sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Lambretta Série Brasil com side-car do lado esquerdo

Ao contrário de outros países onde a Vespa fez mais sucesso quando scooters ainda eram consideradas novidade, no Brasil a Lambretta acaba sendo até mais lembrada como "marca genérica", e originou até a figura do "lambreteiro" que antecedeu a categoria dos motoboys. E apesar do brasileiro ter passado a tratar as motos e assemelhados com algum descaso tão logo a indústria automobilística foi efetivamente implementada, o caráter utilitário de algumas podia ser reforçado pelo uso do side-car, que já chegou a ter o uso permitido até para scooters como a Lambretta em outros momentos históricos, em que pese ser atualmente proibida a instalação de side-cars em motos cilindrada abaixo de 125cc ou numa scooter de qualquer cilindrada. Naturalmente, conjuntos de motos ou scooters com side-car anteriores à norma em vigor podem permanecer circulando normalmente, embora seja mais fácil (ou, a bem da verdade, menos difícil) avistar uma Lambretta Série Brasil acoplada a um side-car como essa de 1964 em exposições de veículos antigos como a Expoclassic 2023 acontecida em Novo Hamburgo.

Nesse caso específico o que mais me chamou a atenção foi o side-car ser instalado à esquerda, e assim o condutor ficar à direita como se estivesse conduzindo um carro RHD (right-hand drive) com o cockpit à direita, tal qual se usa em países de mão inglesa como a Indonésia que diga-se de passagem tem uma cultura bastante peculiar no tocante a scooters. Levando em consideração tanto a regulamentação para o uso de side-cars quanto eventuais empecilhos ao licenciamento e circulação de veículos RHD no Brasil, embora essa Lambretta esteja devidamente emplacada, e ao que tudo indica foi adaptada com o side-car antes de ser proibido o uso em scooters, fica mais curioso e surpreendente até pela posição da instalação do side-car na lateral esquerda, que eventualmente ficaria mais fácil de explicar se fosse uma Lambretta mais antiga e ainda importada da Itália, onde diga-se de passagem são permitidos side-cars em scooters, e justamente o ano de 1964 foi quando algumas antigas colônias italianas na África fizeram a mudança do sentido de circulação da mão inglesa para a mão francesa que na Itália começou a ser implementado em 1912. Como o sentido de circulação foi padronizado no Brasil inteiro para a mão francesa em 1928, é ainda mais curioso que uma Lambretta de fabricação nacional tenha um side-car na mão inglesa...

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

3 motivos pelos quais às vezes pode parecer surpreendente o motor 2-tempos ter deixado de ser usado em automóveis

Uma daquelas situações que alguns podem considerar óbvia, o motor 2-tempos ter deixado de ser usado em automóveis de produção regular é um tópico que pode ser analisado por outras perspectivas. Até em meio a discursos pretensamente "ambientalistas" que tem promovido a demonização de qualquer motor de combustão interna, fica mais difícil assimilar que uma configuração considerada "arcaica" possa ter méritos devidamente reconhecidos, e eventualmente ser apontada como mais "sustentável". Ao menos 3 circunstâncias que poderiam favorecer o motor 2-tempos são fáceis de destacar.

1 - a ascensão dos híbridos: tomando como referência o Toyota RAV4 de 5ª geração, que no Brasil só foi lançado como híbrido, eventualmente a maior simplicidade construtiva de um motor 2-tempos ainda poderia ser útil tanto para minimizar o impacto do aumento no custo inicial que a eletrificação acarreta quanto pela lubrificação ser mais concentrada em menos áreas do motor. Até um sistema de lubrificação por injeção de óleo com bomba própria sem a necessidade de mistura prévia com o combustível, como o Autolube que ficou mais conhecido no Brasil por ser a denominação comercial usada pela Yamaha na linha de motos 2-tempos a ponto de ter sido praticamente alçado à condição de "marca genérica", ainda que pareça menos "à prova de burro", permaneceria justificável ao lembrarmos como motores 4-tempos também podem apresentar um consumo excessivo do óleo lubrificante, além de problemas causados ao manter o motor em funcionamento por intervalos muito curtos e com pressão de óleo insuficiente para o mecanismo das válvulas ser corretamente lubrificado. Como nos híbridos o motor a gasolina opera num regime mais intermitente, principalmente nos trajetos urbanos, na prática um hipotético motor 2-tempos modernizado poderia ter vindo a calhar, além do mais que sistemas híbridos como o HSD da Toyota são programados para manter o motor operando preferencialmente em faixas de rotação um tanto estreitas e favorecendo um dimensionamento mais específico das janelas de admissão, transferência e escape;

