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sexta-feira, 20 de junho de 2025

Fusca: o Brasil não seria o mesmo sem ele

Que o Brasil às vezes é difícil de explicar para os estrangeiros, creio que a essa altura do campeonato ninguém tenha mais dúvidas, e certamente um aspecto que salta aos olhos de muitos quando conhecem o Brasil é o apreço da maior parte dos brasileiros pelo Fusca. Ter sido o único país onde o modelo teve um breve retorno às linhas de produção entre '93 e '96 por motivações políticas, após o ciclo original de fabricação brasileira que se estendeu de '59 a '86, já seria algo digno de nota pelo contexto de reabertura do mercado brasileiro aos automóveis importados e a consolidação do segmento de carros "populares" junto à população urbana, por mais que o Brasil tenha dimensões continentais e em muitas regiões mais interioranas ainda fossem comuns condições de rodagem árduas e a princípio desconhecidas por aqueles que estavam "encantados pelo macarrão Barilla e pela gravata-borboleta" como bem disse o Alexander Gromow em uma entrevista para a antiga TV Jovem Pan. Mesmo parecendo demasiado antigo para o contexto da época, além do mais que em outros países com condições econômicas e sociais parecidas com as nossas o lugar cativo da Volkswagen no segmento de veículos populares já estava dominado principalmente por fabricantes japoneses e também a ascensão dos coreanos, o Fusca seguia relevante no Brasil a ponto do então presidente Itamar Franco propor uma volta às linhas de produção e equiparar motores até 1.6L arrefecidos a ar e 1.0L arrefecidos a líquido para fins tributários.

A bem da verdade, assim como na atualidade uma parte do público aos quais os carros "populares" são direcionados olha com alguma simpatia para as motocicletas de pequena cilindrada em função do menor custo de aquisição e de uma manutenção mais simples, o Fusca também foi acompanhado pela moda das motonetas de origem italiana como a Lambretta cuja fabricação brasileira foi iniciada já em '55 e portanto antecedeu até a implementação do Grupo Executivo da Indústria Automobilísitca (GEIA) pelo governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira que proporcionou condições mais propícias a carros e utilitários de configuração mais tradicional. Lembrando que triciclos utilitários derivados de motonetas como a Lambretta e a concorrente Vespa foram fundamentais na reconstrução da Itália no pós-guerra, e posteriormente viriam a ser de suma importância para a motorização em países como a Índia alcançasse um resultado mais expressivo cuja influência perdura até a atualidade, e por incrível que pareça vem se expandindo em décadas recentes para outras regiões mais por influência indiana que italiana, chegaria a ser curioso tais modelos terem sido mais voltados a aplicações estritamente utilitárias de cargas leves no Brasil. Naturalmente uma percepção de carros como inerentemente mais prestigiosos que motocicletas foi tão fundamental para até um modelo de proposta austera como o Fusca ter sido mais destacado tanto como desejável aos olhos do público generalista quanto alinhado a uma política desenvolvimentista do governo JK, e por isso os triciclos hoje são tratados como mera excentricidade que alguns brasileiros só se deram conta da existência em 2009 quando a Globo exibiu a novela Caminho das Índias...
Antes que questionem se eu bebi daquele álcool de cereais puro destinado ao uso farmacêutico por fazer uma comparação entre o Fusca e um triciclo derivado da Lambretta, vale destacar que o uso do mesmo motor das motonetas e uma relação de transmissão mais curta para lidar com o peso restringiam demais a velocidade máxima, circunstância que acabaria sendo indesejável para um veículo que se propusesse a ser o único de muitas famílias e eventualmente precisasse disputar espaço nas ainda precárias rodovias da época com os primeiros caminhões de fabricação nacional durante viagens, sendo portanto previsível que tenha prevalecido o uso essencialmente urbano no transporte de cargas leves nas raras tentativas de firmar essa categoria de veículos no Brasil. Talvez a simplicidade do motor 2-tempos ainda sugerisse que algumas modificações para melhorar o desempenho seriam fáceis e de custo quase simbólico, bem como a possibilidade de apenas instalar uma capota de lona como se usava no Jeep CJ-5 e nas primeiras pick-ups nacionais para fazer um triciclo ficar próximo a um pau-de-arara miniaturizado, com uma maior leniência quanto ao transporte de passageiros no compartimento de carga de veículos que só teve fim em '98 com a entrada do atual Código de Trânsito em vigor, mas naturalmente essa possibilidade só fosse levada a sério caso o Fusca nunca tivesse vindo ao Brasil e os fabricantes de origem americana como a Ford e a General Motors tivessem permanecido mais voltadas a oferecer somente enormes sedãs full-size que acabavam ficando caros demais para alcançar um público mais expressivo e fazendo uma economia porca ao concentrar a produção de motores só naqueles que pudessem servir tanto a um carro grande quanto a um caminhão pequeno ou médio. Por mais que a proposta daqueles triciclos utilitários italianos baseados nas motonetas ainda me agrade, e até o enquadramento deles como análogos a uma motocicleta viabilize a maior leniência quanto às normas de emissões e de segurança que hoje viabiliza modelos de fabricação indiana alcançarem públicos mais austeros em outros países "emergentes" como as Filipinas ou até a nossa vizinha Colômbia, pode-se afirmar sem medo de errar que a importância até no âmbito cultural do Fusca no Brasil perpetua uma rejeição do público generalista aos triciclos.

