sábado, 1 de junho de 2024

Defasagem estética perante os similares americanos ou conjuntos mecânicos "tratorizados" em demasia: qual teria sido o principal inconveniente para a linha Ford Super Duty manter a competitividade no Brasil?

Primeira geração de pick-ups full-size Ford atualizada no tocante à estética com relação às congêneres feitas nos Estados Unidos à época do lançamento, a linha conhecida internacionalmente por Super Duty ainda precisou de algumas adaptações no tocante aos conjuntos motrizes para se manter competitiva no Brasil ao ser lançada no final de '98. Ao contrário dos Estados Unidos onde reinavam os motores V8 de alta cilindrada, fatores como a importância dada à economia de combustível e a percepção muitas vezes equivocada que uma menor quantidade de cilindros inerentemente melhorasse tal aspecto, bem como o próprio custo reduzido de um motor mais austero e a simplicidade de manutenção, fomentaram o uso do motor Cummins B3.9 nas versões turbodiesel já no lançamento, chegando a ser o único motor oferecido na F-4000 antes do primeiro encerramento de produção ao final de 2011 para voltar em 2014 equipada com o motor Cummins ISF2.8 que ficou até 2019 quando a produção brasileira de caminhões Ford teve um fim melancólico. O mais irônico é que, quando as versões RHD das caminhonetes Ford Super Duty destinadas a países de mão inglesa como a Austrália e a África do Sul eram feitas no Brasil até 2005, as opções de cabine dupla e tração 4X4 foram oferecidas com mais celeridade em comparação ao próprio Brasil onde a cabine dupla original de fábrica só começou a ser oferecida ao final de 2003 para a F-250 e a F-350, enquanto a tração 4X4 estreou apenas em 2005 para a F-250 e a F-4000.

No caso da África do Sul que recebia oficialmente só versões equipadas com o motor MWM Sprint que foi usado no Brasil entre '99 e 2005, e sempre com câmbio manual tal qual acontecia no Brasil, já cabe destacar que a versão 4X4 de cabine simples e carroceria longa esteve disponível por todo o tempo que a F-250 brasileira foi oferecida por lá, além da versão de cabine dupla ter sido oferecida somente como 4X4, o que torna ainda mais bizarro a Ford só ter disponibilizado versões 4X4 da F-250 quando voltou a usar o motor Cummins, numa versão já com gerenciamento eletrônico em cumprimento às normas de emissões Euro-3. Ironicamente a injeção mecânica continuava nas F-350 e F-4000 tendo em vista que o público estritamente profissional atendido por tais modelos em detrimento do perfil mais recreativo que era atribuído à F-250 tendia a preferir a rusticidade mesmo que fosse necessária uma calibração menos vigorosa para seguir a mesma normativa ambiental, enquanto a partir de 2012 com a chegada da Euro-5 os motores governados mecanicamente precisariam ser descartados de qualquer jeito, e para a Ford um encerramento da produção da Super Duty pareceu fazer sentido no final de 2011. Mas a exemplo do que a Volkswagen fez entre '93 e '96 com o Fusca Itamar, a Ford relançava a F-350 e a F-4000 em 2014 para serem descontinuadas definitivamente em 2019, e o uso do motor Cummins ISF2.8 ao invés de alguma versão eletrônica dos motores Cummins da série B foi algo que dividiu opiniões mesmo entre uma parte mais tradicional do público que por motivos específicos como repartições públicas ou produtores rurais considerava uma F-4000 com tração nas 4 rodas indispensável, e a bem da verdade davam pouca ou até nenhuma importância à percepção de prestígio que usuários com perfil mais recreativo podiam atribuir a fatores como uma quantidade maior de cilindros.