2 - injeção direta até em alguns motores de aspiração natural: em que pese a injeção direta ter sido um dos artifícios para favorecer o downsizing à medida que o público generalista começou a ficar mais acostumado com o turbocompressor, também tem uma presença relevante em alguns motores aspirados, e a Honda tem sido um bom exemplo dessa situação. Tomando como referência a 11ª geração do Honda Civic, cuja chegada ao Brasil importado inicialmente em versão híbrida feita na Tailândia, e ainda outro bom exemplo sendo o Honda City da 7ª geração internacional que é a 3ª produzida e vendida no Brasil, é inevitável lembrar como em outros momentos históricos até relativamente recentes a injeção direta foi apontada como uma eventual "salvação" para motores 2-tempos tanto para motos em algumas classes de competição off-road e em adaptações para preservar a operacionalidade de motos utilitárias antigas nas Filipinas, quanto em motores de popa na propulsão de embarcações leves que também chegaram a ser oferecidos no Brasil. Vale destacar que outros fabricantes também chegaram a demonstrar interesses no desenvolvimento de motores 2-tempos modernizados para uso automotivo entre as décadas de '80 e '90 com o uso de tecnologia desenvolvida pela empresa australiana Orbital, e que era rigorosamente a mesma aplicada aos motores de popa Evinrude E-TEC. Também cabe destacar que a injeção direta tem a vantagem de facilitar a partida a frio usando álcool/etanol, sem recorrer a assistências como a injeção de gasolina que se usava antes do aquecimento elétrico do combustível ser implementado em motores de injeção sequencial convencional a partir do ano-modelo 2022 para reduzir as emissões evaporativas;

3 - maior presença do câmbio automático: com destaque para câmbios automáticos do tipo CVT, que tem sido mais usado pela Fiat em modelos generalistas como o Cronos com o motor 1.3 em substituição ao automatizado monoembreagem GSR e servindo também como uma espécie de "tapa-buraco" após o fim das versões com motor 1.8 opcionalmente associado a um câmbio automático mais convencional de 6 marchas, esse aspecto pode ser especialmente relevante até em função de uma evolução dos sistemas de controle eletrônico. Uma característica especialmente problemática para motores 2-tempos aos olhos do público generalista era a ausência de freio-motor, que também podia ser observada em veículos com motor 4-tempos quando os controles eletrônicos ainda eram menos comuns ou estavam em estágio mais inicial de desenvolvimento nos câmbios automáticos, mas no atual cenário é perfeitamente possível que o gerenciamento eletrônico compense tal desvantagem. Outro ponto a destacar é alguns carros antigos com motor 2-tempos e câmbio manual terem recorrido a mecanismos de roda-livre visando melhorar a longevidade do motor e diminuir o consumo de óleo lubrificante em determinadas condições, podendo ser também usada a programação eletrônica de um câmbio automático para proporcionar efeito análogo ao da antiga roda-livre.

Por mais improvável que um retorno dos motores 2-tempos pareça, especialmente nesses tempos com a obsessão pela eletrificação servindo de pretexto para demonizar os motores de combustão interna de um modo geral, é natural que outros fatores de ordem técnica pudessem também convencer algumas partes do público a ter um maior apreço por opções que passaram a ser subestimadas. A mesma simplicidade construtiva que favoreceria uma redução de custos também acabaria sendo eventualmente coerente no âmbito da alegada "sustentabilidade", tendo em vista uma adaptabilidade a combustíveis alternativos e até o uso de óleos lubrificantes de base vegetal por exemplo, e uma menor quantidade de peças móveis reduzindo a inércia e os atritos internos é outro aspecto que pode passar despercebido. Mas enfim, ainda que motores 4-tempos já tenham sido totalmente assimilados pelo público generalista, e a economia de escala acabe levando a ter uma presença um tanto "óbvia" até em contextos mais específicos, às vezes o motor 2-tempos ter deixado de ser usado em automóveis pode surpreender...

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Gurgel: um jipinho com a mecânica dos BR-800 e Supermini teria feito mais sentido?

Um daqueles projetos mais ousados apresentados por um fabricante de veículos com capital totalmente brasileiro, a linha de carros de proposta popular da Gurgel que começou com o BR-800 e terminou com o Supermini em meio à falência da empresa tinha certamente alguns méritos, tendo em vista o tamanho que acabava sendo conveniente para uso urbano enquanto a tração traseira e a distribuição de peso entre os eixos visavam preservar uma aptidão a determinadas condições de rodagem off-road que favoreciam o Fusca pelos mais diversos rincões do interior. Por se tratar de um fabricante que era mais reconhecido pela linha de veículos utilitários baseados em mecânica Volkswagen, uma aposta tão alta no mercado de automóveis direcionados a consumidores essencialmente generalistas teria certamente sido bem melhor aproveitada sem ignorar oportunidades junto a clientes institucionais/corporativos mais tradicionais. E a bem da verdade, fez muita falta até para manter um fluxo de caixa mais saudável à Gurgel um jipe que aproveitasse a mesma mecânica dos BR-800 e Supermini, mesmo que mantivesse a tração só traseira.

