A decisão de qual motor vá equipar algum veículo pode ser crucial para o sucesso comercial, apesar de um motor nem tão adequado quanto inicialmente pudesse parecer não vá necessariamente impedir o êxito de um ou mais modelos. Fatores tão diversos quanto a incidência de impostos de acordo com a faixa de cilindrada, ou alguma especificidade regional que se torne mais favorável a uma ou outra configuração de motor, exercem uma grande influência nessa questão e podem levar a uma escolha que na prática não se revele exatamente a mais adequada. Dentre tantos exemplos em diversas classes de veículos, ao menos 10 merecem ser destacados...
1 - Fiat 147: primeiro modelo da marca a ser produzido no Brasil, além de ter sido também pioneiro na disposição de motor transversal entre todos os automóveis de fabricação nacional, inicialmente foi cogitado que se oferecesse uma versão de 903cc do motor Fiat da série 100 usado no 127 europeu, e que chegou a ser aplicado em exemplares montados no Uruguai em regime de CKD. No entanto, uma octanagem muito baixa da gasolina brasileira à época da introdução do modelo em '76 favoreceria um motor de cilindrada mais elevada que permitisse manter um desempenho menos sofrível mesmo com uma taxa de compressão diminuída em comparação ao congênere italiano. Optou-se enfim pelo que ficou conhecido como "motor Fiasa", inicialmente numa versão de 1.05L que chegou a 1.3L ainda no ciclo de produção do 147 e derivados, tendo chegado até 1.5L já durante o ciclo de produção do Uno e continuando na linha do Palio. Dentre as diferenças entre o motor da série 100 e o Fiasa, merecem destaque a quantidade de mancais principais no virabrequim (3 e 5 respectivamente) e a posição do eixo de comando de válvulas que na série 100 era sempre no bloco com sincronização por corrente e no Fiasa era no cabeçote com sincronização por correia dentada que se tornou o calcanhar de Aquiles dessa série de motores. Considerando que a série de motores 124 que deu origem ao Fiasa chegou a ser oferecida inicialmente com comando no bloco e sincronização por corrente, com a configuração do motor brasileiro ganhando mais espaço nos análogos italianos somente por volta de '81, pode-se supor que a Fiat teria enfrentado menos resistência de uma parcela mais conservadora do público no início da produção brasileira caso tivesse mantido o comando de válvulas no bloco.
2 - Mitsubishi L200 Sport: além do conjunto óptico com elementos redondos, de resultado estético um tanto discutível em comparação aos similares oferecidos nas versões estrangeiras, outro ponto que merece destaque é a insistência em se manter o cabeçote de 8 válvulas e a injeção indireta enquanto já se passava a usar 16 válvulas e injeção direta no mesmo motor 4D56 no exterior visando atender às faixas de potência mais elevadas. No caso brasileiro, a tendência maior ao superaquecimento se fazia notar especialmente na especificação de 141cv.
3 - Mitsubishi Pajero iO: ainda importado do Japão, antes da mudança de nomenclatura para TR4 que acompanhou o início da montagem no Brasil, vinha somente com motor de 1.8L a gasolina. Não chegou a contar com qualquer opção Diesel em nenhum mercado, e isso fez falta especialmente na Europa onde o Diesel ainda era mais apreciado pelo público generalista, e também no Brasil onde a tração 4X4 com reduzida é um pré-requisito para veículos com capacidade de carga nominal abaixo de uma tonelada e acomodação para menos de 9 passageiros além do motorista serem permitidos a usar esse tipo de motorização, de modo que poderia se tornar mais competitivo.
4 - Omega nacional (incluindo Suprema): originalmente oferecido com o motor Família II de 2.0L nas versões com 4 cilindros e o Cam-In-Head (CIH) alemão de 3.0L nas de 6 cilindros, passou a usar versões de 2.2L do Família II e também trocou o CIH por uma versão atualizada do bom e velho 250 de 4.1L que incorporava injeção eletrônica multiponto. Considerando que com 2.2L o Família II já se enquadrava numa faixa de alíquota de IPI mais desfavorável, mas mantendo um regime de torque que ainda desagradava alguns consumidores, eventualmente tivesse sido melhor estender ao motor 153 de 2.5L as mesmas melhorias aplicadas ao 250 para usar no Omega. A bem da verdade, além da versão brasileira vendida como Chevrolet eventualmente pudesse ser melhor servida desde o início com os motores mais rústicos, não seria de se descartar que até os originais da Opel também pudessem ser beneficiados com uma estratégia semelhante ao menos em alguns mercados de exportação onde as condições de rodagem mais pesadas e precariedade da oferta de assistência técnica independente favoreceriam uma configuração mecânica mais abrutalhada. E no tocante a faixas de rotação de picos de potência e torque, muitas vezes um motor de cilindrada mais alta combinado a uma relação de diferencial mais longa pode ter um consumo de combustível melhor, tendo em vista que pode operar a uma faixa de rotação mais baixa em velocidade de cruzeiro, resultando também numa durabilidade melhor.
5 - Amarok: lançada em 2010 como a primeira pick-up média de projeto próprio da Volkswagen no mundo, desconsiderando a Taro que foi um mero rebadge da 5ª geração da Toyota Hilux com intuito de burlar umas políticas protecionistas que foram implementadas nas décadas de '80 e '90 na Europa visando restringir as importações de veículos fabricados no Japão. Contou num primeiro momento só com o motor 2.0TDI tanto em versão com um único turbo quanto biturbo, e algumas ocorrências de problemas com a correia dentada fomentaram uma desconfiança quanto a esse downsizing até certo ponto extremo num período em que faixas de cilindrada entre 2.5L e 3.0L eram as mais comuns nas concorrentes. Considerando as boas relações da Volkswagen com fornecedores especializados em motores Diesel como a Cummins e a MWM devido à operação de caminhões e ônibus, além do mais que naquela época ambas ofereciam opções na faixa de 2.8L que se manteriam mais competitivas no segmento de pick-ups, chega a ser até surpreendente que essa abordagem mais conservadora do que a utilização de um motor até então mais reconhecido principalmente pela aplicação em automóveis leves.
