O mercado da aviação é estritamente regulado, o que pode dificultar ou retardar uma implementação de novas tecnologias devido a todas as considerações de segurança durante as homologações efetuadas por entidades como a FAA (Federal Aviation Administration) dos Estados Unidos e a EASA européia, entre outras que acabam tentando harmonizar as próprias regulamentações sobretudo com a FAA, e em parte a hegemonia militar e aeroespacial dos Estados Unidos no imediato pós-guerra ainda tem reflexos nesse cenário. A própria prevalência de motores boxer entre 4 e 6 cilindros com refrigeração a ar em aviões de pequeno porte, que acaba proporcionando algumas similaridades com o motor do Fusca apesar de tantas décadas transcorridas, tem exatamente a ver com questões de confiabilidade e custo da homologação de novos motores, situação que vem gerando desafios à medida que vem sendo fechado um cerco à adição de chumbotetraetila na gasolina de aviação (AvGas), que era uma necessidade tanto para proporcionar um aumento na octanagem quanto prevenir a recessão das sedes de válvula. Experiências de sucesso no uso do etanol, principalmente pela aviação agrícola brasileira, já seriam suficientes para pôr em xeque a necessidade do chumbo, apesar do consumo de combustível mais elevado limitar o alcance dos aviões e exigir mais ciclos de pouso e decolagem a depender da quantidade de escalas necessárias a um vôo com etanol como combustível, e portanto a mudança para motores Wankel como os japoneses Mazda 13B de 2 rotores e 20B de 3 rotores poderia parecer tentadora.
O fato da Mazda ser na prática o único fabricante a efetivamente alcançar um sucesso comercial para os motores Wankel, em que pesem algumas experiências prévias da NSU encerradas quando a Volkswagen passou a deter o controle da NSU, já fomenta alguma dúvida quanto à viabilidade, tendo em vista que a própria Mazda após tentativas frustradas de fazer do Wankel um pau-pra-toda-obra passou a usar só em modelos esportivos, mais adequados às características um tanto peculiares apresentadas por esse tipo de motor. Os motores boxer ainda amplamente usados na aviação geral, e com predomínio da refrigeração a ar, permanecem suficientemente leves para o fim que se destinam, em que pese motores refrigerados a líquido poderem ser protegidos de forma mais efetiva quanto aos choques térmicos causados por razões de descida muito acentuadas na aproximação para um pouso, e por manterem o comando de válvulas no bloco com sincronização somente por engrenagens tal qual o Fusca, a confiabilidade inerente à ausência de uma correia dentada ou corrente sincronizadora proporciona um comodismo que inibe dar um passo à frente e eliminar por completo as válvulas com um motor Wankel, que tem como únicas peças móveis os rotores e o eixo excêntrico no qual estão engrenados fazendo as vezes do virabrequim de um motor a pistão. Portanto, como os únicos motores Wankel para os quais existe um aftermarket pronto e talvez já capaz de atender às necessidades do mercado de aviação (ao menos para a aviação experimental) são de refrigeração líquida, e pela tendência a operarem mais confortavelmente em faixas de rotação mais altas que acabaria exigindo invariavelmente o uso de caixas de redução entre o motor e uma hélice, fica bem mais difícil justificar que a transição dos motores boxer ocorra especificamente rumo aos Wankel...
Embora até os motores a pistão possam ser beneficiados pelo uso de hélices de passo variável, de modo que um controle da velocidade de vôo fique atrelado mais ao ângulo das pás da hélice que à rotação do motor, especialmente no caso de aviões com mais de um motor no qual a possibilidade de embandeirar a hélice de um motor inoperante para diminuir o arrasto até efetuar um pouso de emergência usando só um motor tem uma função extremamente importante para a própria segurança, pode-se dizer que é tão imprescindível a um motor Wankel quanto aos motores turboélice, que acabam sendo efetivamente algo mais palpável para quem tenta apontar um sucessor para o motor a pistão na aviação geral. Na prática, a maior vantagem dos motores turboélice é a possibilidade de simplificar a logística de combustíveis com os aviões a jato (tanto jato puro quanto turbofan) que usam querosene de aviação e, além de já resolver a questão do chumbotetraetila, também tem uma menor quantidade de peças móveis tal qual os Wankel, e costumam dispensar uma refrigeração líquida com toda aquela complexidade de radiadores e bombas d'água e mais tubulações e conexões para complicar a vida dos encarregados de manutenção. Mesmo as engrenagens de redução se fazendo presentes, tanto no cubo da hélice quanto na caixa de acessórios, os motores turboélice são favorecidos pela construção relativamente simples, sempre destacada por alguns professores meus cuja formação técnica ocorreu na época que a Varig transicionava dos motores radiais a pistão para turboélices e jatos, em que pese às vezes parecerem até intimidadores para quem ainda era mais familiarizado exclusivamente com motores a pistão.
