domingo, 23 de maio de 2021

Pneus diagonais: ainda teriam algum futuro?

Desde épocas remotas quando o Fusca era a principal referência do mercado automobilístico brasileiro, tanto as preferências do público consumidor quanto regulamentações acarretaram em várias mudanças, dentre as quais uma prevalência dos pneus radiais em modelos novos e também para reposição. Apesar da presença de uma quantidade considerável de exemplares de veículos antigos ainda em uso cotidiano levar a crer que uma oferta de pneus diagonais pudesse ser apreciada por adeptos da observância mais estrita das características técnicas originais, abrangendo também alguns tamanhos de pneus hoje fora do catálogo dos principais fabricantes multinacionais como o 5.60-15 diagonal que originalmente equipava o Fusca ou o equivalente radial 155/80R15 recomendado pela própria Volkswagen para substituição, já é mais comum deparar-se com a eventual necessidade de adaptar pneus com largura de seção maior ou recorrer a fabricantes nacionais como a Maggion ou a Technic que concentram esforços no mercado de reposição. Naturalmente, em meio a algumas considerações quanto à responsabilidade da China pela crise do coronavírus, também torna-se justificável uma rejeição a produtos chineses, incluindo os pneus chineses que mesmo predominando os do tipo radial sem câmara costumam ser de qualidade duvidosa.
O fato de ainda haver quase sempre a necessidade de usar câmaras de ar com pneus diagonais constitui um inconveniente para o público generalista já acostumado a dispensá-las nos radiais, embora a Technic forneça pneus diagonais sem câmara nas medidas 5.60-15 para Fusca e 7.35-14 adequada para a Kombi cujos pneus 185/80R14 usados como equipamento padrão de '92 a 2013 já não são fáceis de encontrar. De fato, um pneu sem câmara oferece a vantagem de um esvaziamento mais lento quando furado, tendo em vista que a válvula de calibragem fica mais estanque por ser presa diretamente ao aro, enquanto nos pneus com câmara o ar pode escapar pelo espaço entre o aro e a válvula integrada à câmara, e portanto é compreensível a preferência por pneus sem câmara devido à maior segurança. Naturalmente convém recordar que pneus diagonais costumam ser mais recomendados para veículos cuja velocidade máxima é ainda relativamente modesta em comparação ao que os radiais podem suportar com uma boa margem de segurança, e portanto constituem uma opção mais recomendável tanto a automóveis compactos com baixa potência quanto a utilitários comerciais que também apresentem um desempenho despretensioso, além da maior suavidade de rodagem mesmo em condições de terreno mais precárias ser conveniente ao proporcionar mais conforto ao condutor e passageiros e um menor risco de irregularidades no trecho  causarem algum dano à carga.

Pneus diagonais tendem a apresentar uma maior suavidade ao trafegar por pavimentos mais rústicos, ou mesmo não-pavimentados, devido à maior flexibilidade da carcaça do pneu mesmo com as laterais mais reforçadas, justificando um uso até em modelos originalmente equipados com pneus radiais a exemplo do Lada Niva. Ainda que os pneus diagonais costumem ser alvo de críticas pela durabilidade das bandas de rodagem frequentemente apontada como menor em comparação aos radiais, principalmente porque a pressão dos pneus deve ser observada com mais cuidado para evitar deformações, não convém esquecer que a qualidade dos compostos de borracha e dos materiais usados nas carcaças pode fazer um radial de procedência duvidosa como é o caso da imensa maioria dos pneus chineses principalmente em medidas mais usadas em modelos destinados a mercados emergentes ou que sejam considerados "defasados" em outras regiões onde pneus de outras medidas tornaram-se mais habituais em meio à renovação de frota que ocorre numa proporção maior em comparação ao Brasil. Assim, não seria tão absurdo recorrer-se a pneus 6.45-13 diagonais mesmo num modelo considerado revolucionário à época do lançamento como foi o caso do Chevrolet Corsa quando os 145/80R13 ou 165/70R13 estejam difíceis de encontrar.

domingo, 16 de maio de 2021

Clássico: Dodge Deluxe Sedan 1948

Um daqueles carrões americanos que marcaram época, o Dodge Deluxe foi oferecido entre os anos de 1946 e 1949 como parte da linha Dodge D-24 que incluía também o Dodge Custom. Carrocerias sedan com 4 portas como o exemplar das fotos e cupê com duas portas eram as únicas comuns a ambos, com o Deluxe dispondo também da configuração sedan de duas portas enquanto o Custom era oferecido com a opção pelo conversível de duas portas. No tocante à mecânica, ambos recorriam a uma versão de 230 polegadas cúbicas (3.8L) do motor Chrysler Flathead-Six, com 6 cilindros em linha e válvulas laterais, sempre com câmbio manual de 3 marchas. Como opcional, podia contar com o sistema de acoplamento viscoso "Fluid Drive" que permite arrancadas e paradas sem acionar a embreagem embora não deva ser confundido com câmbios automáticos nem semi-automáticos. Ainda que o Fluid Drive não proporcione o mesmo efeito multiplicador observado no conversor de torque dos câmbios automáticos, e permaneça necessário acionar a embreagem durante as trocas de marcha, esse artifício aliado ao torque em baixos regimes de rotação do motor Flathead-Six já atendia bem a uma preferência muito específica do público nos Estados Unidos onde muitos motoristas preferiam usar sempre que possível (como em trechos mais planos) só a marcha mais alta, antes que a massificação do câmbio automático tornasse redundante esse hábito.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Teria feito algum sentido a Fiat manter a Strada da geração anterior em linha na Argentina?