Também seria errado ignorar a presença da Kombi que, tanto por usar o mesmo motor do Fusca quanto pelo aproveitamento de espaço em proporção às dimensões externas, deu à Volkswagen uma vantagem no mercado de utilitários que só foi desafiada com a chegada de vans coreanas na década de '90, tendo atendido às mais variadas demandas em usos estritamente profissionais e ainda servido como veículo familiar em alguns casos. Oferecendo uma melhor manobrabilidade em espaços exíguos, característica que viria a ser de suma importância à medida que o Brasil passava por uma intensa urbanização com o pós-guerra e uma volta de grandes ondas de imigração européia e asiática que se estendeu até o Milagre Econômico Brasileiro no regime militar, mas preservando uma distribuição de peso entre os eixos que proporcionava melhor capacidade de transposição de terrenos bravios em diferentes condições de carga mesmo com tração traseira simples, exatamente em função do motor traseiro, a Kombi ainda hoje é uma referência tal qual o Fusca, e mesmo que a intrusão do compartimento do motor na área de carga possa ser tratada como desvantagem em aplicações especializadas como ambulâncias ou viaturas de polícia vale destacar que a própria Volkswagen chegou a alegar em peças publicitárias que a abertura lateral para acesso ao salão traseiro voltada para a calçada (considerando o tráfego no Brasil se dar pela mão francesa) seria mais eficiente que acomodar cargas pela parte traseira como nas pick-ups de origem predominantemente americana que antes reinavam entre os utilitários no mercado brasileiro, e apesar de ter permanecido com uma tampa traseira demasiado estreita até o ano-modelo '96 também chegou a ser usada até como ambulância e viatura de polícia em versões adaptadas mantendo a garantia de fábrica. A Kombi teve a fabricação no Brasil iniciada em '57 e portanto antes do próprio Fusca, e encerrada só em 2013 sob alegações de incompatibilidade com a obrigatoriedade de airbag duplo e freios ABS a partir de 2014, mas de qualquer jeito seria nula qualquer probabilidade de ter existido a Kombi sem que o Fusca a tivesse antecedido e dado origem à própria Volkswagen ainda na Alemanha...

Por mais que o Fusca seja praticamente impossível de ter apresentado um efetivo sucessor sob diversas perspectivas, ao contrário da Kombi que exerceu certa influência em gerações posteriores de utilitários mesmo que substituíssem a configuração de motor traseiro por outras mais conservadoras com o motor dianteiro e tração traseira ou até motor e tração dianteiros, possivelmente essa singularidade favoreça o simbolismo do Fusca permanecer tão indissociável de um período de modernização do Brasil que ainda ecoa em alguns momentos e aspectos da cultura contemporânea. O acesso a veículos com projeto mais moderno é incapaz de apagar o legado do Fusca como primeiro carro a ter sucesso com uma proposta popular no Brasil, e fortemente associado ao Brasil mesmo sendo um projeto originalmente alemão que também exerceu uma influência comparável no México onde foi fabricado de '67 a 2003 e encerrando a produção mundial do Fusca. Enfim, embora alguns questionem os méritos próprios do Fusca no âmbito técnico, bem como uma aparente letargia dos fabricantes japoneses que foram os primeiros a desafiar na década de '70 aquela hegemonia mundial que a Volkswagen tinha no mercado de veículos compactos, o Brasil certamente não seria o mesmo sem o Fusca.

sábado, 17 de maio de 2025

Volvo PV444, ou como teria sido um "Fusca sueco"

Um carro desenvolvido sob forte influência do cenário conturbado da II Guerra Mundial, apresentado pela primeira vez ao público já no ano de 1944 e com a produção normalizada a partir de 1947, o Volvo PV444 chamava a atenção pela modernidade da estrutura monobloco, com um tamanho compacto bem adequado à austeridade do pós-guerra e uma concepção mecânica bastante conservadora. Oferecido até 1958, antes de uma revisão que deu origem à versão melhorada PV544 que seguiu disponível até 1965, contou com motores sempre de bloco e cabeçote em ferro com comando de válvulas no bloco e válvulas no cabeçote, de 1.4L e 1.6L com 3 mancais de virabrequim para o PV444, enquanto o PV544 substituía ao longo do ciclo de produção o motor 1.6 pelo 1.8 já com 5 mancais de virabrequim em 1962, e todos os motores com 4 cilindros em linha e refrigeração líquida. O câmbio inicialmente era de 3 marchas, e também acabaria substituído por outro já com 4 marchas durante o ciclo de produção do PV544.

A comparação com a Volkswagen é inevitável, pelo formato de carroceria chegar a remeter também ao Fusca, embora naturalmente a estrutura monobloco possa ter dificultado um maior aproveitamento de componentes com modelos utilitários derivados que tinham um chassi próprio de concepção diferente, enquanto no caso da Volkswagen o uso de um chassi tipo espinha dorsal facilitou aplicar carrocerias distintas a uma mesma configuração mecânica básica. O conjunto motriz bastante tradicional do Volvo PV444, com motor dianteiro e tração traseira por eixo rígido, era mais comparável ao dos americanos, lembrando que naquela época a Chevrolet já usava também motores com válvulas no cabeçote enquanto a Ford ainda priorizava as válvulas no bloco em motores como os Flathead V8 por exemplo. Talvez a estrutura monobloco tenha sido um empecilho para o Volvo PV444 ganhar espaço no mercado brasileiro naquele início de uma industrialização mais intensa, embora utilitários Volvo PV445 que usavam o mesmo conjunto motriz mas tinham chassi separado da carroceria tenham chegado a ser montados no Brasil com carrocerias feitas pela hoje extinta fabricante de ônibus Carbrasa no Rio de Janeiro.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Chevette: o mais bem-sucedido "anti-Fusca" de um fabricante americano?

