quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Freios a tambor: ainda fariam sentido em algumas situações

De uma moto trail como a Honda Bros 160 até um caminhão pesado como o Volkswagen Constellation 31.330 destinado à operação agroflorestal, o freio a tambor encontra adeptos que não se convenceram tão facilmente por características do freio a disco como a dissipação de calor mais eficiente reduzindo a propensão ao fading em condições mais severas de tráfego. Principalmente junto ao público rural e em outras aplicações que envolvam percursos off-road frequentes, como uma trilha de moto durante o fim de semana ou o manejo de áreas de reflorestamento para as indústrias madeireira e de papel e celulose, a aparência do tambor como mais protegido contra detritos ou até das características físico-químicas do solo em alguma localidade interiorana já faz algum sentido, bem como o fato das forças que pudessem causar um empenamento de disco não terem nem como causar o mesmo dano a um espelho de tambor.

Enquanto a presença do freio a tambor nas motocicletas de pequena cilindrada como a Honda CG pode ser atribuída em grande parte a um acionamento 100% mecânico mais simples comparado ao hidráulico que se usa em freios a disco para veículos leves em geral, o freio dianteiro a disco começou a ficar mais comum a partir da 5ª geração da CG, em que pese a versão Start manter o tambor em ambas as rodas na atual 9ª geração. Com motos abaixo de 300cc permanecendo isentas da obrigatoriedade dos freios ABS no Brasil, até alguns usuários com perfil estritamente urbano sustentam uma preferência pelo tambor na frente, em que pese o disco ao menos na roda dianteira ter conquistado uma grande maioria do público. A princípio, como para motocicletas o acionamento hidráulico dos freios sempre esteve mais vinculado especificamente aos sistemas a disco, o mais provável é que o freio dianteiro a tambor somente deixe de ser oferecido à medida que uma obrigatoriedade do ABS seja aplicada a todas as faixas de cilindrada.

De certa forma, além de ser visto como uma melhoria incontestável no âmbito da segurança, o freio a disco passou a ser visto entre o público das motocicletas utilitárias como algo mais prestigioso até por conta de ser oferecido em alguns modelos como uma diferenciação entre versões. Acaba sendo comum a adaptação do freio dianteiro a disco ao menos na roda dianteira em diversas motos que originalmente dispunham de freios a tambor nas duas rodas, tomando como exemplo a própria linha da Honda CG que antes de ter eliminada no mercado brasileiro a opção pelo motor de 125cc para ser mais direcionada à faixa de 150 a 160cc voltou a ter nas versões de motor menor freios somente a tambor e partida a pedal. Vale destacar especialmente a Honda CG 125 Cargo, que sempre saiu de fábrica com os freios a tambor em ambas as rodas e para a qual o disco dianteiro só é visto em adaptações, com o viés absolutamente conservador do público-alvo dessa versão destinada ao uso profissional favorecendo uma continuidade dessa característica e também da partida somente a pedal mesmo quando a injeção eletrônica já havia substituído o carburador.

Já entre os automóveis, o freio a disco consolidou-se de tal forma que até modelos com proposta mais modesta o adotam ao menos no eixo dianteiro, enquanto o tambor segue em uso no eixo traseiro por ser mais fácil conciliar tanto o acionamento hidráulico dos freios de serviço quanto a atuação mecânica por cabos destinada ao freio de estacionamento (o popular "freio de mão"), em contraste com o observado nas motos que normalmente incorporam acionamento hidráulico somente em freios a disco mantendo o acionamento sempre mecânico nos freios a tambor. Até seria tecnicamente possível ter usado freios só a tambor e totalmente mecânicos nas 4 rodas em carros "populares" como o Chevrolet Celta antes que se tornasse obrigatório o ABS em todos os automóveis 0km vendidos no Brasil a partir de 2014, e se fosse o caso ainda insistir nos tambores com acionamento hidráulico para assegurar a compatibilidade com o ABS nos freios de serviço enquanto o freio de estacionamento permaneceria de acionamento mecânico a cabo, mas o público generalista já estaria condicionado a rejeitar essa opção. Portanto, as chances para carros com freios somente a tambor permanecerem eventualmente relevantes acabariam dependentes de frotistas ou de alguns consumidores em regiões rurais que ainda tenham algum temor quanto ao risco de damos que um disco ou pinça possam sofrer mais facilmente em comparação a um cilindro atuador e ao par de sapatas (eventualmente associadas a um sistema de ajuste automático de folga visando aproximar da superfície interna do tambor as sapatas à medida que as lonas de freio vão se desgastando com o uso) contidos dentro de um tambor, ou mesmo considerem uma oxidação da superfície externa dos tambores menos crítica que uma mesma oxidação superficial em discos.
Uma série de fatores pode explicar como a massificação dos freios a disco ao menos no eixo dianteiro em automóveis seja vista com algumas ressalvas em caminhões pesados, para os quais predomina uma abordagem mais antagônica entre o disco e o tambor de modo que se torna mais comum que apenas um ou o outro sistema seja incorporado, e até fabricantes que já dão preferência ao disco no exterior como a Mercedes-Benz precisam manter o tambor no Brasil em modelos como o Axor. É necessário reconhecer que o tambor tende a apresentar uma superfície de contato maior em proporção ao diâmetro do conjunto na comparação ao disco, mas com o acionamento hidráulico normalmente encontrado em veículos leves a dissipação de calor torna-se mais crítica para evitar que o fluido de freio superaqueça e intensifique o fading, enquanto nos caminhões pesados predomina o acionamento pneumático dos freios tanto a disco quanto a tambor. O fato de ser mais fácil integrar dispositivos retardadores de frenagem em veículos pesados com motor Diesel, com destaque para o freio-motor por válvula-borboleta no escapamento, no fim das contas favorece uma operação segura tanto nos trechos off-road mais severos quanto ao trafegar pelas rodovias.