Um dos modelos de maior sucesso no mercado brasileiro, tanto entre os veículos comerciais quanto na classificação geral, a Fiat Strada teve o encerramento da produção da primeira geração somente no ano passado no Brasil. Chegou a ser produzida também na África do Sul na fábrica da Nissan em Rosslyn até 2005, sendo posteriormente importada do Brasil até 2012 e portanto não tendo recebido o facelift de 2013, mas não deixa de chamar a atenção que nunca tenha sido produzida na Argentina onde por muitos anos houve (e tem permanecido) uma consolidação da fábrica em Ferreyra (província de Córdoba) para a produção de sedans compactos. Diante da situação econômica catastrófica da Argentina, onde a pauta de exportações da indústria automotiva instalada no país tem sido vista pelo atual desgoverno argentino como uma fonte de atração de reservas em dólar, há de se considerar que mesmo um modelo tido como antigo ainda poderia atender tanto ao mercado doméstico quanto exportação regional devido à demanda pelo modelo renovado feito somente no Brasil gerar longas filas de espera que poderiam ser aliviadas se o antigo tivesse permanecido em linha como uma possibilidade de atender principalmente a operadores profissionais mais interessados em agilizar o serviço que em ostentar um "carro do ano".
O fato da Strada de geração anterior ter sido sempre baseada num mesmo projeto básico desde quando foi lançada em '98, passando pela oferta da opção com cabine estendida já em '99, já se refletia no custo de desenvolvimento ter sido amortizado com folga ao decorrer de um ciclo de produção que se estendeu por 22 anos no Brasil já poderia soar como um bom pretexto para deslocar a produção para a Argentina, bem como ser um modelo consolidado nos mercados regionais cuja adequação a condições de rodagem severas dispensa apresentações. Enquanto hoje as pick-ups de um porte maior são vistas como objeto de desejo, e tal circunstância acaba refletindo-se também junto aos modelos menores e derivados de carros compactos, não deixa de ser pertinente destacar que o menor custo inicial e até a simplicidade técnica já favorecem a Strada e concorrentes em regiões onde haja uma prioridade em conciliar usos efetivamente profissionais à necessidade de um veículo mais leve e econômico para fins particulares. Portanto, além de levar em conta alguma oportunidade junto a consumidores que estejam cogitando uma substituição de utilitários maiores cujos custos de aquisição tornaram-se um empecilho para permanecer na mesma categoria na própria Argentina hoje excessivamente dependente da pauta de exportação para os outros países membros do Mercosul para sustentar a capacidade instalada da indústria automotiva, ainda faria sentido também para atender a outros mercados latino-americanos ou até africanos, inclusive aqueles onde se usa a mão inglesa e cujo volume de vendas dificilmente justificasse desenvolver versões RHD para a geração atual ao invés de aproveitar o que já havia sido feito anteriormente para atender à África do Sul e ao Reino Unido.

Ao menos um precedente histórico pode ser apontado, envolvendo a 1ª geração do Fiorino produzida no Brasil de '80 a '88 que ganhou uma sobrevida na Argentina de '89 a '96 antes da unificação dos modelos feitos em ambos os países culminando na concentração da produção no Brasil em meio à crise argentina do ano 2000. Naturalmente, a entrada do Mercosul em vigor em '91 através da ratificação do Tratado de Assunção levaria a crer que o Fiorino mais antigo não conseguisse manter a competitividade na disputa por mercados de exportação regional, e também estava totalmente fora de cogitação um relançamento na Europa que viesse a justificar um volume de produção tão significativo, de modo que não chegou a 10% do que havia alcançado enquanto o Brasil foi o hub de exportação desse modelo. No entanto, hoje a dinâmica dos mercados regionais e até a concorrência contra o dumping chinês leva a crer que apostar num modelo teoricamente "defasado" em comparação ao análogo brasileiro dessa vez não seja um erro.

sábado, 1 de maio de 2021

5 eventuais explicações para o Fusca Itamar não ter encontrado uma procura tão significativa à época

Um daqueles casos bastante peculiares que ocorreram no mercado brasileiro, o relançamento do Fusca em '93 parecia ser uma decisão razoavelmente fundamentada sob um viés estritamente técnico, dadas as condições de rodagem severas ainda bastante comuns tanto no interior quanto nas periferias de grandes centros. Por outro lado, o público generalista já não se mantinha tão receptivo à proposta tradicional do modelo, tanto pela introdução de versões "populares" de modelos então mais contemporâneos quanto pelo fascínio pelos importados que em alguns casos estavam inseridos em faixas de preços comparáveis aos nacionais mais despretensiosos. Uma série de motivos pode explicar uma procura menor do que foi inicialmente previsto antes do fim de produção definitivo do Fusca Itamar em '96, dentre os quais cabe destacar ao menos 5:

