terça-feira, 28 de novembro de 2023

Como a Kombi permanece tão apreciada no segmento de motorhomes?

Compacta o bastante por fora para ser fácil de manobrar em espaços um tanto restritos, ser acomodada em vagas de estacionamento de tamanho normal, e ainda ter um volume interno proporcionalmente grande, a Kombi é sem sombra de dúvidas idolatrada por um público heterogêneo que vai muito além dos operadores comerciais que efetivamente dão um uso estritamente profissional ao modelo, agradando também a usuários com um perfil mais recreativo.
A simplicidade mecânica, ainda aplicável aos últimos modelos já dotados do motor EA-111 flex de refrigeração líquida mesmo que a um grau consideravelmente menor que o bom e velho boxer refrigerado a ar, também é uma vantagem em situações que a complexidade técnica de motores modernos atrapalha mais do que se poderia esperar, mesmo quando o problema em motores modernos possa estar relacionado a periféricos como os módulos de pós-tratamento de gases de escapamento usados em alguns utilitários modernos com motor turbodiesel.
Mesmo com o desempenho mais modesto em tráfego rodoviário em comparação a furgões e pick-ups de concepção mais recente, ainda é conveniente destacar que a Kombi por ser derivada do Fusca acaba tendo capacidades de incursão off-road satisfatórias na maioria das vezes, mesmo com tração só traseira ao invés da tração 4X4 hoje tão difundida junto ao público de pick-ups médias e grandes, e o motor traseiro favorece uma concentração de peso mais próxima do eixo motriz em diferentes condições de carga.
Naturalmente há quem se dê por satisfeito com o teto na altura original e as menores restrições para o acesso a estacionamentos cobertos, enquanto outros podem preferir o melhor aproveitamento de espaço interno que só um teto alto tanto retrátil quanto fixo é capaz de proporcionar, ficando até melhor que um quarto de hotel ou um bangalô com diárias a peso de ouro no Airbnb.
Mesmo que alguns possam reclamar da falta de zonas de absorção de impacto (minha avó já dizia que parachoque de Kombi é o joelho do motorista), ou dos freios ABS que a bem da verdade me pareceria tentador adaptar por conta própria usando componentes de alguma caminhonete a diesel com motor de injeção mecânica, a simplicidade da Kombi é particularmente interessante em contraste com o risco de problemas que os motores de utilitários mais recentes possam ter devido a variações na qualidade dos combustíveis em diferentes regiões, e portanto a Volkswagen ser conservadora substituindo o boxer pelo EA-111 na transição das normas de emissões Euro-2 para Euro-3 ao invés de radicalizar com um motor Diesel que teria mais risco de problemas a partir de 2012 em função do teor de enxofre no óleo diesel em diferentes trechos ajuda mais do que atrapalha.

sábado, 25 de novembro de 2023

5 modelos da Ford feitos no Brasil que seriam tentadores para fazer experiências com um motor rotativo Mazda 13B ou 20B

Um antigo controle que a Ford já teve sobre a Mazda, embora às vezes pouco lembrado no Brasil, teve reflexos na linha de motores da própria Ford, embora os motores Wankel tenham ficado mais restritos a aplicações na linha de veículos da Mazda. Destacados pelo tamanho compacto e a leveza em proporção a motores convencionais, ainda que fossem vistos pelo público generalista basicamente como uma mera curiosidade técnica, talvez pudessem ter até servido bem a modelos da Ford. Cabe até tomar como exemplos alguns carros que chegaram a ser fabricados pela Ford no Brasil, e ao menos 5 são facilmente lembrados por motivos mais específicos do que poderia parecer...