6 - Ranger turbodiesel argentina nas versões Euro-3: com o polêmico motor International NGD 3.0E que passou a ser usado em 2005 e se manteve até 2011, o sistema de injeção eletrônica do tipo common-rail fornecido pela Siemens dificultava a procura por assistência técnica independente, visto que a maioria das oficinas costuma trabalhar mais com sistemas de combustível da Bosch e podem não ter equipamentos compatíveis com o sistema da Siemens.
7 - Fiesta "chorão": com a produção iniciada no Brasil em '96, antes do facelift de '99 simultâneo à chegada do motor Zetec-Rocam, foram usados os motores Endura-E com bloco e cabeçote de ferro na faixa de cilindrada de 1.0L a 1.3L e o Zetec-SE de 1.4L com bloco e cabeçote de alumínio e 16 válvulas. Considerando que naquela época a Ford ainda produzia no Brasil o motor CHT em versões de 1.0L e 1.6L que tinham de similaridade com o Endura-E o bloco e cabeçote de ferro e comando de válvulas no bloco com sincronização por corrente, mas se diferenciavam por usar camisas de cilindro úmidas e cabeçote de fluxo simples ao invés das camisas secas e cabeçote de fluxo cruzado usados no Endura, ainda teria feito algum sentido uma continuidade do CHT, que na faixa de cilindrada de 1.6L ainda conseguiria atender ao público brasileiro até melhor que o sofisticado Zetec-SE cujo bloco de alumínio era considerado problemático por dificultar uma retífica dadas as condições da assistência técnica independente à época.
8 - Escort de '97 a 2002: com o fim da AutoLatina chegando em '96, inviabilizando a continuidade do uso de motores da Volkswagen no Escort cuja produção para atender ao Mercosul já havia sido concentrada na Argentina e o motor CHT já não sendo considerado competitivo na categoria, a Ford teve que recorrer ao Zetec-E inglês de 1.8L com comando de válvulas duplo no cabeçote acionado por correia dentada e 16 válvulas até ser complementado em 2000 pelo Zetec-Rocam de 1.6L que tinha uma configuração de cabeçote mais simples (8 válvulas com comando único acionado por corrente selada) se tornaria o último motor oferecido num Escort de especificação brasileira. De fato, seria mais difícil tentar seguir empurrando o CHT num modelo médio até que a Ford contasse com um motor que se mostrasse então competitivo e adequado à realidade regional, mas ter dependido só de motores importados da Inglaterra considerando também o Endura-D turbodiesel que foi oferecido em alguns países vizinhos certamente fez com que o modelo alcançasse um público menor nessa fase.
9 - Land Rover Discovery 4: contou no Brasil com uma versão do motor Ford Cologne V6 de 4.0L e um V8 de 5.0L da Jaguar como opções de motor a gasolina, enquanto os turbodiesel de acordo com o ano de produção foram os V6 de 2.7L e 3.0L co-projetados pela Ford e pela Peugeot. Chegou a ter também uma variação na quantidade de turbocompressores na cilindrada mais alta oferecida para os turbodiesel, com algumas versões contando com só um turbo enquanto outras traziam 2, aumentando exponencialmente a complexidade. Um problema para a manutenção desses motores turbodiesel, que se notabilizou recentemente, é a necessidade de separar a carroceria do chassi para acessar a correia da bomba de alta pressão de combustível localizada na parte traseira do motor. Não faltariam opções de motor mais adequadas e com uma menor complexidade de manutenção. Teria sido muito melhor se fosse usado por exemplo o motor Cummins ISF2.8 com 4 cilindros em linha, comando de válvulas simples e um único turbo de geometria fixa ao invés do 2.7 TDV6...
10 - Lexus UX: oferecido no Brasil exclusivamente como híbrido, o UX 250h usa o motor Toyota M20A-FXS de 2.0L movido somente a gasolina com injeção dupla direta e nos pórticos de válvula ao qual se atribui eficiência térmica de 41%. Não deixa de ser basicamente uma variação do M20A-FKS atualmente usado na configuração flex movida a gasolina e etanol em versões não-híbridas do Toyota Corolla E210 brasileiro ao qual se atribui uma eficiência térmica de 40%. É importante destacar que a injeção direta facilita muito a partida a frio com etanol sem necessidade de recorrer a dispositivos de pré-aquecimento do combustível como num motor com injeção somente nos pórticos de válvula, mas tem o inconveniente de intensificar a formação de material particulado que antes era considerada um calcanhar de Aquiles inerente aos motores Diesel. Além de se considerar que a possibilidade de usar etanol estaria mais de acordo com a proposta de redução de emissões normalmente apontada como o principal motivo pela escolha de um híbrido, o fato do motor Toyota 2ZR-FXE de 1.8L ter passado a contar com uma configuração flex para atender às versões brasileiras do Corolla E210 híbrido é digno de nota por ter mantido a injeção sequencial nos pórticos de válvula sem a complexidade adicional da injeção direta, sendo desnecessária também a presença de um filtro de material particulado que já não é incomum em motores a gasolina em alguns mercados mais desenvolvidos como o Japão, a Europa e os Estados Unidos.
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