Antes de começar qualquer análise quanto ao mercado automobilístico brasileiro, é importante destacar que ainda reflete decisões no mínimo inusitadas que alguns fabricantes tomaram num passado nem tão distante e que às vezes respondiam a ações um tanto peculiares de algum governo como o relançamento do Fusca em '93 com a joint-venture AutoLatina que consorciava operações da Ford e da Volkswagen atendendo a uma sugestão do então presidente Itamar Franco. Mesmo em meio ao conservadorismo de uma parte expressiva do público tanto urbano quanto rural, o "Fusca Itamar" foi descontinuado em '96. Uma série de fatores permite avaliar eventuais pontos em que a idéia do "carro popular" se desvirtuou, e ao menos 5 podem ser apontados como boas oportunidades para revigorar esse conceito.
1 - revisar o limite de cilindrada: assim como na época do Fusca Itamar foi necessária uma provisão para assegurar que o modelo permanecesse beneficiado com uma alíquota reduzida de IPI, mesmo com a cilindrada de 1584cc e refrigeração a ar extrapolando em exatos 58,4% o limite aplicado aos modelos com motor de refrigeração líquida como o Chevrolet Corsa, hoje permaneceria desejável reavaliar esse aspecto tão subjetivo e que às vezes torna-se problemático para famílias que dependem do único carro da casa tanto para o uso cotidiano na cidade quanto para percursos rodoviários esporádicos.
No caso específico da primeira geração nacional do Corsa, equivalente à 2ª geração do modelo europeu e que também fez muito sucesso no México com o motor 1.6 em praticamente todas as configurações, é interessante considerar tanto questões como a influência das faixas de rotação e relações de marcha na economia de combustível quanto a escala de produção para exportação. Os modelos de exportação para o México, onde era denominado Chevrolet Chevy, não chegaram a ser oferecidos com o mesmo motor 1.0 oferecido no Brasil, com a opção de cilindrada mais baixa sendo o 1.4 oferecido na versão Chevy Popular de somente duas portas. Outro caso a se destacar foi o da África do Sul, para onde kits CKD de procedência brasileira eram enviados somente com os motores 1.4 e 1.6 e uma versão de entrada com o motor 1.4 e a denominação Opel Corsa Lite seguiu em produção até 2009;
2 - inclusão de veículos utilitários: o fato de modelos homologados como utilitários estarem sujeitos a uma alíquota de IPI sem distinção por cilindrada, e mais alta que a aplicada aos carros "populares", já é problemático para quem poderia beneficiar-se de um modelo mais especializado como o Suzuki Vitara em função de características mais específicas, como a aptidão off-road que cairia como uma luva para o público rural. A imensa maioria dos exemplares desse SUV compacto japonês importados para o Brasil durante a década de '90 veio com motor 1.6 e tração 4X4 part-time, embora uns poucos também tenham vindo com tração somente traseira que a princípio já os excluiria das definições de "utilitário" com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração em vigor no Brasil, e até pudessem ser enquadrados como "carro popular" se a Suzuki tivesse seguido a estratégia de oferecer uma versão especificamente depauperada de algum modelo internacional para atender a esse segmento no mercado nacional;
3 - viabilidade de plataformas tidas como obsoletas: novamente tomando como referência o Suzuki Vitara de 1ª geração, descontinuado pela própria Suzuki no Japão em '98 com a produção concentrada na Espanha nas instalações da Santana Motor até 2009 suprindo também chassis e carrocerias em CKD para países tão diversos quanto o Equador e a Indonésia, convém observar a improvável adaptabilidade de alguns modelos antigos a exigências mais recentes sem sacrificar algumas funcionalidades. Mesmo que pareça improvável um modelo cujo projeto original já tem mais de 30 anos ainda ser aceitável em meio à atual obsessão por uma alegada modernidade que nem sempre é tão benéfica quanto possa ser alegado, ainda convém observar tanto a facilidade para manutenções preventivas ou também corretivas e atualizações tanto em componentes mecânicos quanto sistemas de segurança. Vale destacar que, além do motor 1.6 HDi turbodiesel com injeção eletrônica common-rail oferecido nos últimos exemplares do Suzuki Vitara já rebatizado como Santana 300 destinados ao mercado espanhol enquadrado em normas de emissões mais avançadas que no início do ciclo de produção do modelo, a obrigatoriedade dos freios ABS para todos os veículos novos na União Européia a partir de julho de 2004 não foi um empecilho, e o fim das afiliações entre a Suzuki e a Santana Motor em resposta a uma aproximação com a Fiat foi o que decretou o encerramento da produção do Suzuki Vitara. Até sistemas mais modernos como controle eletrônico de estabilidade, normalmente integrado aos freios ABS e ao gerenciamento eletrônico dos motores, também não são impossíveis de incorporar;
4 - precariedade das condições de rodagem mesmo em centros urbanos: por mais que se insista em tentar imputar uma imagem de modernidade ao Brasil, nem sempre a infraestrutura acompanha essas aspirações de progresso que alçaram os SUVs à condição de objeto de desejo da classe média urbana mesmo antes que a categoria ficasse mais conhecida pelo público generalista por essa denominação. É óbvio que não se pode ignorar o trabalho do ministro Tarcísio Gomes de Freitas pela melhoria da malha viária brasileira, sobretudo em grandes eixos rodoviários que permaneciam entregues às traças (ou às praças - de pedágio) em governos anteriores e também em rotas de extrema importância para escoar a produção agropecuária e integrar o interior aos grandes centros que não recebiam a devida atenção em governos anteriores, mas até capitais estaduais ainda tem alguns trechos desafiadores tanto em função de características coloniais antigas que dificultam a implementação de um pavimentação melhor quanto do crescimento desordenado de alguns núcleos urbanos e suburbanos inclusive em áreas com topografia muito acentuada que se torna mais desafiadora a um hatch pé-duro atual que a um SUV compacto já antigo;
5 - facilidade de manutenção: num momento em que até um modelo considerado compacto é maior que alguns médios de 10 a 20 anos atrás, é imprescindível que o motor 1.0 incorpore alguns recursos mais sofisticados para atender a esse desafio. Tomando por referência a atual geração do Chevrolet Onix, que mesmo mantendo a injeção sequencial nos pórticos de válvula até nas versões com motor turbo já incorpora o comando de válvulas duplo com variação de fase na admissão e no escape também para o aspirado e até uma correia sincronizadora banhada a óleo bem mais difícil de substituir que a do motor muito mais à prova de burro usado na geração anterior. Por mais que alguns avanços até sejam bem vindos em nome de uma eficiência geral que se reflita na diminuição do consumo de combustível e das emissões de poluentes, não faz sentido ignorar que uma maior simplicidade técnica nem sempre é um demérito, e ao menos no Brasil uma maior sofisticação observada em motores 1.0 que preenchem a lacuna de mercado anteriormente destinada a outros de cilindrada até 60% mais alta mas de concepção mais modesta só é viabilizada pela definição estritamente burocrática de carro "popular" que leva em conta apenas um parâmetro extremamente subjetivo. O próprio fato da atual geração do Onix nacional ser oferecido em alguns mercados de exportação regional com um motor 1.2 aspirado ao invés do 1.0 com a mesma configuração disponível localmente já reforça essa discrepância, que de certa forma tem sido um dos maiores empecilhos para revigorar a idéia do "carro popular".
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