domingo, 1 de maio de 2022

Por quê me parece ter sido um erro do Ocidente e do Japão ter ensinado a China a fazer carros de tração dianteira?

Uma situação que permanece bastante comum na indústria automobilística chinesa, o recurso à tração traseira em utilitários de pequeno porte aproveitando projetos copiados da Suzuki e da Mitsubishi foi a ponta de lança para as primeiras remessas de automóveis fabricados na China a alguns países, incluindo o Brasil mesmo com uma presença mais modesta de caminhonetes chinesas no mercado local tanto pela implementação da obrigatoriedade de airbag duplo e freios ABS a partir de 2014 quanto pela ausência de motores flex aptos a operar com etanol além da gasolina. Naturalmente, com essa prática de copiar projetos estrangeiros inicialmente de origem japonesa e posteriormente atraindo fabricantes ocidentais para a formação de joint-ventures visando a obtenção de tecnologias modernas sem ônus para empresas chinesas, era previsível que cedo ou tarde os chineses dariam um jeito de obter tecnologia para produzir carros de tração dianteira com um maior apelo junto ao público generalista em mercados de exportação, embora pudesse ter feito sentido os fabricantes ocidentais e japoneses terem ao menos tentado postergar essa situação. Sem necessariamente entrar numa rota de colisão tanto com a ditadura comunista chinesa quanto com as empresas envolvidas nas joint-ventures com empresas locais exigidas para um fabricante estrangeiro instalar uma operação na China, uma série de aspectos poderia favorecer outra abordagem e manter o mercado automobilístico chinês mais restrito à tração traseira e diminuir os riscos causados a fabricantes tradicionais em mercados mundiais.

Fabricantes tradicionais como a General Motors acabaram por fazer apostas altas nas joint-ventures na China, e um exemplo dessa circunstância que se reflete até no Brasil foi a última remodelação aplicada ao Chevrolet Classic em 2010 ser reaproveitada da primeira geração do Chevrolet Sail tão logo saiu de linha na China, além da sucursal brasileira da GM que antes era dotada de uma maior autonomia passar a se reportar à operação chinesa em 2009 no rescaldo da crise hipotecária americana de 2008. O mesmo modelo chegou a ser exportado da China para o Chile anteriormente, onde foi vendido como Chevrolet Corsa Plus entre 2008 e 2009, concorrendo com as operações brasileira e argentina da própria GM, em que pese o fato de versões chinesas antes dessa mesma remodelação ter sido implementada lá em 2005 terem lançado mão de componentes brasileiros e argentinos quando o modelo ainda era comercializado como Buick ao invés de Chevrolet em decorrência de algumas peculiaridades do mercado chinês onde a marca Buick era preferida pelos consumidores e havia pouco interesse em internacionalizar a Chevrolet como marca generalista da GM em regiões como a Ásia e a África onde a Opel era mais reconhecida. É possível que ocorra algum ceticismo quanto à adaptabilidade do projeto do Chevrolet Classic de tração dianteira para tração traseira, especialmente se fosse a princípio voltado a um único mercado apesar do grande volume de vendas aparentemente justificar uma gambiarra que permitisse compartilhar partes de minivans de tração traseira com projeto copiado da Mitsubishi feitas pela Liuzhou Wuling antes mesmo da joint-venture SAIC-GM ter sido instituída.

