domingo, 23 de abril de 2023

Retorno do carro popular: algo infelizmente improvável de acontecer tão cedo

Um segmento que no Brasil foi "oficializado" por iniciativa da Fiat com o lançamento do Uno Mille em '90 após pleitear junto ao então presidente Fernando Collor de Melo por uma alíquota de IPI menor para veículos com motor até 1000cc a exemplo do que havia sido instituído no governo Sarney com o limite de motores até 800cc e 2 cilindros atendendo especificamente ao projeto de carros populares da Gurgel, o conceito do carro popular foi significativamente desvirtuado ao longo das últimas 3 décadas, e muito se tem especulado recentemente sobre eventuais esforços para as vendas de veículos no Brasil voltarem a um volume mais expressivo incluírem uma renovação do programa do carro popular. Naturalmente o retorno à austeridade das primeiras versões do Fiat Uno Mille, que no início foi oferecido com somente duas portas, seria algo difícil do público generalista assimilar, à medida que equipamentos considerados "luxo" à época da consolidação da idéia do carro popular passaram a marcar mais presença no mercado, assim como os parâmetros de segurança e controle de emissões hoje em vigor também impactam muito o custo inicial. E além de carros com duas portas terem praticamente desaparecido dos segmentos mais generalistas no Brasil, seria algo impensável com a ascensão dos serviços de transporte por aplicativo que tem mantido uma demanda razoável pelos compactos para quem pretenda usar o carro a trabalho.

Emblemática foi a inclusão do Fusca no programa do carro popular em '93, quando o então presidente Itamar Franco precisou instituir uma equiparação de motores até 1600cc (no caso do Fusca 1584cc para ser mais específico) refrigerados a ar com relação aos motores até 1000cc de refrigeração líquida, tendo em vista que diminuir o motor do Fusca para a mesma faixa de cilindrada dos 1.0 teria um resultado tão insatisfatório quanto potencialmente perigoso, inviabilizando um uso nos eventuais trajetos rodoviários que seriam inevitáveis a um carro destinado a ser eventualmente o único de um núcleo familiar. Talvez até fizesse mais sentido impor o limite de cilindrada até 1300cc para os motores refrigerados a ar, tendo em vista que o próprio Fusca chegou a usar um motor de exatos 1285cc que diga-se de passagem foi o primeiro a ter opção por uma versão a álcool ainda durante o regime militar quando a homologação dos primeiros motores a álcool acabava sendo bastante específica naquela fase inicial do ProÁlcool, sendo usado o motor 1300 a álcool também em outros modelos cujo motor 1600 era o único especificado nas versões a gasolina. Mas a princípio o Fusca Itamar ter recorrido ao motor 1600 tinha outras conotações, inclusive de cunho político e para "marcar território" diante da "ousadia" do antigo cliente Amaral Gurgel que se distanciava do uso de motores Volkswagen no projeto do carro popular, ao invés de se ater a critérios estritamente técnicos, e que se revelaram cruciais para a Volkswagen avaliar a viabilidade do relançamento do Fusca em meio a uma economia conturbada e um governo que de modo geral se revelava impopular.
Embora os custos da reativação da linha de produção do Fusca tenham sido amortizados, e gerado lucro ainda que pequeno para os padrões de um fabricante generalista, um benefício maior para a Volkswagen foi a Kombi também ter sido contemplada com o IPI reduzido para os carros populares enquanto durou a equiparação dos motores 1.6 refrigerados a ar e 1.0 de refrigeração líquida, descontinuados já durante o primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso. É impossível deixar de fazer analogias entre essa medida tão específica e o caso dos carros japoneses da categoria kei, limitados em cilindrada até 660cc e potência até 64cv com ou sem recurso ao turbocompressor, e também restrições ao tamanho externo que se aplicam sem distinções por tipo de carroceria ou se a espécie dos veículos em questão é automóvel ou utilitário, situação que deixou de ter qualquer similaridade no Brasil tão logo o IPI para utilitários deixou de ter qualquer distinção por faixas de cilindrada e a Kombi mesmo continuando com o motor 1600 refrigerado a ar deixou de contar com tal benefício. Embora a rede de concessionárias e oficinas autorizadas da Volkswagen fosse a mais abrangente do Brasil, e tanto o Fusca quanto a Kombi fossem um parâmetro conhecido por todos os mecânicos e oficinas independentes tanto nas principais capitais quanto pelos mais distantes rincões do interior, a Kombi ter figurado no programa dos carros populares foi certamente útil para o modelo resistir à reabertura das importações na década de '90 com a chegada de vans modernas com motores Diesel de alta rotação e mais equipamentos de conforto como ar condicionado ao menos como opcional e direção hidráulica de série tornando-se uma concorrência particularmente acirrada...

