quinta-feira, 16 de maio de 2024

Honda XLR 125: foi subestimada à época do ciclo de produção?

Produzida entre '97 e 2003, a Honda XLR 125 foi eventualmente menos apreciada à época considerando o que eventualmente merecia, mas teve certamente uma importância como porta de entrada para alguns motociclistas que viriam a desenvolver um maior apreço por motos trail/dual-purpose de modo geral. Ter usado rigorosamente o mesmo motor da icônica CG 125 varetada, inicialmente com a partida só a pedal tal qual ocorreu com a CG até a 4a geração e cuja transição para a 5a geração acontecendo exatamente durante o ciclo de produção da XLR que também teve a opção pela partida elétrica oferecida, seria ao menos teoricamente uma vantagem para quem valorizava a manutenção simples, mas além do fogo amigo da CG entre as motos de entrada ainda foi ofuscada pela Honda XR 200 junto à parte do público mais voltada ao uso off-road recreativo. Pode parecer difícil apontar um motivo mais específico para a Honda XLR 125 ter encontrado receptividade um tanto restrita à época da produção, mas a princípio fatores como um conservadorismo mais intenso no mercado brasileiro de motos de pequena cilindrada fomentando um valor de revenda mais alto para a CG também em regiões interioranas onde uma capacidade de incursão off-road seria mais útil pesaram.

É inevitável também uma imagem de "luxo" que elementos hoje mais difundidos, como a própria partida elétrica e o freio dianteiro a disco já usados desde o início na XR 200, ter influenciado a preferência de quem quisesse algo "diferenciado" em comparação à Honda CG 125, embora para quem priorizasse o uso em condições ambientais um tanto severas a configuração mais austera também tivesse a vantagem de simplificar a manutenção, e no caso da partida a pedal acabava sendo muito útil em algumas trilhas mais travadas onde uma sequência de quedas e a exigência de acionar uma partida elétrica repetidas vezes acabaria por descarregar a bateria. Para uso a médias de velocidade mais modestas tanto a lazer quanto a trabalho, o desempenho do motor original ainda estaria de acordo com o propósito do modelo, embora acabe ficando mais desafiador considerar um uso geral que inclua eventuais trajetos rodoviários, apesar do mesmo motor ser bem conhecido de uma parte do público motociclístico mais adepta a preparações que podem fazer até uma CG varetada de motoboy raiz dar trabalho para motos na faixa de 250cc em corridas ilegais nas vias públicas. No caso específico de uma moto trail, nas quais era mais comum entre os modelos das faixas de cilindrada acima de 125 apresentarem calibrações mais voltadas a melhorar o torque em baixas rotações, por um motor mais modesto proporcionar pouca margem para alterações considerando perfis de uso mais conservador, ficava mais difícil conciliar as necessidades de quem ainda se disponha a enfrentar uma grande rodovia e ao mesmo tempo prefira evitar virar bola de futebol de caminhão...

Ainda que tenha sido até relativamente fácil ver uma Honda XLR 125 principalmente nas capitais e respectivas regiões metropolitanas durante o ciclo de produção do modelo, que pelo maior curso de suspensão oferecia um maior conforto ao trafegar por trechos com uma pavimentação mal conservada atraía ao público que eventualmente fazia a migração do carro para a moto só visando economizar gasolina ou ter uma opção para o rodízio em São Paulo, é um tanto curioso como passou a ser mais rara mesmo compartilhando todos os componentes com outras motos da Honda que tiveram uma presença de mercado mais ampla. Lembrando que a Honda XLR 125 foi exportada até para a Europa Ocidental em doses homeopáticas, favorecida por normas da União Européia que permitem detentores da carteira de habilitação para automóveis pilotarem motos de até 125cc e 15cv, talvez o Brasil exigir em todas as faixas de cilindrada a habilitação específica para motos também pode ter sido parte do problema. Enfim, se o uso em condições ambientais mais severas que a princípio seria de se esperar para uma moto trail obviamente imponha um desgaste mais acentuado, e o mercado motociclístico já ter sido muito mais conservador na faixa de cilindrada em questão, a Honda XLR 125 realmente merecia um maior apreço.

domingo, 12 de maio de 2024

Saveiro: hoje conceitualmente mais próxima do Fusca que qualquer outro Volkswagen em produção no Brasil?

