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sexta-feira, 20 de junho de 2025

Fusca: o Brasil não seria o mesmo sem ele

Que o Brasil às vezes é difícil de explicar para os estrangeiros, creio que a essa altura do campeonato ninguém tenha mais dúvidas, e certamente um aspecto que salta aos olhos de muitos quando conhecem o Brasil é o apreço da maior parte dos brasileiros pelo Fusca. Ter sido o único país onde o modelo teve um breve retorno às linhas de produção entre '93 e '96 por motivações políticas, após o ciclo original de fabricação brasileira que se estendeu de '59 a '86, já seria algo digno de nota pelo contexto de reabertura do mercado brasileiro aos automóveis importados e a consolidação do segmento de carros "populares" junto à população urbana, por mais que o Brasil tenha dimensões continentais e em muitas regiões mais interioranas ainda fossem comuns condições de rodagem árduas e a princípio desconhecidas por aqueles que estavam "encantados pelo macarrão Barilla e pela gravata-borboleta" como bem disse o Alexander Gromow em uma entrevista para a antiga TV Jovem Pan. Mesmo parecendo demasiado antigo para o contexto da época, além do mais que em outros países com condições econômicas e sociais parecidas com as nossas o lugar cativo da Volkswagen no segmento de veículos populares já estava dominado principalmente por fabricantes japoneses e também a ascensão dos coreanos, o Fusca seguia relevante no Brasil a ponto do então presidente Itamar Franco propor uma volta às linhas de produção e equiparar motores até 1.6L arrefecidos a ar e 1.0L arrefecidos a líquido para fins tributários.

A bem da verdade, assim como na atualidade uma parte do público aos quais os carros "populares" são direcionados olha com alguma simpatia para as motocicletas de pequena cilindrada em função do menor custo de aquisição e de uma manutenção mais simples, o Fusca também foi acompanhado pela moda das motonetas de origem italiana como a Lambretta cuja fabricação brasileira foi iniciada já em '55 e portanto antecedeu até a implementação do Grupo Executivo da Indústria Automobilísitca (GEIA) pelo governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira que proporcionou condições mais propícias a carros e utilitários de configuração mais tradicional. Lembrando que triciclos utilitários derivados de motonetas como a Lambretta e a concorrente Vespa foram fundamentais na reconstrução da Itália no pós-guerra, e posteriormente viriam a ser de suma importância para a motorização em países como a Índia alcançasse um resultado mais expressivo cuja influência perdura até a atualidade, e por incrível que pareça vem se expandindo em décadas recentes para outras regiões mais por influência indiana que italiana, chegaria a ser curioso tais modelos terem sido mais voltados a aplicações estritamente utilitárias de cargas leves no Brasil. Naturalmente uma percepção de carros como inerentemente mais prestigiosos que motocicletas foi tão fundamental para até um modelo de proposta austera como o Fusca ter sido mais destacado tanto como desejável aos olhos do público generalista quanto alinhado a uma política desenvolvimentista do governo JK, e por isso os triciclos hoje são tratados como mera excentricidade que alguns brasileiros só se deram conta da existência em 2009 quando a Globo exibiu a novela Caminho das Índias...
Antes que questionem se eu bebi daquele álcool de cereais puro destinado ao uso farmacêutico por fazer uma comparação entre o Fusca e um triciclo derivado da Lambretta, vale destacar que o uso do mesmo motor das motonetas e uma relação de transmissão mais curta para lidar com o peso restringiam demais a velocidade máxima, circunstância que acabaria sendo indesejável para um veículo que se propusesse a ser o único de muitas famílias e eventualmente precisasse disputar espaço nas ainda precárias rodovias da época com os primeiros caminhões de fabricação nacional durante viagens, sendo portanto previsível que tenha prevalecido o uso essencialmente urbano no transporte de cargas leves nas raras tentativas de firmar essa categoria de veículos no Brasil. Talvez a simplicidade do motor 2-tempos ainda sugerisse que algumas modificações para melhorar o desempenho seriam fáceis e de custo quase simbólico, bem como a possibilidade de apenas instalar uma capota de lona como se usava no Jeep CJ-5 e nas primeiras pick-ups nacionais para fazer um triciclo ficar próximo a um pau-de-arara miniaturizado, com uma maior leniência quanto ao transporte de passageiros no compartimento de carga de veículos que só teve fim em '98 com a entrada do atual Código de Trânsito em vigor, mas naturalmente essa possibilidade só fosse levada a sério caso o Fusca nunca tivesse vindo ao Brasil e os fabricantes de origem americana como a Ford e a General Motors tivessem permanecido mais voltadas a oferecer somente enormes sedãs full-size que acabavam ficando caros demais para alcançar um público mais expressivo e fazendo uma economia porca ao concentrar a produção de motores só naqueles que pudessem servir tanto a um carro grande quanto a um caminhão pequeno ou médio. Por mais que a proposta daqueles triciclos utilitários italianos baseados nas motonetas ainda me agrade, e até o enquadramento deles como análogos a uma motocicleta viabilize a maior leniência quanto às normas de emissões e de segurança que hoje viabiliza modelos de fabricação indiana alcançarem públicos mais austeros em outros países "emergentes" como as Filipinas ou até a nossa vizinha Colômbia, pode-se afirmar sem medo de errar que a importância até no âmbito cultural do Fusca no Brasil perpetua uma rejeição do público generalista aos triciclos.