Tanto pela participação de subsidiárias e outras empresas afiliadas à General Motors de uma maneira ou outra desde a fase de projeto até a produção, antecipando-se ao conceito de "carro mundial" que ganhou força nos anos 80, eventualmente classificar o Chevette como essencialmente americano esteja longe de ser algo totalmente acertado, mas certamente no Brasil e outros países onde o modelo foi vendido como Chevrolet pode parecer mais difícil assimilar a percepção como um modelo alemão devido à influência da Opel que o comercializava como Kadett C, ou até japonesa por parte da Isuzu que o comercializava como Gemini, além de ter sido também produzido na Coréia do Sul inicialmente como Saehan Maepsy e posteriormente Daewoo Maepsy. Com um ciclo de produção que no Brasil foi de '73 a '93, e contando até '95 com a produção de kits CKD para exportação regional que foram montados até '96 no Equador e pela pick-up compacta Chevy 500 ter permanecido no mercado interno brasileiro até ser substituída por um modelo derivado do Corsa, coube ao Chevette a hercúlea missão de ser um desafiante para o Fusca, e sem sombra de dúvidas a urbanização durante o chamado "milagre econômico brasileiro" ocorrido no regime militar favorecia a concepção mais conservadora com motor dianteiro, que proporcionava uma melhor ergonomia para acesso ao compartimento de bagagens especialmente com a carroceria hatch. O mais irônico foi o hatch ser menos apreciado no Brasil embora tenha sido a única carroceria oferecida sob a marca Chevrolet nos Estados Unidos entre '75 e '86 cobrindo os anos-modelo '76 a '87, após ter sido encerrada a importação do Opel Kadett C que chegou a ser oferecido por lá em concessionárias da Buick já a partir de '73, enquanto o Isuzu Gemini também chegou a ser oferecido nos Estados Unidos como sedan e coupé, lembrando que tanto o Chevette quanto o Gemini compartilhavam alguns motores tanto a gasolina quanto Diesel para o mercado americano.

Lembrando que no Brasil os motores usados no Chevette sempre tiveram o comando de válvulas no cabeçote, desde o 1.4 e o 1.6 até o raro 1.0 usado somente na versão Junior em meio à consolidação do programa do carro popular instituído pelo então presidente Fernando Collor de Mello, talvez possa ficar mais difícil uma comparação ao Fusca em função da diferenciação mais exacerbada entre as opções de motores em diferentes regiões, como nos Estados Unidos onde os motores mais modestos ainda tinham comando de válvulas no bloco, ou na Europa onde tanto o Opel Kadett C quanto o Vauxhall Chevette usaram diferentes linhas de motores tanto de comando no bloco quanto no cabeçote, além do curioso Opel K-180 argentino que usou um exclusivo motor 1.8 derivado do mesmo motor Chevrolet 153 que no Brasil é mais famoso por ter sido o primeiro com 4 cilindros a equipar o Opala, além dos câmbios manuais com 4 ou 5 marchas de acordo com os anos de fabricação e a motorização ou o automático de 3 marchas que chegou a ser oferecido como opcional. Tal abordagem contrastava com o motor do Fusca ter permanecido com uma mesma concepção básica inalterada desde a apresentação da primeira versão para produção em série em 1938 que só chegaria efetivamente ao mercado civil na então Alemanha Ocidental em 1945, até o encerramento mundial da produção no México em 2003 já precisando recorrer à injeção eletrônica e ao catalisador para cumprir com as mormas de emissões da época, embora além do câmbio manual sempre com 4 marchas também tenha chegado a ser oferecido em poucos países com a opção por um raro câmbio semi-automático de 3 marchas. Além da diferença de 28 anos da chegada do Fusca ao mercado alemão ocidental ao lançamento do Chevette e equivalentes internacionais como o Opel Kadett C, e tal distanciamento histórico ter proporcionado evoluções tanto na tecnologia de modo geral quanto na política e na economia, chama a atenção o Fusca ainda ter permanecido competitivo em meio à ascensão mundial de fabricantes japoneses no segmento de carros compactos, e até o Chevette de certa forma ter contado com alguma influência japonesa no projeto certamente pesou para ter sido competitivo enquanto o Fusca perdia ao longo das décadas de '70 e '80 aquela posição privilegiada como referência de carro compacto versátil e polivalente em âmbito mundial para atender à proposta de carro popular que deu origem à Volkswagen e remontava inicialmente às necessidades e aspirações alemãs do entre-guerras.

Embora seja praticamente impossível tentar correlacionar o Chevette à condição de ícone cultural que o Fusca alcançou mundo afora, e nisso tanto uma menor uniformidade técnica quanto o uso de diferentes marcas de acordo com especificidades regionais possam fomentar a percepção como um modelo mais europeu ou japonês que americano, é inegável que a concepção mecânica mais conservadora ao gosto dos Estados Unidos contrastou com a transição mais acentuada da tração traseira para a tração dianteira na Europa e no Japão já durante o ciclo de produção do Chevette, e nesse contexto ficava mais difícil de justificar em comparação ao Fusca que por ter motor e tração traseiros permanecia favorecido por uma parte mais conservadora do público especialmente em mercados periféricos onde a maior capacidade de tração em condições de terreno mais bravias permaneceu útil após o fim da fabricação alemã do Fusca em '78 quando o Brasil e o México que ainda exportou Fuscas para a Alemanha regularmente até '85 concentravam a produção. A percepção do Chevette como mais "genérico" por ter uma configuração mais conservadora, e portanto menos diferenciada perante outros concorrentes generalistas cujo projeto era mais próximo em idade que o do Fusca, certamente proporcionou mais dificuldade para o modelo ser alçado a uma condição tão icônica, embora ter permanecido com tração traseira em meio à transição dos principais compactos para a tração dianteira ainda tenha assegurado a predileção até de uma parte do público que começava a se distanciar do Fusca e se demonstrava insatisfeita com a Volkswagen por só ter mantido a tração traseira na Kombi. Enfim, apesar de ser frequentemente mais associado a uma imagem das engenharias européia e japonesa no âmbito de carros compactos, em contraste com outros modelos tanto da Chevrolet americana quanto de concorrentes como a Ford que tentaram inicialmente combater a ascensão do Fusca e posteriormente dos japoneses nos Estados Unidos com modelos que só eram considerados compactos no mercado americano, pode-se efetivamente apontar o Chevette como o mais bem-sucedido oponente apresentado por um fabricante americano para o Fusca.

terça-feira, 22 de abril de 2025

GM: teria acertado mais que a Ford na abordagem inicial do downsizing nas caminhonetes full-size?