Pode parecer improvável à primeira vista uma equiparação entre uma caminhonete e o Fusca, ainda que fique tudo no âmbito da Volkswagen e a caminhonete em questão seja derivada de um projeto que tinha como propósito de certa forma impor um sucessor para o Fusca. E nesse caso, tendo em vista a origem da Saveiro desde a primeira geração do Gol até a atual que permanece em linha mesmo após o encerramento da produção do próprio Gol e do Voyage alegadamente para atender às normas de emissões Proconve P8 que entraram em vigor a partir de 2022, há ainda que recordar outras peculiaridades do mercado brasileiro e uma nova dinâmica em meio à recente ascensão de utilitários junto ao público generalista, a ponto da principal concorrente e na prática única concorrente direta da Saveiro ter chegado a liderar todos os rankings do mercado brasileiro por mais de um ano consecutivamente. Mas se por um lado a Saveiro tem sido menos favorecida na preferência do mercado que a Fiat Strada, é perfeitamente possível iniciar uma analogia com o Fusca lembrando de uma parte ainda expressiva do público que ao adquirir um veículo novo prioriza a efetiva necessidade, tal qual produtores rurais que nutriam um apego especial pelo Fusca basicamente pela proporção entre o preço e as capacidades de incursão off-road comparado a utilitários de perfil claramente mais especializado.

Considerando especialmente as versões com cabine dupla na atual geração da Saveiro, e a configuração de duas portas que até deixou de ser oferecida para a linha de automóveis comercializada pela Volkswagen do Brasil, é impossível ignorar aquela antiga influência do Fusca que consolidou a imagem do carro com 4 portas no Brasil como indesejável aos olhos de um povo ainda pouco acostumado à idéia de "carro popular" que foi consolidada na época áurea do Fusca entre as décadas de '50 e '70. Ainda que a cabine dupla tendo só duas portas em uma caminhonete compacta, somando-se a uma capacidade volumétrica reduzida do compartimento de carga numa comparação à cabine simples, tenha perdido o apelo em meio à mesma moda de SUV que fez as concorrentes oferecerem cabine dupla com 4 portas, entre o público profissional tal característica às vezes está longe de ser um impedimento, tal qual havia quem usasse o Fusca até como táxi antes de ser instituída a obrigatoriedade dos táxis terem 4 portas em todos os grandes centros urbanos brasileiros, a depender do volume de carga transportado fica mais desejável a conveniência de poder levar mais 2 ou 3 passageiros quando haja necessidade. Ou até mesmo poder utilizar o espaço adicional na cabine para acomodar materiais mais susceptíveis a danos no caso de irem no compartimento de carga externo, situação mais comum do que pode parecer em serviços de manutenção e instalação de infraestruturas como telefonia ou geração e transmissão de energia.

No tocante à motorização, embora a própria Volkswagen já viesse cogitando descontinuar os motores de aspiração natural nos últimos 20 anos, e a Saveiro seja o único modelo da marca a nível mundial na atualidade sendo oferecido sem nenhuma opção por motores turbo, chama a atenção que o motor 1.6 MSI possa ser subestimado por quem se encante pela presença massiva do turbo e da injeção direta em qualquer motor acima de 1.0L na linha atual de automóveis da Volkswagen no Brasil. Mesmo que a refrigeração líquida seja massificada tanto em motores de aspiração natural quanto turbo, também cabe apontar uma semelhança com a marginalização que o motor boxer refrigerado a ar passou a ter na linha Volkswagen já a partir da década de '70 até ficar restrito ao último Fusca/Vocho mexicano de 2003 e só deixar de ser usado na Kombi brasileira em meados de 2005 para o ano-modelo 2006, e hoje o motor 1.6 MSI só equipa além da Saveiro algumas versões de utilitários leves produzidos na Polônia para exportação a regiões fora da União Européia e alguns sedãs e SUVs compactos fabricados na Índia e na China também com ênfase em mercados externos enquanto nos respectivos locais de fabricação os motores TSI de 1.0L a 1.5L sejam mais favorecidos. Enfim, além da preferência do público generalista brasileiro ter sofrido algumas mudanças, também há fatores de ordem mais técnica que subjetiva fazendo da Saveiro o mais próximo hoje do que o Fusca um dia representou.

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Algumas considerações sobre híbridos, injeção direta e o etanol

