sábado, 22 de julho de 2023

Reflexão pessoal sobre uma relação de amor e ódio pelo motor 2-tempos nas motos

Mais lembrados no Brasil pela época que a Yamaha os priorizava num mercado motociclístico ainda em estágio embrionário por assim dizer, e que diga-se de passagem foi um dos estopins para o crescimento da Zona Franca de Manaus, os motores 2-tempos ainda contam com adeptos e entusiastas fervorosos, às vezes chegando a níveis de fanatismo comparáveis ao observado na preferência por um time de futebol. E realmente, considerando como a pequena quantidade de exemplares remanescentes de modelos tão marcantes como a Yamaha RX 80 ou a Yamaha TT 125 reflete bem aquela posição de vice-liderança da fabricante mesmo quando a única concorrente que levava os motores 4-tempos de pequena cilindrada a sério no Brasil era a Honda, tendo originado até aquela lenda repetida à exaustão acerca de um suposto acordo com o governo militar que teria dado à Honda um monopólio de 25 anos dos motores 4-tempos de baixa cilindrada durante a implementação da Zona Franca de Manaus, foi uma disputa acirrada que se via refletida na preferência pelos motores 2-tempos da Yamaha junto a uma parte do público que via mais "esportividade" neles. A bem da verdade, a aparente facilidade para incrementar o desempenho de motores 2-tempos com uma simplicidade que beirava o improviso tinha lá seus encantos, enquanto para motores 4-tempos o argumento da economia operacional já se aproximava da dinâmica que ainda se vê no mercado motociclístico brasileiro com as pequenas cilindradas até tomando o lugar do carro popular.

