domingo, 10 de abril de 2022

5 motivos que poderiam tornar desejável uma eventual oferta de chassis de vans no Brasil sem carroceria nem cabine

Prática bastante difundida na Europa, mas que no Brasil teve como último exemplo o caso da Iveco que ainda comercializa o chassi da linha Daily para encarroçamento especializado e atendendo ao segmento de microônibus, a comercialização de chassis de vans sem carroceria nem cabine ainda é desejável para alguns operadores comerciais pelas mais variadas razões que tornem o uso de uma van normal de linha inviável, e até a configuração chassi-e-cabine que atende bem a outros perfis de uso se revela um tanto limitada no tocante à adaptabilidade. E especificamente quanto à Iveco, vale lembrar que só oferece um chassi na configuração de peso bruto total (PBT) mais alto da linha Daily nessa versão, ainda que outras pudessem também ser desejáveis para outros segmentos além de microônibus. Ao menos 5 motivos são destacáveis para justificar que tanto a Iveco ampliasse a linha dos chassis Daily Scudato quanto outros fabricantes disponibilizassem opções análogas:

1 - diferentes interpretações de alguns aspectos burocráticos: embora uma versão de passageiros de qualquer van com acomodações para 9 ou mais passageiros além do condutor seja homologada sempre como microônibus independentemente do PBT se manter abaixo de 3,5 toneladas, e até alguns modelos de outras categorias como SUVs em versões de 10 assentos tenham sido trazidos ao Brasil como sendo microônibus para recolher menos impostos, alguns órgãos públicos tratam um Renault Master de forma um tanto discrepante em comparação por exemplo ao Volare Fly 6. E francamente, apesar da Volare ser reconhecida como especialista em microônibus, o perfil do Fly 6 lembra muito mais o de uma van que o de um microônibus mais "ortodoxo" por assim dizer. Assim, um veto específico ao uso de vans e outros veículos que possam ser considerados menos "especializados" para o transporte de passageiros favorece uma abordagem diferenciada, e eventualmente o mesmo chassi de um furgão sendo encarroçado por um fabricante de carrocerias para ônibus acabaria burlando com facilidade esse entrave burocrático;

2 - necessidades do segmento de transporte de valores: embora veículos mais pesados ainda possam ter aplicabilidade em algumas operações, para outras um veículo mais compacto e leve é desejável, e o exemplo da empresa Brinks que já usa furgões Mercedes-Benz Sprinter blindados merece destaque. Em outros países onde a Mercedes-Benz ainda comercializa chassis da linha Sprinter para encarroçamentos especializados, o modelo também acaba sendo usado no transporte de valores, mas torna-se mais fácil a instalação de carrocerias mais otimizadas para a blindagem como a de um carro-forte comum;

3 - acessibilidade: embora o motor traseiro hoje receba mais destaque entre os fabricante de chassis e carrocerias de ônibus, tendo em vista que podem contar com piso baixo ao menos em parte do salão de passageiros e o acesso para usuários de cadeiras de rodas através de uma rampa retrátil mais fácil de manusear e que requer menos manutenção comparada a plataformas elevatórias eletro-hidráulicas, e até entre os microônibus já vão surgindo modelos como o Volare Access com motor traseiro e piso baixo, é comum que os assoalhos de vans dispensem o desnível normalmente encontrado nos chassis específicos para ônibus de motor traseiro e piso baixo, mesmo que nem sempre seja tão fácil rebaixar o assoalho na proporção ideal com um chassi de van de motor dianteiro e tração traseira. Já com um modelo de motor e tração dianteiros como o Fiat Ducato, caso fosse usado o mesmo chassi de van para a montagem de um microônibus, além do piso inteiramente plano no salão de passageiros a altura de embarque é menor que a de um equivalente de tração traseira;