Enquanto um motor Wankel precisa das duas velas por alojamento de rotor para proporcionar a correta propagação de chama (flame spread), com o sequenciamento de ignição rigorosamente controlado, um turboélice ou um jato tem a ignição mais simples, com apenas duas velas para o motor inteiro mais pela questão da redundância que é considerada um fator de segurança na aviação, pouco importando até se o formato da câmara de combustão é dividido em compartimentos interligados conhecidos em inglês por "can" (traduzido precariamente para "caneca" porque uma tradução para "canister" poderia fazer pouco sentido) ou num formato unificado conhecido por anelar que é exatamente o mais comum tanto para os turboélices quanto os jatos modernos, e sem um sequenciamento tão complicado. A grosso modo, seria mais justo comparar as velas de incandescência usadas num motor Pratt & Whitney Canada PT-6A com as glowplugs usadas como auxiliares de partida a frio em motores Diesel, enquanto para jatos as velas são mais parecidas com as de um motor a pistão e ficam centelhando até que a propagação de chama se sustente só pela entrada de ar e combustível atomizado na câmara de combustão. Curiosamente, para o segmento da aviação agrícola ser melhor atendido, o motor PT-6A chegou a ter ao menos uma versão certificada junto à FAA para uso de óleo diesel com até 500 partes por milhão de enxofre (S500) além do querosene de aviação, contrastando com tentativas mal-sucedidas da Rolls-Royce de fazer motores Wankel operarem no ciclo Diesel mais voltadas à propulsão de embarcações que à aviação, e portanto qualquer hipótese de um sucessor para os motores a pistão pesa mais a favor dos turboélices, mesmo que outros aspectos como a provisão de ar para sistemas pneumáticos diversos, além de climatização e pressurização de cabine mediante sangria direta dos compressores, nem sejam levados em conta.
Vale destacar que já existem conversões até de ícones como o Douglas DC-3/C-47 Skytrain/Dakota dos motores a pistão para turboélice, tendo em vista atualmente o menor custo e a maior disponibilidade da AvGas nos principais aeródromos mundo afora, apesar do consumo em litros por hora de vôo mais alto que acaba sendo um tanto surpreendente para quem seja mais familiarizado com combustíveis pesados de um modo geral em função dos motores Diesel notabilizados pelo consumo mais contido. O mesmo problema do consumo excessivo acaba sendo outro empecilho em desfavor de uma hipotética transição para motores Wankel, sem nem entrar no mérito do desgaste dos retentores apicais nas extremidades de cada rotor em função do atrito com a face interna das carcaças do motor, enquanto nos turboélices todo o atrito está mais restrito ao eixo principal que acopla as seções de turbina e de compressor, tal qual um turbocompressor que vem sendo cada vez mais comum em motores automotivos. E mesmo que o turbo proporcione aos motores a pistão uma compensação de altitude que os superchargers com acionamento mecânico pelo virabrequim eram incapazes de proporcionar na época do DC-3, e tendo sido oferecido também em algumas versões do motor 13B da Mazda, a própria natureza de um motor turboélice torna tal artifício redundante e até impraticável por gerar uma restritividade ao fluxo de escapamento, e assim fica mais uma vez provado que se fosse o caso de apontar uma sucessão para os motores a pistão junto ao mercado da aviação geral seria mais fácil descartar o Wankel como herdeiro-aparente.
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