A prioridade absoluta dada pela Honda aos motores 4-tempos já era uma característica da empresa antes mesmo de iniciar a produção no Brasil, e até a pequena CB 50 importada tinha um motor OHC bastante sofisticado para os padrões da faixa de cilindrada na década de '70, que podia ser considerado adequado à imagem mais recreativa que as motocicletas ainda tinham antes da produção nacional em larga escala e as crises do petróleo levarem uma parte do público a considerá-las uma alternativa mais eficiente aos carros. Tanto a prioridade dada ainda durante o governo JK na década de '50 à produção de automóveis e utilitários mais convencionais com 4 rodas e acomodação para ao menos 4 passageiros em detrimento de motos e triciclos, que a bem da verdade já haviam provado seus méritos desde o imediato pós-guerra ao proporcionarem transporte barato na reconstrução de países como a Itália e o Japão, quanto o público generalista associar um automóvel com carroceria fechada a uma imagem de "progresso" em oposição a carroças e calhambeques, já eram condições bastante desafiadoras para a indústria motociclística chegar ao Brasil com a mesma força que a Volkswagen rapidamente conquistaria a partir dos anos '50, mas isso era só a ponta do iceberg. Lembrando daquela lenda absolutamente infundada acerca de um inexistente acordo com os militares para ter um monopólio das motos pequenas com motor 4-tempos no Brasil, que na prática só ocorreu tanto no Brasil quanto em alguns países do sudeste asiático porque a estratégia de concorrentes diretos como a Yamaha em concentrar esforços no motor 2-tempos era considerada muito mais vantajosa nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos por motivos estritamente técnicos.
Os motores OHC das Honda CB exigiam um maior rigor na observância de intervalos para as trocas de óleo, para assegurar um correto funcionamento e a durabilidade do sistema de comando de válvulas no cabeçote com sincronização por corrente, e portanto um tailandês, vietnamita ou filipino naturalmente iria simpatizar pelos motores 2-tempos mesmo que às vezes pareça incômodo ter que calcular dosagens de óleo 2T a serem adicionadas diretamente à gasolina, apesar do câmbio e da embreagem ainda serem banhados em óleo tal qual nos motores 4-tempos. Soichiro Honda tinha uma declarada preferência por motores 4-tempos a ponto de já ter jurado em diversas ocasiões que jamais faria um motor 2-tempos e, embora tenha quebrado tal promessa principalmente quando estritamente necessário para cumprir com os regulamentos de diferentes categorias de competições no motociclismo esportivo, favoreceria a CG 125 varetada visando conciliar a simplicidade de manutenção a uma maior resiliência diante de algumas negligências quanto às trocas de óleo que se revelavam especialmente críticas no sudeste asiático. Com o comando de válvulas no bloco sincronizado diretamente por engrenagens, sem correntes nem tensores para sofrer danos mais severos por descuido com relação ao óleo, a primeira geração da Honda CG 125 chegou a ser lançada na Tailândia antes de chegar ao Brasil, onde acabaria tendo destaque ao inaugurar a fabricação nacional na Moto Honda da Amazônia e dar início a uma história de sucesso que ainda tem uma forte influência mesmo após tantas modernizações ocorridas no mercado motociclístico brasileiro.
Curiosamente, naquelas aplicações mais utilitárias para as quais a Honda CG 125 abriria espaço para as motos mais convencionais, a principal concorrente em alguns momentos acabou sendo a Vespa ao invés de alguma Yamaha, por mais que as diferenças transcendessem o dilema entre o motor 4-tempos da CG e o 2-tempos da Vespa PX 200E que em 1986 alcançou a vice-liderança do mercado brasileiro de motos que já tinha a CG como campeã de vendas. Foi até bastante conveniente no Brasil a Honda ter trazido a CG com o comando de válvulas no bloco e sincronização somente por engrenagens, característica que o Fusca e toda a linha Chevrolet de fabricação brasileira anterior a 1972 e o Jeep anterior a 1976 tinham, e a refrigeração a ar tal qual o Fusca e a imensa maioria da linha brasileira da Volkswagen até a década de '80 também facilitava assimilar os princípios de funcionamento e da manutenção básica de um motor 4-tempos em aplicação motociclística, mesmo com a Vespa que havia sido projetada contemplando as necessidades de uma Itália em escombros no pós-guerra ainda tendo alguns méritos que poderiam fazer uma eventual rejeição que começasse a surgir pelo motor 2-tempos parecer irrelevante. Em que pese as motos e assemelhados terem características únicas que impossibilitam tratá-las como "um carro de duas rodas", entre elas a leveza que favoreceria uma continuidade do motor 2-tempos avançar já pela década de '90 mesmo no Brasil, a reabertura do mercado brasileiro aos veículos importados no governo Collor e um maior contato com a evolução significativamente mais rápida que os motores 4-tempos recebiam fez o 2-tempos permanecer mais justificável sob perspectivas estritamente passionais.
Cabe lembrar que tanto a reabertura das importações quanto o encerramento da fabricação nacional da Vespa ocorreram em 1990, mas tanto o motor 2-tempos quanto o conceito básico da Vespa ainda tinham uma grande relevância em outros países que podem ser comparados ao Brasil nos âmbitos econômico e social, desde a Índia onde a Bajaj produziu sob licença da Piaggio um modelo denominado Chetak que manteve até 2002 o motor 2-tempos, até o Uruguai onde a Bajaj Chetak chegou a cumprir as premissas do projeto atendendo a necessidades de transporte econômico ao invés de ser reduzida a uma condição de curiosidade histórica para atender a entusiastas de produtos "retrô", como viria a ocorrer com alguns exemplares trazidos ao Brasil na década de '90. E a própria Vespa PX permaneceu em linha na Europa até 2007 com motores 2-tempos atendendo às normas de emissões Euro-2, retornando à produção entre 2010 e 2016 com a adição de um catalisador para atender às normas Euro-3 antes de ser descontinuada definitivamente pela aparente impossibilidade de atender às normas Euro-4. Até poderia ser destacada a possibilidade de modernizar o motor 2-tempos com um sistema de injeção eletrônica em substituição ao carburador, respeitando algumas peculiaridades técnicas que favoreceriam um abordagem diferenciada com relação ao que hoje é habitual nos motores 4-tempos, nos quais a injeção num duto de admissão tal qual ainda acontece com motores automobilísticos mais modestos é facilitada pela simples presença de válvulas de admissão e escape acionadas mecanicamente que acaba por minimizar as perdas de mistura ar/combustível crua.