4 - mais facilidade para dimensionar a carroceria de acordo com o uso: tomando por referência a Kombi, embora a Volkswagen nunca tenha oferecido o modelo como um chassi avulso, chegaram a ser feitas diferentes adaptações a partir da versão pick-up para finalidades diversas, entre as quais o famoso motorhome Karmann-Ghia Safari. Mantendo a cabine original da Kombi, naturalmente além de haver um contraste acentuado no tocante à aparência externa, o acesso entre o compartimento habitável e o cockpit fica um pouco mais difícil do que seria possível com uma cabine mais larga.
E por mais que o motorhome Safari tenha sido desenvolvido com esse uso recreacional previsto desde o início, ao contrário de um Invel Microbus que também acabou sendo alvo desse tipo de adaptação além das finalidades utilitárias comerciais, a cabine mais larga e o fato de ter sido mais comum a instalação de motores AP em substituição ao boxer refrigerado a ar é outro ponto a se considerar. Tendo em vista o layout de motor e tração traseiros original na Kombi, uma carroceria otimizada para outras aplicações já poderia também incluir provisões para um arrefecimento mais eficiente por exemplo, o que no caso de exemplares adaptados com um motor de refrigeração líquida envolveria até um posicionamento correto do radiador;

5 - facilitar as adaptações e gambiarras mais improváveis: mesmo que eventualmente envolvesse o sacrifício de abrir mão de alguma característica específica do veículo que fosse o alvo da adaptação de componentes de uma van, como a hipotética heresia de instalar o conjunto motriz completo do Renault Master de tração dianteira a um Toyota Bandeirante 4X4, que a bem da verdade seria particularmente difícil de explicar tendo em vista que em versões antigas equipadas com o motor SOFIM nada impede a instalação do motor em posição longitudinal, que viabilizaria manter o sistema de tração 4X4 original do Bandeirante.
E por mais que em alguns casos seja mais difícil justificar uma adaptação tão improvável, em outros até pode haver uma justa motivação por menos "ortodoxa" que venha a ser. Naturalmente tentar "suavizar" um Toyota Bandeirante seria alvo de críticas pesadas, mas um utilitário mais moderno e eventualmente indisponível no mercado brasileiro como uma Chevrolet Silverado da atual geração possa parecer mais tentadora para quem tivesse acesso a um chassi de van comercializado oficialmente no país justificaria fazer essa loucura. Mesmo que fossem só "encabritadas" a cabine e a carroceria de uma Silverado, ou se fizessem réplicas em fibra de vidro desses componentes, a eventual possibilidade de documentar como um veículo nacional valendo-se da numeração do chassi de um veículo fabricado no Brasil ainda teria a vantagem do IPVA menor do que se fosse registrado como um modelo 100% original importado. E até a eventual heresia de encabritar uma Silverado 1500 da geração atual usando o chassi de alguma van de tração dianteira, mesmo abrindo mão ou do motor turbodiesel de 6 cilindros em linha ou dos V8 small-block para quem prefira um motor a gasolina, ainda seria amenizada pelo fato do motor básico da linha hoje ser um com 4 cilindros e turbo de 2.7L a gasolina, e francamente até um turbodiesel mais austero que o original ainda me agradaria mais...

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Por quê um improvável retorno do Celta às linhas de produção até poderia ser coerente?