Uma categoria de veículos que teve origem essencialmente utilitária e profissional, mas que acabou por ser alçada a uma condição mais prestigiosa e focada também no lazer, as pick-ups full-size são hoje uma parte integrante daquele American Way of Life idealizado em muitos filmes de Hollywood, e lembradas principalmente pelo uso de sedentos motores V8 a gasolina, mesmo que alguns destinos de exportação como o Paraguai priorizem a opção por um turbodiesel. Mas experiências com o downsizing mediante o uso do turbo em motores a gasolina com quantidade menor de cilindros também ganharam destaque, a exemplo de um motor de 2.7L e apenas 4 cilindros que tem sido oferecido desde 2019 para a Chevrolet Silverado 1500, inicialmente como alternativa a um V6 de aspiração natural e 4.3L que acabaria por ser efetivamente substituído já em 2021 pelo motor menor. Naturalmente uma parte mais conservadora do público nos Estados Unidos ficaria receosa tão somente em função da menor quantidade de cilindros, e em alguns mercados de exportação onde motores de 6 a 8 cilindros são vistos como inerentemente mais prestigiosos também poderiam compreender mal a iniciativa da General Motors, mesmo que na prática possa fazer mais sentido essa configuração em vez de fazer um V6 na mesma faixa de cilindrada usando o turbo para oferecer um desempenho comparável ao de motores maiores naturalmente aspirados.

Enquanto poderia ser esperado que um motor de 6 cilindros em V usasse um par de turbocompressores com tamanho menor, de modo que cada um estaria associado a uma bancada de 3 cilindros para ter uma pressurização ao menos teoricamente mais rápida em comparação a um único turbo como no motor que é oferecido para a Chevrolet Silverado 1500, hoje a tecnologia está bem mais avançada em comparação a 1983 quando o tricampeão de Fórmula 1 Nélson Piquet alcançou o bicampeonato pela Brabham com um motor BMW que também tinha "só" 4 cilindros e um único turbo maior que os usados aos pares em motores V6 da concorrência. Também chama a atenção o motor GM L3B de 2.7L ter sido desenvolvido desde o início para dispor do turbo, a exemplo do que já vinha ocorrendo com motores Diesel ao menos duas décadas mais antigos nas mais diversas categorias de veículos, e já em 2022 passou a contar com uma calibração cujo torque ficava competitivo com o V8 de 5.3L oferecido como opção intermediária entre os motores a gasolina, além de superar com mais folga o antigo motor 4.3 V6 cuja substituição era almejada com o motor TurboMax de 2.7L e 4 cilindros. Chama a atenção como o motor mais moderno e desenvolvido de acordo com as premissas do downsizing, mesmo que a intenção inicial de substituir um motor mais austero levasse a crer que o molho ficaria mais caro que o peixe, permaneceu associado ao câmbio automático de 8 marchas e mesmo assim seguiu competitivo quanto ao desempenho e consumo de combustível na maioria das condições normais de uso diante do V8 de 5.3L e aspiração natural que já lança mão de um câmbio automático de 10 marchas cuja única aplicação em associação ao TurboMax é em versões dos SUVs full-size Chevrolet e GMC específicas para exportação à China motivadas pela menor incidência de impostos atrelados à cilindrada que seriam um problema por lá com os motores V8.
Chama a atenção que a abordagem da GM com relação à quantidade de cilindros pode ser interpretada de uma forma tanto ambígua, considerando uma austeridade que possa ser vista pelo motor TurboMax ter somente 4 cilindros e por extensão um processo de produção mais racional ao dispor de menos peças móveis como o cabeçote único e somente 2 eixos de comando de válvulas em comparação aos motores EcoBoost V6 oferecidos na Ford F-150 e contando com 2 cabeçotes e 4 eixos de comando de válvulas, embora o EcoBoost Nano na mesma faixa de cilindrada de 2.7L e o EcoBoost de 3.5L compartilhem o projeto básico com os motores Cyclone V6 de 3.3L a 3.5L naturalmente aspirados que foram oferecidos na F-150 até serem efetivamente substituídos pelo EcoBoost Nano a partir de 2023. Também é digno de nota o TurboMax inicialmente desenvolvido para ser um motor básico ter plenas condições de atender a necessidades de quem normalmente opta por um motor V8 intermediário de aspiração natural, como o 5.3 que a Chevrolet Silverado 1500 dispõe na especificação brasileira ou o 5.0 que a Ford usa na F-150 destinada ao Brasil mesmo quando países vizinhos como o Uruguai recebem o EcoBoost 3.5 V6. Apesar da Silverado em alguns países dispor de um motor 6.2 V8 aspirado como a opção de desempenho mais vigoroso, de certa forma denotando uma abordagem mais conservadora especialmente no uso particular ou recreativo, a Ford que foi a própria responsável por alçar os motores V8 de modo geral à condição de uma das expressões mais absolutas da americanidade tem priorizado o EcoBoost como opção de maior desempenho em versões sem um viés declaradamente esportivo.

A escolha de um motor pode refletir muito mais que as pretensões essencialmente utilitárias vinculadas à imagem de robustez e aptidão ao serviço pesado das pick-ups full-size, e aspectos essencialmente técnicos podem ficar em segundo plano diante da percepção de prestígio associada a determinadas circunstâncias ou um conservadorismo que rejeita "ousadias" como o turbo quando percebido como algo que demande manutenção mais criteriosa em contraste com a imagem de motores a gasolina naturalmente aspirados como mais confiáveis, extrapolando o conceito de there is no replacement for displacement associado tão visceralmente à cultura automotiva dos Estados Unidos. Por mais arriscado que seja substituir motores básicos por outros de concepção mais arrojada, tendo em vista a percepção de aumento do custo inicial bem como o viés eventualmente mais conservador do público-alvo comparado a quem opta por versões de pretensão mais esportiva ou luxuosa, a GM seguir por esse caminho mesmo começando mais tarde o downsizing nos motores de pick-ups full-size comparada à Ford que já o faz ao menos desde 2011 teve a particularidade de atingir até uma faixa intermediária do público mesmo com um único motor de concepção que pode ser apontada como mais modesta. Enfim, apesar do esforço inicial junto a uma parte mais conservadora do público, e alcançando quase por "acidente" clientes com outro perfil, pode-se deduzir que a abordagem inicial da GM quanto ao downsizing nas pick-ups full-size fez mais sentido que a da Ford.