É preciso ter muito amor pelo motor 2-tempos para compreender algumas diferenças, especialmente no tocante ao dimensionamento das janelas de transferência e escape que fazem uma Lambretta responder bem de baixos a médios regimes de rotação e acondições de uso mais suaves em contraste à brutalidade de uma Yamaha RD 350 LC, bem como com relação ao escapamento que também tem uma influência muito considerável no rendimento dos motores com destaque para aquelas câmaras de ressonância que chegam a lembrar o formato de um balão de festa junina e proporcionam uma contrapressão no intuito de minimizar perdas de mistura ar/combustível crua durante o cruzamento das janelas de transferência e escape. Lidar com válvulas de palheta para otimizar os fluxos de admissão, e também aquelas válvulas de escape que permitem alternar entre uma maior restritividade que favoreça o torque em baixa rotação e abrem para proporcionar um maior fluxo em altas rotações e que ficaram mais conhecidas no Brasil simplesmente por YPVS devido a todo o destaque obtido pela Yamaha no âmbito dos motores 2-tempos no Brasil, é outra daquelas especificidades que correm o risco de sucumbir a gambiarras caso prevaleça um ódio. Enfim, mesmo que o público generalista veja motores 2-tempos como uma mera curiosidade a ser eventualmente apreciada mais por uma nostalgia que por aspectos técnicos ou práticos, é evidente a relação de amor e ódio que podem desencadear.

terça-feira, 18 de julho de 2023

Modernização dos buggys: indicativo de uma demanda reprimida por modelos de perfil mais generalista com uma configuração mecânica semelhante?

Da origem como mais um derivado do Fusca e voltado ao uso recreativo no litoral, o buggy é um tipo de veículo que ainda encontra fãs fervorosos mesmo em grandes cidades, embora seja naturalmente um pouco menos conveniente para a proposta de um veículo generalista, além de dificuldades mais recentes no tocante à homologação de novos projetos em conformidade com as normas de segurança e emissões em vigor terem fomentado alterações significativas no próprio conceito desses veículos. O uso de chassi Volkswagen e do motor boxer refrigerado a ar provenientes do Fusca e outros derivados tem dado lugar a chassis tubulares próprios, com conjuntos de suspensão eventualmente bem mais sofisticados como o sistema de suspensão dianteira duplo-A usado em algumas versões do buggy Way que já vinham sendo modernizadas para acompanhar o maior rigor das normas técnicas e continuar atendendo à demanda em especial no Nordeste onde concentra-se o principal volume de vendas em função do turismo, mas fica o questionamento quanto à aptidão que poderia ter algum veículo de perfil mais generalista com motor e tração traseiros como continua habitual nos buggys, tendo em vista que tais características serviam bem ao tráfego em condições de terreno um tanto rústicas ainda comuns pelo interior. Assim como a própria Volkswagen alcançou uma liderança de mercado que se sustentou desde a época áurea do Fusca até por volta de 2001, quando a Fiat chegou a tal posição pela primeira vez no Brasil e a tração dianteira já era o padrão nos segmentos generalistas, também acaba sendo inevitável lembrar que o uso da disposição de motor e tração traseiros com conjuntos motrizes fornecidos pela Volkswagen tornou os utilitários da Gurgel atrativos o suficiente para atrair a uma parte mais austera do público que ainda sustentava uma continuidade da produção da linha Jeep Willys que a Ford manteve entre '67 e '83 valendo-se do espólio da Willys-Overland do Brasil.