Também seria errado ignorar a presença da Kombi que, tanto por usar o mesmo motor do Fusca quanto pelo aproveitamento de espaço em proporção às dimensões externas, deu à Volkswagen uma vantagem no mercado de utilitários que só foi desafiada com a chegada de vans coreanas na década de '90, tendo atendido às mais variadas demandas em usos estritamente profissionais e ainda servido como veículo familiar em alguns casos. Oferecendo uma melhor manobrabilidade em espaços exíguos, característica que viria a ser de suma importância à medida que o Brasil passava por uma intensa urbanização com o pós-guerra e uma volta de grandes ondas de imigração européia e asiática que se estendeu até o Milagre Econômico Brasileiro no regime militar, mas preservando uma distribuição de peso entre os eixos que proporcionava melhor capacidade de transposição de terrenos bravios em diferentes condições de carga mesmo com tração traseira simples, exatamente em função do motor traseiro, a Kombi ainda hoje é uma referência tal qual o Fusca, e mesmo que a intrusão do compartimento do motor na área de carga possa ser tratada como desvantagem em aplicações especializadas como ambulâncias ou viaturas de polícia vale destacar que a própria Volkswagen chegou a alegar em peças publicitárias que a abertura lateral para acesso ao salão traseiro voltada para a calçada (considerando o tráfego no Brasil se dar pela mão francesa) seria mais eficiente que acomodar cargas pela parte traseira como nas pick-ups de origem predominantemente americana que antes reinavam entre os utilitários no mercado brasileiro, e apesar de ter permanecido com uma tampa traseira demasiado estreita até o ano-modelo '96 também chegou a ser usada até como ambulância e viatura de polícia em versões adaptadas mantendo a garantia de fábrica. A Kombi teve a fabricação no Brasil iniciada em '57 e portanto antes do próprio Fusca, e encerrada só em 2013 sob alegações de incompatibilidade com a obrigatoriedade de airbag duplo e freios ABS a partir de 2014, mas de qualquer jeito seria nula qualquer probabilidade de ter existido a Kombi sem que o Fusca a tivesse antecedido e dado origem à própria Volkswagen ainda na Alemanha...

Por mais que o Fusca seja praticamente impossível de ter apresentado um efetivo sucessor sob diversas perspectivas, ao contrário da Kombi que exerceu certa influência em gerações posteriores de utilitários mesmo que substituíssem a configuração de motor traseiro por outras mais conservadoras com o motor dianteiro e tração traseira ou até motor e tração dianteiros, possivelmente essa singularidade favoreça o simbolismo do Fusca permanecer tão indissociável de um período de modernização do Brasil que ainda ecoa em alguns momentos e aspectos da cultura contemporânea. O acesso a veículos com projeto mais moderno é incapaz de apagar o legado do Fusca como primeiro carro a ter sucesso com uma proposta popular no Brasil, e fortemente associado ao Brasil mesmo sendo um projeto originalmente alemão que também exerceu uma influência comparável no México onde foi fabricado de '67 a 2003 e encerrando a produção mundial do Fusca. Enfim, embora alguns questionem os méritos próprios do Fusca no âmbito técnico, bem como uma aparente letargia dos fabricantes japoneses que foram os primeiros a desafiar na década de '70 aquela hegemonia mundial que a Volkswagen tinha no mercado de veículos compactos, o Brasil certamente não seria o mesmo sem o Fusca.

sábado, 17 de maio de 2025

Volvo PV444, ou como teria sido um "Fusca sueco"