À primeira vista parecendo algo exagerado aos olhos do público generalista enquanto é aplicada também a motores de aspiração natural, e pela exigência de filtro de material particulado que antes era mais restrita aos Diesel, a injeção direta já marca presença até em híbridos como o Honda Accord da atual geração e o Hyundai Kona. Naturalmente já poderia fazer algum sentido se, pelo viés da ecologia, fosse também aproveitada a maior facilidade de motores com injeção direta na partida a frio para fomentar também o uso do álcool/etanol, que por ser renovável faz mais sentido que o gás liquefeito de petróleo (GLP - "gás de cozinha") que é proibido para uso como combustível veicular no Brasil mas é muito incentivado em países como o Japão e a Coréia do Sul. E enquanto o eventual uso de combustíveis gasosos em um motor com injeção direta pode ser mais problemático e difícil de implementar, porque mesmo que o GLP possa ser injetado na fase líquida como a gasolina os tanques de cada combustível permaneceriam separados, enquanto com motores flex a simplicidade de usar só um tanque tanto para a gasolina quanto para o álcool é mais facilmente assimilável. Como um motor a gasolina ou eventualmente flex tem o funcionamento mais intermitente no tráfego urbano em veículos híbridos, talvez a partida a frio mais imediata que é capaz de proporcionar com o álcool ficasse mais fácil de justificar, embora pareça redundante em veículos híbridos cujos motores funcionem só na gasolina.
Com referência aos motores 1.6 Kappa II e Smartstream usados no Hyundai Kona de 1a geração, só a Hyundai já ter experiência com motores flex no Brasil e até ter incorporado injeção direta no motor 1.0 turbo flex Kappa II em outros modelos que são produzidos no Brasil ao contrário do Kona que é importado da Coréia do Sul e até chegou a ser equipado com os motores Kappa II e Smartstream 1.0 turbo em versões sem assistência híbrida em outros mercados soa como um precedente a favor de incorporar a tecnologia flex para os híbridos. Mesmo que haja quem considere a aspiração natural menos problemática para um híbrido, tanto sem a possibilidade de recarregar externamente as baterias quanto os híbridos plug-in que permitem tal recurso ao invés de dependerem apenas da geração e recuperação de energia elétrica a bordo, logo tornando improvável que uma versão com o motor 1.0 turbo flex exclusiva para o Brasil fosse apresentada, nada impede que alguma estratégia de hibridização seja associada à indução forçada, e um exemplo bom porém também improvável de ser oferecido como flex é o motor 4.0 V8 biturbo usado na atual geração da Audi RS6 Avant que conta com o sistema mild-hybrid (MHEV) que recorre a um conjunto moto-gerador no lugar de um alternador fornecendo assistência motriz em algumas situações em conjunto com o motor a gasolina. Como para fins burocráticos em alguns mercados como a Europa Ocidental e os Estados Unidos qualquer sistema híbrido já credencia a alguma vantagem na alíquota de um imposto, ou para concessão de algum benefício prático como tarifas menores para estacionar em regiões centrais das maiores metrópoles e a livre circulação nas mesmas áreas quando veículos sem qualquer sistema híbrido são sujeitos a restrições com base na classificação de emissões, a princípio ocorre um desinteresse em oferecer tecnologia flex em modelos já beneficiados pelos burocratas que tentam posar de ecologistas. 
A forma como a hibridização é tratada como uma "transição" rumo à eletrificação total do transporte motorizado defendida à exaustão por toda sorte de alienados autoproclamados "ambientalistas" acaba sendo um entrave à própria pauta do álcool/etanol e também de outros combustíveis alternativos que podem fazer até mais sentido que uma proibição ou qualquer restrição arbitrária que vise tornar inviável o futuro dos motores de combustão interna de um modo geral a longo prazo, e a inserção de sistemas mild-hybrid mais como uma medida de compliance num esportivo puro-sangue como a Audi RS6 Avant até uma versão híbrida plug-in para um SUV da moda como o Audi Q5 Sportback TFSIe deixa claro que diferentes categorias também podem ter algum desafio mais específico para atender a preferências mais subjetivas dos respectivos públicos-alvo. É também digno de nota que a Audi, sendo afiliada à Volkswagen e tendo um posicionamento mais de luxo, tem maior facilidade para consolidar o uso de motores turbo em toda a linha com mais celeridade que marcas generalistas, inclusive para os modelos híbridos, mesmo que algum temor quanto à correta lubrificação dos mancais do eixo central de um turbocompressor pareça justificar mais facilmente uma persistência na aspiração natural. A mesma afiliação da Audi à Volkswagen que hoje proporciona um compartilhamento de motores entre todas as marcas do grupo, e o fato de já haver uma vasta experiência com motores flex no Brasil desde a época que eram encontrados apenas com aspiração natural e injeção nos dutos do coletor de admissão até chegar à integração com o turbo e a injeção direta em modelos sem assistência híbrida denota já ter meio caminho andado para uma incorporação da tecnologia flex associada à injeção direta em veículos híbridos.
E se a relação entre Audi e Volkswagen causa uma certa surpresa pela aparente demora na capacidade de usar álcool/etanol em veículos híbridos com um motor de injeção direta, há também o caso da Toyota, e da divisão Lexus que na atual geração do RX rompeu com um padrão mais conservador entre os híbridos produzidos pela Toyota que costumavam ter motores de ignição por faísca de aspiração natural e a injeção nos dutos do coletor de admissão, com o Lexus RX 500h passando a usar um motor 2.4 turbo no lugar do 3.5 V6 do modelo anterior. Mesmo que a Toyota se destaque como o primeiro fabricante a ter oferecido híbridos flex especificamente para o Brasil, e alguns países como a Tailândia e a Índia ofereçam boas perspectivas para o uso do álcool/etanol como combustível veicular e também possa atender a modelos híbridos e também domine o uso da injeção direta em motores flex mesmo que em conjunto com a injeção sequencial no coletor de admissão, é até mais curioso que demore a incorporar a tecnologia flex junto à injeção direta para os híbridos, além do mais que álcool/etanol já foi o combustível preferido para motores que recebiam uma adaptação do turbo em outras épocas quando ou o carburador ou alguma injeção eletrônica mais simples eram o habitual, pela equivalência a uma maior octanagem comparado à gasolina comum. Enfim, mesmo que as motivações políticas e burocráticas em torno da massificação dos híbridos seja mais voltada à eletrificação, a ascensão da injeção direta certamente poderia ser benéfica a uma integração com a tecnologia flex.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Por que me surpreende o Fiat 500 nunca ter recebido uma versão 1.3 aspirada do motor GSE?