Um caso que convém observar é o da Nissan, que chegou a oferecer uma versão com acabamento mais simplificado do March com motor 1.6 e câmbio automático exclusiva para vendas diretas, que poderia atender tanto a taxistas quanto deficientes físicos que eram especificamente o público-alvo da versão, e houve até a orientação à rede de concessionárias para recusar a venda a clientes sem deficiência física. Embora os motores 1.0 estejam longe de ser um problema, e uma parcela mais austera do público veja o câmbio automático com desconfianças devido à manutenção um tanto especializada que requer, chega a ser até previsível que essa faixa de cilindrada permaneça como um parâmetro para definir quais seriam os carros ditos "populares", mesmo que modelos compactos e normalmente associados a esse segmento até em função de peso e tamanho menores parecerem mais adequados a um motor modesto já viessem a atingir patamares de preços que se distanciavam das premissas iniciais do programa do carro popular, e a bem da verdade seria equivocado atribuir uma "culpa" ao público generalista que começou a apreciar mais alguns confortos como o ar condicionado e a direção assistida. Chamava a atenção também que o Nissan March tivesse permanecido em uma geração já defasada com relação aos congêneres vendidos em outras regiões como Europa, Ásia e partes da África antes de ser descontinuado no Brasil, e pode-se considerar que um modelo já antigo e com os custos de desenvolvimento amortizados mas ainda apto a um enquadramento nas normas de segurança e emissões em vigor poderia servir bem a uma proposta de carros populares mais austeros, ou até mesmo se houvesse uma diminuição nas exigências no tocante à segurança para diminuir o impacto dos custos de dispositivos como airbags e cinto de 3 pontos para o passageiro na posição central do banco traseiro a princípio ainda seria possivelmente vantajoso para um segmento do público que simplesmente desejasse substituir um "sucatão" por um carro mais novo, e a meu ver uma supressão da obrigatoriedade de airbags poderia ser menos problemática embora os freios ABS me pareçam indispensáveis na atualidade...

É também inevitável fazer uma observação quanto às inúmeras microvans e pequenas caminhonetes de fabricação chinesa, muito comuns tanto no próprio país de origem quanto desovadas numa quantidade considerável pelos mais variados mercados mundo afora, muitas vezes lançando mão de alguma cópia do motor Suzuki F10A de 970cc que portanto se enquadraria no limite de cilindrada para um carro ser enquadrado como popular no Brasil. Apesar de outros utilitários terem deixado de ser vistos como mera ferramenta de trabalho e serem alçados à condição de objeto de desejo do público generalista, é algo um tanto distante de se repetir com tais modelos chineses que podem ser comparados aos calhambeques por manterem a configuração de motor longitudinal com tração traseira por eixo rígido e chassi separado da carroceria, que se por um lado ainda são características apreciadas em caminhonetes maiores por passar uma imagem de robustez são vistas como obsoletas em modelos mais leves e compactos. Portanto, em que pese eventualmente ainda serem capazes de proporcionar um peculiar equilíbrio entre a austeridade que justificaria eventuais benefícios fiscais para modelos de concepção semelhante e uma versatilidade suficiente para atender desde quem procure por um veículo a ser essencialmente destinado ao trabalho até um eventual uso misto contemplando também o atendimento às necessidades de uma família que vá dispor de um único automóvel, também é pertinente considerar outros exemplos de como ainda se pode (e deve) considerar algumas especificidades que dificultam um ressurgimento da idéia de carro popular.