Um carro desenvolvido sob forte influência do cenário conturbado da II Guerra Mundial, apresentado pela primeira vez ao público já no ano de 1944 e com a produção normalizada a partir de 1947, o Volvo PV444 chamava a atenção pela modernidade da estrutura monobloco, com um tamanho compacto bem adequado à austeridade do pós-guerra e uma concepção mecânica bastante conservadora. Oferecido até 1958, antes de uma revisão que deu origem à versão melhorada PV544 que seguiu disponível até 1965, contou com motores sempre de bloco e cabeçote em ferro com comando de válvulas no bloco e válvulas no cabeçote, de 1.4L e 1.6L com 3 mancais de virabrequim para o PV444, enquanto o PV544 substituía ao longo do ciclo de produção o motor 1.6 pelo 1.8 já com 5 mancais de virabrequim em 1962, e todos os motores com 4 cilindros em linha e refrigeração líquida. O câmbio inicialmente era de 3 marchas, e também acabaria substituído por outro já com 4 marchas durante o ciclo de produção do PV544.

A comparação com a Volkswagen é inevitável, pelo formato de carroceria chegar a remeter também ao Fusca, embora naturalmente a estrutura monobloco possa ter dificultado um maior aproveitamento de componentes com modelos utilitários derivados que tinham um chassi próprio de concepção diferente, enquanto no caso da Volkswagen o uso de um chassi tipo espinha dorsal facilitou aplicar carrocerias distintas a uma mesma configuração mecânica básica. O conjunto motriz bastante tradicional do Volvo PV444, com motor dianteiro e tração traseira por eixo rígido, era mais comparável ao dos americanos, lembrando que naquela época a Chevrolet já usava também motores com válvulas no cabeçote enquanto a Ford ainda priorizava as válvulas no bloco em motores como os Flathead V8 por exemplo. Talvez a estrutura monobloco tenha sido um empecilho para o Volvo PV444 ganhar espaço no mercado brasileiro naquele início de uma industrialização mais intensa, embora utilitários Volvo PV445 que usavam o mesmo conjunto motriz mas tinham chassi separado da carroceria tenham chegado a ser montados no Brasil com carrocerias feitas pela hoje extinta fabricante de ônibus Carbrasa no Rio de Janeiro.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Chevette: o mais bem-sucedido "anti-Fusca" de um fabricante americano?

Tanto pela participação de subsidiárias e outras empresas afiliadas à General Motors de uma maneira ou outra desde a fase de projeto até a produção, antecipando-se ao conceito de "carro mundial" que ganhou força nos anos 80, eventualmente classificar o Chevette como essencialmente americano esteja longe de ser algo totalmente acertado, mas certamente no Brasil e outros países onde o modelo foi vendido como Chevrolet pode parecer mais difícil assimilar a percepção como um modelo alemão devido à influência da Opel que o comercializava como Kadett C, ou até japonesa por parte da Isuzu que o comercializava como Gemini, além de ter sido também produzido na Coréia do Sul inicialmente como Saehan Maepsy e posteriormente Daewoo Maepsy. Com um ciclo de produção que no Brasil foi de '73 a '93, e contando até '95 com a produção de kits CKD para exportação regional que foram montados até '96 no Equador e pela pick-up compacta Chevy 500 ter permanecido no mercado interno brasileiro até ser substituída por um modelo derivado do Corsa, coube ao Chevette a hercúlea missão de ser um desafiante para o Fusca, e sem sombra de dúvidas a urbanização durante o chamado "milagre econômico brasileiro" ocorrido no regime militar favorecia a concepção mais conservadora com motor dianteiro, que proporcionava uma melhor ergonomia para acesso ao compartimento de bagagens especialmente com a carroceria hatch. O mais irônico foi o hatch ser menos apreciado no Brasil embora tenha sido a única carroceria oferecida sob a marca Chevrolet nos Estados Unidos entre '75 e '86 cobrindo os anos-modelo '76 a '87, após ter sido encerrada a importação do Opel Kadett C que chegou a ser oferecido por lá em concessionárias da Buick já a partir de '73, enquanto o Isuzu Gemini também chegou a ser oferecido nos Estados Unidos como sedan e coupé, lembrando que tanto o Chevette quanto o Gemini compartilhavam alguns motores tanto a gasolina quanto Diesel para o mercado americano.