1 - acesso aos compartimentos de bagagens: há o tradicional "chiqueirinho" entre o banco traseiro e o quadro-de-fogo separando o habitáculo e o compartimento do motor, acessível somente por dentro. Por ser mais difícil acomodar alguns volumes em comparação ao que se observa nos hatches de concepção mais moderna, e o pequeno bagageiro frontal tendo a capacidade comprometida pelo espaço ocupado pela suspensão dianteira e pelo tanque de combustível, não é de se estranhar que consumidores com um perfil mais urbano já não se convencessem pela simplicidade mecânica e muito menos pela capacidade de incursão off-road comparativamente superior às gerações subseqüentes de carros "populares";

2 - falta de atualizações técnicas mais significativas: o catalisador e a ignição eletrônica, necessários para enquadrar o modelo às normas de emissões da época, não vieram acompanhados de melhorias que teriam sido muito bem vindas em sistemas como suspensão e direção. E a bem da verdade, no tocante à economia de escala, teria feito algum sentido aproveitar a suspensão traseira por braços semi-arrastados com mola helicoidal que a Kombi já usava, enquanto na dianteira teria sido conveniente mudar para a suspensão McPherson ao invés das barras de torção que acabavam comprometendo demasiadamente a capacidade do bagageiro frontal. A direção por setor e rosca sem-fim também poderia ter dado lugar ao sistema de pinhão e cremalheira usado em veículos mais modernos, o que proporcionaria respostas mais diretas e menos ocorrência de folgas na direção;

3 - consumo de combustível: ter recorrido ao motor 1600 parecia uma decisão acertada, tanto para ter uma reserva de potência e torque mais confortável para alcançar velocidades compatíveis com o tráfego quanto por ter sido a última configuração remanescente do motor boxer refrigerado a ar enquanto serviu somente à Kombi entre '86 e '93, às custas de um consumo de combustível menos modesto comparado tanto aos motores de até 1.0L usados nos "populares" desde a "era Collor" quanto ao motor 1300 que o próprio Fusca chegou a oferecer durante boa parte do ciclo de produção anterior no país. Naturalmente, uma diminuição da cilindrada para enquadrar um motor de concepção tão antiga à faixa de 1.0L que foi definida de forma um tanto arbitrária seria algo problemático, mas um retorno do motor 1300 já tornaria possível atender com um menor impacto sobre o custo operacional a uma grande parte do público-alvo do Fusca Itamar que priorizava basicamente a concepção mais tradicional. Pode-se até classificar como um precedente o fato do Fusca mexicano ter mantido a opção por um motor 1200 para atender à pauta de exportações em países e regiões onde a tributação baseada na cilindrada o favorecia, mesmo quando o motor 1600 estava consolidado como o único disponível no mercado mexicano;

4 - aparente desinteresse da Volkswagen em oferecer o modelo: permanece até a atualidade a idéia em torno do Fusca Itamar como tendo sido mais uma deferência ao então presidente Itamar Franco que uma decisão de ordem técnica. De fato, a volta do Fusca foi relevante no âmbito político para fomentar uma consolidação do segmento de carros "populares", ainda que na linha Volkswagen o então líder de vendas Gol naturalmente recebesse mais atenção da publicidade e nos showrooms das concessionárias. Embora uma extensão dos benefícios fiscais no âmbito do carro "popular" inicialmente destinados aos veículos com motor até 1.0L e refrigeração líquida tenha se feito necessária para abranger também os até 1.6L com refrigeração a ar de modo a atender especificamente o Fusca, sendo revogada já durante a "era FHC" tão logo o modelo havia saído de linha, a própria Volkswagen ter dado início à produção de um motor 1.0 próprio da série EA-111 para substituir o CHT proveniente da Ford no âmbito da joint-venture AutoLatina rebatizado como AE (Alta Economia) quando aplicado ao Gol evidenciava o rumo que a empresa procurava tomar distanciando-se da imagem austera do Fusca;

5 - estereótipo de "carro velho": com um projeto cuja idade já se revelava praticamente impossível de dissimular, em meio a uma época na qual a cultura da preservação de veículos antigos ainda era tratada como uma excentricidade, evidentemente pesou contra o Fusca Itamar. Nem mesmo eventuais vínculos afetivos com modelos anteriores do Fusca acabavam sendo suficientes para a Volkswagen alcançar com tanta força alguns segmentos daquele público essencialmente conservador para o qual o modelo parecia predestinado, tampouco a familiaridade com a concepção mecânica que a princípio traria tranquilidade aos proprietários em meio à intensa modernização que os automóveis apresentaram durante a década de '90 trazendo a necessidade de atualização para os mecânicos e uma observância de procedimentos de manutenção mais rigorosa.