Observando ainda aquela peculiaridade do Japão com os veículos da categoria kei, bem como a moda de SUV que ganhou força a nível mundial se refletindo também no Brasil, o exemplo da Suzuki com o clássico Samurai e o Jimny Sierra chama a atenção pela forma como o IPI para utilitários sem distinção por faixas de cilindrada tornar difícil de justificar a importação de versões com os motores de 660cc que se usa nas versões enquadradas no que pode ser considerado o análogo japonês ao programa dos carros populares brasileiros. Com o Samurai tendo vindo principalmente com um motor 1.3 a gasolina que foi o mais usado em mercados internacionais, embora o F10A também tenha sido oferecido na Europa e na Indonésia exatamente para recolher menos impostos e até alguns exemplares tenham chegado ao Brasil, e o Jimny Sierra vindo somente com um motor 1.5 a gasolina que é o único oferecido fora do Japão, até pode parecer mais atraente para o representante da Suzuki no Brasil um apelo mais prestigioso inerente à forma como a tração 4X4 é vista como uma "especialidade", deixando de lado alguma possibilidade de atender bem a efetivas necessidades de uma parte do público rural enquanto atende bem à proposta de uso recreativo e mais eventual das capacidades de incursão off-road. Por mais que motores turbo das versões kei enquadradas no limite de 660cc em vigor no Japão pareçam mais difíceis de justificar por ficarem muito abaixo do limite de cilindrada para um carro popular no Brasil, e o fato de hoje um motor 1.5 ser o único usado no Suzuki Jimny Sierra fomentar alguma desconfiança quanto à viabilidade de um motor 1.0 aspirado e a aerodinâmica de um tijolo impor maiores esforços durante um eventual tráfego rodoviário, ainda é um exemplo que limitar o conceito de carro popular a hatches pode ser equivocado.

Com a preferência de uma parte do público por modelos mais espaçosos, e tomando como referência na linha Chevrolet as versões sedan e wagon do Corsa, jé é possível observar que uma maior versatilidade hoje cada vez mais direcionada a modelos mais lucrativos como pick-ups compactas de cabine dupla e SUVs invariavelmente afasta potenciais clientes mais austeros para os fabricantes tradicionais, levando a uma procura pelos carros usados, pela percepção de se estar levando "mais carro" a preço menor tanto com relação ao tamanho e eventualmente motorização acima de 1.0 quanto ao nível de equipamento. O fato do Corsa Sedan ter contado com o motor 1.0 com 8 ou 16 válvulas, e da Corsa Wagon ter oferecido por um período bastante breve o motor 1.0 com 16 válvulas, também acabavam evidenciando uma certa preocupação com a redução dos custos de manutenção quando motores com duas válvulas por cilindro ainda eram o mais habitual, embora hoje motores com 4 válvulas por cilindro sejam mais aceitos pelo público generalista e um motor 1.0 de hoje também acabe sendo competitivo diante de motores maiores nos modelos de 10 a 20 anos atrás. A aptidão para atender melhor às necessidades de uma família tanto nos deslocamentos urbanos cotidianos quanto para viagens a lazer ou o rancho do mês no supermercado é algo que convém recordar, ao invés de deixar prevalecer uma idéia medíocre de restringir a apenas um tipo de carroceria as opções para quem se vê compelido a optar pelo carro popular.

