quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Onde foi que a General Motors do Brasil errou com a tentativa de firmar a marca GMC para a linha de utilitários?

Uma medida que foi pouco compreendida à época, e a bem da verdade até pode ser considerada errada, a General Motors do Brasil implementou a marca GMC para a linha de caminhões a partir de '96 com a linha sendo alinhada ao menos visualmente aos modelos americanos da época. A bem da verdade, como em países vizinhos foi mantida a marca Chevrolet para a linha de caminhões, foi uma medida realmente um tanto confusa, além do mais que havia uma segregação das redes de concessionárias e oficinas entre as linhas de automóveis e utilitários leves Chevrolet e caminhões GMC no Brasil a partir daquela época e restringindo ainda mais a possibilidade para retomar uma participação mais expressiva do mercado de caminhões devido à menor área de cobertura da nova rede que foi implementada um tanto às pressas. E antes mesmo da marca GMC ter sido tirada do mercado brasileiro no começo de 2002, com os últimos exemplares de modelos como a pick-up GMC 3500 HD baseada na Chevrolet Silverado sendo feitos no final de 2001, algumas concessionárias foram desativadas em regiões mais importantes do que podiam parecer, prejudicando tanto as vendas quanto a assistência técnica.

A estratégia de vender um mesmo modelo por diferentes marcas, ou similares com poucas mudanças, só deu certo em países como os Estados Unidos e o Canadá ou até o México em função de outros fatores, a exemplo do grande volume de vendas de veículos novos no segmento de utilitários e da territorialização de marcas em algumas regiões interioranas, de modo que algumas cidades pudessem ter concessionária Chevrolet enquanto outras tinham uma concessionária que comercializava somente modelos das marcas Buick e Pontiac para as linhas leves e GMC para os utilitários. Como no Brasil a marca Chevrolet havia sido consolidada para toda a linha ainda no início da produção nacional da década de '50, justificar uma nova marca para os caminhões com uma rede de concessionárias ao menos teoricamente segregada não fazia o menor sentido, até porque na prática eram vinculadas a algumas concessionárias Chevrolet, com outras perdendo o "privilégio" de vender e prestar assistência técnica à linha de caminhões tão somente pela mudança de marca. Quando uma concessionária era descredenciada, o que chegou a ocorrer antes do encerramento da GMC no Brasil, acabava sendo mais fácil direcionar o público dos automóveis e utilitários leves para outra na mesma região, enquanto para a linha de caminhões às vezes passava a ser necessário direcionar clientes para outra concessionária mais distante, algo simplesmente inviável para operadores comerciais no tocante a uma indisponibilidade maior de veículos que acabavam sendo uma ferramenta de trabalho quando alguma manutenção tanto programada quanto corretiva ocorria.

Posicionar a marca GMC com uma maior ênfase em operadores comerciais, ao ponto que até o modelo 3500 HD era homologado como caminhão porque tinha a capacidade de carga e por conseguinte o peso bruto total aumentados em comparação à pick-up full-size Chevrolet Silverado que era idêntica para os outros parâmetros técnicos, fazia a área de cobertura da rede de concessionárias ser especialmente mais crítica, e a princípio esse pode ser considerado o maior erro estratégico que fez a marca sumir do mapa, mesmo que tivesse modelos de boa qualidade e alinhados às exigências de mercados desenvolvidos sem abrir mão da qualidade. Ter deixado de oferecer opções mais austeras como o motor Maxion S4 Diesel de aspiração natural e mantido só o MWM Sprint 6.07 T para a 3500 HD até pode ser considerado algo controverso, tendo em vista que alguns operadores comerciais ainda abriam mão do turbo em nome de uma maior simplicidade e menor custo inicial de um motor aspirado. Enfim, talvez até mais importante que algumas mudanças no perfil do público de veículos utilitários no Brasil a partir da década de '90 ou uma seleção de motores mais adequados às efetivas necessidades de operadores comerciais, a princípio o maior erro da General Motors do Brasil com a marca GMC foi a área de abrangência restrita demais de uma rede de concessionárias específica para atender à linha de caminhões.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Rápida reflexão sobre uma presença continuada do Fusca e da Kombi nas ruas

Modelos inicialmente vistos como um tanto excêntrico diante da antiga hegemonia dos fabricantes de origem americana no mercado brasileiro, e tendo chegado ao país na década de '50 e sendo alçados ao sucesso, o Fusca e a Kombi foram as bases para a Volkswagen até chegar a alcançar repetidas vezes a liderança de vendas de veículos no Brasil. Favorecidos por características técnicas avançadas para os padrões da época, bem como pela publicidade exaltando a economia e a praticidade que contrastavam com a opulência das "banheiras" americanas do pós-guerra, também apresentavam custo operacional menor e enfrentavam as condições de rodagem tanto na cidade quanto no campo com uma desenvoltura e versatilidade que entre os americanos só o Jeep oferecia. E a bem da verdade, o porte relativamente compacto em proporção às capacidades de passageiros ou carga e a facilidade para manobra em espaços exíguos ainda são vantagens diante da "engorda" que gerações mais recentes de carros "populares" e de utilitários leves de carga sofreram ao longo das últimas décadas.
Naturalmente a falta de itens de segurança como freios ABS e a inviabilidade de instalar airbags seria o pretexto mais óbvio para tentar dissuadir quem ainda se interesse pelos modelos, bem como alegações de cunho pretensamente ecológico como a incompatibilidade do motor refrigerado a ar com as normas de emissões cada vez mais rigorosas ou a maior dificuldade para estabilização da marcha-lenta após a partida que é ainda mais crítica quando se usa álcool como combustível, embora a simplicidade faça do motor boxer da Volkswagen um dos mais cultuados e reconhecidos como "à prova de burro", embora a adaptação de outros motores também já seja relativamente comum. A inclusão de equipamentos como ar condicionado e direção assistida também já pode ser implementada com relativa facilidade para usos mais frequentes com um conforto razoável diante das limitações dos projetos originais, e assim até uma Kombi que siga em uso para frete ou um Fusca cujo perfil de utilização seja estritamente urbano podem ser mais satisfatórios do que inicialmente pareceria. E também convém destacar o motor refrigerado a ar como menos problemático do que poderia inicialmente parecer, tendo em vista que ao dispensar um fluido de arrefecimento à base de etilenoglicol diluído em água (preferencialmente desmineralizada) já elimina uma fonte de contaminação de lençóis freáticos pelo eventual descarte irregular de tais fluidos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