1 - Ka: tanto a geração inicial desse modelo quanto a última tiveram peculiaridades no tocante à linha de motores. Foi desafiador no mais antigo incorporar um motor dotado de comando de válvulas no cabeçote devido à altura interna do compartimento do motor, a ponto de ter sido usado o motor Endura-E de fabricação espanhola com comando no bloco antes de ser iniciada a fabricação do motor Zetec-RoCam no Brasil já incorporando o comando no cabeçote com sincronização por corrente, e portanto o tamanho compacto de um motor Mazda 13B seria algo tentador. Já a geração derradeira do Ka, que foi feita só no Brasil e na Índia, chegou a usar motores Fox e Dragon de 3 cilindros com o comando de válvulas no cabeçote sincronizado por correia banhada em óleo, característica que fomenta algumas críticas. A menor vibração de motores rotativos já pesaria a favor de experiências com o 13B em oposição ao Fox e ao Dragon, além de motores Wankel terem os fluxos de admissão e escape controlados pela sobreposição dos rotores nas janelas de admissão e escape, dispensando válvulas;

2 - Del Rey: modelo compacto que acabou por ser um "intruso" no segmento de carros pretensamente luxuosos na vigência da proibição aos importados, sofreu pela falta de um motor mais competitivo no tocante ao desempenho num primeiro momento, sendo salvo de um fiasco comercial com a adoção do motor AP 1.8 da Volkswagen no âmbito da joint-venture AutoLatina. Por ter o motor à frente do eixo dianteiro em posição longitudinal, o menor peso e o porte muito mais compacto de um motor Mazda 13B seria conveniente até para facilitar a acomodação de componentes como uma bomba de direção hidráulica e o compressor do ar condicionado;

3 - Escort: padeceu do mesmo mal do Del Rey, sendo inicialmente equipado apenas com o motor CHT fabricado pela própria Ford em versões 1.3 e 1.6 baseado no projeto de origem Renault, até ser oferecido o motor AP como opção.
No caso das versões XR-3 de proposta mais esportiva, já ficaria bastante tentador um motor Mazda 13B com 2 rotores, ou até radicalizar com o 20B de 3 rotores;

4 - F-1000: talvez o modelo mais improvável, tanto pela proposta utilitária quanto por ser bem mais fácil acomodar motores com uma concepção naturalmente abrutalhada como os MWM Diesel, ou até o Falcon Six 221 que era importado da Argentina para atender à versão movida a álcool.
Embora o motor Mazda 13B pudesse ser considerado "fraco", especialmente quando equipado com um carburador restritivo em demasia, e de qualquer modo costuma ter regimes de rotação muito mais altos tanto que o Falcon Six quanto os MWM Diesel e portanto exigiria uma relação de diferencial mais curta para ter alguma agilidade, e até o 20B de 3 rotores pudesse parecer à primeira vista insuficiente, seria até mesmo o caso de considerar experiências com o turbo, que em função do regime de rotação mais alto dos Wankel poderia ter o turbo-lag mitigado ou atenuado mais facilmente;

5 - Landau: passou a usar o motor Windsor 302 V8 de fabricação canadense quando já havia ficado insustentável manter em linha no Brasil o Y-Block antes compartilhado com a linha de caminhões e a pick-up F-100, à medida que era intensificado o uso dos motores Diesel em utilitários. E apesar do público generalista brasileiro ainda ter uma obsessão por motores mais "à prova de burro" que resistissem a uma manutenção menos criteriosa, o Landau atendia a uma clientela mais abastada, que talvez ficasse menos refratária à observância rigorosa dos cronogramas de manutenção e desse a devida atenção às especificações de óleo lubrificante e fluido de arrefecimento. 
Por mais que a brutalidade de um V8 nunca tenha sido empecilho para consolidar a idéia do Landau como modelo de luxo, e também tenha uma fanbase no tocante a aplicações de alto desempenho, ainda soaria tentadora a hipótese de fazer experiências com o 13B ou mesmo o 20B, além do mais que apesar da proibição das importações de veículos e da reserva de mercado para produtos de informática que retardou a introdução da injeção eletrônica em carros brasileiros, mesmo quando a Ford produzia em Taubaté exclusivamente para exportação uma versão turbo e com injeção eletrônica do motor 2.3 OHC que canibalizava com o Windsor 302 nos Estados Unidos, ainda era permitida a importação de motores, então caso fossem trazidos diretamente do Japão motores da Mazda para serem instalados em Landaus na própria fábrica também teria sido fácil justificar. 

