Mostrando postagens com marcador daewoo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador daewoo. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Chevette: o mais bem-sucedido "anti-Fusca" de um fabricante americano?

Tanto pela participação de subsidiárias e outras empresas afiliadas à General Motors de uma maneira ou outra desde a fase de projeto até a produção, antecipando-se ao conceito de "carro mundial" que ganhou força nos anos 80, eventualmente classificar o Chevette como essencialmente americano esteja longe de ser algo totalmente acertado, mas certamente no Brasil e outros países onde o modelo foi vendido como Chevrolet pode parecer mais difícil assimilar a percepção como um modelo alemão devido à influência da Opel que o comercializava como Kadett C, ou até japonesa por parte da Isuzu que o comercializava como Gemini, além de ter sido também produzido na Coréia do Sul inicialmente como Saehan Maepsy e posteriormente Daewoo Maepsy. Com um ciclo de produção que no Brasil foi de '73 a '93, e contando até '95 com a produção de kits CKD para exportação regional que foram montados até '96 no Equador e pela pick-up compacta Chevy 500 ter permanecido no mercado interno brasileiro até ser substituída por um modelo derivado do Corsa, coube ao Chevette a hercúlea missão de ser um desafiante para o Fusca, e sem sombra de dúvidas a urbanização durante o chamado "milagre econômico brasileiro" ocorrido no regime militar favorecia a concepção mais conservadora com motor dianteiro, que proporcionava uma melhor ergonomia para acesso ao compartimento de bagagens especialmente com a carroceria hatch. O mais irônico foi o hatch ser menos apreciado no Brasil embora tenha sido a única carroceria oferecida sob a marca Chevrolet nos Estados Unidos entre '75 e '86 cobrindo os anos-modelo '76 a '87, após ter sido encerrada a importação do Opel Kadett C que chegou a ser oferecido por lá em concessionárias da Buick já a partir de '73, enquanto o Isuzu Gemini também chegou a ser oferecido nos Estados Unidos como sedan e coupé, lembrando que tanto o Chevette quanto o Gemini compartilhavam alguns motores tanto a gasolina quanto Diesel para o mercado americano.

Lembrando que no Brasil os motores usados no Chevette sempre tiveram o comando de válvulas no cabeçote, desde o 1.4 e o 1.6 até o raro 1.0 usado somente na versão Junior em meio à consolidação do programa do carro popular instituído pelo então presidente Fernando Collor de Mello, talvez possa ficar mais difícil uma comparação ao Fusca em função da diferenciação mais exacerbada entre as opções de motores em diferentes regiões, como nos Estados Unidos onde os motores mais modestos ainda tinham comando de válvulas no bloco, ou na Europa onde tanto o Opel Kadett C quanto o Vauxhall Chevette usaram diferentes linhas de motores tanto de comando no bloco quanto no cabeçote, além do curioso Opel K-180 argentino que usou um exclusivo motor 1.8 derivado do mesmo motor Chevrolet 153 que no Brasil é mais famoso por ter sido o primeiro com 4 cilindros a equipar o Opala, além dos câmbios manuais com 4 ou 5 marchas de acordo com os anos de fabricação e a motorização ou o automático de 3 marchas que chegou a ser oferecido como opcional. Tal abordagem contrastava com o motor do Fusca ter permanecido com uma mesma concepção básica inalterada desde a apresentação da primeira versão para produção em série em 1938 que só chegaria efetivamente ao mercado civil na então Alemanha Ocidental em 1945, até o encerramento mundial da produção no México em 2003 já precisando recorrer à injeção eletrônica e ao catalisador para cumprir com as mormas de emissões da época, embora além do câmbio manual sempre com 4 marchas também tenha chegado a ser oferecido em poucos países com a opção por um raro câmbio semi-automático de 3 marchas. Além da diferença de 28 anos da chegada do Fusca ao mercado alemão ocidental ao lançamento do Chevette e equivalentes internacionais como o Opel Kadett C, e tal distanciamento histórico ter proporcionado evoluções tanto na tecnologia de modo geral quanto na política e na economia, chama a atenção o Fusca ainda ter permanecido competitivo em meio à ascensão mundial de fabricantes japoneses no segmento de carros compactos, e até o Chevette de certa forma ter contado com alguma influência japonesa no projeto certamente pesou para ter sido competitivo enquanto o Fusca perdia ao longo das décadas de '70 e '80 aquela posição privilegiada como referência de carro compacto versátil e polivalente em âmbito mundial para atender à proposta de carro popular que deu origem à Volkswagen e remontava inicialmente às necessidades e aspirações alemãs do entre-guerras.

Embora seja praticamente impossível tentar correlacionar o Chevette à condição de ícone cultural que o Fusca alcançou mundo afora, e nisso tanto uma menor uniformidade técnica quanto o uso de diferentes marcas de acordo com especificidades regionais possam fomentar a percepção como um modelo mais europeu ou japonês que americano, é inegável que a concepção mecânica mais conservadora ao gosto dos Estados Unidos contrastou com a transição mais acentuada da tração traseira para a tração dianteira na Europa e no Japão já durante o ciclo de produção do Chevette, e nesse contexto ficava mais difícil de justificar em comparação ao Fusca que por ter motor e tração traseiros permanecia favorecido por uma parte mais conservadora do público especialmente em mercados periféricos onde a maior capacidade de tração em condições de terreno mais bravias permaneceu útil após o fim da fabricação alemã do Fusca em '78 quando o Brasil e o México que ainda exportou Fuscas para a Alemanha regularmente até '85 concentravam a produção. A percepção do Chevette como mais "genérico" por ter uma configuração mais conservadora, e portanto menos diferenciada perante outros concorrentes generalistas cujo projeto era mais próximo em idade que o do Fusca, certamente proporcionou mais dificuldade para o modelo ser alçado a uma condição tão icônica, embora ter permanecido com tração traseira em meio à transição dos principais compactos para a tração dianteira ainda tenha assegurado a predileção até de uma parte do público que começava a se distanciar do Fusca e se demonstrava insatisfeita com a Volkswagen por só ter mantido a tração traseira na Kombi. Enfim, apesar de ser frequentemente mais associado a uma imagem das engenharias européia e japonesa no âmbito de carros compactos, em contraste com outros modelos tanto da Chevrolet americana quanto de concorrentes como a Ford que tentaram inicialmente combater a ascensão do Fusca e posteriormente dos japoneses nos Estados Unidos com modelos que só eram considerados compactos no mercado americano, pode-se efetivamente apontar o Chevette como o mais bem-sucedido oponente apresentado por um fabricante americano para o Fusca.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Algumas considerações sobre a transferência da produção do Chevrolet Joy do Brasil para a Colômbia