Lançado em 2007 quando já começava a ser arrefecida aquela moda de carros retrô que teve uma especial popularidade mais perto do ano 2000, e com a versão conversível que lembrava ainda mais o modelo de 1957 cuja estética serviu de inspiração, o Fiat 500 teve em 2020 a introdução de uma versão híbrida com o motor 1.0 GSE/Firefly e um conjunto moto-gerador que substitui o alternador e proporciona força motriz auxiliar apenas em algumas situações. O fato de tal configuração ter sido disponibilizada apenas com câmbio manual já podia ser inconveniente para uma parte do público urbano que prefere câmbio automático pela conveniência, ou mesmo até quem efetivamente precise desse recurso em função de facilitar adaptações para o uso por motoristas com alguma deficiência física, e o mesmo motor numa versão flex já ter sido oferecido no Brasil associado ao câmbio GSR automatizado no Mobi leva a crer que fosse relativamente fácil atender tal demanda no 500 para a Europa, onde o motor GSE passou a equipar as versões básicas do 500 tomando o lugar do 1.2 Fire que chegou a ter opção de câmbio manual ou o Dualogic automatizado e uma versão de aspiração natural do motor TwinAir de 1.0L que foi oferecida em poucos países. O lançamento de uma nova geração do 500 totalmente elétrica em 2020 pode ter ofuscado o modelo anterior junto ao grande público na Europa Ocidental, com benefícios fiscais atraindo compradores em meio a uma caça às bruxas contra motores de combustão interna de um modo geral, e a antiga opção pelo motor 1.3 Multijet também deixando de ser oferecida.

A princípio uma versão 1.3 do motor GSE já pudesse ter sido implementada, tanto por ter uma configuração bastante parecida com os Fire 1.2 e 1.4 aspirados quanto por ter ainda a opção turbo que cairia como uma luva nas versões Abarth e estava homologada desde 2018 na Europa. Pela linha de motores GSE ter um projeto modular, eventualmente até a configuração mild-hybrid associada ao 1.0 já pudesse ser oferecida no 1.3 aspirado com a mesma instalação, tendo em vista benefícios a veículos híbridos que reforçam a imagem dos mesmos como um passo no caminho de uma transição que tem sido planificada por alguns setores políticos rumo à eletrificação total do transporte motorizado que a bem da verdade se revela mais problemática do que os burocratas idealizam, e ainda ignora uma eventual vantagem prática que combustíveis alternativos como o álcool/etanol são aptos a proporcionar. Enfim, levando em conta que alguns clientes poderiam ainda preferir um motor maior que o usado na configuração híbrida, e acreditem que motores menores sejam pouco recomendáveis para o uso com um câmbio automático ou similar, a meu ver ainda é surpreendente nunca ter sido usado o motor GSE numa versão 1.3 aspirada no Fiat 500, mesmo considerando que deixou de ser oferecido no Brasil em 2019 com o fim da produção no México de onde passou a vir em 2012 para o Brasil e que até incorporou a opção flex para o motor 1.4 Fire Evo.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Mini original: podia ter sido mais competitivo contra o Fusca em mercados internacionais?

