vendidos como Chevrolet em países andinos, essa transferência da produção do Chevrolet Joy do Brasil para a Colômbia tende a ser muito benéfica para a GM a nível regional. Por mais que pudesse parecer uma medida essencialmente "bairrista", levando em consideração que o presidente da GM para a América do Sul é o colombiano Santiago Chamorro, é uma oportunidade para atenuar efeitos da desastrosa saída da GM da Índia, de onde eram supridos modelos subcompactos tanto completos quanto em regime CKD para alguns países latino-americanos a exemplo da própria Colômbia e o México, e um compacto com motor mais austero em contraponto à prevalência do turbo na atual geração do Onix torna-se desejável considerando as condições de rodagem severas da América Latina e eventualmente um menor rigor quanto à manutenção em parte devido aos custos. De um modo geral, o Chevrolet Joy passar a ser produzido na Colômbia pode ser até melhor para a GM do que se poderia prever inicialmente.

domingo, 1 de maio de 2022

Por quê me parece ter sido um erro do Ocidente e do Japão ter ensinado a China a fazer carros de tração dianteira?

Uma situação que permanece bastante comum na indústria automobilística chinesa, o recurso à tração traseira em utilitários de pequeno porte aproveitando projetos copiados da Suzuki e da Mitsubishi foi a ponta de lança para as primeiras remessas de automóveis fabricados na China a alguns países, incluindo o Brasil mesmo com uma presença mais modesta de caminhonetes chinesas no mercado local tanto pela implementação da obrigatoriedade de airbag duplo e freios ABS a partir de 2014 quanto pela ausência de motores flex aptos a operar com etanol além da gasolina. Naturalmente, com essa prática de copiar projetos estrangeiros inicialmente de origem japonesa e posteriormente atraindo fabricantes ocidentais para a formação de joint-ventures visando a obtenção de tecnologias modernas sem ônus para empresas chinesas, era previsível que cedo ou tarde os chineses dariam um jeito de obter tecnologia para produzir carros de tração dianteira com um maior apelo junto ao público generalista em mercados de exportação, embora pudesse ter feito sentido os fabricantes ocidentais e japoneses terem ao menos tentado postergar essa situação. Sem necessariamente entrar numa rota de colisão tanto com a ditadura comunista chinesa quanto com as empresas envolvidas nas joint-ventures com empresas locais exigidas para um fabricante estrangeiro instalar uma operação na China, uma série de aspectos poderia favorecer outra abordagem e manter o mercado automobilístico chinês mais restrito à tração traseira e diminuir os riscos causados a fabricantes tradicionais em mercados mundiais.

Fabricantes tradicionais como a General Motors acabaram por fazer apostas altas nas joint-ventures na China, e um exemplo dessa circunstância que se reflete até no Brasil foi a última remodelação aplicada ao Chevrolet Classic em 2010 ser reaproveitada da primeira geração do Chevrolet Sail tão logo saiu de linha na China, além da sucursal brasileira da GM que antes era dotada de uma maior autonomia passar a se reportar à operação chinesa em 2009 no rescaldo da crise hipotecária americana de 2008. O mesmo modelo chegou a ser exportado da China para o Chile anteriormente, onde foi vendido como Chevrolet Corsa Plus entre 2008 e 2009, concorrendo com as operações brasileira e argentina da própria GM, em que pese o fato de versões chinesas antes dessa mesma remodelação ter sido implementada lá em 2005 terem lançado mão de componentes brasileiros e argentinos quando o modelo ainda era comercializado como Buick ao invés de Chevrolet em decorrência de algumas peculiaridades do mercado chinês onde a marca Buick era preferida pelos consumidores e havia pouco interesse em internacionalizar a Chevrolet como marca generalista da GM em regiões como a Ásia e a África onde a Opel era mais reconhecida. É possível que ocorra algum ceticismo quanto à adaptabilidade do projeto do Chevrolet Classic de tração dianteira para tração traseira, especialmente se fosse a princípio voltado a um único mercado apesar do grande volume de vendas aparentemente justificar uma gambiarra que permitisse compartilhar partes de minivans de tração traseira com projeto copiado da Mitsubishi feitas pela Liuzhou Wuling antes mesmo da joint-venture SAIC-GM ter sido instituída.