domingo, 20 de abril de 2025

5 motores improváveis que poderiam ser tentadores para adaptar a um Volvo C30

Produzido entre 2006 e 2013 na Bélgica, com a Volvo Cars ainda estando controlada pela Ford, o C30 tinha um compartilhamento de componentes e sistemas com modelos Ford e Mazda na mesma categoria de hatch médio, e apesar da maioria dos motores a gasolina e um flex que foi oferecido na Europa terem 4 cilindros também teve um destaque especial com motores de 5 cilindros a gasolina tanto de aspiração natural quanto turbo, além dos turbodiesel entre 4 e 5 cilindros que nunca foram importados para o Brasil. Em função do perfil menos ortodoxo, e até esportivo, o Volvo C30 ainda me chama a atenção mais de 10 anos após o fim da produção. Quanto a motores, eventualmente poderia parecer boa idéia adaptar outro diferente dos originais se fosse o caso de comprar um exemplar cujo motor original precisasse de manutenções mais extensas. Ao menos 5 motores dentre os que me pareceriam convenientes para um repotenciamento merecem destaque...

1 - Volkswagen EA827/AP: motor muito comum para adaptações no Brasil, famoso pela rusticidade quando original e também por ser muito usado em preparações, pode atender tanto a perfis mais conservadores quanto para alto desempenho. O fato da Volvo em outros momentos históricos ter usado alguns motores Diesel de origem Volkswagen poderia até fazer soar menos incoerente considerar a hipótese de adaptar um motor Volkswagen mesmo que movido a gasolina ou flex, e no caso de um flex naturalmente ficaria interessante fazer testes com o álcool/etanol ao menos durante a safra da cana ou com o álcool produzido a partir de outros cultivares em escala experimental;

2 - Peugeot EW10: esse motor, tanto nas versões a gasolina quanto flex compartilha o projeto básico com um motor turbodiesel oferecido para o modelo no mercado europeu, logo a princípio já ficasse mais fácil adaptar. Também acabaria sendo oportuno para experiências com o álcool;

3 - Renault F4R: tendo em vista que a Volvo já teve vínculos com a Renault no mercado de automóveis, e outros motores da série F da Renault já tenham sido usados em alguns automóveis antigos da Volvo, em versões a gasolina ou a diesel. Outro precedente histórico a favor de um motor que já teve uma presença significativa no mercado brasileiro no caso de versões a gasolina ou flex;

4 - Ford Cologne V6: mais conhecido no Brasil pelo uso em caminhonetes e SUVs tanto da Ford quanto da Land Rover, além de versões do Mustang trazidas na década de '90 principalmente através de importadores independentes, poderia parecer mais difícil de adaptar a um modelo de tração dianteira e motor em posição transversal. Mas talvez pudesse ficar até interessante o aparente exagero ao tentar instalar um motor 4.0 V6 em um carro relativamente pequeno. O espaço sob o capô para implementar modificações também ficaria muito restrito;

5 - Mazda 13B: para chutar o balde e meter o louco, um motor absolutamente exótico. Um antigo vínculo entre Volvo e Mazda quando estavam sob direção da Ford, antes da Volvo Cars ter sido vendida para a Geely da China e a Mazda voltar a ser independente e agora ter colaborações mais estreitas com a Isuzu e a Toyota, até poderia soar tentador para fazer a adaptação, tendo em vista que tanto a Volvo quanto a Mazda tinham um perfil mais diferenciado, em contraste com o viés claramente generalista da Ford. Importar um motor Mazda 13B novo do Japão seria complicado, apesar da Mazda de vez em quando produzir lotes para atender a um público fanático pelos motores Wankel, mas há uma grande variedade de empresas especializadas em suporte e reposição de peças para os motores Wankel da Mazda, além do mercado de preparação muito amplo especialmente nos Estados Unidos e na Austrália. E por ser um motor tão compacto, a ponto de em muitos exemplares modificados ser comum o uso de um turbo maior que o próprio motor original, a princípio o volume ocupado pela instalação seria o menor dos problemas.

quarta-feira, 5 de março de 2025

O motor varetado ainda se justifica em motos de segmentos de entrada?

Ao contrário de outros países da América Latina, onde as normas de emissões para motocicletas ainda são menos restritivas e permitem até que o carburador continue em uso, no Brasil a injeção eletrônica e o comando de válvulas no cabeçote tornaram-se padrão também em segmentos de entrada. Enquanto no Brasil até a Honda renunciou à austeridade do comando de válvulas no bloco que fez a fama da antiga CG 125 varetada, em outros países como o México tanto a própria Honda quanto marcas regionais que consolidaram o outsourcing da China seguem oferecendo motores que são basicamente cópias do que a CG 125 usou até 2009 no Brasil, tanto na mesma cilindrada do original quanto ligeiramente aumentada. Praticamente nenhuma moto além das Harley-Davidson Big Twin com motor Milwaukee Eight estavam à venda regularmente no Brasil com comando de válvulas no bloco desde 2021 quando a Royal Enfield passou a usar só motores com comando no cabeçote por causa de uma mudança de normas de emissões na Índia, até a Shineray trazer a Free 150 EFI que usa um motor Wuyang.

