sexta-feira, 12 de abril de 2019

Uma reflexão sobre a deturpação da idéia do carro "popular"

Falar sobre carros "populares" sempre vai dar margem a discussões intermináveis sobre a viabilidade de um único veículo atender satisfatoriamente ao menos a maior parte das necessidades de um núcleo familiar, pouco importando se é um modelo desenvolvido desde o princípio em torno dessa finalidade como foi o caso do Fusca ou se é uma simplificação posterior de um modelo já existente a exemplo do Gol 1000 quadrado para destacar duas estratégias já adotadas em diferentes momentos históricos pela Volkswagen. Não dá para ignorar que o Fusca praticamente definiu no Brasil o que viria a ser o carro popular por excelência até ser descontinuado pela 1ª vez em '86, com uma breve reintrodução em '93 que coincidia com a chegada do Gol 1000 que era considerado mais desejável por uma parcela expressiva do público principalmente em áreas urbanas. Desde aspectos mais subjetivos como algum modismo influenciando a preferência por diferentes tipos de carroceria até outros objetivos a exemplo da capacidade de carga e passageiros, a missão do carro "popular" não é das mais fáceis...

Cabe uma menção honrosa à Gurgel, fabricante genuinamente brasileira que foi a primeira a pleitear uma alíquota de impostos mais baixa em função da cilindrada para os modelos de 0.8L que produziu, como o Supermini que ainda resistiu bravamente até '95 já ameaçado pelos grandes fabricantes de origem estrangeira que se beneficiavam da economia de escala e ofereciam modelos com motores de 1.0L após a Fiat apresentar a proposta ao então presidente Fernando Collor de Mello em '90. Naquela mesma época foi definido que o preço de venda dos carros "populares" teria como referência naquela época de inflação acentuada o valor de 7000 dólares, medida que em poucos anos foi por água abaixo à medida que os consumidores que optavam pelo motor 1.0 somente pelo benefício fiscal passavam a requisitar mais pacotes de equipamento e acabamento que destoavam da proposta original meramente utilitária. Faz parte da cultura brasileira o exibicionismo, influenciando ainda a dinâmica do mercado automobilístico e acabando com qualquer perspectiva de sucesso para modelos mais próximos duma definição tão estrita da função sobre a forma.
O projeto dos minicarros da Gurgel não ignorava a realidade brasileira, até incorporando algum grau de aptidão ao enfrentamento das condições de rodagem severas que ainda hoje são comuns em zonas rurais e nas periferias das grandes metrópoles, enquanto modelos de fabricantes estrangeiros precisam na maior parte dos casos passar pelo que se conhece por "tropicalização" e que mesmo assim costuma ser mais direcionada à má conservação de vias pavimentadas do que em proporcionar alguma aptidão off-road leve que para alguns consumidores seria uma efetiva necessidade e não só um simples luxo. Considerando diferentes propostas de tentar substituir o Fusca que de certa forma foram parâmetros tanto para a linha de "populares" da Gurgel quanto mais recentemente para o Volkswagen up!, em que pese o perfil mais urbano da população brasileira desde o "milagre econômico brasileiro" ocorrido no regime militar, não chega a surpreender que a imagem do carro "popular" ainda esteja tão fortemente vinculada aos hatchbacks pequenos. Ao menos o acesso ao compartimento de bagagens também pelo lado de fora ficou muito mais fácil em comparação ao Fusca, facilitando o carregamento na hora de voltar do supermercado com o rancho do mês...
Se a partir do momento que começava a ser redefinida a idéia do carro "popular" prevaleciam o custo de produção da carroceria e a necessidade de contenção de peso para não sacrificar demais um motor de 1.0L em meio às diversas condições de rodagem não só na cidade mas também na estrada, hoje se usa o mote da "mobilidade urbana" como pretexto para que os hatches continuem sendo o expoente máximo da categoria. O tamanho compacto também é cada vez mais relevante, tendo em vista não só o impacto do crescimento da frota mas também políticas cicloviárias desastrosas implementadas pela esquerda-caviar se tornaram desafiadores na hora de encontrar uma vaga para estacionar em áreas de grande circulação. Eventualmente até prestadores de serviços precisam recorrer a um hatch "popular" em função da melhor manobrabilidade em espaços exíguos visando atender com mais agilidade aos clientes, mesmo que precisem recorrer a dispositivos de retenção de carga externos como ganchos de reboque e racks de teto para acomodar equipamentos e ferramentas ou algum outro material que não caiba no interior do veículo nem com o banco traseiro rebatido...

