Um daqueles desafios inusitados que poderia muito bem ser proposto para arrefecer os ânimos após um consumo exagerado de Jägermeister oferecido a mim por um carioca e a execução de músicas de corno por um pseudo-cantor do interior de Goiás formarem uma mistura das mais propícias para desencadear uma briga de bar, mas foi apresentado em um comentário discordando da possibilidade do tradicional motor boxer refrigerado a ar da Volkswagen ter sido melhor aproveitado além da linha clássica de motor traseiro. Há quem já considere "heresia" até a adaptação de motores mais modernos da própria Volkswagen ou mesmo da Subaru em modelos como o Fusca e a Kombi, mas uma hipótese de apontar motivos para ter sido evitada qualquer possibilidade de uso do motor 2-tempos proveniente dos espólios da Auto Union e da Vemag no Fusca e derivados chega a ser fascinante. E como podem ser apontados bons precedentes históricos e aspectos técnicos, vale uma reflexão acerca desse tema.
A refrigeração seria um aspecto eventualmente crítico, mesmo considerando que permanecesse líquida como nos DKW-Vemag nacionais ao invés de se ter recorrido à refrigeração a ar que foi adaptada a um projeto do entre-guerras para a fabricação do Trabant na extinta Alemanha Oriental, tanto que chega a ser mais fácil propor a adaptação de motores Volkswagen para manter um DKW-Vemag em condições operacionais mesmo com a disponibilidade de peças de reposição através de empresas especializadas, e o Trabant quando já se aproximava do fim da produção chegou a usar um motor Volkswagen 4-tempos já com refrigeração líquida. Mesmo que o motor 2-tempos de 3 cilindros em linha montado em posição longitudinal nos DKW nacionais dispensasse uma bomba d'água, valendo-se da convecção para gerar a circulação da água por termo-sifão, essa simplicidade traz o inconveniente de impedir que o sistema de arrefecimento seja selado e pressurizado, acarretando em alguma perda de água por mais insignificante que pareça a curto prazo e portanto requerendo reposições mais frequentes. Também acaba acarretando na incompatibilidade com fluidos de arrefecimento modernos que tanto inibem o congelamento quanto aumentam o ponto de ebulição da água, e poucos usuários estariam dispostos a adicionar mais água em regiões quentes ou usar uma quantidade menor quando o clima frio propiciar o congelamento, tendo em vista que o gelo se expande e pode até arrebentar tanto um radiador quanto um bloco de motor. E até se fosse feita uma simplificação para usar a refrigeração a ar como no Trabant, além de ter motor dianteiro como os DKW, vale lembrar que por ter só 2 cilindros e ser montado em posição transversal o Trabant já tinha um fluxo de ar mais homogêneo entre ambos os cilindros, enquanto um motor longitudinal de 3 cilindros que já estava longe de ser algo primoroso no tocante à refrigeração ficaria ainda mais crítico.
Também pesava contra o motor 2-tempos da DKW uma percepção menos prestigiosa perante o público, tanto generalista quanto em segmentos que se propunham a ser mais requintados, e hoje é inevitável um paralelo entre o DKW-Vemag Fissore e o Audi A3 considerando que tanto a DKW quanto a Audi foram parte da extinta Auto Union e em ambos os casos havia o compartilhamento de motores com modelos de proposta mais generalista. O simples fato de ter contado com um motor consideravelmente rústico é um dos motivos pelos quais o Fissore foi visto com ceticismo no curto ciclo de prodição entre '64 e '67 para o modelo nacional, que nunca recebeu motor o 4-tempos de origem Mercedes-Benz que foi usado no congênere europeu durante a transição para a marca Audi antes da Daimler-Benz concluir a venda da Auto Union para a Volkswagen, enquanto atualmente o Audi A3 usar motores rigorosamente idênticos a modelos generalistas da Volkswagen passa longe de ser um demérito aos olhos da clientela. E convém destacar que um dos principais motivos do interesse da Volkswagen por uma aquisição da Auto Union foi exatamente o acesso a projetos de motores de refrigeração líquida, tendo aproveitado a mudança de estratégia que culminou na eliminação dos motores 2-tempos no espólio da Auto Union.
E mesmo sendo aparentemente irrelevante à primeira vista no Brasil, considerando o primeiro modelo a usar motor Diesel na linha Volkswagen nacional ter sido a Kombi e a experiência foi mal-sucedida num ponto de vista comercial, embora alguns exemplares ainda possam ser encontrados às vezes ainda com o motor original ou em outros casos transformados para funcionar com gasolina ou álcool. na prática os mesmos projetos básicos até de motores turbodiesel de concepção moderna como o 2.0 TDI que veio na Amarok são herança da transição da Auto Union para motores 4-tempos. Por mais que o outsourcing até tenha sido proposto por empresas tão diferentes como a Perkins visando atender à própria Volkswagen e até mesmo a Agrale com uma abordagem mais voltada ao mercado de reposição e adaptações, o uso de motores Diesel de fabricação própria pareceu mais viável, e ter adquirido a Auto Union quanto o motor 2-tempos já tinha sido descontinuado facilitou mais do que pode parecer. Enfim, por mais que o motor 2-tempos DKW seja uma curiosidade histórica fascinante, foi efetivamente impraticável ter continuado em linha pelas mãos da Volkswagen.
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