Naturalmente fabricantes generalistas que desejam vender pick-ups 4X4 e SUVs de tração dianteira vão ver com algum desdém uma parte do público que eventualmente ainda fique satisfeita com veículos que tenham configuração mecânica mais austera sem abrir mão da capacidade de incursão off-road, embora a continuidade do segmento de buggys para atender a um segmento bastante específico demonstre ainda haver espaço para opções que hoje soam pouco ou nada ortodoxas como o motor e tração traseiros. Até o compartilhamento de alguns elementos com carros de proposta generalista, a exemplo dos motores e câmbios cuja montagem em posição transversal oportuniza uma instalação "ao contrário" nos buggys dá a entender que a economia de escala estaria longe de ser um desafio maior que a inclusão de ítens como freios ABS ou airbags, embora uma recalibração de controles eletrônicos de tração e estabilidade possa ficar a princípio mais trabalhosa em função da maior integração entre os diversos sistemas eletrônicos a serem aplicados nos automóveis modernos, bem como o perfil mais "especializado" torne difícil sugerir a muitos usuários generalistas a tração traseira que fica rotulada como "retrocesso técnico" se atrelada à imagem do Fusca e da resiliência a condições de rodagem severas que o fez manter um público bastante fiel especialmente em regiões rurais pelo custo operacional comedido em comparação a utilitários 4X4. Enfim, por mais desacreditado que possa parecer num primeiro momento, o princípio de motor e tração traseiros ainda é capaz de atender satisfatoriamente a algumas condições operacionais específicas, a um custo total que pode permanecer mais comedido e com manutenção mais simples que um veículo 4X4 em condições semelhantes de uso, e a continuidade dos buggys com o enfoque no uso turístico serve de exemplo que poderia muito bem ser seguido em outras aplicações por mais específicas que possam ser.

sábado, 15 de julho de 2023

Haveria espaço para a atual geração do Suzuki Swift caso fosse oferecido no Brasil?

Tendo como principais hubs de produção o Japão e a Índia, e alguns países como o Uruguai já recebem o modelo indiano e em menor proporção uma versão esportiva de fabricação japonesa, é difícil explicar a ausência da atual geração do Suzuki Swift no mercado brasileiro. Em que pese o grupo Souza Ramos, que é o representante das divisões automotivas da Suzuki e da Mitsubishi no Brasil (as motos Suzuki no Brasil são representadas pelo grupo J. Toledo), dar mais ênfase aos utilitários 4X4 de ambas as marcas e rejeitar uma abordagem mais "popular", tanto uma série de fatores de ordem técnica quanto a dinâmica do mercado brasileiro ainda ter espaço para produtos que possam até ser considerados mais austeros em segmentos mais tradicionais leva a crer que o Swift poderia também ser competitivo diante dos modelos de outros fabricantes com um posicionamento mais claramente generalista. Naturalmente a produção na Índia pode ser alvo do mesmo ceticismo que antes era apontado com relação aos carros chineses, apesar da qualidade seguir o mesmo padrão das versões japonesas, com a vantagem da mão-de-obra barata.

Um recente interesse do governo indiano pelo etanol, fomentando até planos para fomentar a venda de automóveis e motocicletas flexfuel na Índia a exemplo do que predomina no Brasil, até facilitaria uma "tropicalização", embora o uso de um câmbio automatizado de embreagem simples ao invés de oferecer um automático propriamente dito como o CVT disponível em versões japonesas, ou do automático de 6 marchas que é opcional para o modelo esportivo da linha, fosse um possível alvo de rejeição do público brasileiro como acontecia com modelos de outras marcas. Eventualmente os únicos motores 1.0 usados na atual geração do Suzuki Swift serem turbo pudesse atrapalhar, tendo em vista o maior rigor exigido na manutenção comparado ao 1.2 aspirado que se usa na Índia e na maioria dos destinos de exportação, e apesar que um motor 1.0 aspirado atualmente usado em alguns subcompactos da Maruti Suzuki talvez já desse conta de atender ao Swift e permanecer competitivo diante de modelos de proposta semelhante fabricados no Brasil seria improvável tal simplificação tão somente para enquadramento na alíquota de IPI reduzido aplicável aos carros "populares". Talvez um sistema mild-hybrid, que é aplicável tanto aos motores turbo quanto ao aspirado, pudesse ser mais atrativo para pleitear alíquotas de impostos menos exorbitantes, e ao mesmo tempo obter uma isenção do rodízio pelo final da placa que permanece em São Paulo e certamente constituiria um excelente argumento de vendas para quem rejeite depender do Uber ou então recorrer a uma motocicleta para usar somente no dia do rodízio por também ser isenta sem qualquer observância de parâmetros técnicos mais específicos.