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Restomod interessante numa Honda CG quadrada

Por mais que alguns veículos antigos me pareçam mais interessantes conforme sejam preservadas mais características originais, avistar uma Honda CG 125 de 2ª geração aparentemente bem preservada seria o suficiente para me chamar a atenção imediatamente, até que algumas modificações discretas também se fizeram notar. O escapamento moderno com proteção contra queimaduras, as rodas de liga leve que possibilitariam até o uso de pneus sem câmara, o suporte para pedaleira do garupa, e o freio dianteiro a disco, assim como uma tampa mais moderna para o tanque de combustível, logo me fizeram ver que se tratava de uma restomod que proporciona mais segurança. Tratando-se de um exemplar já com 40 anos, tendo em vista que o ano-modelo 1983 foi o primeiro da CG quadrada mas ainda trazendo o paralama dianteiro em metal, a bem da verdade o desenho mais moderno do suporte de pedaleira para o garupa já se destacou talvez até mais que as rodas e o freio dianteiro a disco, mas sem destoar em demasia do que se pode considerar no tocante à estética de uma moto essencialmente utilitária.

A comodidade da partida elétrica, originalmente indisponível nesse modelo, também merece destaque e justifica o restomod sob um aspecto mais pragmático, assim como a substituição do motor original por um de geração mais moderna com o comando de válvulas no cabeçote e sincronizado por corrente em substituição ao "varetado" original com comando no bloco e sincronização apenas por engrenagens. O desempenho mais cômodo para ser usada até em viagens foi a vantagem apontada pelo proprietário ao me contar sobre a troca de motor, algo que realmente faz sentido, e o resultado estético também ficou muito agradável pelo motor moderno ainda ter um aspecto visual bastante semelhante ao antigo que foi substituído. E apesar da aerodinâmica dessas motos antigas passar longe de ser tão otimizada, o fato de ter menos penduricalhos cuja presença passou a ser mais comum eventualmente por motivação estética ao invés de estritamente técnica resulta num visual mais limpo e discreto, que eu particularmente gosto.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Por que o conceito dos motores LiquidPiston parece fazer sentido?