Lembrando que a Honda tem joint-ventures na China com fabricantes como a Sundiro e a Wuyang para a produção de motocicletas, e portanto tiveram acesso legalmente a projetos da Honda naquele âmbito da transferência de tecnologia exigido dos fabricantes estrangeiros para operarem no mercado chinês à época da entrada da Honda, e outros tantos fabricantes menores fizeram e ainda fazem cópias ilegais do motor da CG tanto na cilindrada original quanto em versões ampliadas entre 150 e até 250cc e também com a possibilidade de incorporarem refrigeração líquida em substituição à refrigeração a ar usada pelo motor original, a percepção de uma maior facilidade de manutenção é um atrativo especialmente junto a um público mais conservador. Embora motores com o comando de válvulas no bloco também possam ter corrente sincronizadora, como passou a ser o usual nas Harley-Davidson a partir de '98 com o motor Twin Cam 88, o mais comum em motos utilitárias é o comando de válvulas ser acionado diretamente só por engrenagens, configuração que simplifica ainda mais a manutenção em comparação a concorrentes com o comando no cabeçote que precisam recorrer ainda a tensores de corrente. A simplicidade é muito apreciada pela percepção de uma redução nos custos de manutenção, mesmo que a maior complexidade inerente ao comando no cabeçote seja alardeada como vantajosa no tocante ao desempenho, o que pode ser uma meia-verdade quando consideramos como alguns motores para caminhonetes Chevrolet sigam usando o comando de válvulas no bloco, e mais recentemente até a Ford tenha substituido com sucesso alguns motores V8 e V10 com comando de válvulas no cabeçote por outros V8 com comando no bloco nos modelos mais pesados da linha de caminhonetes full-size e até ofereça tal opção para caminhões médios nos Estados Unidos e Canadá.

Naturalmente haverá quem insista que um motor varetado vá ser invariavelmente menos recomendável para operar em alta rotação, e os motores motociclísticos geralmente operarem a regimes mais elevados que os observados em motores automobilísticos pode levar à crença que o comando no cabeçote sempre vá ser melhor, mas é necessário considerar diferentes condições de uso e quais seriam as prioridades de cada operador. Da mesma forma que é comum encontrar saudosistas que ainda lamentam pela Honda ter encerrado a fabricação da CG varetada para o mercado interno pela percepção de maior robustez e facilidade de manutenção, também acabou sendo um motor muito usado para finalidades esportivas em função da ampla disponibilidade e fácil implementação de algumas preparações para obter um melhor desempenho, sem abrir mão da resiliência a condições de uso severas atribuída ao comando de válvulas no bloco. Enfim, por mais que alguns possam demonstrar ceticismo ou uma injustificada antipatia pelos motores varetados, tão somente pela percepção que o comando no cabeçote agrega modernidade, ainda seria justificável o comando de válvulas no bloco para algumas motos em segmentos de entrada.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

5 concorrentes um tanto improváveis que o Toyota Bandeirante precisou enfrentar no Brasil

Interpretação abrasileirada da série 40 do Toyota Land Cruiser, modelo que foi responsável por abrir os mercados internacionais para veículos fabricados no Japão, o Toyota Bandeirante até hoje conquista fãs incondicionais. A robustez, o uso de motores Diesel fornecidos inicialmente pela Mercedes-Benz antes de congêneres estrangeiros sequer oferecerem uma opção semelhante, e a tração 4X4 que facilitavam o desbravamento dos mais ermos rincões pelo interior foram fortes argumentos de vendas em uma época que a atual moda de SUV parecia devaneio de ficção científica, mas algumas peculiaridades do Brasil faziam o Toyota Bandeirante precisar enfrentar até modelos com os quais parecia muito improvável de concorrer. Ao menos 5 merecem uma menção:


1 - Fusca: por mais bizarro que possa parecer, em alguns momentos na década de '60 a diferença de preços entre as versões mais austeras do Toyota Bandeirante e o Fusca se mantinha em cerca de 10%, aparentemente irrisória diante das principais diferenças conceituais e técnicas entre ambos os modelos. Naturalmente a incidência de impostos menor para utilitários tinha algum peso, bem como a percepção de um carro de projeto europeu parecer mais prestigioso enquanto veículos como o Toyota Bandeirante eram associados a estereótipos pejorativos quanto à população de áreas rurais. E guardadas as devidas proporções, o Fusca ter motor e tração traseiros que fizeram a boa fama da Volkswagen no início da operação brasileira e mantinham a concentração de peso mais próxima das rodas motrizes em diferentes condições de carga minimizavam as deficiências da tração simples nos terrenos mais bravios onde a tração 4X4 favoreceria o Toyota Bandeirante;


2 - Kombi: outro modelo que valia-se da disposição de motor e tração traseiros, a exemplo do Fusca, e que praticamente definiu a própria categoria no Brasil, acabou tornando-se uma concorrente indireta das versões pick-up do Toyota Bandeirante.
Considerando uma proposta de uso misto, lembrando que a pick-up Toyota Bandeirante dispunha da opção pela cabine dupla, pode até parecer mais razoável em comparação à Kombi;

3 - Gurgel X12/Tocantins: baseado na mesma concepção mecânica do Fusca, numa abordagem que foi competitiva diante da Ford que entre '67 e '83 ainda manteve a produção da linha Jeep incorporada com a aquisição da operação brasileira da Willys-Overland. É possível que a ausência de versões Diesel para o Jeep CJ-5 no Brasil, e o motor Volkswagen boxer refrigerado a ar sendo mais "à prova de burro" que o motor Ford 2.3 OHC usado a partir de '76 no Jeep brasileiro, nivelasse mais a improvável competição, mas pelo lado da Toyota era inegável que oferecer o Bandeirante com motores Diesel dificultasse uma resposta mais contundente da Gurgel até em função das regulamentações excessivamente restritivas no tocante ao uso de motores Diesel no Brasil com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração;

4 - Gurgel Carajás: provavelmente o modelo mais peculiar, que recorria a motor dianteiro enquanto o câmbio estava incorporado ao eixo traseiro, e tração somente traseira, ainda baseado em componentes de origem Volkswagen modificados. Como a distribuição de peso entre os eixos era menos favorável na comparação a outros utilitários Gurgel ainda baseados na concepção básica do Fusca, fazia mais falta a tração nas 4 rodas para assegurar uma competitividade perante o Toyota Bandeirante, embora tivesse uma proposta mais urbanizada e análoga à moda de SUV que começou a tornar veículos utilitários mais desejados por um público essencialmente urbano;

5 - Lada Niva: em meio à reabertura das importações de veículos no Brasil no início da década de '90, o comodismo dos fabricantes então instalados no Brasil chegou a ser ameaçado, e até a Toyota que era a principal referência quanto a utilitários dotados de tração nas 4 rodas então praticamente sem nenhuma concorrência sentiu o baque com aquele vôo de galinha que foi a mal-sucedida incursão da Lada pelo mercado brasileiro. E de certa forma, em que pesem os contextos políticos e econômicos diferentes que levaram a exportação de automóveis a ser priorizada pela antiga União Soviética até como escambo por commodities produzidas em outras regiões, o Lada Niva acaba tendo uma fama comparável à do Toyota Land Cruiser J40 a nível mundial, e por extensão ao Toyota Bandeirante, mesmo com o contraste pelo Niva ter estrutura monobloco e suspensão dianteira independente.

sábado, 25 de janeiro de 2025

Teria em algum momento a Kombi passado a ter uma importância maior que a do próprio Fusca?