Por mais que o representante das divisões automotivas da Suzuki e da Mitsubishi tenha conseguido que um modelo de negócios voltado exclusivamente a caminhonetes e SUVs cuja margem de lucro é maior, antes mesmo que a Ford tentasse implementar uma estratégia semelhante a nível mundial, é evidente o interesse de uma parte do público brasileiro por carros mais convencionais também, seja por um custo a princípio mais comedido, seja pela impressão que um hatch seria mais adequado à condução esportiva. Com opções de conjuntos mecânicos que seriam adequadas a diferentes perfis, e aparência agradável, o Suzuki Swift da geração atual teria condições de ser competitivo diante da concorrência generalista, e o único empecilho aparentemente é o posicionamento de mercado como "especialista em 4X4" atribuído à Suzuki no Brasil. Enfim, por mais que alguns fatores como uma desconfiança de parte do público por ser um modelo de fabricação estrangeira, e a percepção quanto à marca ser diferente da vista em países onde a Suzuki se destaca em segmentos generalistas, o Swift da atual geração cairia como uma luva no Brasil...

terça-feira, 11 de julho de 2023

Qual seria o maior empecilho para um uso automotivo de motores 2-tempos na atualidade?

Mais lembrados no tocante ao uso veicular no Brasil pela linha DKW-Vemag, os motores 2-tempos tem fãs bastante fervorosos tanto pela relevância histórica quanto por algumas peculiaridades de ordem mais técnica, embora prevaleça hoje a curiosidade em detrimento de uma eventual percepção como "melhor" na comparação aos motores 4-tempos. Tidos como "poluidores" principalmente quando era necessária a mistura prévia de óleo lubrificante à gasolina, e tanto a disponibilidade de óleo 2T quanto a formulação apresentavam algumas inconsistências eventualmente levando ao uso de óleos menos apropriados para a correta operação dos motores, acabaram por ser execrados mesmo após o surgimento dos sistemas de lubrificação automática por injeção de óleo em proporção variável à de gasolina de acordo com a carga à qual o motor estava submetido e minimizavam tanto a carbonização ao redor dos eletrodos das velas de ignição quanto a fumaça visível, como o Lubrimat que equipou modelos DKW-Vemag entre 1965 e o encerramento da produção em 1967. Outros aspectos também acabaram desencorajando uma eventual continuidade de motores 2-tempos em automóveis fora do Japão e dos países da Cortina de Ferro após a década de '60, embora permanecessem numa posição relativamente confortável junto a motocicletas até por volta do ano 2000 quando a preferência por motores 4-tempos já estava mais consolidada.
Uma peculiaridade do sistema de lubrificação por perda total do óleo, submetido à combustão junto da gasolina ou de algum combustível alternativo como o álcool/etanol ou combustíveis gasosos quando for o caso, é ser incompatível com o uso de um turbocompressor atualmente muito comum no contexto do downsizing, sem distinções entre o uso de um sistema de lubrificação automática ou a mistura prévia de óleo ao combustível. Levando em consideração também que o conceito de "potência fiscal" ainda usado em países europeus apresenta variações mesmo no âmbito da União Européia com Alemanha e Espanha aplicando uma fórmula diferente de cálculo, que atribui uma classificação mais alta a motores 2-tempos na comparação a motores 4-tempos da mesma cilindrada, a princípio uma perspectiva de considerar um retorno dos motores 2-tempos no âmbito do downsizing para uma incidência menor de impostos perde a finalidade prática, em que pese um custo de produção eventualmente menor pela simplicidade, e ainda a potência específica a nível do mar parecida. Vale destacar que o turbo também proporciona algum grau de compensação dos efeitos da altitude, que diminuem o rendimento de um motor conforme ultrapassa o nível médio do mar e consequentemente a pressão atmosférica diminui, enquanto o eventual recurso a um compressor volumétrico de acionamento mecânico popularmente conhecido por "supercharger" ou "blower" e acoplado ao virabrequim tanto diretamente quanto por correia que mediante lubrificação por salpico com um circuito de óleo próprio ainda seria compatível aos motores 2-tempos só seria capaz de proporcionar um efeito semelhante caso o compressor tivesse a velocidade variável, como chegou a ser usado somente em alguns motores aeronáuticos devido à maior complexidade e ao alto custo.