Um modelo que ainda é bem aceito em mercados de exportação regional, embora tenha deixado de ser vendido no Brasil em função das normas de emissões implementadas recentemente, o Chevrolet Joy vai ter a produção transferida para a Colômbia a partir de 2023 em meio a uma reorganização das linhas da General Motors na América do Sul. O carro mais vendido da América Latina em 2018 quando ainda era denominado Chevrolet Onix antes da chegada de uma geração mais nova, e tendo liderado as vendas no Brasil entre 2015 e 2020, ainda sustenta estimativas de um volume de produção de 35.000 unidades por ano quando passar a ser produzido na GM Colmotores em Bogotá, com 30% destinados para o mercado colombiano e os 70% restantes para exportação atendendo principalmente à Argentina, ao Equador e ao Peru. Naturalmente, ainda há oportunidades a serem exploradas também em outros mercados que eram supridos por hatches de fabricação chinesa ou indiana antes da joint-venture com a SAIC passar a focar em modelos mais sofisticados na China e encerrar totalmente a marca Chevrolet na Índia, bem como o fim iminente da produção de hatches compactos na fábrica da Coréia do Sul que passou a pertencer só à GM quando absorveu a divisão automobilística da antiga Daewoo.
A princípio é de se esperar que o hatch possa ter boas perspectivas até fora da América Latina, porque o fogo amigo da SAIC poderia se manter mais intenso com relação ao sedan basicamente por esse tipo de carroceria ainda preservar uma escala de produção que a justifique tanto na China quanto em mercados supridos pela fabricação chinesa e anteriormente também pelos modelos de proposta análoga que foram fabricados na Índia até 2021 mesmo com as vendas de veículos Chevrolet novos no mercado indiano já encerradas desde o final de 2017. Possivelmente um retorno da opção por câmbio automático, excluído dos opcionais quando a geração inicial do Onix e a última do Prisma foram redesignadas Joy, seria útil a uma eventual tentativa de reter clientes de outros modelos Chevrolet destinados a segmentos básicos, e em outras regiões onde hatches e sedans compactos ainda são relevantes para consolidar o volume de vendas, até em países tão improváveis como as Filipinas onde se pode supor que a maior proximidade geográfica com a China e a Coréia do Sul favorecesse uma concentração de veículos asiáticos na linha, embora venha seguindo algumas especificações de modelos destinados aos Estados Unidos. E apesar de alegadamente o Chevrolet Joy permanecer restrito à América do Sul, um modelo de entrada ainda pode se manter importante ao menos para o México, América Central e alguns países insulares do Caribe, até aqueles onde se dirige pela mão inglesa mas é permitido o licenciamento de veículos com o cockpit no lado esquerdo como é o caso da Jamaica.
Uma medida que vai abrir espaço para a fabricação de mais caminhonetes em São Caetano do Sul, bem como consolidar a operação da GM Colmotores que vem sendo usada para a montagem de caminhões e chassis para ônibus fabricados pela Isuzu no Japão e vendidos como Chevrolet em países andinos, essa transferência da produção do Chevrolet Joy do Brasil para a Colômbia tende a ser muito benéfica para a GM a nível regional. Por mais que pudesse parecer uma medida essencialmente "bairrista", levando em consideração que o presidente da GM para a América do Sul é o colombiano Santiago Chamorro, é uma oportunidade para atenuar efeitos da desastrosa saída da GM da Índia, de onde eram supridos modelos subcompactos tanto completos quanto em regime CKD para alguns países latino-americanos a exemplo da própria Colômbia e o México, e um compacto com motor mais austero em contraponto à prevalência do turbo na atual geração do Onix torna-se desejável considerando as condições de rodagem severas da América Latina e eventualmente um menor rigor quanto à manutenção em parte devido aos custos. De um modo geral, o Chevrolet Joy passar a ser produzido na Colômbia pode ser até melhor para a GM do que se poderia prever inicialmente.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Poderia uma maior participação da operação brasileira da GM ter sido mais providencial na Índia e na África do Sul?

Em meio a tantas transições que o mercado automotivo tem vivenciado num contexto mundial, chama a atenção que a General Motors tenha se retirado de algumas regiões como a Europa onde destacou-se em função de ter sido proprietária da Opel entre 1929 e 2017 quando vendeu a operação para o grupo PSA. Certamente um dos modelos mais emblemáticos de quando havia um alinhamento entre a Chevrolet no Brasil e a Opel em outros mercados foi o Corsa B, que além do hatch disponibilizado na maioria dos países também chegou a contar com outras variações de carroceria desenvolvidas no Brasil como o sedan (que posteriormente foi renomeado Classic e teve a permanência prolongada no contexto do carro "popular" brasileiro) e a pick-up, que chegaram também a marcar presença em mercados tão distintos como a Índia e a África do Sul antes que a GM adquirisse a Daewoo e a transformasse em GM Korea. A consolidação da Coréia do Sul como pólo de desenvolvimento de modelos compactos a nível global foi um dos motivos para a operação brasileira ter uma participação menor em estratégia internacionais, culminando com a subordinação à joint-venture chinesa SAIC-GM ao invés de responder diretamente à matriz nos Estados Unidos, e tal situação a princípio pode também ter comprometido a sustentabilidade das operações da General Motors na Índia e na África do Sul.
Naturalmente, especificidades como o Brasil adotar a circulação pelo lado direito da via com o cockpit do lado esquerdo do veículo em contraste ao uso da mão inglesa poderiam fazer parecer improvável um sucesso do Corsa Sedan e da pick-up Corsa na África do Sul por exemplo, mas o fato da plataforma dos modelos já ter levado em consideração essa característica também em função do mercado europeu onde o Reino Unido, Malta e o Chipre também usarem a mão inglesa não foi empecilho para o envio de kits CKD brasileiros para a montagem na antiga operação sul-africana da GM onde os modelos usavam a marca Opel. Outro aspecto relevante é quanto a opções de motorização, com o motor 1.0 que foi usado em versões básicas do sedan no Brasil sendo irrelevante na imensa maioria dos mercados de exportação que preferiam o 1.4 disponibilizado também como opção de entrada para a pick-up em contraste com o uso exclusivo do motor 1.6 no mercado nacional, além de motores Diesel que também eram apreciados em países onde não há limitações ao uso em função das capacidades de carga e passageiros ou tração. É perfeitamente compreensível observar também que, muito embora a carroceria sedan mantenha-se com uma certa relevância sobretudo devido à demanda em mercados emergentes, a ponto de ter feito sucesso com o Corsa B tanto na África do Sul suprida pela produção brasileira quanto na Índia onde também foi feito uso de componentes do equivalente chinês Buick Sail, a pick-up Opel Corsa Utility poderia não ter na Índia a mesma receptividade encontrada na África do Sul, tendo em vista que o mercado indiano tem uma demanda maior por triciclos como o Piaggio Ape entre os veículos comerciais mais básicos que foi ainda mais difícil de superar durante o ciclo de produção da pick-up Corsa brasileira.

O reposicionamento de marcas da GM que culminou na tentativa de reavivar a Chevrolet como marca generalista global, abrangendo também a Chevrolet Montana desde a geração baseada no Opel Corsa C até a atual, também foi um momento que poderia ter sido melhor para reconhecer alguma relevância da operação brasileira no atendimento aos mercados ditos "emergentes" e periféricos. Só o simples fato da Montana ter deixado de usar o nome Opel Corsa Utility na África do Sul para tornar-se simplesmente Chevrolet Utility já poderia parecer mais favorável a um alinhamento mais forte entre a General Motors do Brasil e a General Motors South Africa que também dependia do suprimento de kits CKD coreanos para a linha de automóveis Chevrolet mesmo em segmentos de entrada enquanto a linha Opel já estava tecnicamente mais próxima dos congêneres europeus. Mesmo que a linha Chevrolet brasileira pudesse parecer demasiado defasada até em função do aproveitamento de alguns projetos antigos da Opel tidos como obsoletos em alguns casos, especialmente no tocante ao motor Família 1 que equipou a Montana em versões 1.8 e 1.4 na geração antiga no Brasil enquanto para a atual o maior é reservado para atender à exportação, o desafio de se manter relevante num mercado tão peculiar quanto o brasileiro pode não ser uma experiência desprezível em outras regiões onde uma imagem de "modernidade" mais atribuída à concorrência japonesa e coreana acaba contrastando com a simplicidade de um motor antigo porém à prova de burro que se mantém aceitável para o público no segmento de veículos utilitários de trabalho.