Um carro que foi desenvolvido com pretensões bastante austeras, inclusive tendo sido cogitado para ser o carro "mais barato do mundo", o Celta foi o primeiro modelo produzido na fábrica da General Motors em Gravataí, também favorecendo uma liderança regional da Chevrolet nas vendas de carros novos no Rio Grande do Sul. Produzido entre 2000 e 2015, tendo recebido a opção por 4 portas somente em 2002 ainda com o motor 1.0 de baixa compressão substituído no ano seguinte pelo VHC no mercado interno, o Celta ainda chegou a ter uma presença na pauta de exportações regionais relativamente forte até 2006 tanto no Mercosul quanto em alguns países caribenhos e também nos territórios holandeses de Aruba e Curaçao. Baseado na mesma plataforma usada na primeira geração do Corsa que nunca foi oferecida no Brasil, e que também já havia sido reaproveitada na 2ª geração do Corsa europeu e que marcou a estréia do modelo no Brasil acabou tornando-se grande sucesso na América Latina de um modo geral, o Celta é um modelo tecnicamente bastante simples e de manutenção tida como fácil, de certa forma remetendo à mesma situação que ocorreu com o Fusca numa outra época, e portanto pode levantar uma especulação quanto à viabilidade de um Celta ainda atender bem ao público generalista brasileiro, valendo listar ao menos 5 motivos:
1 - diminuir influência chinesa nos segmentos de entrada: embora no Brasil os fabricantes chineses já venham demonstrando mais interesse em segmentos com uma margem de lucro maior, como SUVs e mais recentemente veículos elétricos, continuam fazendo um dumping pesado entre os modelos básicos. A presença de um modelo generalista relativamente barato ainda poderia ser útil para reter uma parte do público mais conservadora, ao invés de simplesmente entregar de bandeja um segmento inteiro para os chineses;
2 - uma opção para favorecer a renovação de frota: apesar do mercado brasileiro de veículos novos vir recuperando volumes de vendas no rescaldo da crise deflagrada pelo novo coronavírus chinês e que foi agravada por politicagens da oposição irresponsável ainda impregnada nas mais diversas esferas da administração pública, um modelo mais acessível e tecnicamente simples permaneceria atrativo para alguns atuais usuários de veículos mais antigos nem sempre no melhor estado de conservação possível. Embora os custos de alguns sistemas que já vinham sendo implementados durante o ciclo de produção do Celta gerem um impacto sobre o preço ao consumidor, até seria eventualmente vantajoso considerar benefícios à segurança no trânsito de um modo geral a presença dos freios ABS e as emissões menores de um motor homologado nas normas ambientais em vigor ao comparar um eventual relançamento do Celta e a possibilidade de alguns exemplares virem a substituir algum "pau véio" muito desgastado pelo uso severo e negligência no tocante à manutenção ao longo de uma vida útil operacional estendida;
3 - viabilidade técnica para implementar algumas atualizações de segurança: mesmo com uma plataforma tida como obsoleta, e certamente menos eficiente na proteção do motorista e passageiros em caso de colisão, o Celta recebeu a partir de 2013 os freios ABS e o airbag duplo inicialmente como opção e tornados obrigatórios em 2014. Até seria possível incorporar outros recursos como controle eletrônico de tração e estabilidade, para o qual são necessários os freios ABS e o corpo da borboleta de aceleração eletrônico hoje difundidos em praticamente toda a linha de veículos novos à venda no Brasil;
4 - mais seguro que moto: apesar dos perfis distintos entre uma parcela do público das motocicletas utilitárias e dos automóveis, mesmo considerando os modelos mais austeros como era o caso do Celta, vale destacar os benefícios normalmente apontados com relação aos carros numa comparação com as motos, bem como a proteção mais efetiva quanto às intempéries. Naturalmente há quem alterne o uso de uma moto utilitária de pequena cilindrada e de um carro "popular", como em São Paulo em função do rodízio de veículos que as motocicletas são isentas, mas para quem eventualmente considere fazer uma escolha entre um ou outro a preferência pela segurança aparentemente maior inerente a um carro às vezes se torna decisiva;
5 - precedente histórico: é inegável que o relançamento do Fusca entre '93 e '96 como um aceno da Volkswagen ao então presidente Itamar Franco pode levar a crer que um retorno do Celta ao mercado possa fazer sentido, em que pesem as diferenças no tocante a observâncias de normas de segurança e emissões e o quão difícil o enquadramento numa norma mais rigorosa poderia ser, considerando a necessidade de incorporar outra formulação à química do catalisador para aumentar a durabilidade e eficiência desse componente ou um cânister de maior capacidade para reter uma quantidade maior dos vapores exauridos do tanque e o uso de pré-aquecimento elétrico dos bicos injetores para a partida a frio com álcool/etanol visando diminuir as emissões evaporativas, enquanto no caso do Fusca houve só a necessidade de incluir o catalisador.
Em meio a uma economia se recuperando dos estragos causador por lockdowns e outras medidas sem nenhuma eficiência, e também lembrando um aumento na utilização de veículos particulares a trabalho em transporte por aplicativos como o Uber tendo fomentado desde uma procura por veículos compactos novos até uma extensão da vida útil operacional de modelos médios, um eventual retorno do Celta até poderia encontrar alguma receptividade junto a consumidores com perfis mais austeros. Mesmo que a princípio pareça improvável que a GM tentasse pleitear qualquer favorecimento ao Celta junto ao presidente Jair Bolsonaro, como uma dispensa das novas normas de emissões ou uma isenção da futura obrigatoriedade de incorporar controles eletrônicos de tração e estabilidade, de forma análoga à inclusão do motor de 1.6L refrigerado a ar do Fusca na mesma alíquota de IPI destinada aos "populares" com motor de 1.0L e refrigeração líquida, ainda seria até justificável um hipotético retorno do Celta às linhas de produção tanto para o mercado brasileiro quanto alguns mercados de exportação regional.