Apesar da leveza e simplicidade ainda terem favorecido motores 2-tempos no mercado motociclístico, em parte pelo custo menor mas também por uma maior leniência no tocante a normas de emissões que viabilizou modelos como a scooter Aprilia SR 50 ainda ter usado carburador em alguns países mesmo que em outros já fosse oferecido o sistema Ditech de injeção direta de combustível, que naturalmente só funcionava com um sistema de lubrificação automática, outros desafios de ordem técnica permanecem relevantes. Devido às próprias características de um motor 2-tempos, como a carga de admissão passar pelo cárter enquanto o pistão sobe e de lá ser transferida para o cilindro quando o pistão desce e tanto as janelas de transferência quanto de escape são abertas, evitar a perda de mistura ar/combustível crua fica mais difícil, bem como conciliar uma maior elasticidade para operar em diferentes regimes de rotação, e portanto sistemas de válvulas de palheta que abrem pelo vácuo gerado no cárter enquanto o pistão sobe para controlar com mais precisão o fluxo de admissão e válvulas de potência (mais frequentemente com acionamento eletrônico, para manter o acionamento mecânico inalterado da bomba de óleo dos sistemas de lubrificação automática) que bloqueiam uma parte das janelas de escapamento a regimes de rotação menores para minimizar a fuga de mistura e abrem em regimes de rotação mais altos de acordo com o incremento no fluxo de gases de escape minimizam o problema, e guardadas as devidas proporções até podem ter um efeito comparável ao que um motor 4-tempos obtém com comandos de válvula variáveis. As curvaturas do escapamento e a eventual presença de uma câmara de reflexão também minimizam a perda de mistura ar/combustível crua, tendo em vista uma ressonância que força parte da mistura que tenha saído junto do fluxo de escape a retornar para dentro do cilindro, embora seja incorreto fazer uma analogia com o sistema EGR que promove a recirculação de gases de escape em motores 4-tempos para diminuir a proporção de oxigênio e nitrogênio livres para formarem óxidos de nitrogênio (NOx) quando a mistura ar/combustível esteja mais pobre.


Pode-se apontar também uma menor efetividade de freio-motor inerente aos motores 2-tempos entre as características que os mantiveram relevantes aos olhos de uma parte do público motociclístico mesmo que o uso em automóveis tenha sido descontinuado muito antes, embora a mesma peculiaridade tivesse relevância também com relação aos motores Diesel antes de sistemas retardadores de frenagem ficarem mais comuns, então outro fator bem mais subjetivo mas ainda justificável seria uma eventual percepção de motores 2-tempos adequados à proposta originalmente austera de uma motoneta como a Lambretta incorporarem um estigma de "pobreza" que pudesse assustar o público-alvo do DKW-Vemag Fissore por exemplo. Uma dificuldade para justificar investimentos que ficariam proporcionalmente mais caro considerando perfis de uso essencialmente generalistas no caso de motores 2-tempos em motos acabou levando a uma maior celeridade no desenvolvimento de motores 4-tempos nos carros, tanto pela idéia de uma maior sofisticação quanto pelo maior rigor no controle de emissões, mesmo que experiências no tocante a um retrofit de injeção direta em motores 2-tempos que permaneciam em operação comercial em motos e similares em países asiáticos como as Filipinas tenham obtido algum destaque por volta de 2007, e tenha sido efetivada a produção em escala comercial para uso em algumas motocicletas off-road européias e em triciclos utilitários na Índia também sem tanto sucesso. A bem da verdade, lembrando de dificuldades quanto a um aumento na formação de óxidos de nitrogênio e até de material particulado ao incorporar a injeção direta em motores 4-tempos a gasolina ou mais recentemente flex que antes eram um calcanhar de Aquiles mais associado aos motores Diesel, no caso de um motor 2-tempos mesmo que se use um combustível volátil como a gasolina e o etanol a vaporização é menos completa comparada à que seria possível por outros métodos, tal qual se observa em motores 4-tempos mesmo considerando o "arcaico" carburador que em nada contribui para amenizar perdas de mistura crua num motor 2-tempos.
É inevitável fazer analogias com a ascensão da injeção eletrônica em motores 4-tempos, desde sistemas monoponto que podiam ser instalados na mesma posição que um carburador até as injeções multiponto sequenciais hoje ainda muito usadas em automóveis generalistas mas que por serem mais otimizadas a motores 4-tempos acabariam sendo mais difíceis de minimizar as perdas de mistura crua inerentes a um motor 2-tempos, de modo que o mais recomendável é a injeção nas janelas de transferência que chegou a ser implementada apenas em algumas motos off-road. Lembrando ainda que até em motores 4-tempos a pressão de auto-proclamados "ambientalistas" tem levado à busca de soluções voltadas a combustíveis gasosos, com destaque para o hidrogênio mas sem esquecer o gás natural que ainda pode ser usado com relativa facilidade, a diferença entre uma injeção de gasolina ou etanol e até o gás liquefeito de petróleo na fase líquida em comparação ao hidrogênio ou ao gás natural injetados sempre na fase de vapor ainda seria tão complexa quanto em motores 4-tempos de injeção direta caso injetores únicos fossem usados, em contraste com a adaptação de injetores adicionais para combustíveis gasosos no coletor de admissão que ficaria mais crítica num motor 2-tempos por ser mais difícil prevenir perdas do combustível gasoso durante o cruzamento dos fluxos de transferência e escape mesmo com a injeção sequencial. Portanto, além da imagem de excessiva rusticidade que já diminuía a competitividade de modelos de aspiração mais prestigiosa como o DKW Fissore, hoje o gerenciamento do sistema de combustível seria o maior desafio para motores 2-tempos destinados a uso automotivo permanecerem competitivos na atualidade.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

