Mais lembrados no Brasil pela época que a Yamaha os priorizava num mercado motociclístico ainda em estágio embrionário por assim dizer, e que diga-se de passagem foi um dos estopins para o crescimento da Zona Franca de Manaus, os motores 2-tempos ainda contam com adeptos e entusiastas fervorosos, às vezes chegando a níveis de fanatismo comparáveis ao observado na preferência por um time de futebol. E realmente, considerando como a pequena quantidade de exemplares remanescentes de modelos tão marcantes como a Yamaha RX 80 ou a Yamaha TT 125 reflete bem aquela posição de vice-liderança da fabricante mesmo quando a única concorrente que levava os motores 4-tempos de pequena cilindrada a sério no Brasil era a Honda, tendo originado até aquela lenda repetida à exaustão acerca de um suposto acordo com o governo militar que teria dado à Honda um monopólio de 25 anos dos motores 4-tempos de baixa cilindrada durante a implementação da Zona Franca de Manaus, foi uma disputa acirrada que se via refletida na preferência pelos motores 2-tempos da Yamaha junto a uma parte do público que via mais "esportividade" neles. A bem da verdade, a aparente facilidade para incrementar o desempenho de motores 2-tempos com uma simplicidade que beirava o improviso tinha lá seus encantos, enquanto para motores 4-tempos o argumento da economia operacional já se aproximava da dinâmica que ainda se vê no mercado motociclístico brasileiro com as pequenas cilindradas até tomando o lugar do carro popular.
A prioridade absoluta dada pela Honda aos motores 4-tempos já era uma característica da empresa antes mesmo de iniciar a produção no Brasil, e até a pequena CB 50 importada tinha um motor OHC bastante sofisticado para os padrões da faixa de cilindrada na década de '70, que podia ser considerado adequado à imagem mais recreativa que as motocicletas ainda tinham antes da produção nacional em larga escala e as crises do petróleo levarem uma parte do público a considerá-las uma alternativa mais eficiente aos carros. Tanto a prioridade dada ainda durante o governo JK na década de '50 à produção de automóveis e utilitários mais convencionais com 4 rodas e acomodação para ao menos 4 passageiros em detrimento de motos e triciclos, que a bem da verdade já haviam provado seus méritos desde o imediato pós-guerra ao proporcionarem transporte barato na reconstrução de países como a Itália e o Japão, quanto o público generalista associar um automóvel com carroceria fechada a uma imagem de "progresso" em oposição a carroças e calhambeques, já eram condições bastante desafiadoras para a indústria motociclística chegar ao Brasil com a mesma força que a Volkswagen rapidamente conquistaria a partir dos anos '50, mas isso era só a ponta do iceberg. Lembrando daquela lenda absolutamente infundada acerca de um inexistente acordo com os militares para ter um monopólio das motos pequenas com motor 4-tempos no Brasil, que na prática só ocorreu tanto no Brasil quanto em alguns países do sudeste asiático porque a estratégia de concorrentes diretos como a Yamaha em concentrar esforços no motor 2-tempos era considerada muito mais vantajosa nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos por motivos estritamente técnicos.
Os motores OHC das Honda CB exigiam um maior rigor na observância de intervalos para as trocas de óleo, para assegurar um correto funcionamento e a durabilidade do sistema de comando de válvulas no cabeçote com sincronização por corrente, e portanto um tailandês, vietnamita ou filipino naturalmente iria simpatizar pelos motores 2-tempos mesmo que às vezes pareça incômodo ter que calcular dosagens de óleo 2T a serem adicionadas diretamente à gasolina, apesar do câmbio e da embreagem ainda serem banhados em óleo tal qual nos motores 4-tempos. Soichiro Honda tinha uma declarada preferência por motores 4-tempos a ponto de já ter jurado em diversas ocasiões que jamais faria um motor 2-tempos e, embora tenha quebrado tal promessa principalmente quando estritamente necessário para cumprir com os regulamentos de diferentes categorias de competições no motociclismo esportivo, favoreceria a CG 125 varetada visando conciliar a simplicidade de manutenção a uma maior resiliência diante de algumas negligências quanto às trocas de óleo que se revelavam especialmente críticas no sudeste asiático. Com o comando de válvulas no bloco sincronizado diretamente por engrenagens, sem correntes nem tensores para sofrer danos mais severos por descuido com relação ao óleo, a primeira geração da Honda CG 125 chegou a ser lançada na Tailândia antes de chegar ao Brasil, onde acabaria tendo destaque ao inaugurar a fabricação nacional na Moto Honda da Amazônia e dar início a uma história de sucesso que ainda tem uma forte influência mesmo após tantas modernizações ocorridas no mercado motociclístico brasileiro.