Considerando ainda como o motor 1.0 aspirado às vezes é visto equivocadamente como uma jabuticaba que só existiria no Brasil em contraste com a forma como um congênere turbo é tratado como algo mais alinhado às premissas do downsizing e portanto justificável num contexto internacional, com o caso do Chevrolet Onix tendo versões 1.0 tanto aspiradas quanto turbo para o mercado brasileiro enquanto para exportação regional o 1.0 turbo é complementado pelo 1.2 aspirado, a carga tributária um tanto obscena aplicada de um modo geral é um problema para o qual o conceito de carro popular é um mero paliativo. Por mais justificável que seja estabelecer uma alíquota mais favorável de impostos a veículos com um motor mais eficiente, que por sua vez proporcionariam também índices de emissões de poluentes menos exacerbados, o fato dos carros mais básicos à venda hoje no Brasil incorporarem uma quantidade maior de equipamentos de conforto e conveniência ao invés de simplesmente atenderem a um mínimo exigido quanto a normas de segurança pode tornar mais difícil justificar uma depauperação a título de "renovar" o conceito de carro popular promovendo um retrocesso. Enfim, por mais que uma parte do público dos carros novos hoje até pudesse se dar por satisfeito com a supressão de alguns equipamentos visando um custo inicial menor, seria como enxugar gelo, e uma carga tributária excessiva é o maior problema.

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Volkswagen Virtus e a eliminação do motor aspirado no Brasil: uma medida pouco acertada

Lançado em 2018 no Brasil, e em 2022 na Índia onde foi apresentada pela primeira vez a reestilização trazida no modelo 2023 brasileiro, o Volkswagen Virtus chegou a ter inicialmente o motor 1.6 MSI num primeiro momento apenas com câmbio manual e o 1.0 TSI com câmbio automático, e posteriormente o câmbio automático também passou a ser disponibilizado com o 1.6 MSI e foi incorporado o motor 1.4 TSI com câmbio automático na versão GTS antes e agora sendo usado na versão Exclusive. Para 2023 o 1.0 TSI passou a ter duas calibrações, a 170 TSI e a 200 TSI já usada desde o início, e a mais mansa visando substituir o 1.6 MSI que deixou de equipar o modelo no mercado nacional sob alegações de atender às atuais normas de controle de emissões, que francamente soa como uma desculpa esfarrapada. Vale lembrar que já se vão por volta de 20 anos que a Volkswagen tem ensaiado usar apenas motores turbo tanto em modelos a gasolina (ou flex para o mercado brasileiro) quanto nos Diesel que já foram tão importantes na estratégia do fabricante a nível mundial antes da eclosão do "Dieselgate" de 2015 e, apesar do custo de um motor 1.0 turbo de 3 cilindros com injeção direta ser maior que o do 1.6 aspirado com 4 cilindros e injeção sequencial indireta, a alíquota de IPI menor para os carros 1.0 no Brasil servia como incentivo para o TSI mesmo quando o 1.6 aspirado era o único motor oferecido nos mercados de exportação regional.

Por mais que o 1.0 TSI pareça justificável sob um ponto de vista técnico no tocante a uma expectativa de redução do consumo de combustível, porque a injeção direta dispensa um enriquecimento da mistura ar/combustível que seria necessário a um motor turbo com injeção indireta para evitar a pré-ignição em algumas condições, é inegável que a austeridade da aspiração natural permanecia relevante junto àquele público mais conservador ainda condicionado a lembrar instantaneamente do Fusca e da Kombi sempre que a Volkswagen é mencionada, além do mais que o Virtus tende a ser especialmente útil para marcar a presença internacional do fabricante com a produção tanto no Brasil quanto na Índia tornando mais fácil alcançar difterentes regiões proporcionar com a devida licença poética uma comparação com o sucesso do Fusca como "carro mundial", e também casos específicos como o dos taxistas e mais recentemente os motoristas de aplicativo em função da maior facilidade para implementar uma conversão para usar o gás natural. Curiosamente, com o Volkswagen Virtus sendo exportado para o México agora a partir da Índia ao invés do Brasil, e no mercado indiano sejam usados desde o lançamento apenas os motores 1.0 TSI com opção por câmbio manual ou automático e 1.5 TSI Evo sempre com o automatizado DSG com dupla embreagem e 7 marchas, o uso do 1.6 MSI em versões de especificação mexicana permanece em opção de entrada com câmbio manual ou automático e sendo complementado pelo 1.0 TSI sempre com câmbio automático. Além de motores aspirados ainda parecerem mais "à prova de burro" aos olhos de uma parte considerável do público, também pesa a favor uma certa linearidade levando considerando o turbo-lag ficar mais acentuado em regiões de altitude mais extrema como é o caso do Vale do México, a ponto da compensação de altitude que é uma vantagem oferecida pelo turbo demorar a ser sentido pelos condutores, logo o downsizing pode parecer mais difícil de justificar.