Naturalmente a ascensão das pick-ups médias junto ao público urbano durante a agitada reabertura das importações na década de '90 alterou a dinâmica do mercado para as pick-ups full-size de modo geral, e a GM encerrou a operação nesse segmento no Brasil já ao final de 2001 quando os modelos Chevrolet e GMC então concorrentes da Ford Super Duty saíam de linha após insistir nos mesmos erros de ignorar uma demanda reprimida por opções como tração 4X4 e câmbio automático que faziam sucesso na mão de importadores independentes e a cabine dupla para a qual transformações artesanais eram uma opção relativamente popular, além da defasagem mais acentuada perante os congêneres americanos. E apesar da Ford ter ficado à vontade no segmento até a Chrysler entrar oficialmente em 2006 através da Dodge, e hoje dar continuidade à presença no mercado brasileiro de pick-ups full-size com modelos importados da marca Ram que já faz incursões também entre as mid-sizes de fabricação nacional, a chegada de um concorrente de peso foi um duro golpe pela importação ter proporcionado uma paridade técnica com os modelos de especificação americana que agradavam ao público generalista/recreativo. A opção feita pela Ford ao final de 2005, revertendo a F-250 do motor MWM Sprint 6.07 TCA de 6 cilindros e 4.2L para o Cummins de 3.9L e 4 cilindros ao invés de eventualmente uma versão com gerenciamento eletrônico do MWM, acabaria sendo um tiro no pé porque a Dodge e posteriormente Ram usar versões de 6 cilindros dos mesmos motores Cummins série B deixava escancarado aquele caráter de improviso que remontava ao início da migração das pick-ups full-size brasileiras de sedentos motores a gasolina de 6 a 8 cilindros para os Diesel inicialmente com 4 cilindros buscados de forma imediatista no rescaldo da primeira crise do petróleo junto a fornecedores que atendiam a fabricantes de tratores agrícolas e outros maquinários especializados.

Embora a obscena carga tributária brasileira leve a um custo exagerado para produzir localmente, e até importar esteja longe de ser exatamente barato, um alegado protecionismo à produção local que causou letargia aos fabricantes estrangeiros instalados no Brasil e necessitava às vezes gambiarras para manter a competitividade antes da reabertura das importações motivou falhas da Ford no tocante a motores até na linha de automóveis a ponto de ter formado a joint-venture AutoLatina com a Volkswagen para conseguir motores mais competitivos. No caso de pick-ups full-size e caminhões, o outsourcing ser bem aceito no âmbito dos motores Diesel poderia teoricamente simplificar a operação, mas a insistência na mesma estratégia imediatista que remonta a épocas onde havia menos tecnologia no setor automotivo brasileiro foi demasiadamente arriscado diante da virada de mesa causada por um concorrente que chegou praticamente de surpresa, bem como a linha Ford Super Duty ter deixado de acompanhar as atualizações estéticas que até os congêneres montados na Venezuela recebiam, ou ignorar a necessidade de operadores profissionais por opções que pareciam "luxo" como cabine dupla que no caso de modelos Euro-5 só foi oferecida por transformadoras como a Tropical Cabines. Enfim, se a defasagem estética também acarretou em dificuldades para manter a atratividade para o público particular que atribuía utilizações mais recreativas aos modelos, mesmo que a concorrência em determinados momentos também fosse afetada pela exigência da habilitação na categoria C ou superior em função do peso bruto total acima de 3500kg, certamente usar conjuntos mecânicos excessivamente "tratorizados" pode ser considerado o principal inconveniente.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ficar se fiando no kit da Engesa antes de mudar da Bumpside para a Bricknose foi meio que um tiro no pé. Será que ninguém dentro da Ford do Brasil pensou em ver com o fornecedor de eixos tandem dos caminhões canavieiros traçados se tinha como fazer também algum kit de tração para ser equipamento original? Depois na época da Bricknose o sistema de tração era importado todo dos Estados Unidos, então chega a ser até curioso que os motores usados aqui sejam sempre diferentes das americanas mesmo que a parte de tração seja idêntica.

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