quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Refletindo sobre a Gurgel e alguns erros durante o fim dos jipes de motor traseiro

Não se pode negar que a confiabilidade e facilidade de encontrar assistência técnica para a tradicional mecânica Volkswagen pesou favoravelmente à linha de utilitários Gurgel, principalmente os modelos de motor traseiro como o X-12/Tocantins, embora Amaral Gurgel tivesse pretensões mais altas e a relação com a Volkswagen tenha passado por alguns momentos conflituosos. Também é fundamental recordar a importância da distribuição de peso entre os eixos, não apenas pela manobrabilidade de um modo geral mas considerando as especificidades de um todo-terreno que tinha a tração somente traseira ao invés de lançar mão de um sistema de tração nas 4 rodas. Portanto, nesse aspecto já ficava mais difícil abdicar de uma concepção mais similar à do Fusca e eventualmente abrir mão do motor traseiro, bem como afastar a dependência pelo fornecimento de componentes da Volkswagen à época.

O lançamento do Carajás em '84, equipado com motores dianteiros mas que ainda eram fornecidos pela Volkswagen, foi bastante peculiar não somente pelo porte maior em comparação ao X-12, mas também por ter mantido o câmbio atrás acoplado ao motor por meio de um "tubo de torque" visando diminuir os inconvenientes do aumento da concentração de peso sobre o eixo dianteiro nas condições de terreno de baixa aderência. Naturalmente era impossível atribuir uma mesma eficiência para atender esse objetivo mantendo a tração traseira, embora parecesse uma medida oportuna para não aumentar demasiadamente os custos e seguir usando também um eixo traseiro proveniente da Volkswagen. E na falta da tração nas 4 rodas, a suspensão independente nas 4 rodas era ressaltada ao receber uma nomenclatura comercial 4-WIS de forma semelhante à qual a sigla 4WD que fazia alusão à tração nas 4 rodas na língua inglesa era explorada mundo afora.
De fato a disposição frontal do motor podia facilitar uma eventual inclusão da tração nas 4 rodas, fator que teria sido desejável tanto para enfrentar a escassa concorrência no mercado nacional então restrita à Toyota e à Engesa que ofereciam jipes mais caros quanto para facilitar uma reação durante a chegada de concorrentes importados com a reabertura do mercado brasileiro em '90. Vale destacar uma quantidade expressiva de adaptações que costumam ser feitas no sistema de transmissão do Carajás, muitas vezes com a instalação de câmbio e eixo traseiro rígido provenientes de algum modelo da Chevrolet apesar de acentuar mais aquele inconveniente da concentração de peso aproximar-se mais do eixo dianteiro. Seria também o caso de mencionar como os modelos mais compactos de motor traseiro tomaram o espaço da linha Jeep proveniente da Willys-Overland que a Ford seguiu produzindo entre '67 e '83 que tinha uma proposta mais utilitária, enquanto o Gurgel Carajás em que pesassem as limitações do mercado fechado visava atingir um público com pretensões menos rústicas que eventualmente aceitasse pagar mais caro por um sistema de tração 4X4 de concepção tradicional.

Até no tocante à raríssima versão Diesel do Carajás, que usava o mesmo motor da Kombi Diesel e sabe-se lá como chegou à produção mesmo com tração simples traseira e uma capacidade de carga nominal de 750kg, já teria sido um bom pretexto para reavaliar e eventualmente antecipar o fim da dependência pelo fornecimento de conjuntos motrizes da Volkswagen. Naturalmente uma falta de familiaridade por parte do público brasileiro com os motores Diesel de alta rotação, bem como a concentração nas mãos da Volkswagen na escassa oferta desse tipo de motor para aplicações veiculares no Brasil na década de '80, dificultaram uma reação naquele momento, tendo em vista a maior rusticidade e aspereza dentre os motores Diesel de fornecedores independentes como MWM e Perkins mais focados a veículos pesados e outros segmentos como o agrícola. Ironicamente, no caso da Perkins vale destacar o sucesso do motor 4-108 em utilitários leves na Espanha tanto com tração simples quanto 4X4, e como poderia ter servido bem ao Carajás se tivesse sido disponibilizado com o mesmo empenho no Brasil.
Não se pode negar que uma instabilidade política do fim do regime militar até a presidência de Itamar Franco teve algum impacto na falência da empresa em '95, em que pesem também os erros estratégicos no momento que a transição para o motor dianteiro ganhava espaço com a chegada do Carajás. Manter a tração simples podia soar adequado às premissas de contenção de custos, mas a aptidão off-road mais modesta em comparação aos antecessores derivados do layout mecânico do Fusca foi um tiro no pé que cobrou seu preço à medida que concorrentes eram apresentados no início da década de '90 incorporando a desejável tração nas 4 rodas, e também beneficiados pela economia de escala mais favorável. Enfim, o motor dianteiro estava longe de ser um empecilho de ordem técnica para que se preservasse uma boa capacidade de transposição de trechos severos no caso do Gurgel Carajás, tendo um impacto menor que o da dependência pelos conjuntos mecânicos da Volkswagen instalados de forma um tanto precária para manter a tração traseira.

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