Lembrando que no Brasil os motores usados no Chevette sempre tiveram o comando de válvulas no cabeçote, desde o 1.4 e o 1.6 até o raro 1.0 usado somente na versão Junior em meio à consolidação do programa do carro popular instituído pelo então presidente Fernando Collor de Mello, talvez possa ficar mais difícil uma comparação ao Fusca em função da diferenciação mais exacerbada entre as opções de motores em diferentes regiões, como nos Estados Unidos onde os motores mais modestos ainda tinham comando de válvulas no bloco, ou na Europa onde tanto o Opel Kadett C quanto o Vauxhall Chevette usaram diferentes linhas de motores tanto de comando no bloco quanto no cabeçote, além do curioso Opel K-180 argentino que usou um exclusivo motor 1.8 derivado do mesmo motor Chevrolet 153 que no Brasil é mais famoso por ter sido o primeiro com 4 cilindros a equipar o Opala, além dos câmbios manuais com 4 ou 5 marchas de acordo com os anos de fabricação e a motorização ou o automático de 3 marchas que chegou a ser oferecido como opcional. Tal abordagem contrastava com o motor do Fusca ter permanecido com uma mesma concepção básica inalterada desde a apresentação da primeira versão para produção em série em 1938 que só chegaria efetivamente ao mercado civil na então Alemanha Ocidental em 1945, até o encerramento mundial da produção no México em 2003 já precisando recorrer à injeção eletrônica e ao catalisador para cumprir com as mormas de emissões da época, embora além do câmbio manual sempre com 4 marchas também tenha chegado a ser oferecido em poucos países com a opção por um raro câmbio semi-automático de 3 marchas. Além da diferença de 28 anos da chegada do Fusca ao mercado alemão ocidental ao lançamento do Chevette e equivalentes internacionais como o Opel Kadett C, e tal distanciamento histórico ter proporcionado evoluções tanto na tecnologia de modo geral quanto na política e na economia, chama a atenção o Fusca ainda ter permanecido competitivo em meio à ascensão mundial de fabricantes japoneses no segmento de carros compactos, e até o Chevette de certa forma ter contado com alguma influência japonesa no projeto certamente pesou para ter sido competitivo enquanto o Fusca perdia ao longo das décadas de '70 e '80 aquela posição privilegiada como referência de carro compacto versátil e polivalente em âmbito mundial para atender à proposta de carro popular que deu origem à Volkswagen e remontava inicialmente às necessidades e aspirações alemãs do entre-guerras.

Embora seja praticamente impossível tentar correlacionar o Chevette à condição de ícone cultural que o Fusca alcançou mundo afora, e nisso tanto uma menor uniformidade técnica quanto o uso de diferentes marcas de acordo com especificidades regionais possam fomentar a percepção como um modelo mais europeu ou japonês que americano, é inegável que a concepção mecânica mais conservadora ao gosto dos Estados Unidos contrastou com a transição mais acentuada da tração traseira para a tração dianteira na Europa e no Japão já durante o ciclo de produção do Chevette, e nesse contexto ficava mais difícil de justificar em comparação ao Fusca que por ter motor e tração traseiros permanecia favorecido por uma parte mais conservadora do público especialmente em mercados periféricos onde a maior capacidade de tração em condições de terreno mais bravias permaneceu útil após o fim da fabricação alemã do Fusca em '78 quando o Brasil e o México que ainda exportou Fuscas para a Alemanha regularmente até '85 concentravam a produção. A percepção do Chevette como mais "genérico" por ter uma configuração mais conservadora, e portanto menos diferenciada perante outros concorrentes generalistas cujo projeto era mais próximo em idade que o do Fusca, certamente proporcionou mais dificuldade para o modelo ser alçado a uma condição tão icônica, embora ter permanecido com tração traseira em meio à transição dos principais compactos para a tração dianteira ainda tenha assegurado a predileção até de uma parte do público que começava a se distanciar do Fusca e se demonstrava insatisfeita com a Volkswagen por só ter mantido a tração traseira na Kombi. Enfim, apesar de ser frequentemente mais associado a uma imagem das engenharias européia e japonesa no âmbito de carros compactos, em contraste com outros modelos tanto da Chevrolet americana quanto de concorrentes como a Ford que tentaram inicialmente combater a ascensão do Fusca e posteriormente dos japoneses nos Estados Unidos com modelos que só eram considerados compactos no mercado americano, pode-se efetivamente apontar o Chevette como o mais bem-sucedido oponente apresentado por um fabricante americano para o Fusca.

sábado, 22 de março de 2025

Citroën 2CV: fez falta no Brasil em meio ao sucesso do Fusca?