Além desse tópico da "mobilidade urbana", outra estratégia que também foi recentemente usada com a intenção de fugir dos estereótipos de pobreza franciscana ainda muito fortes no imaginário popular quando se aborda o mercado dos carros 1.0 é a apresentação em peças publicitárias do Renault Kwid como "o SUV dos compactos" para forçar a associação à categoria que se tornou o ideal de um carro familiar para a classe média. Pouco importando se o modelo retomou em nome da redução de custos aquela "tradição" francesa de 3 parafusos de roda outrora usada à exaustão e que hoje dificulta a vida dos "manos" que queiram incrementar o carro com uns rodões esportivos, bem como a palheta única no limpador de parabrisa, o importante é fazer com que seja visto como mais desejável pelo público em comparação aos concorrentes apresentados de forma mais despretensiosa. A bem da verdade, essa modinha dos SUVs faz com que o consumidor brasileiro deixe de olhar com a devida atenção para outras categorias até mais qualificadas para atender às efetivas necessidades de quem dependa de um único veículo para atender tanto ao núcleo familiar quanto para uso em serviço, com destaque para furgonetas como a Citroën Berlingo.
Já levando em consideração que no caso das versões turbodiesel alcançou-se um nível de sofisticação dos motores que se torna menos convidativo para fazer gambiarras em fundo de quintal, ainda vale a pena fomentar a discussão em torno da incoerência na definição da faixa de cilindrada de 1.0L como o limite para os carros "populares" brasileiros. A fabricação de um motor de 4 cilindros com só duas válvulas por cilindro tem um custo muito semelhante mesmo que se avancem algumas frações de litro a mais, lembrando que não raro podem pertencer a uma mesma linha de motores modulares como é o caso do TU3 de 1.4L ainda oferecido como opção de entrada para a Citroën Berlingo na Argentina (o EC5 de 1.6L e 4 válvulas por cilindro que é atualmente o único motor disponível para o modelo é só opcional do lado de lá da fronteira) e do TU9 de 1.0L mais conhecido no Brasil por ter sido usado no Peugeot 106. É importante levar em consideração também as faixas de rotação de potência e torque máximos, de modo que em algumas condições o motor de cilindrada mais alta pode apresentar média de consumo até mais moderadas por conta de manter a velocidade de cruzeiro num regime de rotação menor com uma relação de transmissão mais longa, sendo esse mesmo princípio também aplicável a motores Diesel que infelizmente permanecem proibidos para uso em veículos de tração simples com capacidade de carga inferior a uma tonelada e acomodação para menos de 10 pessoas.

Vale lembrar também os sedans como uma categoria de veículos que permanece forte dentre os carros populares mundo afora, tomando por exemplo o Peugeot 301 e o Citroën C-Elysée equipados com motor EB2 de 1.2L e 3 cilindros ou o EC5 de 1.6L e 4 cilindros nas versões a gasolina ou com o DV6 para quem não abre mão de um turbodiesel e que se balizaram na preferência da China e de outros mercados emergentes. É um tipo de carroceria bastante simples e com um custo de produção relativamente baixo, tanto em função de na maioria das vezes dispensar o limpador de parabrisa traseiro quanto pela rigidez torcional mesmo sem reforços estruturais ao redor da tampa do compartimento de bagagens. Hoje pouco expressiva entre as opções de carroceria para os carros compactos na Europa Ocidental, embora tenha um estilo atemporal ainda muito apreciado em segmentos mais prestigiosos, preserva uma imagem de maior prestígio e sofisticação comparada a um hatch em outras regiões, e na maioria dos casos o recurso a uma distância entre-eixos mais longa faz com que o espaço interno fique mais adequado ao uso familiar, e a maior capacidade volumétrica do porta-malas atende bem tanto na hora do pai ou da mãe de família ir ao supermercado fazer o rancho do mês quanto na hora de juntar a família para passar uma temporada na praia nas férias...