Mesmo parecendo difícil justificar o motor 1.6 MSI diante de uma imagem mais "arcaica" enquanto o TSI evoca toda uma pretensão de modernidade, é previsível que uma parte do público brasileiro tenha um ceticismo quanto ao turbo e a um maior rigor requerido em cuidados, como uma observância mais rigorosa das especificações do óleo lubrificante para evitar a formação de borra, lembrando que motores com 4 válvulas por cilindro hoje tão comuns também sofreram por esse descuido nas mãos de um povo acostumado a tratar Fusca e Kombi com gambiarras e descaso na manutenção. Se por um lado a injeção direta no TSI facilita a partida a frio para quem ainda aposta no etanol, por outro as pressões mais altas nesse sistema também se refletem no custo e na complexidade, além da alegação quanto a emissões ser uma faca de dois gumes à medida que intensifica a formação de material particulado que antes era vista como um problema exclusivo dos motores Diesel e requerer o uso de um filtro de material particulado para manter o enquadramento nas normas ambientais em vigor já aplicáveis em algumas regiões e em breve chegando também ao Brasil. Enfim, poderia ser justificável que o motor 1.6 MSI permanecesse ao menos como opção para o Virtus no Brasil a exemplo do que ocorre em outros países, chegando a ser o único motor disponível para o modelo na África do Sul onde é denominado Polo Sedan, ainda que lá o Polo hatch da geração atual use apenas motores TSI.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Fusca Itamar Série Ouro

Com o relançamento do Fusca ao final de '93 e a produção estendida até a metade de '96, a Volkswagen certamente conseguiu "marcar território" de forma emblemática no segmento dos carros populares que então passava por uma consolidação. Tratado por alguns como "retrocesso" em meio a outros modelos de projeto ao menos 40 anos efetivamente mais modernos, o Fusca Itamar ainda fazia algum sentido aos olhos de um público conservador tanto em grandes cidades quanto em regiões mais interioranas onde o motor traseiro era favorecido pelas condições de rodagem severas, tendo em vista que a tração traseira acabava proporcionando um custo mais baixo em comparação a algum utilitário com tração nas 4 rodas. E mesmo às vezes sendo apontado de forma um tanto exagerada como se tivesse sido um fracasso sob o ponto de vista comercial, principalmente por agradar mais ao público do interior que das capitais, ainda teve um saldo positivo do investimento aplicado a uma retomada da produção que no fim das contas foi mais simbólica e política que estritamente técnica, em que pese ainda ter sido coerente.
Muito provavelmente, caso a retomada da produção do Fusca tivesse dado prejuízo, a Série Ouro que marcou o encerramento definitivo da produção do Fusca em '96 dificilmente teria sido justificada sob o aspecto estritamente comercial. Naturalmente, aplicar mais aprimoramentos para encerrar com chave de ouro o ciclo do Fusca no Brasil acarretaria num custo que uma ínfima minoria estaria disposta a pagar, além do mais que a cultura do antigomobilismo e também o infame "antigoportunismo" e a aposta nos "neo-colecionáveis" estavam muito lentamente tomando alguma proporção, considerando ainda como a década de '90 foi marcada pela reabertura das importações de veículos 0km no Brasil e carros que antes eram simplesmente tratados como "velhos" e alvo de toda sorte de gambiarra que servisse tão somente para manter a operacionalidade e eventualmente readequar alguma característica às condições da época passaram a ter a originalidade mais apreciada. Mesmo assim, o uso de alguns acabamentos semelhantes aos de modelos então atualizados e outras peças "da prateleira" também proporcionava uma economia de escala, e detalhes que num projeto tão antigo pareceriam passar batom nos lábios de um porco como usar o volante espumado do Gol já pareciam uma melhoria para quem comprava com o intuito de usar o veículo normalmente.
Avistar um Fusca Série Ouro praticamente como novo e sem descaracterizações, mesmo com pequenos detalhes estéticos fáceis de corrigir, é na atualidade uma situação que chama a atenção tanto à medida que tal versão vai se aproximando dos 30 anos de idade para ser reconhecida como colecionável e ter o direito à placa preta (faltando somente mais 3 anos) quanto pelo próprio Fusca por mais simbólico que seja do conceito de carro popular vá ganhando contornos "exóticos" diante de carros mais modernos e vistos com mais frequência em condições de uso normal. Especialmente curioso pelo Fusca Itamar ter sido favorecido politicamente para manter o motor 1.6 refrigerado a ar enquanto os 1.0 mais modernos tinham refrigeração líquida, e ter sido rapidamente ofuscado pela concorrência moderna mesmo com o brasileiro médio antes dando mais valor à cilindrada pura e simples como um fator de "prestígio". Só o fato de ter marcado uma transição do segmento de carros populares da tradição para uma modernização, bem como o encerramento da produção de um modelo especialmente icônico no Brasil, o Fusca Série Ouro se destaca.

