quarta-feira, 20 de março de 2024

Chassis de tração dianteira para aplicações especiais: uma configuração que precisa ser desmistificada no Brasil

Prática já bastante difundida na Europa, com o chassi do Fiat Ducato sendo possivelmente o melhor exemplo, a tração dianteira deixou de ser solenemente ignorada em aplicações para as quais no Brasil chassis de caminhão mal e porcamente modificados para uso em microônibus predominam e acrescentam um peso morto. No caso de motorhomes, que na Europa tendem a ficar mais restritos ao peso bruto total de até 3500kg e serem conduzidos por detentores da habilitação de carro, usar um chassi de tração dianteira também acaba facilitando a acomodação de componentes como tanques de água e de detritos, baterias e eventualmente um grupo gerador, além da altura usualmente menor do assoalho tendo em vista a ausência de um eixo cardan e a configuração mais compacta do eixo traseiro comparado aos similares de tração traseira. O chassi mais leve e a possibilidade de usar uma carroceria de altura total também mais modesta, sem qualquer sacrifício no tocante à volumetria interna facilitam a contenção de peso, favorecendo ainda a aerodinâmica e resultando em melhorias na economia de combustível sobretudo para deslocamentos rodoviários.

No caso específico de motorhomes, levando em consideração como as proporções desse tipo de veículo ao ser encarroçado sobre um chassi especial lembram as dos microônibus muito usados para o transporte remunerado de passageiros por todo o Brasil, incorporar a tração dianteira dificilmente causaria tanta controvérsia quanto em algumas aplicações estritamente profissionais. A princípio até há viabilidade técnica para uma introdução da tração dianteira em segmentos que no Brasil a tração traseira por eixo rígido vem sendo a única opção basicamente por imposição dos fabricantes, indo além dos motorhomes para abranger também microônibus e até mesmo veículos blindados de transporte de valores, tanto pela maior praticidade que um modelo mais leve e com altura externa mais contida tenha para acessar os mais diversos espaços com alguma restrição ao acesso de utilitários pesados. Naturalmente a tração dianteira vá parecer mais convidativa para os operadores que transitem majoritariamente por trechos pavimentados, tanto dentro dos perímetros urbanos quanto em rodovia, até porque pela configuração de transmissão a concentração de peso entre os eixos pode ficar prejudicada em algumas condições de carga ao ficar mais intensa sobre o eixo traseiro, e até o balanço traseiro se for muito longo tende a exacerbar tal desvantagem, mas nada que efetivamente impeça a tração dianteira de ser aplicável às condições operacionais de alguns usuários.

Considerando como a manobrabilidade em espaços mais exíguos já seria mais adequada a um veículo de balanço traseiro mais curto, e portanto acabe ficando mais fácil conciliar essa questão da distribuição de peso entre os eixos mediante uma correta acomodação das cargas, também é conveniente destacar uma ascensão de sistemas eletrônicos de controle de tração e estabilidade, cujos efeitos podem compensar a aparente deficiência da tração dianteira nas condições de baixa aderência como pista molhada e aclives acentuados. A eventual aplicação da tração dianteira junto a uma parcela dos operadores estritamente comerciais talvez nunca chegue a eliminar a tração traseira em faixas de peso bruto total entre 4 e 5 toneladas para as quais é exigida a habilitação na categoria C ou superior, mas pode complementar a oferta de chassis para atender melhor às diversas necessidades ou preferências tanto em uso recreativo quanto estritamente profissional. Portanto, mesmo que ocorra um dilema análogo ao do ovo e da galinha, e fique difícil dizer com precisão se a falta de utilitários de grande porte com tração traseira resulta de um comodismo dos operadores brasileiros na tração traseira ou do desinteresse de fabricantes em ampliar as opções, é um aspecto que poderia ser mais abordado e desmistificado no Brasil.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Mazda BT-50 de 3a geração: poderia ser útil para um eventual retorno da marca ao Brasil?