Até mesmo o Fusca teve como nomenclatura oficial Volkswagen Sedan, certa forma figurando como um precedente para esse tipo de carroceria permanecer associada à definição de um carro "popular", ainda que atualmente possa haver alguma controvérsia quanto a algumas características. O acesso ao bagageiro principal também conhecido popularmente como "chiqueirinho" se dando apenas pelo lado de dentro, além da carroceria ter só duas portas e 2 volumes bem definidos, podem servir de pretexto para que se alegue que não faça tanto sentido considerá-lo nos dias de hoje um sedan ao invés de um cupê. A tão característica disposição do motor traseiro definitivamente não interfere na classificação de carroceria, já que a tampa do compartimento do motor está abaixo da linha do parabrisa traseiro, a exemplo do que ocorre também em modelos com uma posição semelhante do conjunto motriz mesmo com aparência mais próxima do que hoje se considera convencional para um sedan como acontecia com o Simca 1000. Portanto, mesmo que uma classificação mais exata do tipo de carroceria do Fusca possa render intermináveis debates, é certo que os sedans ainda permanecerão uma opção relevante no segmento de carros populares por um bom tempo...

Às vezes, mesmo com a atual predominância da configuração de 3 cilindros na mais nova geração de motores de 1.0L se observam distorções no acesso à tributação diferenciada por faixa de cilindrada, e um bom exemplo é o Volkswagen Virtus. Para uso particular tem predominado o motor TSI de 1.0L com turbo e injeção direta, de desempenho mais vigoroso que o MSI de 1.6L naturalmente aspirado e com injeção sequencial nos pórticos de válvula que com raras exceções permanece mais atrativo para taxistas e também em alguns mercados de exportação regional como o Uruguai. Além do TSI já ter um custo de fabricação mais alto e permanecer mais caro para o consumidor mesmo beneficiado por uma alíquota menor de IPI, no caso dos taxistas o custo de aquisição de um exemplar equipado com o MSI tem um desconto proporcionalmente maior justamente por estar sujeito a um imposto maior. E se por um lado o TSI pode ser uma opção mais adequada para quem priorize o uso de combustíveis líquidos devido à injeção direta minimizar o risco de pré-ignição usando gasolina e proporcionar uma maior facilidade na partida a frio com o etanol, por outro o MSI é mais fácil de converter para o gás natural por dispensar o uso de uma pequena quantidade de algum dos combustíveis líquidos originais para proteger os bicos injetores da exposição direta à frente de propagação de chama nas câmaras de combustão, e devido à maior compressibilidade do gás natural o risco de pré-ignição fica afastado mesmo com uma mistura ar/combustível mais pobre e comparável ao que se observa com o etanol e a gasolina no TSI para justificar a redução no consumo de combustível.

Ainda que atualmente o consumidor brasileiro já não abra mão de tantos itens de conforto como o ar condicionado, a direção assistida e uma central multimídia, é inegável que a extrema simplicidade de adaptações de projetos tradicionais para atender às diretrizes originais do programa do carro popular como a Ford fez inicialmente com o Escort Hobby teve alguma importância histórica para fazer com que o automóvel 0km se tornasse um sonho menos inacessível para muitas famílias. Porém, atrelar os benefícios fiscais tão somente à cilindrada foi uma estratégia ineficiente para assegurar a longo prazo premissas como um baixo consumo de combustível e uma facilidade de manutenção desejáveis para atender às efetivas necessidades dos usuários sem acarretar num impacto muito pesado ao orçamento familiar. Enfim, mesmo que a nível internacional o próprio conceito de "carro mundial" do Escort já seja coisa do passado e projetos específicos para mercados emergentes supram a demanda pelo carro popular mundo afora, atrelar esse conceito à cilindrada mantém o Brasil numa posição ambígua.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Honda CB 450 DX custom

Já não é nenhuma novidade que a clássica Honda CB 450 DX permanece como uma referência entre motos de média cilindrada, sendo ainda relativamente fácil se deparar com uma em bom estado de conservação, tanto originais quanto modificadas. Essa em específico me chamou a atenção pelo estilo custom tradicional, incluindo o tanque de combustível em formato de gota característico desse segmento. Dentre as modificadas que eu vejo com alguma regularidade em Porto Alegre, essa se sobressai por não ter seguido o perfil mais esportivo das café-racers que de uns tempos para cá tem inspirado a maioria das que eu vi recentemente.