Um exemplo recente de como a operação brasileira da GM merece mais reconhecimento é o Chevrolet Onix, cuja primeira geração lançada em 2012 e discretamente reestilizada em 2017 foi desenvolvida em função de peculiaridades do mercado local que prejudicariam a competitividade dos modelos mundiais numa faixa de tamanho próxima, embora a atual lançada em 2019 tenha contado com mais participação da SAIC no projeto até por interesse dos chineses em se apropriar de propriedade intelectual da GM. É de se destacar o fato do Onix ter sido o carro mais vendido da América Latina em 2018, apesar de não ter sido oferecida nenhuma versão RHD para atender a mercados de mão inglesa que também existem nessa região e em alguns casos como o de Trinidad e Tobago não permitem a venda de modelos LHD, a exemplo do que também ocorre na Índia e na África do Sul onde em outras ocasiões uma aproximação técnica com a GM do Brasil foi muito mais benéfica do que se poderia supor. Enfim, considerando uma série de fatores geográficos, culturais e econômicos que levam à necessidade de soluções nem sempre tão ortodoxas até para um fabricante de automóveis dos mais tradicionais se manter competitivo, seria até fácil deduzir que uma maior participação da operação brasileira poderia salvar a GM na Índia e na África do Sul.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Refletindo sobre alguns erros estratégicos da GM no tocante a motores

Mesmo já tendo sido em outros momentos um fã mais exaltado da General Motors, é impossível não considerar que a empresa possa ter cometido alguns erros estratégicos que hoje cobram um preço pela perda de algumas oportunidades. Não seria nem o caso de considerar um excessivo overlap na linha de sedãs compactos na América Latina, com modelos como o Chevrolet Classic derivado do Opel Corsa e o Chevrolet Aveo que originalmente era o Daewoo Kalos coreano aparentemente gerando um fogo amigo, mas outros pontos como a tentativa de sacrificar projetos de motores mais "à prova de burro" no intuito de se nivelar aos concorrentes japoneses quando estes ainda estavam em ascensão e a dependência excessiva por projetos de terceiros no tocante a motores Diesel para veículos leves não deixam de ser parte de uma série de problemas que culminaram numa menor relevância da GM a nível mundial e até na retirada de alguns mercados. Hoje parece mais difícil ou até mesmo impossível correr atrás de um prejuízo que vem sendo causado por décadas de erros, e até certo ponto não seria de todo errado atribuir parte do problema a uma "desamericanização" principalmente na concepção de motores.

A demora para que a linha de utilitários tivesse a 3ª geração mundial dos motores de 6 cilindros em linha substituindo o motor "Chevrolet Brasil", primeiro da GM a ser efetivamente produzido no país, foi de certa forma algo problemático especialmente durante as primeiras crises do petróleo na década de '70 que tornaram mais relevantes no segmento de caminhões médios o uso de motores Diesel. Foi relativamente comum no Brasil a conversão rudimentar tipo "misto-quente" de motores Chevrolet de 6 cilindros em linha a gasolina ou álcool para óleo diesel, valendo-se do uso do cabeçote e do sistema de injeção dos motores Mercedes-Benz OM321 de injeção indireta e OM352 já com injeção direta, e no caso do motor mais antigo o fato de ter apenas 4 mancais principais de virabrequim não favorecia a durabilidade em virtude das maiores pressões internas às quais estava submetido, além do processo de forja em aço do virabrequim proporcionar tensões que alteravam a estrutura cristalina da liga metálica, enquanto o motor posterior contando com 7 mancais principais e virabrequim fundido em ferro nodular oferecia uma maior aptidão a essa adaptação tão polêmica. O fato desse procedimento não ter sido exatamente desconhecido até por parte de engenheiros da General Motors do Brasil à época chama ainda mais a atenção, principalmente em função da oportunidade perdida para que o desenvolvimento de motores Diesel aplicáveis às mais variadas linhas da GM em âmbito mundial pudesse ter se tornado menos dependente da Detroit Diesel e da Opel ou do outsourcing junto à Perkins por exemplo.

Por mais que o motor Perkins 4-236 tenha sido um ativo valioso durante a massificação dos motores Diesel junto ao segmento de pick-ups, tendo equipado a Chevrolet D-10, a percepção desse tipo de motor como uma mera ferramenta de trabalho excessivamente ruidosa, lenta e áspera demais para uso em veículos particulares era especialmente desafiadora também em função do programa brasileiro de substituição da gasolina pelo álcool iniciado no Regime Militar constituindo uma alternativa para quem não abria mão da maior suavidade que os motores de 6 cilindros a gasolina ofereciam diante de um motor "de trator" com 4 cilindros. Assim, salta aos olhos a perda da oportunidade para a General Motors se firmar entre as pioneiras no desenvolvimento de motores Diesel de alta rotação, cada vez mais fundamentais para manter a relevância em mercados onde uma tributação atrelada às faixas de cilindrada também tem afetado veículos utilitários que no Brasil sofrem menos com esse problema em comparação a veículos mais generalistas. Naturalmente, depender de um eventual fornecimento de cabeçotes por um terceiro seria indesejável caso as conversões "misto-quente" deixassem de ser uma abordagem extra-oficial para serem levadas adiante pela GM, de modo que se faria necessário o desenvolvimento de cabeçotes próprios até levando em consideração a modularidade que viabilizou o compartilhamento do projeto básico do motor de 6 cilindros em linha da 3ª geração mundial com os derivados de apenas 4 cilindros visando cobrir uma maior variedade de segmentos e podendo até mesmo favorecer a pauta das exportações regionais.

De fato, o motor Chevrolet 153 que no Brasil teve como principal aplicação as versões mais simples do Opala e teve somente versões de 2.5L produzidas no país ainda hoje não deixa de ser um projeto interessante pela simplicidade construtiva, e a modularidade possibilitou uma amortização mais fácil do custo de implementação que se revelou particularmente útil durante o início da produção de carros da GM no país. E mesmo que pareça obsoleto sob uma perspectiva mais recente, convém lembrar que o recurso ao bloco e cabeçote de ferro em contraponto a projetos mais recentes que incorporam pelo menos o cabeçote de alumínio proporciona um menor custo de produção, e ainda favorece a retenção de calor que auxilia numa melhor vaporização ao se usar álcool como combustível e reduzir a "fase fria" imediatamente após a partida na qual um catalisador ainda não atinge as temperaturas ideais para promover a redução do índice de poluentes. Também não deixa de ser interessante destacar que o uso de comando de válvulas no bloco com sincronização direta por engrenagens acarreta em menos um possível foco de problemas comparado a motores com corrente ou correia sincronizadora, o que não deixa de ser relevante num país como o Brasil onde mesmo com a disponibilidade mais ampla de oportunidades de aperfeiçoamento para mecânicos independentes e insumos de melhor qualidade não se revertem necessariamente num maior rigor na observância de planos de manutenção por parte de operadores de veículos mais modernos. Com atualizações que acabariam sendo imprescindíveis para cumprir requisitos mais recentes de controle de emissões como injeção e ignição eletrônicas e o uso de catalisadores, não seria tão difícil que um motor frequentemente apontado como defasado pudesse se manter adequado às efetivas necessidades do público generalista em modelos mais modernos e de diferentes categorias.
Tendo em vista que o próprio Opala era uma adaptação dum projeto da Opel à mecânica americana, a princípio considerada mais adequada às condições brasileiras na época do lançamento, já pode até ser considerado um bom precedente do quão falho seria tentar unificar soluções técnicas entre mercados mais desenvolvidos e devidamente consolidados e as antigas colônias de exploração ainda precárias no tocante à infra-estrutura e qualidade de insumos como combustíveis e lubrificantes, bem como da oferta de assistência técnica independente que também acabava por manter uma defasagem técnica. É natural que nesse meio-tempo desde o final da década de '60 até a atualidade tenham ocorrido muitas mudanças tanto no mercado automobilístico quanto na oferta de assistência técnica especializada, e a percepção um tanto equivocada de que a rusticidade não seria mais tão apreciável seja mais difundida até entre algumas partes do público generalista que se deixam levar só pela leitura de fichas técnicas e possam não interpretá-las da melhor forma possível. Porém, outro fator que não deixa de se destacar entre os que motivaram uma alteração tão drástica no mercado brasileiro que hoje possibilita motores mais atualizados frente aos principais mercados mundiais foi a incidência de impostos passar a ter um peso maior da cilindrada do que da potência, de modo que o downsizing passou a ser beneficiado em detrimento ao downrevving.