Por mais que no Brasil seja mais fácil o Mini original ser lembrado como um modelo mais exótico, em contraste com a presença muito maciça do Fusca que tem uma continuidade mesmo com o passar das décadas, é natural que existam algumas semelhanças entre os conceitos de ambos naquele contexto de um carro "popular" que a Europa vivenciava no pós-guerra. O motor em posição transversal, embora tivesse o câmbio integrado ao cárter como na maioria das motocicletas modernas e banhado pelo mesmo óleo do motor, acaba tendo uma influência maior sobre os carros modernos em comparação ao Fusca, além da refrigeração líquida que hoje é o padrão dos motores automotivos. Talvez esses aspectos levem a crer que uma maior adequação às históricas metrópoles européias tornasse o Austin/Morris/Rover Mini menos resiliente a condições de rodagem mais severas tanto em regiões agrícolas da própria Europa quanto para desbravar mercados de exportação que o motor e tração traseiros do Fusca atendiam com desenvoltura como o Brasil.

A bem da verdade, tendo em vista que tanto o Mini quanto o Fusca visavam atender a um público cativo das motocicletas com side-car que eram muito comuns na Inglaterra e na Alemanha, com capacidades muito parecidas de passageiros e bagagem, talvez fossem os concorrentes mais parelhos se ignorarmos a variedade de carros compactos franceses na mesma categoria. O fato do Mini ter surgido dentro de uma organização já existente, em contraste com o Fusca em função do qual foi criada a Volkswagen, poderia levar a crer na facilidade para inserir mais imediatamente à pauta de exportações tanto na Comunidade Britânica onde a preferência imperial dava ao Mini a isenção de impostos de importação quanto outros com os quais a Inglaterra teve um intercâmbio comercial mais intenso nos anos de austeridade do imediato pós-guerra, embora o Fusca acabasse sendo favorecido pela maior simplicidade e facilidade para a implementação da produção regionalizada a partir de kits CKD com uma incorporação gradual de conteúdo nacional como houve no Brasil por exemplo. Nada que impedisse iniciativas relativamente ousadas como no Chile e posteriormente na Venezuela onde versões regionais do Mini foram produzidas com carroceria de fibra de vidro e conjuntos motrizes de origem inglesa, enquanto para a Austrália e a África do Sul foi implementada a produção local com as maiores diferenças nas faixas de cilindrada dos motores e em calibrações específicas para usar gasolina de octanagem menor quando necessário.

Tanto o Mini quanto o Fusca deram origem a outros tantos modelos derivados, bem como ainda tiveram nas tentativas de substituição o uso de versões dos conjuntos motrizes que alçaram a uma condição icônica, embora o mais curioso tenha sido o layout mecânico do Mini ter perdido espaço para a proposta da Fiat que mesmo massificando o motor transversal passava a ter o câmbio ao lado do motor e as semi-árvores de transmissão assimétricas, enquanto no caso do Mini ter as semi-árvores de transmissão simétricas tal qual os modelos de motor longitudinal como o Fusca seja benéfico à dinâmica de qualquer veículo. Certamente o Mini teria aptidão para atender a uma parte do público até no Brasil caso tivesse sido nacionalizado na mesma proporção que o Fusca, embora a abordagem um tanto bairrista da Inglaterra com uma colaboração estreita da Castrol no desenvolvimento de um óleo lubrificante para atender simultaneamente ao motor e ao câmbio (inclusive à embreagem) tenha contrastado com as pretensões faraônicas da Volkswagen como bandeira de propaganda do III Reich. Ironicamente, no pós-guerra foi o major Ivan Hirst das forças britânicas na Alemanha quem conduziu a reestruturação da Volkswagen a partir dos escombros, e o resultado nós já sabemos...

Deixando de lado questionamentos sobre a eventual superioridade da tração dianteira ou da tração traseira para uma proposta de carro popular, ou como o Mini e o Fusca de certa forma ainda sejam um bom parâmetro para comparar a interpretações modernas do mesmo conceito, a princípio uma questão mais política fez o Mini ter menos alcance e uma influência mundial inicialmente menor que a do Fusca. Ambos foram bem sucedidos comercialmente, e também contam com fãs incondicionais mesmo na atualidade, mas é inegável que foi uma disputa assimétrica, e nem o fato da Inglaterra ter a circulação do lado contrário da via e o cockpit dos carros à direita para o mercado interno teria sido um grande empecilho para avançar nas pautas de exportação. Enfim, mesmo sendo tratado mais como uma mera curiosidade ao invés de ser efetivamente levado a sério como uma referência entre os carros populares fora da Comunidade Britânica e em menor proporção do Japão onde ainda exerce uma influência sobre modelos da categoria kei, o Mini original poderia certamente ter sido mais competitivo perante o Fusca.