Diante do interesse chinês em alcançar mercados de exportação para veículos produzidos lá, usando os fabricantes mais tradicionais como ponta de lança, outro caso digno de nota é a atual geração do Ford Territory que é basicamente uma versão modificada do SUV Yusheng S330 feito pela Jiangling Motors Corporation (JMC), uma das empresas chinesas com as quais a Ford opera uma joint-venture na China, e o fato de usar um motor que é basicamente uma cópia do Mitsubishi 4G15 acrescido de turbo chama a atenção. O modelo é dotado de motor transversal e tração dianteira, embora tenha sido oferecida tração 4X4 como opção na época que era vendido só na China como Yusheng, o que a princípio me leva a crer na viabilidade de uma hipotética simplificação do projeto no intuito de incorporar motor longitudinal e tração somente traseira, permitindo ainda um compartilhamento de componentes de transmissão com as caminhonetes médias que a JMC produz a partir de uma inusitada mistura de projetos copiados da Isuzu e outros transferidos pela Ford no âmbito da joint-venture, e proporcionaria uma maior segurança para a propriedade intelectual por mais tentador que possa parecer a um fabricante ocidental recorrer à mão de obra barata chinesa numa analogia ao "coolie trade" que substituiu a escravidão negreira. Vários carros de projeto ocidental ou japonês estão numa situação parecida, na qual a disponibilidade de versões com tração 4X4 integral nos mercados de origem viabilizaria uma adaptação para usar motor longitudinal e tração traseira na China e, levando em consideração que a exportação de veículos de fabricação chinesa é menos controversa em mercados periféricos apesar de ameaçar a consolidação de uma atividade fabril em partes da América Latina, África, Oriente Médio e Sudeste Asiático, uma solução mais austera e que viesse a exigir um menor investimento ocidental ou japonês para fazer esse mesmo outsourcing já seria menos arriscado que entregar de bandeja tecnologias mais avançadas a concorrentes predatórios como os fabricantes chineses que são na prática os mais beneficiados pela política de joint-ventures e também os únicos beneficiados pela leniência da ditadura comunista chinesa com relação à constante violação de propriedade intelectual.

Um precedente à primeira vista improvável, mas que justifica comparações, é o caso do Lada Niva que às vezes é erroneamente mencionado como sendo oriundo do mesmo projeto que originou o Fiat 147, e a diferença nas configurações de transmissão apenas reforça a minha impressão quanto à viabilidade de uma improvável adaptação do motor em posição longitudinal e da tração traseira a um modelo que faça uso do motor em posição transversal e da tração dianteira. De fato, o tradicional jipe russo lançava mão de alguns elementos provenientes de outros projetos fornecidos pela Fiat à AvtoVAZ ainda na época da União Soviética anteriores ao 147 e originalmente dotados de tração traseira, mesmo que houvesse uma certa semelhança em alguns detalhes estéticos e acabe havendo uma intercambialidade entre miudezas e acabamentos entre modelos com propostas tão distintas e fabricados também em diferentes países. Uma peculiaridade que pode favorecer essa confusão é a possibilidade de serem feitas conversões para tração traseira no 147, na maior parte das vezes destinadas a exibições de manobras em eventos esportivos ao invés do uso normal em vias públicas, e a suspensão independente nas 4 rodas com o uso de um feixe de molas transversal no eixo traseiro ocupando mais espaço que um eixo traseiro de torção como usam os modelos generalistas de tração dianteira mais recentes chega a favorecer esse tipo de modificação considerando uma menor interferência com a articulação de uma suspensão traseira por eixo rígido que viesse a ser adaptada em nome da simplicidade e da redução de custos, possivelmente compartilhando componentes de algum projeto anterior já com os custos amortizados.
E mesmo considerando a permanência da tração dianteira do 147 no Fiat Uno que o sucedeu, o fato do modelo brasileiro do Uno ter preservado toda a suspensão e outros elementos estruturais provenientes do 147 é outro precedente histórico curioso, mas que pode ser considerado ao justificar a hipótese de se recorrer a uma solução pouco ortodoxa em outras regiões, como eventualmente considerar a economia de escala ao reaproveitar componentes já produzidos localmente e cuja aptidão a condições de rodagem locais seja suficientemente comprovada. Apesar dessa situação envolvendo Fiat 147 e Uno brasileiro ter ocorrido por iniciativa da própria Fiat, sem qualquer envolvimento de outras empresas nem ser passível de observar riscos quanto a uma violação de propriedade intelectual como seria o caso na China, chega a ser uma boa justificativa em defesa de vantagens que uma eventual "cabritagem" oficializada poderia ter trazido aos fabricantes ocidentais e japoneses caso tivessem evitado ensinar os chineses como fazer carros de tração dianteira. Enfim, considerando diferentes abordagens feitas por fabricantes tradicionais para economizar e manter a competitividade quanto aos custos em alguns mercados periféricos como é o caso do Brasil mesmo, tanto alguns fatores de ordem estritamente técnica e operacional quanto outros mais relacionados à burocracia estatal podem ser apontados para classificar o pouco aproveitamento da oferta de sistemas de transmissão para tração traseira baratos na China como um eventual erro.