sábado, 1 de abril de 2023

Toyota Hilux 4X2 com eixo dianteiro rígido

Embora ainda seja relativamente comum ver uma Toyota Hilux quadrada, essa que eu avistei tinha uma peculiaridade que me chamou a atenção de longe, quando o eixo dianteiro rígido me parecia muito mais fino que o de algumas versões 4X4 com eixo rígido, e em seguida a constatação que faltava a carcaça de um diferencial dianteiro, ficando evidente ser uma versão de tração somente traseira. O mais curioso é que a Hilux, em nenhuma geração, abdicou da suspensão dianteira independente, mesmo tendo usado o eixo rígido tanto atrás em todas as versões quanto na frente em algumas 4X4 até a 5ª geração mundial que foi a primeira a chegar oficialmente ao Brasil, e diga-se de passagem chegou a ter exemplares 4X4 tanto com eixo dianteiro rígido quanto com suspensão dianteira independente enquanto era importada do Japão antes de ser iniciada a produção na Argentina durante o ciclo dessa mesma geração. E no caso do exemplar das fotos, ainda é de fabricação japonesa como indicam a grade e o parachoque dianteiro das versões 4X2 japonesas com altura menor que todas as 4X4 e as 4X2 já feitas na Argentina.
Por também ter sido erguida, e estar com pneus de tamanho maior, snorkel e alargadores de paralama, que são alterações bastante comuns em modelos 4X4 para favorecer o uso off-road, até me lembra uma prerunner daquelas americanas destinadas a corridas em desertos na California, em que pese essa ter a suspensão por eixo dianteiro rígido muito mais austera que as independentes normalmente usadas nas prerunners propriamente ditas. E o motor original Toyota 2L de 2.4L movido a diesel e com aspiração natural, embora seja inegavelmente robusto, também é bastante modesto e menos propenso de servir a uma caminhonete com pretensões mais esportivas, embora também possa ser bem servido mediante a instalação de um turbocompressor como chegou a ser usado em modelos de especificação estrangeira e até proporcionando desempenho em comparação ao motor 3L de 2.8L que versões 4X4 tanto japonesas quanto argentinas e 4X2 só argentinas usaram no Brasil. Mas sem sombra de dúvidas, a peculiaridade que mais me chamou a atenção foi simplesmente um eixo dianteiro rígido ser adaptado a uma Hilux de tração simples...