quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Gurgel: um jipinho com a mecânica dos BR-800 e Supermini teria feito mais sentido?

Um daqueles projetos mais ousados apresentados por um fabricante de veículos com capital totalmente brasileiro, a linha de carros de proposta popular da Gurgel que começou com o BR-800 e terminou com o Supermini em meio à falência da empresa tinha certamente alguns méritos, tendo em vista o tamanho que acabava sendo conveniente para uso urbano enquanto a tração traseira e a distribuição de peso entre os eixos visavam preservar uma aptidão a determinadas condições de rodagem off-road que favoreciam o Fusca pelos mais diversos rincões do interior. Por se tratar de um fabricante que era mais reconhecido pela linha de veículos utilitários baseados em mecânica Volkswagen, uma aposta tão alta no mercado de automóveis direcionados a consumidores essencialmente generalistas teria certamente sido bem melhor aproveitada sem ignorar oportunidades junto a clientes institucionais/corporativos mais tradicionais. E a bem da verdade, fez muita falta até para manter um fluxo de caixa mais saudável à Gurgel um jipe que aproveitasse a mesma mecânica dos BR-800 e Supermini, mesmo que mantivesse a tração só traseira.

Com o projeto dos carros populares Gurgel sendo desenvolvido e lançado inicialmente na década de '80 quando o mercado automotivo brasileiro seguia fechado a importações, e com a reabertura em '90 veio o Lada Niva como o 4X4 mais barato da época em meio a críticas de João Augusto Conrado do Amaral Gurgel quanto ao que ele considerava dumping por parte da então estatal soviética Avtovaz, e na prática a quantidade relativamente pequena de remanescentes tanto do Niva quanto de outros modelos da Lada dependentes das mais diversas adaptações para seguir em funcionamento dá a crer que alguma razão ele tinha. Outro modelo que fez até mais sucesso em meio à reabertura das importações na década de '90, o Suzuki Samurai seria até mais adequado como parâmetro para comparações com o que seria viável usar um conjunto motriz a ser eventualmente compartilhado com carros mais generalistas e enquadrados nos critérios para classificação como popular. E o Suzuki Samurai usou diferentes conjuntos mecânicos por todo o ciclo de produção, desde motores entre 550 e 660cc para atender aos rígidos limites da categoria kei que no Japão equivale aos carros "populares" com motor de 1.0L do Brasil, até os Diesel usados na Europa em versões produzidas na Espanha para burlar as cotas de importação de carros japoneses, e um caso interessante é o de versões com motor de 1.0L terem sido feitas tanto com tração 4X2 na Indonésia para recolher menos impostos quanto com tração 4X4 antes de serem priorizados motores de 1.3L para essa configuração.

Por mais que pudesse ter feito sentido Amaral Gurgel considerar o fim da dependência pela Volkswagen para aderir à tração 4X4 em um jipinho, vale lembrar que uma eventual diferença de classificação entre veículos utilitários cuja espécie no documento conste como camioneta a exemplo da Kombi, apesar que o uso do mesmo motor de um modelo especificado no documento como automóvel a exemplo do Fusca "Itamar" chegou a servir como pretexto para a Volkswagen recolher menos IPI vendendo Kombi dentro da proposta do carro popular entre os governos Itamar e FHC quando uma provisão foi feita e incluiu o motor boxer de 1.6L refrigerado a ar na mesma alíquota de IPI reduzido aplicável a motores até 1.0L de refrigeração líquida. Nesse caso, além da maior simplicidade técnica inerente à tração somente traseira, um modelo que fosse homologado como utilitário em função da tração 4X4 perderia benefícios fiscais à mesma época que a Kombi os perdeu em meio ao fim da produção do Fusca Itamar, tendo em vista que utilitários são tributados sem distinção por faixas de cilindrada, ao contrário do que ocorre no segmento de automóveis e que serviu de pretexto para consolidar o conceito de carros "populares" por mais que hoje esteja mais distorcido em comparção a 30 anos atrás.

Outro aspecto a considerar foi um precedente histórico, o fim da produção do Jeep CJ-5 no Brasil já nas mãos da Ford em '83, que havia adquirido a operação brasileira da Willys-Overland em '67 também foi influenciado pelo sucesso que a linha de utilitários Gurgel com modelos como o Xavante X-10 baseado em mecânica Volkswagen e tração 4X2 fez junto a um público mais austero e estritamente profissional priorizando custos reduzidos de operação e manutenção. Naturalmente a antiga percepção de utilitários mais rústicos como meras ferramentas de trabalho, antes da moda de SUV que ganhou força na década de '90, deixaria uma parte do público generalista ressabiada caso a aposta nos carros populares Gurgel mantivesse a proposta de jipe, mas certamente seria capaz de reter uma parte do público já consolidado da marca. Enfim, por mais improvável que pudesse parecer, e uma alegada inferioridade técnica perante concorrentes importados fosse destacada pelos críticos de plantão, um utilitário com mecânica própria Gurgel ficaria de acordo à proposta de modelos baseados na Volkswagen, e ficaria mais fácil até para "salvar" a marca.

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