Com o projeto dos carros populares Gurgel sendo desenvolvido e lançado inicialmente na década de '80 quando o mercado automotivo brasileiro seguia fechado a importações, e com a reabertura em '90 veio o Lada Niva como o 4X4 mais barato da época em meio a críticas de João Augusto Conrado do Amaral Gurgel quanto ao que ele considerava dumping por parte da então estatal soviética Avtovaz, e na prática a quantidade relativamente pequena de remanescentes tanto do Niva quanto de outros modelos da Lada dependentes das mais diversas adaptações para seguir em funcionamento dá a crer que alguma razão ele tinha. Outro modelo que fez até mais sucesso em meio à reabertura das importações na década de '90, o Suzuki Samurai seria até mais adequado como parâmetro para comparações com o que seria viável usar um conjunto motriz a ser eventualmente compartilhado com carros mais generalistas e enquadrados nos critérios para classificação como popular. E o Suzuki Samurai usou diferentes conjuntos mecânicos por todo o ciclo de produção, desde motores entre 550 e 660cc para atender aos rígidos limites da categoria kei que no Japão equivale aos carros "populares" com motor de 1.0L do Brasil, até os Diesel usados na Europa em versões produzidas na Espanha para burlar as cotas de importação de carros japoneses, e um caso interessante é o de versões com motor de 1.0L terem sido feitas tanto com tração 4X2 na Indonésia para recolher menos impostos quanto com tração 4X4 antes de serem priorizados motores de 1.3L para essa configuração.

Por mais que pudesse ter feito sentido Amaral Gurgel considerar o fim da dependência pela Volkswagen para aderir à tração 4X4 em um jipinho, vale lembrar que uma eventual diferença de classificação entre veículos utilitários cuja espécie no documento conste como camioneta a exemplo da Kombi, apesar que o uso do mesmo motor de um modelo especificado no documento como automóvel a exemplo do Fusca "Itamar" chegou a servir como pretexto para a Volkswagen recolher menos IPI vendendo Kombi dentro da proposta do carro popular entre os governos Itamar e FHC quando uma provisão foi feita e incluiu o motor boxer de 1.6L refrigerado a ar na mesma alíquota de IPI reduzido aplicável a motores até 1.0L de refrigeração líquida. Nesse caso, além da maior simplicidade técnica inerente à tração somente traseira, um modelo que fosse homologado como utilitário em função da tração 4X4 perderia benefícios fiscais à mesma época que a Kombi os perdeu em meio ao fim da produção do Fusca Itamar, tendo em vista que utilitários são tributados sem distinção por faixas de cilindrada, ao contrário do que ocorre no segmento de automóveis e que serviu de pretexto para consolidar o conceito de carros "populares" por mais que hoje esteja mais distorcido em comparção a 30 anos atrás.

Outro aspecto a considerar foi um precedente histórico, o fim da produção do Jeep CJ-5 no Brasil já nas mãos da Ford em '83, que havia adquirido a operação brasileira da Willys-Overland em '67 também foi influenciado pelo sucesso que a linha de utilitários Gurgel com modelos como o Xavante X-10 baseado em mecânica Volkswagen e tração 4X2 fez junto a um público mais austero e estritamente profissional priorizando custos reduzidos de operação e manutenção. Naturalmente a antiga percepção de utilitários mais rústicos como meras ferramentas de trabalho, antes da moda de SUV que ganhou força na década de '90, deixaria uma parte do público generalista ressabiada caso a aposta nos carros populares Gurgel mantivesse a proposta de jipe, mas certamente seria capaz de reter uma parte do público já consolidado da marca. Enfim, por mais improvável que pudesse parecer, e uma alegada inferioridade técnica perante concorrentes importados fosse destacada pelos críticos de plantão, um utilitário com mecânica própria Gurgel ficaria de acordo à proposta de modelos baseados na Volkswagen, e ficaria mais fácil até para "salvar" a marca.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Volkswagen Variant encurtada

Dentre tantos derivados do Fusca, tanto feitos pela própria Volkswagen quanto de forma independente a partir do conjunto motriz do Fusca, um dos modelos mais destacados foi a Variant. Com amplo espaço para a acomodação de bagagens, favorecido pelo uso de uma ventoinha axial para o motor ao invés da "capelinha" e portanto permitindo um rebaixamento do assoalho do bagageiro, é incomum se deparar com exemplares encurtados como esse das fotos. A bem da verdade, a uma certa distância, a grade que foi instalada na frente dá um aspecto até parecido com o de alguns carros ingleses das décadas de '60 e '70, embora a posição da portinhola do tanque à frente e as ranhuras para captação de ar nos paralamas traseiros deixem evidente tratar-se de um modelo de motor traseiro como os Volkswagens mais antigos.
Além de ter sido encurtado entre os eixos, tal qual se fazia muito ao modificar chassis Volkswagen para uso em buggys e alguns outros veículos especiais derivados do Fusca, chama a atenção ser encurtado o balanço traseiro também, a exemplo do que teria sido feito em "mulas" de teste quando a Volkswagen do Brasil ainda estava desenvolvendo a Brasília, embora nenhum modelo original da Volkswagen tenha saído de fábrica com o entre-eixos encurtado no túnel central. O exemplar das fotos está documentado como protótipo, com o ano 1971 a princípio correspondendo tanto ao chassi quanto à carroceria original da Variant, o que deixa ainda mais curioso por ainda ser reconhecível como uma Volkswagen Variant. É improvável que tenha servido como "mula" da Brasília, além do mais com a grade lembrando um carro inglês mais parecendo um projeto de customização independente.