Lembrando que um equivalente argentino do Chevette "tubarão" usava uma versão do motor 153 com apenas 110 polegadas cúbicas ou 1.8L ao invés de ter sido implementada por lá também a produção de motores Isuzu G140 de 1.4L e G160 de 1.6L com comando de válvulas no cabeçote sincronizado por correia dentada, não deixa de ser relevante considerar a aptidão para cobrir diferentes faixas de cilindrada e até uma possibilidade do mesmo projeto básico poder ser readequado às necessidades de outros modelos com projeto mais recente. Naturalmente, para aplicações de alto desempenho manter a configuração com 4 cilindros seria mais favorável do que seguir a mesma estratégia de reaproveitar o projeto básico de um motor com maior quantidade de cilindros para ir mais além, e desenvolver um derivado com apenas 2 cilindros que poderia cobrir facilmente a faixa de 0.9L a 1.5L em aplicações mais generalistas tendo em vista desde o motor "110" argentino até outras variações de 1.9L e 2.3L que marcaram época na África do Sul e outra de 3.0L feita no México que foi mais comum para uso em equipamentos estacionários/industriais e embarcações. A bem da verdade, considerando que é muito comum no Brasil a adaptação de motores Volkswagen EA827 "AP" no Chevette ao invés de se fazer preparações baseadas no motor Isuzu, no fim das contas uma eventual disponibilidade de um motor de 2 cilindros e 1.5L não teria sido tão problemática, lembrando que para os puristas que repudiam o uso de motores de outra marca não seria impossível montar um "Chepala". E como outros modelos derivados do mesmo projeto que originou o Chevette tinham motores diferentes de acordo com o mercado, como na Europa (exceto Reino Unido) onde foi vendido como Opel Kadett C e usou motores Opel OHV de 1.0L e 1.2L com comando no bloco sincronizado por corrente nas versões mais simples e com versões de 1.6L a 2.0L do CIH com comando no cabeçote também sincronizado por corrente, um eventual uso de motores cujo ferramental já estava disponível e não necessitaria profundas alterações para produzir versões adequadas à proposta original de economia do Chevette poderia ter sido melhor tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Considerando também eventuais interpretações equivocadas em torno da quantidade de cilindros como sendo um fator determinante para o consumo de combustível, eventualmente uma resistência inicial à idéia de usar um motor de 2 cilindros acabaria mais restrita a aplicações de alto desempenho mesmo, podendo ser mais facilmente contornável junto ao público generalista.

Mesmo que o alinhamento da GM do Brasil com a Opel tenha atingido o ápice na década de '90 com exemplos como a chegada do Corsa revolucionando o segmento dos "populares" e a produção local da 2ª geração do Astra, ambos os modelos equipados com versões de motores projetados pela Opel e conhecidos como "Família 1" e "Família 2" com 4 cilindros e comando de válvulas simples ou duplo no cabeçote sincronizado por correia dentada, não deixa de ser relevante questionar até que ponto tal integração entre regiões com condições de rodagem tão distintas pode ter sido realmente benéfica ao público brasileiro e sul-americano em geral. Considerando que tal prática não inibiu a diferenciação entre versões brasileiras do Corsa, que usavam apenas motores com 4 cilindros mesmo que o análogo europeu já tivesse na faixa de 1.0L um motor de 3 cilindros, e no Astra o modelo brasileiro tivesse o subchassi dianteiro feito em aço ao invés de alumínio, não chega a ser tão absurdo supor que motores de concepção mais rústica e teoricamente obsoleta ainda pudessem ter servido tão bem quanto ou até melhor a alguns perfis de utilização, e um custo de produção menor em função do aproveitamento de ferramentais de produção mais antigos e de matérias-primas mais baratas devido ao cabeçote de ferro ainda poderia em alguns casos até amortizar pelo menos em parte a diferença nas alíquotas de IPI se fossem oferecidos motores com uma faixa de cilindrada mais alta que pudesse compensar as faixas de rotação mais modestas em comparação aos que foram originalmente usados nesses modelos. Tendo em vista também a importância que a oferta de motores Diesel tinha para os principais mercados de exportação regional durante a década de '90, e no caso da GMB acabava valendo-se naquele período principalmente dos motores Isuzu 4EE1 e 4EE2-TC de 1.7L e 4FC1 de 2.0L importados, também não deixa de ser relevante retomar a questão dos motores "misto-quente" e como derivações com 2 ou 4 cilindros poderiam se manter competitivas diante da rusticidade que já se observava entre os motores Diesel leves dos principais concorrentes como Fiat, Peugeot e Volkswagen no mercado argentino.

Recordando uma das fases mais nebulosas da história recente da General Motors a nível mundial, que teve reflexos na América Latina como a produção do Agile na Argentina e da 2ª geração da Montana no Brasil desenvolvidos reaproveitando a plataforma já tecnicamente obsoleta trazida à região junto com o Corsa da década de '90 enquanto se desenrolavam a falência e a reorganização institucional da matriz americana visando manter a operação da empresa, a idéia de redução de custos que norteou o projeto do Agile até foi atendida pelos motores "Família 1" em versões de 1.4L e 1.8L que no Brasil só foi oferecida nesse modelo quando equipado com o câmbio automatizado Easytronic. Não deixa de ser pertinente considerar, entretanto, que eventualmente ter seguido adiante com motores baseados num layout teoricamente até mais defasado porém ainda adaptável às necessidades específicas dos veículos menores que se tornaram mais comuns do que as antigas "banheiras" teria acarretado não só uma maior economia operacional para a GM como também eventualmente até mesmo poupado recursos que acabaram fazendo falta em tempos de vacas magras. Nesse caso, como já se tinha o motor "Família 1" à mão e a crise causada pela eclosão da "bolha imobiliária" americana entre 2008 e 2009 fez com que deixasse de ser substituído pelos motores S-TEC de origem Daewoo que cobriria as faixas de cilindrada entre 1.0L e 1.5L como já fazia em mercados como o chinês e o russo, parece incontestável a escolha que foi feita, mas não serve para provar que o "Família 1" fosse capaz de ser o principal motor para "salvar" a GM...