Um daqueles projetos que visam assegurar uma continuidade do motor de combustão interna de médio a longo prazo, o motor LiquidPiston pode ser visto a grosso modo como uma evolução do conceito dos motores Wankel, cujo único fabricante a alcançar efetivamente algum sucesso comercial foi a Mazda, e ainda assim com algumas ressalvas. Enquanto nos motores Wankel é usado um rotor triangular alojado dentro de uma carcaça com formato ovalado, com o movimento do rotor delimitando as 3 câmaras nas quais ocorrem etapas distintas do processo de combustão em um ciclo 4-tempos de ignição por faísca, o projeto da LiquidPiston tem o rotor com formato oval e a carcaça triangular por fora mas com o interior dividido em 3 câmaras nas quais o processo completo de combustão ocorre de forma independente das demais câmaras. Logo pode ser apontada uma grande vantagem do motor LiquidPiston em comparação ao Wankel, que é a possibilidade de desenvolver taxas de compressão mais elevadas, sendo apropriado tanto para operar como um motor 4-tempos de ignição por faísca quanto para variações no ciclo Diesel, que são o principal interesse das forças militares dos Estados Unidos inicialmente para uso em grupos geradores portáteis e também em aeronaves não-tripuladas (drones) dada a viabilidade de abastecer com querosenes de aviação e simplificar a logística de combustíveis nas zonas conflagradas.
Embora na fase de conceito ainda sejam apresentadas versões do motor LiquidPiston com somente um rotor, o projeto prevê alguma escalabilidade tanto no uso de conjuntos de rotor e alojamento de tamanho maior para cobrir as mais diversas faixas de cilindrada nas aplicações dos motores de combustão interna quanto eventuais motores com uma quantidade maior de rotores, tal qual ocorria com a Mazda na época que oferecia os motores 13B de 1.3L com 2 rotores e 20B de 2.0L com 3 rotores, sem levar em conta as experiências independentes com motores Wankel baseados nos Mazda 13B e 20B mas com quantidades até exorbitantes de rotores em aplicações de alto desempenho. Mas considerando apenas aplicações dos motores LiquidPiston com ignição por faísca, que parecem mais próximas de alcançar o grande público generalista até pelo fato da aspiração atmosférica e da injeção indireta permanecerem viáveis nesse tipo de motor mesmo que tenham sido basicamente eliminadas dos motores Diesel veiculares, mesmo com o avanço do turbo e da injeção direta motivado mais pela incidência de impostos atrelada à cilindrada em alguns dos principais mercados automotivos mundiais, a escancarada simplicidade construtiva pode ser especialmente vantajosa para contornar os custos crescentes de dispositivos de controle de emissões que vão ficando mais sofisticados e excessivamente custosos para uso em motores convencionais, além do porte compacto de um motor LiquidPiston em proporção às respectivas faixas de potência facilitar uma integração em veículos de diferentes categorias e atender também a equipamentos especializados para os quais às vezes até um motor 2-tempos soa praticamente impossível de substituir...
Mesmo que a indústria automobilística tenha sido historicamente um tanto refratária a tecnologias que foram desenvolvidas por outsiders, e os motores LiquidPiston até o momento apresentados tenham sido incompatíveis com turbocompressores devido à lubrificação por injeção de óleo sem recirculação, cabe destacar que só de ter solucionado o problema dos retentores apicais que fez a má fama dos Wankel já é um grande avanço, bem como proporcionar o efeito Atkinson tão explorado nos veículos híbridos, e por ter uma lubrificação mais simples também pode ser melhor adaptável ao ciclo de operação intermitente ao qual o motor de um veículo híbrido costuma ser submetido em meio ao trânsito urbano. Lembrando ainda da adaptabilidade a diferentes combustíveis, eventualmente até mesmo o etanol tão difundido no Brasil ou os mais diversos combustíveis gasosos indo do gás natural ou biometano ao hidrogênio verde que voltou às pautas de "descarbonização", seria no mínimo uma insensatez daqueles proponentes mais fervorosos da eletrificação impositiva ignorar os motores LiquidPiston e tanto uma efetiva necessidade de usuários de veículos de trabalho quanto a própria liberdade de escolha de quem preferir motores de combustão interna. Enfim, por mais que alguns setores da mídia e algumas alas políticas apregoem que o motor de combustão interna de modo geral seja um "vilão" contra uma falsa sustentabilidade pautada na hipocrisia, o conceito da LiquidPiston faz sentido como um contraditório diante do ecoterrorismo.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Momento nostalgia: Asia Motors Rocsta R2

Surgido a partir de projetos destinados aos usos militares na Coréia do Sul quando os Estados Unidos visavam deixar de fornecer viaturas para as forças militares coreanas, o Asia Motors Rocsta tem uma gênese bastante parecida com a do próprio Jeep Willys do qual de certa forma é derivado. O tamanho ainda bastante compacto, inclusive para a versão R2 que já tinha uma aparência mais diferenciada na parte frontal em contraste com o predecessor direto e os concorrentes da Ssangyong destinados desde o início ao mercado civil, proporciona agilidade tanto em trechos off-road mais travados quanto em áreas urbanas, eventualmente até com mais desenvoltura que concorrentes como a própria linha Jeep tradicional que cresceu muito em função das normas de segurança contra impactos nos Estados Unidos onde o Asia Motors Rocsta nunca foi oferecido.

