sábado, 18 de novembro de 2017

Triciclos: uma alternativa razoável para (ao menos tentar) preencher a lacuna deixada pelo aumento nos preços dos carros "populares"?

Já não é nenhuma novidade que o conceito básico do carro "popular" com base apenas na cilindrada tornou-se, de certa forma, um tanto obsoleto. Desde o Fiat Uno Mille lançado ainda com a "frente alta" até o atual líder do mercado nacional que é o Chevrolet Onix, em que pese a maior demanda por itens de conforto e a obrigatoriedade dos freios ABS e do airbag implementada em 2014, a premissa de manter o preço numa faixa equivalente a US$7.000,00 já é coisa do passado, e hoje no caso do Onix até a versão Joy que ainda mantém o desenho antigo já supera o valor de R$40.000,00 no preço de tabela, o que pela atual cotação do dólar já se aproxima do dobro daquele valor de referência. Portanto, não seria equivocado dizer que em algum momento o programa do carro "popular" perdeu o rumo, ainda que uma combinação entre ampla oferta de crédito e a insatisfação com a precariedade do transporte público ainda tenha conseguido sustentar grandes volumes de vendas de carros novos.


A bem da verdade, desde o Subaru Vivio importado do Japão até o Fusca relançado a pedido do ex-presidente Itamar Franco, houve no próprio mercado brasileiro uma série de exemplos do quão equivocada foi a política de se basear primariamente na cilindrada como parâmetro para definir o que seria um veículo "popular". Enquanto o subcompacto japonês estava inserido numa regulamentação até mais rígida, que limitava não só a cilindrada numa faixa ainda mais restritiva que a implementada no Brasil mas prevenia que um motor tão pequeno se tornasse subdimensionado ao estabelecer também limites às dimensões externas dos chamados "kei-jidosha", o Fusca "Itamar" motivou uma revisão na norma que chegou a especificar até 1600cc para motores refrigerados a ar enquanto os refrigerados a água permaneciam até 1000cc. Levando em consideração que a proposta de um carro "popular" visava atender a um público que buscasse por um veículo apto a atender às necessidades de um núcleo familiar que fosse mais do que simplesmente versões depauperadas de algum compacto de projeto estrangeiro mais "especializado" para uso essencialmente urbano, já podiam ser constatadas algumas divergências, e mesmo um modelo tido como obsoleto como o Fusca podia atender também a consumidores em zonas rurais e periferias onde as condições de rodagem tendem a exigir uma maior rusticidade.


Retomando a questão do custo, passa a fazer algum sentido levar em conta o potencial não-explorado dos triciclos para suprir a lacuna que vem se expandindo entre a eventual necessidade por um veículo motorizado e a disponibilidade de automóveis mais simples e barato que possa efetivamente atender aos usuários interessados na funcionalidade em detrimento da aparência mais "convencional" que um carro "popular" apresenta. De fato, a experiência da Kasinski trazendo o triciclo indiano Bajaj RE4S para o mercado brasileiro entre 2001 e 2004, e rebatizando-o localmente como Táxi-Kar, não logrou muito êxito em aumentar a aceitação desse tipo de veículo no país à época, e pode-se dizer sem medo de errar que a velocidade máxima incompatível com o tráfego rodoviário foi um dos fatores decisivos para que não encontrasse uma aceitação muito expressiva, bem como a cabine aberta não oferecendo uma proteção satisfatória contra as intempéries, mas não seria o bastante para tratar uma rejeição aos triciclos como verdade absoluta. Um bom exemplo, ainda que mais restrito a operadores comerciais que tem a redução do custo operacional como prioridade, foi a relativa popularidade de motos de 125cc convertidas em triciclo para cargas leves que se viam muito em Porto Alegre por volta de 2008 e 2009 inclusive em vias expressas e alguns trechos rodoviários na região metropolitana.