O fato de alguns modelos desenvolvidos pela Daewoo, como o Chevrolet Spark que chegou a fazer sucesso em alguns países vizinhos além de ter sido montado na Colômbia a partir de kits CKD, não é de se desconsiderar também a possibilidade desperdiçada de se agregar mais conteúdo regional caso os motores de 3 e 4 cilindros de procedência coreana pudessem haver sido substituídos por outros de 2 cilindros eventualmente baseados no mesmo projeto básico que originou a 3ª geração de motores de 6 cilindros em linha da Chevrolet e o 153 com 4 cilindros. Até um temor quanto à rejeição por essa configuração seria questionável, tendo em vista que tanto na Argentina e no Uruguai não impediu que a Citroën quando dispunha de motores flat-twin refrigerados a ar fizesse um sucesso comparável ao da Volkswagen no Brasil. Outros mercados como a Índia e a África do Sul, de onde a GM se retirou já entre o final de 2017 e início de 2018 mas tentou manter a operação indiana num modelo de negócios voltado estritamente à exportação justamente para seguir fabricando o Spark, também teriam sido especialmente beneficiados com uma eventual continuidade de um projeto básico que foi desenvolvido num período em que a Chevrolet era a principal marca de veículos a nível mundial. Além de se considerar que a defasagem entre normas de emissões em países subdesenvolvidos na comparação com países desenvolvidos facilitaria a sobrevida de um motor mais "arcaico" e eventuais derivativos que pudessem servir a modelos de concepção mais recente, também é particularmente interessante lembrar que no caso da África do Sul um encerramento da produção local de motores em '82 quando passou a importar motores Opel diretamente da Alemanha pode ter sido um tiro no pé que se refletiu no fim das operações mesmo que já estivesse suprindo os motores de países como Tailândia, Coréia do Sul e até do Brasil...
Já em se tratando da Índia, onde a geração denominada em alguns mercados latino-americanos Spark GT contou com um exclusivo motor turbodiesel de 3 cilindros e 936cc derivado de um motor Fiat de 1248cc e 4 cilindros, um melhor aproveitamento tanto de características compartilhadas pelo motor 153 e pelo de 6 cilindros que o originou quanto das experiências brasileiras com as conversões para Diesel tipo "misto-quente" poderia ter sido mais útil do que ficar dependente de tecnologia fornecida por terceiros. Vale destacar que o motor Fiat de 1248cc era usado em versões indianas do Chevrolet Sail de 2ª geração originalmente fabricado pela joint-venture chinesa entre a SAIC e a GM somente com motores a gasolina e que foi montado na Índia a partir de kits CKD. Naturalmente, uma eventual possibilidade de aproveitar ferramentais desativados em algum outro mercado mais desenvolvido ou simplesmente copiado tanto na China quanto na Índia poderiam ser consideradas para manter uma redução de custo operacional e de desenvolvimento, de modo que se tornaria mais fácil manter a competitividade no tocante ao preço inicial na comparação com concorrentes de origem japonesa que tem prevalecido em alguns dos principais mercados subdesenvolvidos. Por mais que pareça mais difícil disputar com os japoneses, que conseguiram conciliar tecnologia de ponta com uma imagem de durabilidade e fácil manutenção, não dá para negar que motores mais "à prova de burro" que pudessem ser reparados por qualquer mecânico de trator nas condições mais precárias e tendo acesso fácil somente a ferramentas mais rústicas não deixam de ser desejáveis em países pobres.
Considerando também questões como respeito à propriedade intelectual e transferência de tecnologia obrigatória entre fabricantes estrangeiros e os parceiros operacionais chineses, certamente poderia ser mais confortável focar exatamente em motores de concepção antiga já amplamente conhecidos e que ainda podem até ter sido alvo de cópias não-autorizadas em outros momentos na história da indústria automobilística mundial. A importância crescente da linha chinesa da Chevrolet a nível internacional, com o alinhamento deixando de ser exclusivo aos mercados de menor volume de vendas e passando a alcançar até o Brasil e o México, acaba dando uma força descomunal à SAIC para avançar em países onde a GM diminuiu ou encerrou definitivamente as operações próprias, e portanto franquear acesso a projetos de motores mais modernos não deixa de ser de certa forma como chocar o ovo da serpente. E a bem da verdade, o fato de modelos desenvolvidos especificamente de acordo com as preferências do mercado chinês virem ganhando uma maior presença global sobretudo em função de custos, chega a soar contraditório que eventuais benefícios de se recorrer a motores mais "pé-duro" tanto em termos de um custo de desenvolvimento mais do que amortizado quanto da facilidade de manutenção não sejam tão aproveitados.
O caso recente da 2ª geração do Chevrolet Onix, cujas vendas no Brasil tiveram início pelo sedã Onix Plus com motor de 1.0L e 3 cilindros em versão turbo, foi um daqueles casos em que as tentativas de fazer economia acabaram sendo muito arriscadas. Além desse motor ter vindo para substituir o antigo "Família 1" em versões de 1.0L e 1.4L com aspiração natural, que já vinha sendo considerado o mais "à prova de burro" no segmento de entrada, a ocorrência de alguns incêndios atribuídos à qualidade da gasolina associada à supressão da injeção direta usada no modelo chinês substituída no Brasil pela injeção nos pórticos de válvula acabou fomentando algumas desconfianças iniciais e influenciou até algumas desistências de interessados em adquirir o modelo. Com bloco e cabeçote de alumínio, o novo motor também se torna mais caro, além da própria presença do turbo também ter um custo que pode não ser tão competitivo mesmo com a alíquota de IPI menor para motores até 1.0L comparado a similares de aspiração natural com cilindrada mais alta. Tendo em vista que a injeção nos pórticos de válvula num motor turbo acaba requerendo um enriquecimento da mistura ar/combustível em alguns momentos que a injeção direta evitaria, além da necessidade de algum auxílio à partida a frio quando se usa etanol que no caso é o pré-aquecimento dos bicos injetores, a combinação das circunstâncias de uma obrigatoriedade da transferência de tecnologia para empresas chinesas e uma sensibilidade a variações na qualidade do combustível brasileiro é um daqueles pretextos que podem tornar menos absurdo crer que uma aparente defasagem tecnológica possa não ser tão indesejável...

