quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

5 motivos pelos quais talvez tenha sido um erro a Volkswagen ter deixado passar a oportunidade de usar o motor boxer refrigerado a ar em carros "populares" de tração dianteira

Antes que se pudesse pensar numa massificação do downsizing até no conservador mercado brasileiro, a consolidação da política dos carros "populares" motivou uma maior presença dos motores de 1.0L na década de '90, incluindo as primeiras experiências com 4 válvulas por cilindro nessa faixa de cilindrada como o motor EA-111 que a Volkswagen se viu obrigada a produzir no Brasil quando deixou de ter o acesso a motores Ford CHT com o fim da joint-venture AutoLatina a partir de '96. Destacando-se que o único motor 1.0 a ser usado na Parati foi justamente o EA-111 em versões de 16 válvulas com comando duplo (DOHC), e o público-alvo bastante conservador aos quais o carro "popular" estava destinado era mais refratário a uma manutenção que fosse percebida como mais onerosa, é previsível que surja algum questionamento quanto à falta de um aproveitamento do motor boxer após a equiparação de motores até 1.6L com refrigeração a ar aos de 1.0L e refrigeração líquida especificamente para viabilizar um retorno da produção do Fusca. Considerando tanto questões técnicas quanto políticas, ao menos 5 motivos me levam a crer ter sido um erro a Volkswagen não ter recorrido a esse expediente:

1 - menor esforço estrutural: por ser um motor consideravelmente mais leve e também mais curto que os CHT, AP e EA-111/AT, o bom e velho boxer diminuía sensivelmente a incidência de danos como as trincas no túnel central que foram um estorvo à linha Volkswagen nacional quando o motor longitudinal era a regra. Só isso já seria um bom motivo para o boxer ter um maior reconhecimento;

2 - posicionamento do motor facilitando a captação de ar: enquanto para a linha clássica de motor e tração traseiros era mais desafiador proporcionar uma boa captação de ar, tanto para a admissão quanto para a refrigeração, tal fator era muito favorecido em modelos mais modernos já dispondo do motor em posição dianteira. Até um melhor aproveitamento do óleo na refrigeração seria facilitado eventualmente instalando um radiador de óleo em posição mais conveniente, proporcionando gerenciamento térmico mais eficiente e até certo ponto comparável aos motores de refrigeração líquida;

3 - maior simplicidade e facilidade de manutenção: com menos peças comparado aos motores de refrigeração líquida usados pela Volkswagen durante o ciclo de produção estendido do motor boxer no Brasil e no México, o boxer acabava sendo (ou ao menos parecendo) mais "à prova de burro", o que no fim das contas era uma bênção diante da relapsidão no tocante a manutenções preventivas. Enquanto o motor EA-111 na configuração de 16 válvulas sofria com o uso de óleo fora da especificação mínima exigida, o bom e velho boxer suportava melhor esse abuso que pode ser creditado como o que deu a má fama dos motores com 4 válvulas por cilindro durante um longo tempo no Brasil;

4 - economia de escala: por ter sido um motor que já se mantinha em produção por bastante tempo, só saindo de linha em 2005 antecipando-se ao recrudescimento das normas de emissões e também porque a Volkswagen do Brasil rejeitava a idéia de lançar uma versão flex capaz de operar tanto com gasolina quanto com etanol e incorporar mais material isolante de ruídos ao redor do compartimento do motor na Kombi, a princípio o boxer poderia ter alcançado uma sobrevida mais longeva enquanto ainda eram produzidos carros compactos de motor dianteiro longitudinal na linha brasileira da Volkswagen. Apesar de parecer difícil justificar o boxer diante dos motores com 4 cilindros em linha que passaram a ter mais relevância entre as décadas de '80 e '90 em meio à "desfuscalização" da Volkswagen, incluindo o CHT proveniente da Ford durante a AutoLatina, um motor próprio e já disponível acabava sendo favorável a uma inserção mais ágil no segmento dos carros "populares" definido e consolidado entre os governos Collor e Itamar, antes que o motor EA-111 fosse finalmente introduzido no Brasil já durante o governo FHC;

5 - antiga percepção de cilindrada como fator de prestígio: condição que vem deixando de existir à medida que o downsizing é consolidado no Brasil, mas foi relevante quando o brasileiro médio ainda se iludia e associava um motor "maior" a um valor agregado mais alto em detrimento das tecnologias que viessem a ser incorporadas. Considerando que o estigma do motor 1.0 como sendo coisa "de pobre" só começou a diminuir por volta de 2017 à medida que uma nova "era turbo" foi consolidada nessa faixa de cilindrada. Mas para aquele brasileiro médio da década de '90 que ainda negligenciava especificação de óleo lubrificante e punha água "torneiral" no radiador sem ao menos deixar o cloro evaporar e muito menos dosar adequadamente o aditivo, contar vantagem de ter um carro 1.6 ao invés de 1.0 parecia mais tentador...

4 comentários:

BelleEpoque disse...

Que viagem ! Gosto demais do seu blog, chega a ser cômico e divertido essas ponderações de continuar usando tecnologias antigas sendo que as novas são trocentas mil vezes melhores em tudo. A água escoa morro abaixo, a flecha do tempo so vai para um lado, o que passou passou ! Sugestão de próximo post : "Porque a VW não reaproveitou o motor 2 tempos DKW no Fusca e derivados na década de 70 ?", ou "5 motivos pelo qual a Ford deveria ter continuado fabricando o Maverick no Brasil" ou "10 razoes porque o Ford modelo T é melhor do que o modelo A". Brincadeiras a parte, continue com esses posts, são únicos e preciosos.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Vai brincando... Uma daquelas "recuadas estratégicas que eu mais lamento ter sido engavetada foi aquele motor de válvulas laterais que a Gas Gas estava projetando para substituir o motor 2-tempos em motos de trial e até apresentou um protótipo em Milão em 2007. Assunto para essas ponderações sobre os métodos da época dos nossos avós não faltam.

BelleEpoque disse...

Kamikase, olha que reportagem interessante essa publicada no fabuloso site "Curbside Classic" :

https://www.curbsideclassic.com/vintage-reviews/vintage-motor-trend-road-test-1931-ford-model-a-roadster-0-60-in-%e2%88%9e/#more-467427

Uma revista americana de automóveis refez um teste com um Ford A 1931, em 1962. Já naquela época disseram que a principal qualidade era a durabilidade e facilidade de uso e manutenção do carro, o restante já estava longe dos parâmetros de desempenho,segurança e economia dos carros dos anos 60.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

O mais louco é que muito carro pequeno da década de '80 até a primeira metade da década de '90, que ainda se vê aos montes em Porto Alegre, está numa faixa etária próxima à que o Ford Modelo A já tinha na época da reportagem. E muitos ainda tinham carburador, enquanto outros tinham a injeção eletrônica original arrancada e substituída por carburador porque alguns ainda tinham desconfiança e achavam que sairia muito mais caro para consertar se desse algum problema.

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