5 motivos pelos quais talvez tenha sido um erro a Volkswagen ter deixado passar a oportunidade de usar o motor boxer refrigerado a ar em carros "populares" de tração dianteira

Antes que se pudesse pensar numa massificação do downsizing até no conservador mercado brasileiro, a consolidação da política dos carros "populares" motivou uma maior presença dos motores de 1.0L na década de '90, incluindo as primeiras experiências com 4 válvulas por cilindro nessa faixa de cilindrada como o motor EA-111 que a Volkswagen se viu obrigada a produzir no Brasil quando deixou de ter o acesso a motores Ford CHT com o fim da joint-venture AutoLatina a partir de '96. Destacando-se que o único motor 1.0 a ser usado na Parati foi justamente o EA-111 em versões de 16 válvulas com comando duplo (DOHC), e o público-alvo bastante conservador aos quais o carro "popular" estava destinado era mais refratário a uma manutenção que fosse percebida como mais onerosa, é previsível que surja algum questionamento quanto à falta de um aproveitamento do motor boxer após a equiparação de motores até 1.6L com refrigeração a ar aos de 1.0L e refrigeração líquida especificamente para viabilizar um retorno da produção do Fusca. Considerando tanto questões técnicas quanto políticas, ao menos 5 motivos me levam a crer ter sido um erro a Volkswagen não ter recorrido a esse expediente:

1 - menor esforço estrutural: por ser um motor consideravelmente mais leve e também mais curto que os CHT, AP e EA-111/AT, o bom e velho boxer diminuía sensivelmente a incidência de danos como as trincas no túnel central que foram um estorvo à linha Volkswagen nacional quando o motor longitudinal era a regra. Só isso já seria um bom motivo para o boxer ter um maior reconhecimento;

2 - posicionamento do motor facilitando a captação de ar: enquanto para a linha clássica de motor e tração traseiros era mais desafiador proporcionar uma boa captação de ar, tanto para a admissão quanto para a refrigeração, tal fator era muito favorecido em modelos mais modernos já dispondo do motor em posição dianteira. Até um melhor aproveitamento do óleo na refrigeração seria facilitado eventualmente instalando um radiador de óleo em posição mais conveniente, proporcionando gerenciamento térmico mais eficiente e até certo ponto comparável aos motores de refrigeração líquida;

3 - maior simplicidade e facilidade de manutenção: com menos peças comparado aos motores de refrigeração líquida usados pela Volkswagen durante o ciclo de produção estendido do motor boxer no Brasil e no México, o boxer acabava sendo (ou ao menos parecendo) mais "à prova de burro", o que no fim das contas era uma bênção diante da relapsidão no tocante a manutenções preventivas. Enquanto o motor EA-111 na configuração de 16 válvulas sofria com o uso de óleo fora da especificação mínima exigida, o bom e velho boxer suportava melhor esse abuso que pode ser creditado como o que deu a má fama dos motores com 4 válvulas por cilindro durante um longo tempo no Brasil;

4 - economia de escala: por ter sido um motor que já se mantinha em produção por bastante tempo, só saindo de linha em 2005 antecipando-se ao recrudescimento das normas de emissões e também porque a Volkswagen do Brasil rejeitava a idéia de lançar uma versão flex capaz de operar tanto com gasolina quanto com etanol e incorporar mais material isolante de ruídos ao redor do compartimento do motor na Kombi, a princípio o boxer poderia ter alcançado uma sobrevida mais longeva enquanto ainda eram produzidos carros compactos de motor dianteiro longitudinal na linha brasileira da Volkswagen. Apesar de parecer difícil justificar o boxer diante dos motores com 4 cilindros em linha que passaram a ter mais relevância entre as décadas de '80 e '90 em meio à "desfuscalização" da Volkswagen, incluindo o CHT proveniente da Ford durante a AutoLatina, um motor próprio e já disponível acabava sendo favorável a uma inserção mais ágil no segmento dos carros "populares" definido e consolidado entre os governos Collor e Itamar, antes que o motor EA-111 fosse finalmente introduzido no Brasil já durante o governo FHC;

5 - antiga percepção de cilindrada como fator de prestígio: condição que vem deixando de existir à medida que o downsizing é consolidado no Brasil, mas foi relevante quando o brasileiro médio ainda se iludia e associava um motor "maior" a um valor agregado mais alto em detrimento das tecnologias que viessem a ser incorporadas. Considerando que o estigma do motor 1.0 como sendo coisa "de pobre" só começou a diminuir por volta de 2017 à medida que uma nova "era turbo" foi consolidada nessa faixa de cilindrada. Mas para aquele brasileiro médio da década de '90 que ainda negligenciava especificação de óleo lubrificante e punha água "torneiral" no radiador sem ao menos deixar o cloro evaporar e muito menos dosar adequadamente o aditivo, contar vantagem de ter um carro 1.6 ao invés de 1.0 parecia mais tentador...