Mesmo com modelos que poderiam atender bem aos segmentos de entrada nos principais mercados mundiais como a atual geração do Chevrolet Onix, é impossível ignorar que eventuais inadequações das linhas de motores em diferentes regiões tenham prejudicado a competitividade da GM não só em alguns mercados tradicionais como a Europa quanto nos países emergentes. Até não seria justo dizer que foi inteiramente errado deixar um pouco de lado uma estratégia mais conservadora que ainda se poderia considerar mais adequada ao perfil tradicional de uma parte muito significativa do público da Chevrolet no Brasil ou mesmo em alguns países onde a GM deixou de operar como a África do Sul, mas uma perda da identidade da marca que acabava sendo associada aos motores "à prova de burro" certamente teve um impacto negativo tanto nos custos operacionais quanto na presença global da GM de um modo geral e não apenas da divisão Chevrolet. Enfim, por mais que circunstâncias do mercado automobilístico tenham sofrido transições muito profundas que impactaram os fabricantes ocidentais e principalmente os americanos de um modo geral, em alguns momentos tentar manter o mesmo passo de inovações no tocante à concepção de motores pode ter sido uma faca de dois gumes para a GM.

domingo, 1 de setembro de 2019

Caso para reflexão: Chevrolet Captiva e a influência asiática na GM

Não restam dúvidas de que a primeira geração da Chevrolet Captiva, que chegou a ser remodelada duas vezes durante um ciclo de produção que se estendeu de 2006 até 2018, marcou uma transição da General Motors como um fabricante essencialmente americano para se tornar de certa forma um tanto mais asiático. Desenvolvido pela subsidiária sul-coreana fortalecida com a incorporação da Daewoo, teve uma presença considerável no sudeste asiático e também na América Latina, sendo por exemplo oferecida em países vizinhos como a Argentina em oposição à versão mexicana que nada mais era do que um Opel Antara rebatizado. Naturalmente, a escala de produção não apenas na Coréia do Sul mas também na China em função da joint-venture com a SAIC Motor facilitou a exportação tanto em regime de CBU quanto na forma de kits CKD para montagem local em alguns mercados, mas pode-se supor que a obrigatoriedade de manter a sociedade com uma empresa local para se manter no mercado chinês foi a pá de cal sobre a Captiva devido ao interesse da SAIC em aumentar a presença global de marcas próprias sem vínculo comercial com a GM. Não há de se duvidar que o fato da antiga operação indiana da GM ter estado subordinada à SAIC foi decisivo para a descontinuação da presença da Chevrolet naquele mercado entre o final de 2017 e o início de 2018, apesar de não ser uma estratégia viável de se implementar no Brasil e outros países latino-americanos devido à imagem mais consolidada da Chevrolet e a percepção de produtos chineses como de baixa qualidade.
Considerando ainda que a Captiva tinha uma presença mais consolidada em mercados emergentes, ou onde a Chevrolet estava posicionada como marca de entrada substituindo a Daewoo e sem maiores pretensões de exaltar a "americanidade", cabe lançar um olhar sobre como a oferta de motores talvez não estivesse tão coerente com as efetivas necessidades de alguns países. A obsessão dos fabricantes americanos em tentar correr atrás do terreno perdido para a concorrência japonesa certamente exerceu alguma influência nesse aspecto, tendo em vista que a busca por eliminar a imagem de obsolescência que tanto se associa aos motores americanos às vezes ignora vantagens que um projeto mais rústico como o do motor Chevrolet "153" poderia apresentar. Começando pelo fato de todos os motores a gasolina oferecidos no modelo já estando em faixas mais altas de tributação baseada na cilindrada, e levando em consideração não apenas que um motor de concepção mais abrutalhada ainda possa ter uma curva de torque suficientemente adequada para atender às efetivas necessidades de usuários num modelo do porte da Captiva mas também que custos de fabricação e facilidade de manutenção podem atender melhor a algumas condições regionais, alguma característica tradicional da mecânica "à prova de burro" tipicamente americana poderia ser desejável para atender a oscilações na qualidade de combustíveis e outros insumos ou facilitar incrementos nos índices de nacionalização de componentes em alguns países. Por mais que algumas características como o uso de carburador e de distribuidor se tornem fora de cogitação diante de normas de emissões e até de segurança, tendo em vista que o gerenciamento eletrônico seria mais favorável à integração com sistemas de controle de tração e estabilidade que vem se tornando obrigatórios até em alguns países periféricos, usar bloco e cabeçote de ferro e comando de válvulas no bloco está longe de ser um demérito. A escalabilidade da linha de motores Chevrolet "153" ter originado versões com cilindrada entre 1.8L na Argentina até 3.0L para usos estacionários/industriais e náuticos nos Estados Unidos, passando pela faixa de 2.5L que foi a única a ser oferecida no Brasil onde ficou mais conhecido simplesmente como o motor do Opala 4 cilindros, conseguiria atender satisfatoriamente na faixa de cilindrada de 2.4L coberta inicialmente pelo motor "Família 2" com bloco de ferro e cabeçote de alumínio e posteriormente pelo Ecotec com bloco e cabeçote de alumínio, e ainda poderia ter se mantido como uma alternativa até mesmo numa faixa entre 3.0L e 3.2L inicialmente atendida por uma versão de 3.2L com injeção multiponto sequencial do motor "High Feature V6" e posteriormente por uma de 3.0L com injeção direta também "High Feature".

No tocante às opções de motores Diesel, vale destacar que antes da primeira reestilização a Captiva era equipada com um mesmo motor turbodiesel de 2.0L projetado pela VM Motori italiana e feito sob licença na Coréia do Sul tanto pela GM-Daewoo quanto pela Hyundai que o usou na primeira geração do Santa Fe. A remodelação fez com que passassem a ser usados motores "Família Z" de projeto próprio da GM, em versão de 2.2L que foi particularmente inoportuno na Índia onde algumas cidades licenciam veículos com motores Diesel apenas com um limite de 2.0L de cilindrada. Nesse caso, além da questão da falta de competitividade da GM em mercados internacionais diante de concorrentes tanto japoneses quanto coreanos como é o caso da Hyundai, não deixa de ser importante salientar eventuais vantagens que um outsourcing de motores Diesel poderia ter feito para facilitar a inserção em alguns países onde não só a montagem em CKD traz benefícios fiscais mas o uso de um motor de fabricação local proporciona ainda mais vantagens dado o incremento no índice de nacionalização de componentes.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Carros "populares": seria a cilindrada um parâmetro realmente justo para a classificação nessa categoria?

Definir com exatidão os parâmetros mais adequados para classificar um automóvel como "popular" é algo mais complexo do que possa parecer, englobando diversos parâmetros que vão desde aspectos práticos até burocracias que podem sofrer variações de acordo com regulamentações, preferências e condições ambientais de cada mercado. No entanto, algumas características como baixo custo de produção e manutenção (evidentemente de acordo com a tecnologia e o custo dos insumos à época do projeto), adequação a condições de rodagem um tanto precárias que possam vir a ser encontradas em algumas localidades e adaptabilidade da plataforma para atender a diferentes necessidades ainda são desejáveis, e em diferentes contextos históricos se mostraram bem aplicadas em modelos como o Ford Modelo T e o Fusca. Ao contrário dos carros "populares" brasileiros da atualidade, no entanto, cabe salientar que a cilindrada não foi tão determinante para que serem reconhecidos como tal.

A bem da verdade, a cilindrada como parâmetro para classificação de um automóvel como "popular" e tributação diferenciada no Brasil teve início com o Gurgel BR-800 SL, equipado com um motor de 2 cilindros horizontalmente opostos ("boxer" ou flat-twin) dentro do limite de 800cc estabelecido pelo então presidente José Sarney em '86. Em que pesem as limitações de um hatch subcompacto, principalmente no tocante à versatilidade, o projeto tinha seus méritos. No entanto, a escala de produção praticamente artesanal acabou sendo tão problemática quanto uma "especialização" ao uso urbano. Além da capacidade de carga e/ou acomodação para passageiros que venha a se fazer necessária em se tratando de um veículo que venha a ser o único ao que uma família tenha acesso, também não deve ser ignorada a aptidão a eventuais percursos rodoviários que possam vir a ser motivados tanto por motivos profissionais quanto no lazer e outros assuntos particulares/familiares. A reação de fabricantes estrangeiros encabeçada pela Fiat a partir de '90, quando o limite de cilindrada foi expandido para 1000cc pelo então presidente Fernando Collor de Mello passando a abranger modelos como o Uno Mille, acabou tendo maior aceitação junto ao público.