Modelos compactos e com um formato até bastante semelhante em alguns aspectos, tendo também sido ambos voltados a atender a uma demanda por automóveis populares na Europa do período entreguerras, embora só tenham alcançado a produção escala comercial no rescaldo da II Guerra Mundial e ocupando uma posição de destaque como auxiliares na recuperação econômica dos respectivos países de origem no imediato pós-guerra, o Citroën 2CV francês e o Volkswagen Sedan alemão ainda foram exitososo em outras regiões mundo afora, com o 2CV tendo feito sucesso na Argentina enquanto o Sedan que passou a ser conhecido como Fusca revolucionou o mercado automotivo brasileiro. Assim como há quem tenha dúvidas até no Brasil quanto ao Pelé ter sido melhor que o Maradona, é natural que algumas diferenças conceituais entre o 2CV e o Fusca despertem certa curiosidade em países onde apenas um dentre ambos obteve sucesso comercial, especialmente diante de diferenças técnicas que vão muito além da posição e quantidade de cilindros dos motores ou de uma implementação da tração dianteira no Citroën enquanto a Volkswagen surgiu fortemente vinculada à tração traseira. E apesar das propostas teoricamente serem mais semelhantes do que se poderia esperar num primeiro momento, chega a ser compreensível que no Brasil uma abordagem mais minimalista do Citroën 2CV seja encarada mais como mera curiosidade em comparação a uma duradoura influência que o Fusca exerceu até em segmentos mais prestigiosos.

A posição dianteira do motor no Citroën 2CV eventualmente pudesse parecer mais fácil de assimilar no Brasil, onde fabricantes de origem americana como Ford e General Motors lideravam antes da ascensão meteórica da Volkswagen nas décadas de '50 e '60 do século passado, bem como um acesso mais fácil tanto ao habitáculo pela presença das 4 portas quanto ao compartimento de bagagens sem que o motor se sobreponha como um obstáculo, e talvez tivesse servido como contraponto a uma liberação do uso de carros com somente duas portas no serviço de táxis das principais cidades brasileiras que foi atribuída ao sucesso do Fusca. E até a capacidade de incursão off-road, especialmente apreciável em um país que ainda era majoritariamente agrário mas cuja expansão das infraestruturas urbanas requeria veículos com alguma aptidão para trafegar por terrenos severos sem abrir mão da agilidade desejável para circular nos centros urbanos, podia suscitar dúvidas em função da diferença entre a tração dianteira do Citroën 2CV que foi especialmente projetado para atender a necessidades de agricultores franceses e a tração traseira do Fusca que teve aplicações militares durante a II Guerra Mundial. O motor mais austero do 2CV, com só 2 cilindros contrapostos (boxer-twin ou flat-twin) e em faixas de cilindrada que permaneceram quase sempre inferiores à metade do menor motor disponível no Fusca em cada mercado onde ambos foram oferecidos simultaneamente, possivelmente acabasse sendo alvo de desconfianças no Brasil, mesmo que a configuração com 4 cilindros contrapostos ficasse mais desafiadora para uma refrigeração eficiente no Fusca, além do 2CV ter o motor dianteiro favorecer a captação de ar para a refrigeração comparado ao Fusca.

As médias de velocidade menores em uma malha rodoviária ainda em formação no Brasil talvez fosse menos problemática diante das limitações que o Citroën 2CV acabava tendo antes de receber um motor de 602cc que efetivamente o passava à "potência fiscal" francesa de 3CV e assim proporcionando maior versatilidade para quem dispusesse exclusivamente de um exemplar do modelo no uso privado/familiar, embora na atualidade ainda seja possível apontar um Fusca em bom estado de conservação como apto a manter velocidades compatíveis com o tráfego rodoviário sem maiores intercorrências. Naturalmente as possibilidades de upgrades de motores de versões mais antigas para outras mais modernas tanto do 2CV quanto do Fusca também acabasse sendo relevante para proporcionar mais aptidão a trechos rodoviários quando ainda eram mais tratados como carros "normais" e menos como históricos ou colecionáveis, sem entrar no mérito da substituição dos motores por outros totalmente diferentes dos originais tanto com a intenção de melhorar o desempenho quanto eventualmente facilitar a reposição de peças. Enfim, com o Citroën 2CV também justifique ser reverenciado como um modelo revolucionário, e também ter conseguido tornar o automóvel mais difundido em alguns países onde o Ford Modelo T foi insuficiente para cumprir tal missão, certamente fez falta no Brasil mesmo em meio ao sucesso do Fusca.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

5 concorrentes um tanto improváveis que o Toyota Bandeirante precisou enfrentar no Brasil