5 maiores empecilhos para triciclos utilitários conquistarem uma participação de mercado mais expressiva no Brasil

Um país tão peculiar quanto o Brasil impõe uma série de desafios nas diversas atividades econômicas, e dentre eles a logística tende a requerer também abordagens mais específicas em cada condição regional. Chama a atenção que um tipo de veículo que demonstrou grande utilidade na Itália do pós-guerra com o Piaggio Ape, e ainda se destaca na Índia onde fabricantes como a Bajaj que já exportou alguns modelos para o Brasil onde a Kasinski os comercializou brevemente entre 2001 e 2004, seja tão pouco difundido no mercado brasileiro. Naturalmente há de se considerar desde fatores mais estritamente operacionais a outros meramente subjetivos, que acabaram efetivamente dificultando uma maior difusão dos triciclos utilitários mesmo junto a operadores estritamente comerciais, cabendo destacar ao menos 5 motivos...
1 - falta de interesse governamental: desde a época de Juscelino Kubitschek e a instituição do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) em meio ao plano de desenvolvimento "50 Anos em 5", os incentivos eram mais voltados a caminhões e outros utilitários de configuração mais "convencional" por assim dizer e automóveis de passageiros. Motocicletas, ciclomotores e "assemelhados", a categoria que corresponderia aos triciclos, precisou esperar que o regime militar implementasse a Zona Franca de Manaus, e o grande destaque da produção de veículos motorizados em Manaus até hoje é mais restrito às motocicletas mesmo;

2 - imagem de uma suposta "inferioridade" associada às motos: de um modo geral, foi consolidada jumto á opinião pública no Brasil a percepção do carro como um símbolo de ascensão social, e as motos e similares eram num primeiro momento vistas como artigo de lazer até as crises do petróleo levarem a um interesse pela economia de combustível que poderiam gerar. E assim, ao invés de se fazer a analogia entre um pequeno triciclo de carga e uma caminhonete compacta, a comparação mais evidente era com uma Vespa;

3 - tabu quanto ao transporte de passageiros: embora experimentos mais recentes como da empresa Grilo, que faz um serviço parecido com o Uber mas com abrangência geográfica menor e valendo-se de triciclos elétricos importados da China com um apelo ecológico, o brasileiro médio ainda parece ver um triciclo com ceticismo. A utilização de veículos dessa categoria ser hoje mais associada a países que são considerados "periféricos" também entra em confronto com uma imagem do veículo motorizado como símbolo de ascensão social no Brasil, e portanto até uma abordagem voltada a pretensões ecológicas já acaba ficando restrita a aplicações comerciais;