Deixando de lado as polêmicas em torno das verdadeiras motivações por trás do aumento no limite de cilindrada, bem como de uma eventual capacidade que os fabricantes estrangeiros teriam para adequar os hatches compactos à faixa de até 800cc, os carros ditos "populares" passaram a ocupar posição de destaque no mercado brasileiro a partir daquela medida tomada por Collor, e 10 anos depois cerca de 70% de todos os veículos 0km comercializados no país estavam enquadrados nessa categoria e já não se limitavam apenas aos hatches. É evidente que a evolução dos sistemas de injeção e ignição eletrônicos, bem como uma aceitação mais ampla de outros elementos mais sofisticados como os cabeçotes multiválvulas, acabaram por reduzir prejuízos ao desempenho em modelos com carrocerias maiores, mais volumosas e pesadas como sedãs, station-wagons e furgonetas, e portanto ficava mais fácil atender a consumidores em busca de um único veículo que se adequasse a diferentes necessidades da unidade familiar que fosse servir-se do mesmo. Cabe lembrar o caso da Fiat que, entre '98 e 2000 preferiu recorrer a um câmbio de 6 marchas para o Siena e a Palio Weekend equipados com o motor 1.0L de 8 válvulas ao invés de incorporar um cabeçote de 16 válvulas.

A aplicação de motores 1.0L a utilitários, como ocorreu no Fiat Fiorino e no Renault Kangoo, instiga a uma reflexão em torno das desvantagens inerentes a um limite de cilindrada definido de uma forma tão arbitrária e cujo embasamento técnico se mostrou, de fato, um tanto questionável. Submetidos ao fator de carga mais alto que seria de se esperar em uma caminhonete, combinado ao deslocamento das faixas de potência e torque para regimes de rotação mais elevados, o mito em torno de uma vantagem incontestável na economia de combustível quando comparado a um similar de cilindrada mais elevada é facilmente derrubado. Além do maior consumo, mas ainda levando em consideração a necessidade de compensar o baixo torque através de relações de transmissão mais curtas para proporcionar alguma agilidade às custas de uma diminuição da velocidade máxima, também não é possível ignorar um eventual prejuízo à vida útil do motor a ser causado pela operação prolongada a regimes de rotação mais elevados, o que viria a acarretar num custo de manutenção mais alto a longo prazo.

Tendo em vista eventuais limitações que um motor de baixa cilindrada venha a apresentar, cabe mencionar a experiência de sucesso do Japão com os kei-jidosha. Além da cilindrada, que desde '90 está limitada a 660cc no mercado japonês (JDM - Japanese Domestic Market), e de um limite de potência de 64cv estipulado na mesma época diante da popularização do turbocompressor, o tamanho contido e o baixo peso (lembrando que "kei" é leve em japonês) minimizavam o esforço ao qual o conjunto mecânico estava submetido. Embora as versões de modelos como o Subaru Vivio e o Daihatsu Cuore que chegaram a ser oferecidas no Brasil durante a década de '90 fossem mais simples, não havia impedimentos para a presença de elementos mais sofisticados oferecidos ao público japonês como o câmbio automático que favorecia o conforto nas congestionadas metrópoles e a tração 4x4 que se mostrava útil em condições de baixa aderência como a presença de neve na pista. Naturalmente, a questão das limitações de cilindrada e tamanho também suscitam controvérsias não só no Japão mas também em mercados de exportação. Se por um lado a Subaru mantinha o motor de 0.66L no Vivio em todos os países onde foi comercializado, por outro a Daihatsu lançava mão de motores maiores para o Cuore como o de 0.8L que foi usado no Brasil.

Ainda que as restrições de comprimento em 3,40m, largura de 1,48m e altura de 2 metros em vigor desde outubro de '98 pudessem sugerir uma limitação a hatches, também surgiram utilitários na classe kei como o jipinho Suzuki Samurai e a microvan Suzuki Carry, que gozaram de algum prestígio em mercados internacionais, e no caso da Carry acabou tornando-se um dos veículos mais copiados do mundo tanto em versões licenciadas como a Daewoo Damas sul-coreana quanto uma infinidade de modelos chineses. Como já seria de se esperar, nas versões destinadas à comercialização fora do Japão predominam motores acima de 660cc. Embora restrições com base no tamanho pudessem se tornar impopulares no Brasil, tanto em função de um comprometimento na capacidade volumétrica de carga e na acomodação de passageiros em um jipinho quanto na percepção de uma menor proteção aos ocupantes em caso de colisão frontal a bordo de uma van com posto de condução avançado, é coerente a estratégia japonesa de relacionar a cilindrada ao tamanho máximo para evitar que um motor tão diminuto trabalhe muito sobrecarregado a ponto de tornar o desempenho insatisfatório e sacrificar a economia de combustível.

Convém lançar uma observação sobre o Toyota Etios e o Peugeot 208, que de certa forma fugiram à regra ao usar somente motores acima de 1.0L mesmo quando os respectivos fabricantes dispõem no exterior de motores que poderiam ser enquadrados no limite de cilindrada que os enquadraria na definição de carro "popular" no mercado brasileiro. No caso do Etios, disponível com motores de 4 cilindros entre 1.3L (exclusivo para o hatch) e 1.5L (tanto para o hatch quanto para o sedan), o desempenho foi mais enfatizado pela Toyota, valendo-se ainda da correlação que o consumidor brasileiro ainda insiste em fazer entre cilindrada e prestígio mesmo sem levar em conta a tecnologia aplicada ao motor. Já a Peugeot vem enfatizando justamente na eficiência do motor de 3 cilindros e 1.2L, que se mostra competitivo também diante da versão de 1.0L do mesmo motor disponibilizada em mercados estrangeiros. Há de se levar em consideração ainda a escala de produção que acaba por favorecer os motores acima de 1.0L, beneficiados também pela aplicabilidade a modelos de porte mais avantajado (e naturalmente mais pesados) que um hatch compacto.

Outro caso em que a cilindrada se mostrou um parâmetro até estúpido para que um carro pudesse ser classificado como "popular" foi o Fusca "Itamar" produzido entre '93 e '96 com o tradicional motor boxer refrigerado a ar de 1.6L, valendo-se de uma exceção especialmente aberta pelo então presidente Itamar Franco para que motores refrigerados a ar destinados ao uso em carros "populares" pudessem ter uma cilindrada mais alta. De certa forma, apesar do uso mais intenso de materiais nobres como liga de alumínio-magnésio na produção do motor, bem como do processo de manufatura com um menor grau de automação em comparação a modelos de projeto comparativamente mais moderno, o Fusca evidenciou que havia espaço para um veículo com menor complexidade mecânica e uma aptidão maior a condições de rodagem severas que se mostram mais desafiadoras para uma concorrência que à época se concentrava em versões depauperadas de compactos e subcompactos europeus projetados entre as décadas de '70 e '90 com motores um tanto subdimensionados (e ainda mais limitados para suportar melhor a qualidade inferior da gasolina comercializada no Brasil).