Interpretação abrasileirada da série 40 do Toyota Land Cruiser, modelo que foi responsável por abrir os mercados internacionais para veículos fabricados no Japão, o Toyota Bandeirante até hoje conquista fãs incondicionais. A robustez, o uso de motores Diesel fornecidos inicialmente pela Mercedes-Benz antes de congêneres estrangeiros sequer oferecerem uma opção semelhante, e a tração 4X4 que facilitavam o desbravamento dos mais ermos rincões pelo interior foram fortes argumentos de vendas em uma época que a atual moda de SUV parecia devaneio de ficção científica, mas algumas peculiaridades do Brasil faziam o Toyota Bandeirante precisar enfrentar até modelos com os quais parecia muito improvável de concorrer. Ao menos 5 merecem uma menção:


1 - Fusca: por mais bizarro que possa parecer, em alguns momentos na década de '60 a diferença de preços entre as versões mais austeras do Toyota Bandeirante e o Fusca se mantinha em cerca de 10%, aparentemente irrisória diante das principais diferenças conceituais e técnicas entre ambos os modelos. Naturalmente a incidência de impostos menor para utilitários tinha algum peso, bem como a percepção de um carro de projeto europeu parecer mais prestigioso enquanto veículos como o Toyota Bandeirante eram associados a estereótipos pejorativos quanto à população de áreas rurais. E guardadas as devidas proporções, o Fusca ter motor e tração traseiros que fizeram a boa fama da Volkswagen no início da operação brasileira e mantinham a concentração de peso mais próxima das rodas motrizes em diferentes condições de carga minimizavam as deficiências da tração simples nos terrenos mais bravios onde a tração 4X4 favoreceria o Toyota Bandeirante;


2 - Kombi: outro modelo que valia-se da disposição de motor e tração traseiros, a exemplo do Fusca, e que praticamente definiu a própria categoria no Brasil, acabou tornando-se uma concorrente indireta das versões pick-up do Toyota Bandeirante.
Considerando uma proposta de uso misto, lembrando que a pick-up Toyota Bandeirante dispunha da opção pela cabine dupla, pode até parecer mais razoável em comparação à Kombi;

3 - Gurgel X12/Tocantins: baseado na mesma concepção mecânica do Fusca, numa abordagem que foi competitiva diante da Ford que entre '67 e '83 ainda manteve a produção da linha Jeep incorporada com a aquisição da operação brasileira da Willys-Overland. É possível que a ausência de versões Diesel para o Jeep CJ-5 no Brasil, e o motor Volkswagen boxer refrigerado a ar sendo mais "à prova de burro" que o motor Ford 2.3 OHC usado a partir de '76 no Jeep brasileiro, nivelasse mais a improvável competição, mas pelo lado da Toyota era inegável que oferecer o Bandeirante com motores Diesel dificultasse uma resposta mais contundente da Gurgel até em função das regulamentações excessivamente restritivas no tocante ao uso de motores Diesel no Brasil com base nas capacidades de carga e passageiros ou tração;

4 - Gurgel Carajás: provavelmente o modelo mais peculiar, que recorria a motor dianteiro enquanto o câmbio estava incorporado ao eixo traseiro, e tração somente traseira, ainda baseado em componentes de origem Volkswagen modificados. Como a distribuição de peso entre os eixos era menos favorável na comparação a outros utilitários Gurgel ainda baseados na concepção básica do Fusca, fazia mais falta a tração nas 4 rodas para assegurar uma competitividade perante o Toyota Bandeirante, embora tivesse uma proposta mais urbanizada e análoga à moda de SUV que começou a tornar veículos utilitários mais desejados por um público essencialmente urbano;

5 - Lada Niva: em meio à reabertura das importações de veículos no Brasil no início da década de '90, o comodismo dos fabricantes então instalados no Brasil chegou a ser ameaçado, e até a Toyota que era a principal referência quanto a utilitários dotados de tração nas 4 rodas então praticamente sem nenhuma concorrência sentiu o baque com aquele vôo de galinha que foi a mal-sucedida incursão da Lada pelo mercado brasileiro. E de certa forma, em que pesem os contextos políticos e econômicos diferentes que levaram a exportação de automóveis a ser priorizada pela antiga União Soviética até como escambo por commodities produzidas em outras regiões, o Lada Niva acaba tendo uma fama comparável à do Toyota Land Cruiser J40 a nível mundial, e por extensão ao Toyota Bandeirante, mesmo com o contraste pelo Niva ter estrutura monobloco e suspensão dianteira independente.

sábado, 25 de janeiro de 2025

Teria em algum momento a Kombi passado a ter uma importância maior que a do próprio Fusca?