A bem da verdade, uma característica que pode pesar favoravelmente aos triciclos, tanto os adaptados a partir de motos utilitárias quanto os que já saíram de fábrica como tal, é a viabilidade de configurar o veículo da forma mais adequada à necessidade do operador, e assim abrindo espaço para traçar um paralelo com a antiga prática de adaptar de carrocerias de fibra de vidro na plataforma do Fusca. Por mais que hoje a estrutura monobloco esteja consolidada no mercado automobilístico, é inegável que um chassi separado da carroceria oferece maior versatilidade e permite atender de forma simples e econômica a potenciais consumidores que venham a atribuir prioridades distintas às aptidões para o transporte de cargas leves, de passageiros ou um uso misto. Nesse aspecto, diante da escassa variação de carrocerias nas faixas de preço mais acessíveis (ou menos inacessíveis dependendo de como for observado) em nome de uma economia de escala que ignora eventuais dificuldades que as limitações de um hatch subcompacto poderiam acarretar para uma parcela expressiva do público, é improvável que no caso dos triciclos a maior flexibilidade se reflita num aumento muito absurdo no custo.

Naturalmente, algumas características das motocicletas também presentes na maioria dos triciclos são um pretexto para questionamentos no tocante à segurança e, apesar de tal preocupação realmente ser bem fundamentada, os resultados insatisfatórios apresentados por alguns dos carros "populares" mais vendidos no Brasil servem como um contraponto. O cockpit aberto realmente se torna indesejável sob o ponto de vista do consumidor mais generalista por não oferecer basicamente nenhuma proteção ao condutor, nem mesmo um mísero cinto de segurança sub-abdominal, o que contribui para perpetuar o estereótipo do triciclo como uma gambiarra mais aceita apenas por quem já nutra um certo apreço por motocicletas tanto em função de um custo operacional mais contido nas aplicações comerciais quanto da sensação de liberdade e contato com a natureza valorizados num uso recreacional. Também cabe destacar que hoje é muito comum entre os brasileiros a crença de que um carro trafegando com os vidros fechados pareça menos atrativo para delinquentes, enquanto num triciclo ou outros veículos abertos o condutor e passageiros fiquem mais expostos e potencialmente vulneráveis.


Também são relevantes alguns temores quanto à estabilidade dos triciclos, originados em função dos modelos destinados a uso recreacional com mecânica Volkswagen que muitas vezes reaproveitavam o chassi do Fusca ou da Brasília ao invés de usar um feito sob medida para otimizar a distribuição de peso como se tornou mais habitual atualmente. Um dos casos mais emblemáticos que contribuiu para mobilizar a opinião pública contra os triciclos envolveu o apresentador de televisão Wagner Montes, que teve a perna direita amputada após acidentar-se em '81 com um triciclo modificado para empinar e, de acordo com algumas fontes, também estava equipado com motor Porsche. A forma satírica com que os triciclos são retratados pela mídia no exterior, com exemplos tão diversos quanto programas de televisão como o humorístico do Mr. Bean e o antigo Top Gear fazendo chacota dos triciclos mais parecidos com um carro convencional que eram produzidos pela britânica Reliant, não corresponde à realidade, tendo em vista que no exemplar usado por Jeremy Clarkson foram aplicados alguns truques para tornar o veículo mais propenso a tombar, desde o uso de rodas com tamanhos diferentes e adição de lastro no lado do condutor até soldar o diferencial. Para quem quiser ver uma perspectiva realista do Reliant Robin, eu recomendo que assista a uns vídeos do AutoClandestinos.

Levando em conta também o menor consumo de combustível e uma quantidade reduzida de peças que venham a necessitar reposição ao longo da vida útil operacional do veículo, um triciclo não deixa de ser adequado não só no aspecto financeiro mas também sob o viés ecológico. Leveza, facilidade de manobrar em espaços confinados e a maior liberdade para adaptar as carrocerias que melhor se ajustem às diferentes necessidades dos usuários sem que o custo se torne proibitivo também pesam favoravelmente. Enfim, caberia ainda incluir os triciclos no contexto da antes tão falada "renovação de frota" que nunca saiu do papel no Brasil, e tem justamente no custo e excessiva "especialização" da atual geração de carros "populares" como o Volkswagen up! alguns dos maiores desafios.