Diante de um recente distanciamento entre a Mazda e a Ford, especialmente perceptível no tocante às linhas de pick-ups médias com a Mazda passando a estar associada à Isuzu nesse segmento, uma hipotética retomada de operações no Brasil que tivesse na geração atual da BT-50 a ponta de lança poderia dar margem às mais diversas especulações. Com a Isuzu ainda tendo relações com a General Motors também, já tendo até compartilhado projetos de caminhonetes médias que foram comercializadas sob as marcas Chevrolet e Holden além de ainda fornecer componentes para a montagem de pick-ups no regime CKD em mercados da América Latina e África, em que pese estar presente por conta própria em países tão diferentes quanto o Paraguai e a Austrália onde o fogo amigo passou a ser trocado com a Mazda, a princípio pudesse fazer sentido um retorno da Mazda ao Brasil. Com as pick-ups médias alçadas a posições mais prestigiosas no mercado brasileiro desde a reabertura das importações até a ascensão e consolidação dos SUVs junto à classe média urbana, e um desconhecimento acerca da Isuzu mesmo já tendo suprido a antiga operação de caminhões da General Motors do Brasil com kits CKD entre '95 e 2001 em contraste com a imagem da Mazda muito vinculada a esportivos compactos da década de '90, possivelmente fosse até mais fácil justificar uma vinda da Mazda mesmo que a boa fama da Isuzu como especializada na produção de veículos utilitários e motores Diesel também pudesse ser bem explorada.

Como a princípio a Isuzu poderia ter alguma dificuldade para se firmar no mercado de caminhões caso tivesse uma operação como importadora no Brasil, tendo que competir tanto com caminhões de fabricação nacional quanto com o dumping chinês e portanto a imagem de especialização em utilitários pudesse ficar mais difícil de assimilar aos olhos de uma parte significativa do público generalista, a Mazda tendo um maior apelo também em outras categorias de automóveis e utilitários leves facilitaria escalonar uma atuação da marca junto a segmentos com volumes maiores de vendas. E como hoje as pick-ups médias de marcas japonesas como a Mazda e a Isuzu passaram a ter a fabricação concentrada na Tailândia e na África do Sul em função de acordos comerciais com outras regiões, e em menor proporção o Brasil e a Argentina também tenham uma produção expressiva de modelos dessa categoria por causa do Mercosul e políticas protecionistas, uma vinda tanto de modelos Mazda quanto Isuzu já soa mais improvável, apesar da Isuzu manter em produção na Índia uma geração antiga de pick-ups médias com uma equivalência na linha Chevrolet brasileira e fazer esse fogo amigo em alguns mercados de exportação regional. Enfim, mesmo que alguns desafios até mais de ordem política e logística dificultem um retorno da Mazda ao Brasil, talvez a BT-50 pudesse acabar sendo uma boa ponta de lança se a imagem de marca fosse bem trabalhada...

terça-feira, 12 de março de 2024

Suzuki Intruder 250 com pneu traseiro de Fusca

Tem sido bastante comum em motos o uso de um pneu de Fusca na roda traseira, mais frequentemente nas custom como a Suzuki Intruder 250. Ainda relativamente fácil de encontrar para venda, e a preços menores que os de muitos pneus específicos para uso motociclístico, naturalmente é tentadora a economia que se espera ao usar esse pneu, até porque muitas vezes a capacidade de carga de um único pneu de Fusca já supera o peso bruto total de uma moto pequena a plena carga.
Há quem considere arriscado o uso de um pneu automotivo numa moto por ter a seção da banda de rodagem mais reta, ao contrário da seção mais encurvada dos pneus de moto, tendo em vista que o formato diferenciado é mais apropriado para fazer curvas com uma maior inclinação que é habitual nas motos. A princípio o pneu diagonal na medida 5.60-15 usada no Fusca até atenda melhor a esse uso em motos comparado aos pneus radiais, mas ainda ter uma banda de rodagem mais reta acaba exigindo mais cuidado em curvas fechadas. Mas o mais curioso é que o uso de pneus com a banda de rodagem mais reta como o do Fusca cairia como uma luva para motos que tivessem acoplado um side-car, e apesar de todas as motos que eu vi com pneu de Fusca atrás estarem sem side-car, convém lembrar que a própria Volkswagen tinha como concorrentes indiretos à época do desenvolvimento do que viria a ser o Fusca exatamente as motos com side-car que eram muito usadas na Alemanha durante o período entre-guerras em função análoga à do conceito de carro popular definido em grande parte pelo sucesso do Fusca em âmbito mundial.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Kia Seltos indiano: ainda com a curioso opção por embreagem automática