Também merece menção especial a Fiat, que disponibilizava em mercados de exportação uma versão de 8 válvulas e 67cv do motor Fire 1.3 ao invés do 1.0 de 16 válvulas e 70cv exclusivo para o Brasil. Ainda que a potência parecesse favorecer o motor menor, o torque em baixas rotações mais farto no 1.3 o tornava até mais econômico, além do custo de produção menor inerente ao cabeçote mais simples. Entre o fim de 2002 e o começo de 2003, a Fiat acabou substituindo no mercado nacional o motor 1.0 de 16 válvulas pelo 1.3 de 8 válvulas, sem aumento de preços nos modelos afetados. Curiosamente, como naquele período ainda havia alguma procura por modelos movidos somente a etanol (então referido comercialmente apenas como "álcool"), que também eram favorecidos por uma tributação diferenciada, o antigo motor Fiasa ainda foi mantido ao menos até o final de 2004 apenas numa versão de 1.5L para atender a essa parcela do público consumidor enquanto os "flex" começavam a se consolidar. A disponibilidade do motor de 1.5L a etanol como opção para o Siena Fire, que teve como padrão o motor Fire 1.0 de 8 válvulas a gasolina até que se tornasse "flex" em 2004, de certa forma acabava por também reforçar a incoerência no uso da cilindrada como parâmetro para classificar um carro "popular".

A cilindrada como único fator para a classificação de um veículo na faixa tributária dos "populares" leva ainda a algumas incoerências, como a inclusão de modelos que no mercado brasileiro são até vistos como "de prestígio" como o Volkswagen Golf 1.0TSI que recorre ao turbo para proporcionar um desempenho mais aceitável a um modelo desse porte. Por mais que alguns possam argumentar que o benefício fiscal acabe sendo o único motivo para uma incorporação mais frequente de tecnologias destinadas a uma melhoria da eficiência energética como seria o caso do downsizing aplicado ao Golf, e até certo ponto não deixem de ter razão, não deixa de ser um desvio da proposta original que era simplesmente tornar um automóvel 0km acessível a uma parcela mais expressiva da população brasileira. Dessa forma, não seria de se estranhar que os mesmos defensores de um benefício fiscal a modelos de classes tidas como mais "nobres" no mercado brasileiro em função da incorporação de tecnologias voltadas à economia de combustível tivessem um menor apego à cilindrada, abrangendo assim também os híbridos como o Toyota Prius mesmo sendo dotado de um motor de 1.8L a gasolina associado a 2 motores elétricos.
Considerando ainda a operação mais intermitente do motor de combustão interna num híbrido durante o tráfego urbano, bem como a configuração um tanto conservadora que estes tem adotado mesmo nesse período em que o turbo e a injeção direta vão se massificando em modelos com um sistema de tração mais convencional, convém lançar um olhar sobre outros aspectos que norteiam o desenvolvimento de um motor. O recurso a um prolongamento da abertura das válvulas de admissão, avançando sobre a fase de compressão num motor de 4 tempos do ciclo Otto, tem como premissas emular uma característica inerente ao ciclo Atkinson que é a duração mais longa da fase de expansão em comparação à compressão e também diminuir as chamadas "perdas por bombeamento" por meio de uma redução na compressão dinâmica, e acabou tornando-se muito comum nos híbridos. Um tópico que poderia suscitar discussões mais acaloradas especialmente no Brasil quando se recorre a esse expediente é a menor adequação ao uso do etanol, que apresenta maiores dificuldades para vaporizar durante a partida a frio quando a temperatura ambiente encontra-se muito baixa, e alguma tentativa de induzir um maior aquecimento aerodinâmico valendo-se da variação de fase do comando de válvulas para promover o fechamento das válvulas de admissão em parâmetros mais próximos dos motores mais tradicionais até poderia servir para contornar esse problema mas dependeria de uma detecção prévia do teor de etanol no combustível ao invés de fazer correções de mistura de acordo com a medição efetuada após a combustão pelo sensor de oxigênio (popularmente conhecida como "sonda lambda").

Por mais incrível que possa parecer, outro modelo que de certa forma instiga a uma reflexão sobre as melhores estratégias para nortear o projeto de um motor adequado à proposta de um carro "popular" é o Jeep Willys original. A disposição das válvulas laterais aplicada aos primeiros modelos militares e também a modelos civis até o CJ-3A, apesar de ter algumas limitações inerentes aos fluxos de admissão e escape que forçam a um estreitamento das faixas de rotação, bem como a dificuldade em implementar taxas de compressão mais elevadas, ainda possibilita um layout mais compacto e leve do motor como é possível observar comparando a altura do capô entre um Willys MB da época da 2ª Guerra equipado com o motor Go-Devil de 2.2L com 4 cilindros e válvulas laterais e um Willys CJ-3B que já contava com o motor Hurricane da mesma cilindrada mas que já incorporava as válvulas de admissão no cabeçote enquanto mantinha as de escape no bloco (o popular "cabeçote em F"). Ainda que à primeira vista pareça uma configuração totalmente obsoleta e injustificável, a meu ver seria um tanto precipitado ignorar alguns benefícios que o recurso às válvulas laterais podem proporcionar a um projeto que venha a ser balizado pelo baixo custo na ausência de políticas tributárias direcionadas às baixas cilindradas.

Naturalmente um motor de concepção mais moderna com as válvulas no cabeçote é capaz de proporcionar um desempenho mais vigoroso tanto numa mesma faixa de cilindrada quanto em alguns casos numa inferior, sobretudo em função da aptidão a operar em faixas de rotação mais altas e da maior liberdade para alterar as taxas de compressão, mas o custo ainda foi um fator preponderante para que modelos pós-guerra como o Renault 4CV que já foi lançado com válvulas no cabeçote ainda tivessem concorrentes fiéis às válvulas laterais como o Ford Anglia E04A. Embora numa comparação direta entre o motor Renault Billancourt de 747cc usado no 4CV e o Ford Sidevalve de 933cc que equipou o Anglia não haja tanta discrepância entre as faixas de rotação, e surpreendentemente o pico de torque do Anglia seja atingido num regime de giro 15% mais elevado enquanto a potência máxima do 4CV é situada numa rotação apenas 2,5% superior, é mais frequente que um motor de válvulas laterais apresente tanto o pico de potência quanto o de torque a rotações consideravelmente mais baixas. Potência e torque específicos (divididos pela cilindrada) também costumam ser mais baixos, tanto em função dos fluxos de admissão e escape um tanto tortuosos quanto pela taxa de compressão frequentemente mais baixa. No entanto, o que poderia parecer um problema se mostra justificável diante da diminuição do risco de pré-ignição (a popular "batida de pino" ou "detonação") quando estiver em uso uma mistura ar/combustível mais pobre (menor quantidade de combustível em proporção à massa de ar), e também não provocar um aumento considerável das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) embora tal parâmetro não recebesse tanta relevância à época.

De um modo geral as características que se revelam mais coerentes à proposta de um carro "popular" estão relacionadas à aptidão para atender a usuários com os mais diferentes perfis dispondo de orçamentos restritos, sem desconsiderar os contextos econômicos e sociais de cada época. Nesse sentido, uma intervenção excessiva de burocratas que demonstram não dar a devida atenção a critérios técnicos pode vir a se tornar na verdade mais problemática do que pareça à primeira vista. Enfim, em meio a tantos parâmetros que possam definir o quão próximo um veículo esteja de atender tanto a uma maior variedade de condições operacionais quanto a necessidades mais específicas de alguma parte do público, tomar apenas a cilindrada como referência não deixa de ser uma medida injusta tanto para os consumidores que ficam limitados a opções mais precárias quanto para os fabricantes que se veem obrigados a fazer gambiarras que nem sempre justificam o custo de produção.