Tendo cabido à Kombi a distinção de ser o último veículo da Volkswagen a ser equipado com o motor boxer de refrigeração a ar no final de 2005 para o ano-modelo 2006, tendo em vista o encerramento da fabricação do Fusca no México em 2003, já é um feito notável. Naturalmente a importância do Fusca a nível mundial é inegável, também no Brasil onde o tamanho compacto e a manutenção mais simples em comparação aos full-size tipicamente americanos foi fundamental para tornar o automóvel particular mais difundido, e tendo feito muito sucesso em países do sudeste asiático que ainda tinham uma relação tumultuada com o Japão antes do ex-presidente filipino Ferdinand Marcos promover uma normalização das relações, além de ser mais difícil apontar um automóvel convencional que possa ser considerado um efetivo sucessor para o Fusca tanto no âmbito técnico quanto como ícone cultural. Já no caso da Kombi, mesmo que fabricantes japoneses como a Toyota e a Mitsubishi tivessem obtido sucesso com utilitários leves de cabine avançada, ainda que substituindo a configuração de motor e tração traseiros com suspensão independente nas 4 rodas pelo motor central-dianteiro e tração traseira por eixo rígido, é possível dizer que a Kombi ter exercido maior influência sobre veículos de concepção mais moderna é indicativo de ter se tornado no mínimo tão relevante quanto o Fusca.
Em um país que chegou a ficar fechado às importações de automóveis, como aconteceu com o Brasil de '76 a '90, era de se esperar que Fusca e Kombi tivessem uma sobrevida longa comparada ao que ocorria na Alemanha onde foram desenvolvidos, visto que a concorrência no Brasil ficou praticamente nula, e as condições tanto econômicas quanto geográficas ainda favoreciam a configuração de motor e tração traseiros pela trafegabilidade em terrenos mais bravios mesmo dispensando o custo e complexidade de uma tração 4X4. E apesar do Fusca ter saído de linha no Brasil em '86, para ter uma breve volta entre '93 e '96 por motivos mais políticos que técnicos que beneficiou até a Kombi amparada pela inclusão no programa de carros populares pela mesma norma que beneficiou o Fusca diante dos concorrentes mais modernos com motor de 1.0L e refrigeração líquida, vale lembrar ainda que a Kombi brasileira chegou a ser o único Volkswagen oferecido na Indonésia entre '80 e '85 diante da ascensão dos concorrentes de origem japonesa, além de ter permanecido competitiva no Brasil durante a década de '90 pela facilidade de manutenção e o conservadorismo de uma parte considerável do público. Enfim, tendo em vista tanto uma maior competitividade em meio à ascensão de concorrentes a nível mundial quanto a distição de ter sido o último Volkswagen com motor refrigerado a ar, tendo permanecido em linha por mais 10 anos após o encerramento da produção do Fusca, eventualmente a Kombi possa ter mesmo passado a ter uma importância até maior que a do próprio Fusca...

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Abrir mão do motor da CG varetada foi um erro da Honda no Brasil?