Diante do interesse chinês em alcançar mercados de exportação para veículos produzidos lá, usando os fabricantes mais tradicionais como ponta de lança, outro caso digno de nota é a atual geração do Ford Territory que é basicamente uma versão modificada do SUV Yusheng S330 feito pela Jiangling Motors Corporation (JMC), uma das empresas chinesas com as quais a Ford opera uma joint-venture na China, e o fato de usar um motor que é basicamente uma cópia do Mitsubishi 4G15 acrescido de turbo chama a atenção. O modelo é dotado de motor transversal e tração dianteira, embora tenha sido oferecida tração 4X4 como opção na época que era vendido só na China como Yusheng, o que a princípio me leva a crer na viabilidade de uma hipotética simplificação do projeto no intuito de incorporar motor longitudinal e tração somente traseira, permitindo ainda um compartilhamento de componentes de transmissão com as caminhonetes médias que a JMC produz a partir de uma inusitada mistura de projetos copiados da Isuzu e outros transferidos pela Ford no âmbito da joint-venture, e proporcionaria uma maior segurança para a propriedade intelectual por mais tentador que possa parecer a um fabricante ocidental recorrer à mão de obra barata chinesa numa analogia ao "coolie trade" que substituiu a escravidão negreira. Vários carros de projeto ocidental ou japonês estão numa situação parecida, na qual a disponibilidade de versões com tração 4X4 integral nos mercados de origem viabilizaria uma adaptação para usar motor longitudinal e tração traseira na China e, levando em consideração que a exportação de veículos de fabricação chinesa é menos controversa em mercados periféricos apesar de ameaçar a consolidação de uma atividade fabril em partes da América Latina, África, Oriente Médio e Sudeste Asiático, uma solução mais austera e que viesse a exigir um menor investimento ocidental ou japonês para fazer esse mesmo outsourcing já seria menos arriscado que entregar de bandeja tecnologias mais avançadas a concorrentes predatórios como os fabricantes chineses que são na prática os mais beneficiados pela política de joint-ventures e também os únicos beneficiados pela leniência da ditadura comunista chinesa com relação à constante violação de propriedade intelectual.

Um precedente à primeira vista improvável, mas que justifica comparações, é o caso do Lada Niva que às vezes é erroneamente mencionado como sendo oriundo do mesmo projeto que originou o Fiat 147, e a diferença nas configurações de transmissão apenas reforça a minha impressão quanto à viabilidade de uma improvável adaptação do motor em posição longitudinal e da tração traseira a um modelo que faça uso do motor em posição transversal e da tração dianteira. De fato, o tradicional jipe russo lançava mão de alguns elementos provenientes de outros projetos fornecidos pela Fiat à AvtoVAZ ainda na época da União Soviética anteriores ao 147 e originalmente dotados de tração traseira, mesmo que houvesse uma certa semelhança em alguns detalhes estéticos e acabe havendo uma intercambialidade entre miudezas e acabamentos entre modelos com propostas tão distintas e fabricados também em diferentes países. Uma peculiaridade que pode favorecer essa confusão é a possibilidade de serem feitas conversões para tração traseira no 147, na maior parte das vezes destinadas a exibições de manobras em eventos esportivos ao invés do uso normal em vias públicas, e a suspensão independente nas 4 rodas com o uso de um feixe de molas transversal no eixo traseiro ocupando mais espaço que um eixo traseiro de torção como usam os modelos generalistas de tração dianteira mais recentes chega a favorecer esse tipo de modificação considerando uma menor interferência com a articulação de uma suspensão traseira por eixo rígido que viesse a ser adaptada em nome da simplicidade e da redução de custos, possivelmente compartilhando componentes de algum projeto anterior já com os custos amortizados.
E mesmo considerando a permanência da tração dianteira do 147 no Fiat Uno que o sucedeu, o fato do modelo brasileiro do Uno ter preservado toda a suspensão e outros elementos estruturais provenientes do 147 é outro precedente histórico curioso, mas que pode ser considerado ao justificar a hipótese de se recorrer a uma solução pouco ortodoxa em outras regiões, como eventualmente considerar a economia de escala ao reaproveitar componentes já produzidos localmente e cuja aptidão a condições de rodagem locais seja suficientemente comprovada. Apesar dessa situação envolvendo Fiat 147 e Uno brasileiro ter ocorrido por iniciativa da própria Fiat, sem qualquer envolvimento de outras empresas nem ser passível de observar riscos quanto a uma violação de propriedade intelectual como seria o caso na China, chega a ser uma boa justificativa em defesa de vantagens que uma eventual "cabritagem" oficializada poderia ter trazido aos fabricantes ocidentais e japoneses caso tivessem evitado ensinar os chineses como fazer carros de tração dianteira. Enfim, considerando diferentes abordagens feitas por fabricantes tradicionais para economizar e manter a competitividade quanto aos custos em alguns mercados periféricos como é o caso do Brasil mesmo, tanto alguns fatores de ordem estritamente técnica e operacional quanto outros mais relacionados à burocracia estatal podem ser apontados para classificar o pouco aproveitamento da oferta de sistemas de transmissão para tração traseira baratos na China como um eventual erro.

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