Tendo cabido à Kombi a distinção de ser o último veículo da Volkswagen a ser equipado com o motor boxer de refrigeração a ar no final de 2005 para o ano-modelo 2006, tendo em vista o encerramento da fabricação do Fusca no México em 2003, já é um feito notável. Naturalmente a importância do Fusca a nível mundial é inegável, também no Brasil onde o tamanho compacto e a manutenção mais simples em comparação aos full-size tipicamente americanos foi fundamental para tornar o automóvel particular mais difundido, e tendo feito muito sucesso em países do sudeste asiático que ainda tinham uma relação tumultuada com o Japão antes do ex-presidente filipino Ferdinand Marcos promover uma normalização das relações, além de ser mais difícil apontar um automóvel convencional que possa ser considerado um efetivo sucessor para o Fusca tanto no âmbito técnico quanto como ícone cultural. Já no caso da Kombi, mesmo que fabricantes japoneses como a Toyota e a Mitsubishi tivessem obtido sucesso com utilitários leves de cabine avançada, ainda que substituindo a configuração de motor e tração traseiros com suspensão independente nas 4 rodas pelo motor central-dianteiro e tração traseira por eixo rígido, é possível dizer que a Kombi ter exercido maior influência sobre veículos de concepção mais moderna é indicativo de ter se tornado no mínimo tão relevante quanto o Fusca.
Em um país que chegou a ficar fechado às importações de automóveis, como aconteceu com o Brasil de '76 a '90, era de se esperar que Fusca e Kombi tivessem uma sobrevida longa comparada ao que ocorria na Alemanha onde foram desenvolvidos, visto que a concorrência no Brasil ficou praticamente nula, e as condições tanto econômicas quanto geográficas ainda favoreciam a configuração de motor e tração traseiros pela trafegabilidade em terrenos mais bravios mesmo dispensando o custo e complexidade de uma tração 4X4. E apesar do Fusca ter saído de linha no Brasil em '86, para ter uma breve volta entre '93 e '96 por motivos mais políticos que técnicos que beneficiou até a Kombi amparada pela inclusão no programa de carros populares pela mesma norma que beneficiou o Fusca diante dos concorrentes mais modernos com motor de 1.0L e refrigeração líquida, vale lembrar ainda que a Kombi brasileira chegou a ser o único Volkswagen oferecido na Indonésia entre '80 e '85 diante da ascensão dos concorrentes de origem japonesa, além de ter permanecido competitiva no Brasil durante a década de '90 pela facilidade de manutenção e o conservadorismo de uma parte considerável do público. Enfim, tendo em vista tanto uma maior competitividade em meio à ascensão de concorrentes a nível mundial quanto a distição de ter sido o último Volkswagen com motor refrigerado a ar, tendo permanecido em linha por mais 10 anos após o encerramento da produção do Fusca, eventualmente a Kombi possa ter mesmo passado a ter uma importância até maior que a do próprio Fusca...

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Toyota Rush: seria desejável no Brasil?

Em um mercado com escassas opções de minivans, como lamentavelmente tem sido o caso do Brasil em meio à hegemonia de SUVs que passaram a ser objeto de desejo da classe média urbana, me chama a atenção que especialmente a Toyota deixe passar as oportunidades junto a um público de gostos mais conservadores, tendo em vista a grande variedade de minivans que já oferece em outros países. Possivelmente uma minivan da Toyota que agradaria especificamente a uma parte do público que associa a marca a uma imagem de durabilidade a toda prova seja a Toyota Rush, atualmente produzida só na Indonésia mas também comercializada em países como o Paraguai, de modo que é relativamente fácil avistar exemplares no Brasil durante temporadas turísticas (ou carregando muamba na fronteira). A tração traseira e o motor longitudinal podem dar a impressão de ser um mero calhambeque dos tempos modernos, embora tenha o benefício de proporcionar menos interferências entre o conjunto motriz e a direção, e portanto a manobrabilidade em espaços mais restritos tende a ser melhor pela possibilidade de ter ângulos de esterçamento maiores, e assim o diâmetro de giro diminui e facilita manobras no ambiente urbano.

Apesar do brasileiro médio ter uma imagem mais prestigiosa tanto da Toyota quanto de outros fabricantes de origem japonesa, vale lembrar que em outros países predomina a percepção de serem uma alternativa mais econômica a concorrentes ocidentais, tendo em vista que a expansão da presença global dos japoneses foi às custas de fabricantes que no Brasil ficaram mais acomodadas entre '76 e '90 em decorrência da proibição das importações de veículos novos, e até a Toyota que manteve uma discreta operação mais voltada a utilitários ainda se beneficia da imagem de robustez que remonta àquela época. Mesmo que a linha Toyota oferecida no Brasil tenha hoje um predomínio de veículos de tração dianteira, e até alguns modelos com tração 4X4 tenham o motor em posição transversal, a aparente rusticidade da tração traseira por eixo rígido pode servir bem a uma parte do público já consolidado da Toyota e atrair outros, mas sem o rótulo de "carro popular" que os japoneses tentam evitar ser associados no Brasil, tal qual um cachorro vira-lata argentino que começasse a arrotar pedigree ao atravessar a fronteira com o Brasil. Enfim, por mais que seja praticamente ignorada, a Toyota Rush seria desejável no Brasil.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Abrir mão do motor da CG varetada foi um erro da Honda no Brasil?