4 - velocidade máxima muito restrita: tanto alguns modelos importados geralmente da China quanto conversões feitas a partir de motos nacionais como a Honda CG 160, que são os mais comuns de se ver no uso comercial, costumam ter velocidade máxima em torno de 60km/h e portanto ficam mais restritos ao tráfego urbano. Tendo em vista que de um modo geral os veículos motorizados no Brasil são muito caros, uma "especialização" que possa ser considerada excessiva por operadores que ocasionalmente precisem transitar ainda que muito brevemente em trechos rodoviários pode manter uma preferência ou pelas motos ou por uma caminhonete mais convencional;
5 - importãncia do valor de revenda: mesmo que um triciclo possa até proporcionar uma economia operacional superior à de uma pequena caminhonete em condições de uso idênticas, já levando também em consideração o valor do DPVAT mais alto inerente à condição de assemelhado a motocicleta devido à óbvia diferença na questão da segurança, o valor de revenda pode ser afetado tanto por uma imagem de improviso aos olhos do público generalista quanto por algumas burocracias que dificultem reverter a transformação de uma moto em triciclo e regularizar a documentação. Apesar do custo inicial menor, e eventualmente os custos operacionais totais proporcionarem um retorno do investimento mais célere em comparação a utiliários de concepção "convencional" ficando mais lucrativo durante a vida útil e poder justificar o sucateamento ao invés de um uso continuado na mão de outro operador, a impressão que um triciclo vá ser mais difícil de vender com rapidez e a depreciação total proporcionalmente maior causa um temor que se revela até infundado junto a uma parte expressiva dos operadores comerciais.

sábado, 1 de julho de 2023

Lambretta S175 Série Brasil 1964 em estado de coleção

Um daqueles veículos fundamentais para a reconstrução da Europa no pós-guerra, e que posteriormente seria alçado à condição de ícone cultural especialmente com relação à Itália, a Lambretta alcançou um sucesso considerável também em outros mercados, como o Brasil.
Esse exemplar do ano de 1964, produzido ainda na época que a empresa licenciada pela Innocenti para fabricar Lambrettas no Brasil era a Pasco Lambretta, é da versão S175 que havia sido lançada naquele mesmo ano, equivalente ao modelo TV175 italiano.
Alguns emblemas originais de época deixam bem claro tratar-se de um exemplar fabricado no Brasil...
Naturalmente o modelo se destaca como um retrato daquela época que scooters eram mais vistas como modelos essencialmente utilitários e, mesmo que ainda dispusessem de câmbio manual ao invés do que se vê hoje com o automático CVT prevalecendo na categoria, a praticidade e a leveza em comparação a motos de concepção mais tradicional asseguravam um sucesso comercial antes que o Japão passasse a ser a maior referência mundial na índústria motociclística.
Especialmente curioso é o seletor do câmbio na manopla esquerda e junto à manete de embreagem, tipo "quebra-punho" que era comum em scooters antigas e até em algumas motos européias com cilindradas modestas e poucas marchas, embora pareça algo excêntrico à medida que a concorrência japonesa teve uma fundamental importância para o seletor de câmbio no pé esquerdo prevalecer mesmo em motos de proposta austera e essencialmente utilitária.
Chama a atenção que, com um pedal de partida estendendo-se por fora do assoalho, somente o pedal do freio traseiro tenha posição mais próxima do que viria a ser o padrão nas motos e mesmo em scooters de projeto mais moderno, que na maioria das vezes tiveram abolido o câmbio manual a favor do CVT.
E muito embora alguns detalhes específicos do contexto histórico que originou a Lambretta como trazer um pneu sobressalente, devido às péssimas condições viárias da Itália do pós-guerra e de muitos países em desenvolvimento onde scooters eram uma opção antes da hegemonia das motos japonesas levando à efetiva necessidade de tal recurso ao percorrer trajetos razoavelmente longos onde a assistência técnica seria mais escassa, outros como a perfeita integração do farol e do painel ao guidon ainda são prática comum no segmento de scooters.