Curiosamente, naquelas aplicações mais utilitárias para as quais a Honda CG 125 abriria espaço para as motos mais convencionais, a principal concorrente em alguns momentos acabou sendo a Vespa ao invés de alguma Yamaha, por mais que as diferenças transcendessem o dilema entre o motor 4-tempos da CG e o 2-tempos da Vespa PX 200E que em 1986 alcançou a vice-liderança do mercado brasileiro de motos que já tinha a CG como campeã de vendas. Foi até bastante conveniente no Brasil a Honda ter trazido a CG com o comando de válvulas no bloco e sincronização somente por engrenagens, característica que o Fusca e toda a linha Chevrolet de fabricação brasileira anterior a 1972 e o Jeep anterior a 1976 tinham, e a refrigeração a ar tal qual o Fusca e a imensa maioria da linha brasileira da Volkswagen até a década de '80 também facilitava assimilar os princípios de funcionamento e da manutenção básica de um motor 4-tempos em aplicação motociclística, mesmo com a Vespa que havia sido projetada contemplando as necessidades de uma Itália em escombros no pós-guerra ainda tendo alguns méritos que poderiam fazer uma eventual rejeição que começasse a surgir pelo motor 2-tempos parecer irrelevante. Em que pese as motos e assemelhados terem características únicas que impossibilitam tratá-las como "um carro de duas rodas", entre elas a leveza que favoreceria uma continuidade do motor 2-tempos avançar já pela década de '90 mesmo no Brasil, a reabertura do mercado brasileiro aos veículos importados no governo Collor e um maior contato com a evolução significativamente mais rápida que os motores 4-tempos recebiam fez o 2-tempos permanecer mais justificável sob perspectivas estritamente passionais.
Cabe lembrar que tanto a reabertura das importações quanto o encerramento da fabricação nacional da Vespa ocorreram em 1990, mas tanto o motor 2-tempos quanto o conceito básico da Vespa ainda tinham uma grande relevância em outros países que podem ser comparados ao Brasil nos âmbitos econômico e social, desde a Índia onde a Bajaj produziu sob licença da Piaggio um modelo denominado Chetak que manteve até 2002 o motor 2-tempos, até o Uruguai onde a Bajaj Chetak chegou a cumprir as premissas do projeto atendendo a necessidades de transporte econômico ao invés de ser reduzida a uma condição de curiosidade histórica para atender a entusiastas de produtos "retrô", como viria a ocorrer com alguns exemplares trazidos ao Brasil na década de '90. E a própria Vespa PX permaneceu em linha na Europa até 2007 com motores 2-tempos atendendo às normas de emissões Euro-2, retornando à produção entre 2010 e 2016 com a adição de um catalisador para atender às normas Euro-3 antes de ser descontinuada definitivamente pela aparente impossibilidade de atender às normas Euro-4. Até poderia ser destacada a possibilidade de modernizar o motor 2-tempos com um sistema de injeção eletrônica em substituição ao carburador, respeitando algumas peculiaridades técnicas que favoreceriam um abordagem diferenciada com relação ao que hoje é habitual nos motores 4-tempos, nos quais a injeção num duto de admissão tal qual ainda acontece com motores automobilísticos mais modestos é facilitada pela simples presença de válvulas de admissão e escape acionadas mecanicamente que acaba por minimizar as perdas de mistura ar/combustível crua.
É preciso ter muito amor pelo motor 2-tempos para compreender algumas diferenças, especialmente no tocante ao dimensionamento das janelas de transferência e escape que fazem uma Lambretta responder bem de baixos a médios regimes de rotação e acondições de uso mais suaves em contraste à brutalidade de uma Yamaha RD 350 LC, bem como com relação ao escapamento que também tem uma influência muito considerável no rendimento dos motores com destaque para aquelas câmaras de ressonância que chegam a lembrar o formato de um balão de festa junina e proporcionam uma contrapressão no intuito de minimizar perdas de mistura ar/combustível crua durante o cruzamento das janelas de transferência e escape. Lidar com válvulas de palheta para otimizar os fluxos de admissão, e também aquelas válvulas de escape que permitem alternar entre uma maior restritividade que favoreça o torque em baixa rotação e abrem para proporcionar um maior fluxo em altas rotações e que ficaram mais conhecidas no Brasil simplesmente por YPVS devido a todo o destaque obtido pela Yamaha no âmbito dos motores 2-tempos no Brasil, é outra daquelas especificidades que correm o risco de sucumbir a gambiarras caso prevaleça um ódio. Enfim, mesmo que o público generalista veja motores 2-tempos como uma mera curiosidade a ser eventualmente apreciada mais por uma nostalgia que por aspectos técnicos ou práticos, é evidente a relação de amor e ódio que podem desencadear.
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