Com a distinção de ter versões específicas em produção tanto na Coréia do Sul quanto na China e na Índia, o Kia Seltos chama a atenção também pela peculiaridade de ter entre as opções disponíveis para algumas versões de fabricação indiana a embreagem automática, mesmo também contando com o câmbio manual normal ou o automático que são predominantes para exportação. Apesar de parecer irrelevante à medida que hoje os câmbios automáticos estão mais eficientes e impactando pouco ou nada a economia de combustível, além de muitos oferecerem um modo sequencial com as trocas de marcha manuais, sabe-se lá por qual motivo na Índia persiste um interesse em veículos com só a embreagem automática, e a Kia o atende no Seltos indiano, tanto com motores a gasolina quanto com o turbodiesel que é oferecido em versões comercializadas no Paraguai. A bem da verdade acaba pesando a favor o conforto no tráfego urbano congestionado, ainda que permaneça necessário trocar marchas, e já simplifica também eventuais adaptações para motoristas com algumas deficiências físicas para as quais o câmbio automático possa ser dispensado sem prejuízos à segurança. Digno de nota é a embreagem automática ser perfeitamente integrada ao conjunto motriz, ao contrário de algumas adaptações disponíveis comercialmente até no Brasil para deficientes físicos que usam o vácuo gerado no coletor de admissão como provisão de força para o servo, e portanto são basicamente inservíveis em motores a diesel e até com alguns motores modernos a gasolina com turbo e injeção direta.

segunda-feira, 4 de março de 2024

Buggy, a categoria que sofre a maior canibalização de outras?

Outrora muito apreciados como veículos de lazer, antes que a reabertura da importação de automóveis e a ascensão dos SUVs levasse o público generalista a preferir modelos com outro perfil, os buggys sobrevivem no Brasil basicamente para atender a uma demanda mais concentrada no litoral nordestino onde são comuns em passeios turísticos, apesar de ainda ser possível para usuários particulares adquirir um se realmente forem entusiastas dessa categoria. Naturalmente questões de ordem técnica, e eventualmente burocrática, tornam um buggy modernizado diferente do que se fazia até poucas décadas atrás, com a exigência de um chassi próprio ao invés do reaproveitamento de chassis de veículos da Volkswagen de motor traseiro como o Fusca e derivados, e também normas de emissões mais rigorosas fizeram o antigo motor boxer refrigerado a ar ser substituído por outros com refrigeração líquida. Embora ainda predomine o uso de componentes de origem Volkswagen, bem como permaneça o motor traseiro proporcionando uma melhor tração em terrenos arenosos, atualmente podem ser encontrados buggys das mais diferentes configurações, desde o uso de motores 1.0 turbo até a inclusão de equipamentos como freios ABS, e por incrível que pareça airbag duplo também já é oferecido por algumas fábricas de buggy ainda em atividade no Brasil.
A simplicidade extrema proporcionada pela carroceria totalmente aberta e moldada em plástico reforçado com fibra de vidro, que a princípio tornaria desnecessária até mesmo uma simples ventilação forçada quando se trafega sem a capota e nem ao menos o toldo sobre os bancos dianteiros, embora possa ser desejável contar com um ventilador ao usar a capota de inverno que apesar do nome tem bastante utilidade durante chuvas de verão, contrasta com a inclusão de acessórios antes vistos como luxo até nos carros populares mais austeros, a ponto de muito dificilmente um motorista com perfil mais conservador sequer considerar um buggy como opção. A proposta essencialmente utilitária herdada do Fusca também fica em segundo plano em meio à presença maciça de SUVs também já entre os veículos compactos, e a princípio o consumidor generalista que hoje vê buggys como uma mera curiosidade em viagens ao Nordeste iria preferir um SUV com teto solar panorâmico, enquanto quem pretenda usar um veículo único para atender à necessidade que um carro popular atende iria preferir a praticidade do compartimento de bagagens fechado de um sedan ou hatch ao invés de recorrer a racks e outros acessórios para transportar materiais em um buggy, embora seja permitido fazê-los. Enfim, possivelmente o buggy seja o tipo de veículo que mais sofre uma concorrência diante de todas as outras categorias, em que pese ter a versatilidade para poder ser apontado como concorrente direto ou indireto dos mais improváveis segmentos...