Vale destacar que o Rocsta teve uma grande influência japonesa no projeto, devido aos vínculos estreitos que a Asia Motors tinha com a Mazda, que na prática desenvolveu o conjunto motriz completo do modelo apesar de nunca ter produzido um congênere para o mercado japonês, além do mais que quase toda a frota militar japonesa era produzida pela Toyota e pela Mitsubishi que chegou a produzir o Jeep CJ-3B sob licença. Um caso bastante curioso é as faixas de cilindrada de motores Diesel em modelos nessa categoria terem sido muito próximas, com o motor de origem Mazda usado no Rocsta e o primeiro usado num Jeep feito pela Mitsubishi sendo rigorosamente ambos de 2.2L e com injeção indireta, apesar de serem projetos diferentes e a Mitsubishi posteriormente chegou a usar motores Diesel de cilindrada superior, e no caso do Asia Motors Rocsta o único motor além do 2.2 a diesel era o 1.8 a gasolina também proveniente da cooperação entre a Mazda e a Asia Motors.

Guardadas as devidas proporções, pode ser feita uma comparação ao caso da Gurgel e o uso de conjuntos motrizes da Volkswagen em utilitários, apesar da maior autonomia da Gurgel perante a Volkswagen enquanto a Asia Motors seguia mais à risca os projetos da Mazda, e obviamente a diferença entre os sistemas de tração com o Rocsta sendo 4X4 de verdade, ao invés de depender da tração traseira tal qual o Fusca. Mas ao contrário da Gurgel que após a falência teve a clientela absorvida pelos fabricantes generalistas tanto no segmento corporativo quanto entre o público varejista que na década de '90 se encantava pela reabertura das importações, na Coréia do Sul a Asia Motors e a Kia foram absorvidas pela Hyundai e projetos análogos ao Rocsta tiveram continuidade como Kia e ainda são usados para fins militares.

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

5 motivos para ter sido uma medida absolutamente idiota a Ford encerrar a produção de caminhões no Brasil

Um fabricante que já teve posição bastante privilegiada no mercado brasileiro em diferentes segmentos, embora tivesse alguns vícios no âmbito administrativo que culminaram no encerramento da fabricação de veículos no Brasil para concentrar-se na importação, possivelmente cometeu um erro maior parando de produzir caminhões no país. Sob alegações que iam desde uma alegada falta de competitividade até a questão do incremento nos custos para avançar do enquadramento nas normas de emissões Euro-5 para Euro-6, em 2019 a Ford produziu caminhões no Brasil pela última vez, desativando a antiga fábrica em São Bernardo do Campo mas mantendo até o começo de 2021 as fábricas de motores em Taubaté e em Camaçari e de carros e SUVs em Camaçari, além da divisão Troller em Horizonte, perto de Fortaleza. Ao menos 5 motivos me levam a crer que especialmente o encerramento da produção de caminhões foi uma medida absolutamente idiota:

1 - conjuntos mecânicos provenientes de fornecedores terceirizados: destacando um uso de motores Cummins, como o polêmico ISF2.8 usado na F-4000 desde o relançamento em 2014 até 2019 quando o modelo saiu de linha definitivamente, até o argumento em torno de uma suposta dificuldade em adequar a normas de emissões mais rígidas cai por terra, tendo em vista que a própria Cummins já fornecia todo o sistema de pós-tratamento de gases de escape plenamente integrado aos motores. Os câmbios e eixos motrizes também eram fornecidos por terceiros, facilitando ainda mais a operação, e os modelos tinham basicamente uma necessidade de investimento direto menor por parte da Ford comparados aos similares de fabricação americana, ou mesmo turca em que pese a Otosan que administra a operação Ford Trucks na Europa e partes da África e Ásia ter uma certa autonomia perante a Ford no tocante à engenharia. A receptividade do público brasileiro ao outsourcing de motores Diesel, ao que tudo indica em proporção até maior que nos Estados Unidos para o mesmo segmento, também favorecia esse aspecto na operação de caminhões da Ford no Brasil;