Naturalmente as alterações na dinâmica do mercado automotivo que fizeram as pick-ups serem alçadas a uma posição muito mais prestigiosa, deixando de ser meras ferramentas de trabalho desde a época da Pick-Up Jeep renomeada como Ford F-75 com a incorporação do espólio da Willys-Overland do Brasil pela Ford, fizeram hoje soar inconcebível que na linha atual da Ford eventualmente se oferecesse freio a tambor nas 4 rodas numa versão mais austera da Ranger por exemplo. Ainda que tecnicamente pudesse atender de forma satisfatória às necessidades de algum daqueles fazendeiros de verdade que mantenham uma caminhonete de concepção mais antiga e freios a tambor nas 4 rodas para a lida campeira, no fim das contas uma maior ênfase dada ao uso particular/recreacional de pick-ups por um público urbano já é um empecilho para algum caipira/colono que tenha um pé atrás com relação à durabilidade de freios a disco em condições de terreno severas. No caso específico de discos ventilados, como os que equipam a atual geração da Ford Ranger no eixo dianteiro, acaba dando um pouco mais de trabalho para limpar e remover eventuais incrustações de detritos e substâncias potencialmente corrosivas como é o caso de alguns fertilizantes e outros insumos agrícolas.

Ao menos no Brasil, o freio a tambor nas 4 rodas deixou de estar disponível em automóveis quando em '84 o Fusca havia passado a contar com discos dianteiros como equipamento padrão, e naturalmente a boa fama do próprio Fusca à época foi suficiente para convencer até aqueles consumidores com um perfil extremamente conservador que valorizavam especialmente a aptidão do modelo para trafegar por trechos não-pavimentados devido à configuração de motor e tração traseiros. O mais curioso nesse caso foi os freios dianteiros a disco só terem chegado ao Fusca mexicano em '94, tornando-se padrão em '95, para o tambor nas 4 rodas voltar entre '96 e '99 numa versão mais modesta, e por fim os discos voltaram a ser equipamento padrão até o Fusca ser tirado de linha definitivamente em 2003 no México. A bem da verdade, considerando tanto o perfil mais conservador associado ao público-alvo do Fusca durante a maior parte do ciclo de produção, além da aptidão para rodagem em condições de terreno severas em áreas rurais do interior da Alemanha durante o entre-guerras ter sido uma das prioridades definidas ainda na fase de projeto, até certo ponto o fato de ter deixado de oferecer freios dianteiros a tambor em diferentes ocasiões surpreende.
Por mais que se diga que "o tempo do Fusca" ficou totalmente para trás, e hoje predomine no segmento de carros "populares" um foco nas condições de rodagem urbanas, a mera presença de modelos como o Renault Kwid que apesar do projeto inicialmente destinado a megalópoles indianas teve como mote "o SUV dos compactos" na época de lançamento no Brasil deixa evidente que uma parte do público busca ao menos uma pretensão mais "aventureira". É improvável que se chegue a abrir mão dos freios a disco dianteiros em veículos de concepção mais recente, mesmo que se trate de um modelo de entrada, mas é difícil negar que ao menos uma parte do público ainda poderia ser bem atendida com freios somente a tambor. Enfim, apesar de uma somatória de fatores de ordem técnica e logística priorizar usuários com um perfil mais urbano, os freios a tambor ainda poderiam cair como uma luva em algumas situações.

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