Que a Honda CG 125 é um grande sucesso, comparável a como o Fusca foi decisivo para consolidar a Volkswagen no Brasil, é inegável, e certamente foi decisivo o motor com comando de válvulas no bloco popularmente conhecido simplesmente por varetado que foi o padrão desde o lançamento nacional em 1976 até 2003 para ser iniciada gradualmente a substituição por um motor com comando de válvulas no cabeçote em 2004. Mesmo tendo seguido em uso o motor 125cc varetado até 2009 quando essa faixa de cilindrada também passou a dispor do comando de válvulas no cabeçote, e em 2004 abrir espaço para a faixa de 150cc já com comando no cabeçote e chegando a 160cc em 2016, com a 125 saindo de linha definitivamente em 2019, as antigas varetadas das 5 gerações que usaram esse motor seguem marcando presença por todo o Brasil. A facilidade de manutenção aliada à robustez fizeram do motor 125 varetado um ícone do motociclismo, figurando também entre os motores mais copiados do mundo.
Lembrando também que a Honda CG 125 de 5ª geração vem sendo a moto mais copiada na China, com inúmeras empresas atuantes em países periféricos fazendo o outsourcing junto aos chineses e aplicando as próprias marcas, como chegou a ocorrer até no Brasil a partir do momento que a Honda já se voltava contra uma imagem de "arcaico" atribuída injustamente a esse motor, é discutível até que ponto abdicar do motor varetado tenha sido uma decisão totalmente acertada. Como a nomenclatura CG acabou sendo apresentada para diferenciar da linha CB que sempre usou comando de válvulas no cabeçote e acionado por corrente, que acabou sendo menos competitiva perante outros fabricantes de motocicletas de origem japonesa por ser mais vulnerável a negligências quanto à observância dos períodos para a troca do óleo do motor, o comando de válvulas no bloco na CG varetada com a sincronização só por engrenagens foi essencial para que a Honda fosse levada a sério no mercado das motos utilitárias de pequena cilindrada antes dominado por motores 2-tempos, tanto de outras japonesas como a Suzuki e a Yamaha quanto das scooters Vespa e Lambretta de origem italiana. E se por um lado o tamanho compacto do motor da CG a princípio dificultasse aplicar algumas modernidades, como a variação de fase no comando de válvulas já aplicada por exemplo no motor Ford Godzilla V8 cujas versões de 6.8L e 7.3L mesmo varetado ainda foi capaz de substituir motores V8 de 6.2L e V10 de 6.8L com comando nos cabeçotes que chegaram a ser usados em caminhonetes full-size, por outro foi precipitado a Honda descartar uma possibilidade de recorrer a algumas melhorias que poderiam manter o motor da CG varetada competitivo e enquadrado às normas de emissões vigentes como a injeção eletrônica e o catalisador.
A presença ainda muito frequente da CG varetada em usos estritamente profissionais no Brasil denota a viabilidade de manter um motor "velho" que ainda poderia ter sido capaz de reter uma parte do público para a Honda diante do forte dumping chinês, e mais recentemente a ascensão de concorrentes indianas que se apresentam como uma opção de custo reduzido entre as motocicletas utilitárias básicas, mesmo diante da necessidade de incluir a injeção eletrônica e o catalisador como até a Kombi já usava antes de ter o motor 1600 boxer refrigerado a ar substituído pelo 1.4 de refrigeração líquida em observância às normas Euro-3. Assim como o próprio motor da CG varetada apresentou algumas evoluções por vezes subestimadas quando o objetivo é simplesmente reputar como obsoleto, como o uso de um jato de óleo sob pressão abaixo do pistão para auxiliar na refrigeração sem depender de uma mistura ar/combustível demasiadamente rica para tal finalidade, medida aplicada a partir de 2004 quando a CG varetada passou a ser disponibilizada só como modelo de entrada nas versões Fan e Cargo, é inegável que ainda poderia receber recursos hoje obrigatórios em praticamente qualquer moto nova à venda no Brasil para atender às normas de emissões Promot 4 que muito em breve darão lugar à Promot 5 como a injeção eletrônica e o catalisador. Naturalmente ainda haveria espaço no mercado brasileiro para os motores com comando no cabeçote em modelos mais voltados essencialmente ao uso particular ou recreativo, tal qual ocorre em regiões mais lenientes no tocante às regulamentações aplicáveis a motocicletas novas que permitem à Honda dar continuidade ao legado da CG varetada, sem entrar no mérito de como fabricantes chineses já chegaram a expandir a cilindrada para faixas de 150 a 200cc a partir do projeto desse mesmo motor.
Certamente a existência de um contingente de hondeiros convictos, e que justificou até a introdução da versão Fan que na época do motor varetado ainda era um modelo de entrada que se valia mais da força da marca para desafiar o dumping chinês que se amparava no baixo preço, proporcionou uma suavidade para a Honda fazer a transição rumo a uma linha completa com motores de comando no cabeçote, mas é impossível apontar pura e simplesmente o comando no bloco como "arcaico". Assim como até motores da linha tradicional da Harley-Davidson mantiveram o comando no bloco, mesmo já usando 4 válvulas por cilindro e corrente de comando nos Milwaukee Eight, deixando claro que um motor varetado nunca foi impedimento para a injeção eletrônica e o catalisador hoje essenciais no Brasil, eventualmente uma parte considerável do antigo público da Honda CG 125 permaneceria fidelizado quando optasse pela aquisição de uma motocicleta 0km sem nem considerar arriscar motores "genéricos" tanto chineses que se resumiam a cópias da CG varetada quanto já com comando no cabeçote de concorrentes tradicionais. No fim das contas, mesmo ainda conseguindo boas vendas tanto pela força da marca quanto pela ampla rede de concessionárias por esse Brasil afora, pode ter sido um erro a Honda abrir mão do motor da CG varetada.