2 - força da marca: é inegável que a Ford já foi muito mais apreciada no Brasil de um modo geral, em que pese ter cometido alguns erros principalmente no tocante às linhas de motores para veículos leves e mantido uma defasagem prolongada da Série F perante os congêneres americanos e até argentinos antes dessa linha ter a produção para o Mercosul concentrada no Brasil. E mesmo com a Ford deixando muito a desejar em alguns aspectos como a escassez de opções para o mercado local enquanto eram oferecidas para exportação à Austrália e também à África do Sul, a exemplo da tração 4X4 que a Série F perdeu ao final de '98 para retomar apenas ao final de 2005, ainda era especialmente forte no interior em boa parte por causa da F-4000;

3 - similaridade com o processo de fabricação dos calhambeques: a princípio um caminhão guarda uma certa semelhança com os calhambeques ao manter o uso de um chassi separado da carroceria e a tração traseira por eixo rígido, e o eixo dianteiro tanto nas versões de tração simples quanto nas 4X4 ser predominantemente rígido, e em ambos os casos a suspensão por feixes de molas, bem como o motor na posição dianteira longitudinal. E mesmo que as longarinas dos últimos modelos da Série F nacional já tivessem seção quadrada (boxed) na área do motor, o restante era de seção aberta (C-Channel como se diz nos Estados Unidos), característica que seguia facilitando a implementação a ponto de ainda ser mantida a seção aberta em modelos americanos mais recentes no espaço destinado ao encarroçamento enquanto a seção quadrada passou a abranger também o habitáculo nas versões de chassi e cabine, em que pese as pick-ups já terem as longarinas de seção quadrada por toda a extensão (fully-boxed frame). E a bem da verdade, considerando também os chassis com as longarinas de seção totalmente aberta e perfil reto que ainda eram usados em outros modelos antes da Ford encerrar a fabricação de caminhões no Brasil, a flexibilidade para fazer diferentes variações a um custo relativamente reduzido facilitava o comodismo ao menos enquanto tal configuração permita manter a adequação tanto a normas de emissão de poluentes quanto de segurança. Às vezes, considerando uma histórica indiferença da Ford perante os clientes brasileiros, até me surpreende nunca ter feito nenhuma gambiarra para usar o mesmo chassi das versões menores do Cargo na F-4000 ao invés de ter trazido um chassi idêntico ao americano de '98 na chegada da última geração do modelo;

4 - falta de atenção a alguns segmentos especiais: em que pese a disponibilidade de tração 4X4 para a F-4000 ter proporcionado uma vantagem competitiva à Ford por algum tempo, a empresa foi demasiado acomodada em outros aspectos. Ter parado de comercializar chassis para ônibus em 1999, considerando a prevalência de chassis de motor dianteiro no Brasil que acabam sendo basicamente uma adaptação de chassis de caminhão com alterações na posição de alguns subconjuntos facilitada pelo perfil reto e pela seção aberta das longarinas, foi uma daquelas decisões especialmente estúpidas, à medida que mesmo as cidades que impuseram algumas restrições ao uso de ônibus com motor dianteiro acabaram por ceder ao menos em parte e derrubado ou flexibilizado tais normas. E até a Série F, que ainda tinha apelo tanto junto a operadores estritamente profissionais quanto entre usuários com um perfil mais recreativo, ficou subaproveitada devido à retomada da produção em 2014 somente com a cabine simples, e por nunca ter contado nas versões de fabricação brasileira algumas opções que passaram a ter maior demanda como o câmbio automático;

5 - timing infeliz: tendo em vista o aumento no e-commerce e nos volumes de carga movimentada pelo segmento de logística em reação à crise do coronavírus e aos infames lockdowns cujos efeitos ainda são percebidos em lojas físicas, encerrar em definitivo a produção de caminhões impediu que a Ford tivesse boas oportunidades de negócios que certamente levariam a um incremento na lucratividade da operação de caminhões no Brasil, além do mais considerando que a retomada desse mesmo mercado na Europa Ocidental ainda era algo recente e havia gerado expectativa junto a uma parte do público da marca até no Brasil. A recente concentração de esforços da Ford no mercado de veículos utilitários de modo geral, como caminhonetes e SUVs, também tem um aspecto contraditório com o encerramento da fabricação de caminhões no Brasil.