Que a Honda CG 125 é um grande sucesso, comparável a como o Fusca foi decisivo para consolidar a Volkswagen no Brasil, é inegável, e certamente foi decisivo o motor com comando de válvulas no bloco popularmente conhecido simplesmente por varetado que foi o padrão desde o lançamento nacional em 1976 até 2003 para ser iniciada gradualmente a substituição por um motor com comando de válvulas no cabeçote em 2004. Mesmo tendo seguido em uso o motor 125cc varetado até 2009 quando essa faixa de cilindrada também passou a dispor do comando de válvulas no cabeçote, e em 2004 abrir espaço para a faixa de 150cc já com comando no cabeçote e chegando a 160cc em 2016, com a 125 saindo de linha definitivamente em 2019, as antigas varetadas das 5 gerações que usaram esse motor seguem marcando presença por todo o Brasil. A facilidade de manutenção aliada à robustez fizeram do motor 125 varetado um ícone do motociclismo, figurando também entre os motores mais copiados do mundo.
Lembrando também que a Honda CG 125 de 5ª geração vem sendo a moto mais copiada na China, com inúmeras empresas atuantes em países periféricos fazendo o outsourcing junto aos chineses e aplicando as próprias marcas, como chegou a ocorrer até no Brasil a partir do momento que a Honda já se voltava contra uma imagem de "arcaico" atribuída injustamente a esse motor, é discutível até que ponto abdicar do motor varetado tenha sido uma decisão totalmente acertada. Como a nomenclatura CG acabou sendo apresentada para diferenciar da linha CB que sempre usou comando de válvulas no cabeçote e acionado por corrente, que acabou sendo menos competitiva perante outros fabricantes de motocicletas de origem japonesa por ser mais vulnerável a negligências quanto à observância dos períodos para a troca do óleo do motor, o comando de válvulas no bloco na CG varetada com a sincronização só por engrenagens foi essencial para que a Honda fosse levada a sério no mercado das motos utilitárias de pequena cilindrada antes dominado por motores 2-tempos, tanto de outras japonesas como a Suzuki e a Yamaha quanto das scooters Vespa e Lambretta de origem italiana. E se por um lado o tamanho compacto do motor da CG a princípio dificultasse aplicar algumas modernidades, como a variação de fase no comando de válvulas já aplicada por exemplo no motor Ford Godzilla V8 cujas versões de 6.8L e 7.3L mesmo varetado ainda foi capaz de substituir motores V8 de 6.2L e V10 de 6.8L com comando nos cabeçotes que chegaram a ser usados em caminhonetes full-size, por outro foi precipitado a Honda descartar uma possibilidade de recorrer a algumas melhorias que poderiam manter o motor da CG varetada competitivo e enquadrado às normas de emissões vigentes como a injeção eletrônica e o catalisador.
A presença ainda muito frequente da CG varetada em usos estritamente profissionais no Brasil denota a viabilidade de manter um motor "velho" que ainda poderia ter sido capaz de reter uma parte do público para a Honda diante do forte dumping chinês, e mais recentemente a ascensão de concorrentes indianas que se apresentam como uma opção de custo reduzido entre as motocicletas utilitárias básicas, mesmo diante da necessidade de incluir a injeção eletrônica e o catalisador como até a Kombi já usava antes de ter o motor 1600 boxer refrigerado a ar substituído pelo 1.4 de refrigeração líquida em observância às normas Euro-3. Assim como o próprio motor da CG varetada apresentou algumas evoluções por vezes subestimadas quando o objetivo é simplesmente reputar como obsoleto, como o uso de um jato de óleo sob pressão abaixo do pistão para auxiliar na refrigeração sem depender de uma mistura ar/combustível demasiadamente rica para tal finalidade, medida aplicada a partir de 2004 quando a CG varetada passou a ser disponibilizada só como modelo de entrada nas versões Fan e Cargo, é inegável que ainda poderia receber recursos hoje obrigatórios em praticamente qualquer moto nova à venda no Brasil para atender às normas de emissões Promot 4 que muito em breve darão lugar à Promot 5 como a injeção eletrônica e o catalisador. Naturalmente ainda haveria espaço no mercado brasileiro para os motores com comando no cabeçote em modelos mais voltados essencialmente ao uso particular ou recreativo, tal qual ocorre em regiões mais lenientes no tocante às regulamentações aplicáveis a motocicletas novas que permitem à Honda dar continuidade ao legado da CG varetada, sem entrar no mérito de como fabricantes chineses já chegaram a expandir a cilindrada para faixas de 150 a 200cc a partir do projeto desse mesmo motor.
Certamente a existência de um contingente de hondeiros convictos, e que justificou até a introdução da versão Fan que na época do motor varetado ainda era um modelo de entrada que se valia mais da força da marca para desafiar o dumping chinês que se amparava no baixo preço, proporcionou uma suavidade para a Honda fazer a transição rumo a uma linha completa com motores de comando no cabeçote, mas é impossível apontar pura e simplesmente o comando no bloco como "arcaico". Assim como até motores da linha tradicional da Harley-Davidson mantiveram o comando no bloco, mesmo já usando 4 válvulas por cilindro e corrente de comando nos Milwaukee Eight, deixando claro que um motor varetado nunca foi impedimento para a injeção eletrônica e o catalisador hoje essenciais no Brasil, eventualmente uma parte considerável do antigo público da Honda CG 125 permaneceria fidelizado quando optasse pela aquisição de uma motocicleta 0km sem nem considerar arriscar motores "genéricos" tanto chineses que se resumiam a cópias da CG varetada quanto já com comando no cabeçote de concorrentes tradicionais. No fim das contas, mesmo ainda conseguindo boas vendas tanto pela força da marca quanto pela ampla rede de concessionárias por esse Brasil afora, pode ter sido um erro a Honda abrir mão do motor da CG varetada.