sábado, 12 de fevereiro de 2011

A importância da madeira no setor automotivo

Na postagem anterior, houve um comentário se referindo aos triciclos como "uma solução de emergência", comparando-os às woody-wagons americanas. Na verdade, as woodies não são exatamente uma solução de emergência ou mera gambiarra que tenha surgido na época da guerra. A grande verdade é que a madeira chegou a ser usada amplamente em alguns dos primeiros automóveis, como o modelo africano da foto acima, montado por zulus usando um motor a querosene. Não só a precária carroceria como as rodas já usavam madeira. Até mesmo alguns veículos que tiveram um grande sucesso comercial usaram madeira em alguns componentes, como o Ford Modelo T que por um longo tempo usou rodas de artilharia, e tinha o assoalho feito com tábuas que compunham as caixas nas quais alguns componentes eram enviados às fábricas.

Curiosamente, as wagons só começaram a apresentar carrocerias totalmente em aço estampado quando a Willys resolveu aproveitar a base mecânica do Jeep na All-Steel Station Wagon, a boa e velha Rural, e mesmo assim os primeiros exemplares eram pintados de forma a sugerir o uso da madeira.


Antes do advento do monobloco era bastante comum alguns automóveis serem oferecidos tanto em versões completas quanto apenas com o chassi e a porção da carroceria referente ao compartimento do motor, para que recebessem carrocerias mais adequadas às funções que iriam desempenhar, como ainda acontece regularmente com caminhões que saem de fábrica apenas com a cabine já montada no chassi e, em alguns locais, ainda é comum o uso da madeira na carroceria.
 
Por mais que alguns se mostrem refratários ao uso de tal material, é relativamente fácil trabalhar com madeira, e para alguns fins ainda é considerado mais vantajoso. Não é tão incomum encontrar idosos dizendo que caminhonete "de trabalho" DEVE ter carroceria de madeira. Alguns ainda argumentam que uma madeira bem tratada acaba tendo durabilidade até melhor que as de aço no serviço pesado, por não acontecer exposição da chapa metálica, e consequentemente a fatores que acelerem a corrosão, em função de arranhões no fundo da carroceria durante o manuseio de objetos pesados, sem necessidade de usar bed-liners, que como se não bastasse facilitar o acúmulo de umidade e poeira por baixo da carroceria (com o tempo acabam aparecendo infiltrações onde o revestimento é colado às paredes da carroceria) invariavelmente acabam reduzindo tanto a capacidade volumétrica da carroceria quanto o comprimento da área útil, e em algumas aplicações uns centímetros a mais na plataforma de carga se mostram preciosos.

Logo, é perfeitamente compreensível o uso da madeira, outrora tão popular nos Estados Unidos, principalmente ao se considerar que houve uma época em que era permitido explorar comercialmente as tão famosas sequóias gigantes, e ainda forte do lado de cá do Equador. Claro, se antes madeiras nobres como o ipê hoje protegidas por leis ambientais mais rigorosas eram a opção, hoje opções variam do pinus a madeiras nobres oriundas de áreas de manejo controlado, passando pelo eucalipto autoclavado que vem experimentando uma popularidade em aplicações que exijam resistência a variações climáticas.

Vale destacar que, embora alguns considerem obsoleto ou "brega", a madeira ainda tem seus apreciadores em detalhes de acabamento interno. Ainda não é incomum encontrar em modelos de luxo acabamentos de painel, aros de volante ou pomos de alavanca de câmbio feitos em madeira, remetendo a uma época em que não havia toda essa monotonia de resinas plásticas baratas revestindo cada centímetro quadrado do interior de um automóvel. Diga-se de passagem, mesmo quando se usa materiais plásticos ainda há alguns casos em que se tenta imitar a elegância do woodgrain. Em alguns casos existe até uma questão de identidade da marca, como acontece com a Alfa Romeo, em que os característicos volantes com aro de madeira vêm a ser parte de uma experiência única para os alfistas mais apegados à tradição, ainda que modelos mais recentes da marca venham sendo equipados com volantes com aro convencional.

No caso de uma peça como um aro de volante, o beneficiamento da madeira bruta exige uma habilidade mais específica, pois trata-se de um elemento que interfere significativamente na segurança. Apesar disso, outros fabricantes mais orientados a uma imagem de luxo que a Alfa Romeo, mais devotada à esportividade (ainda que não deixe de ser uma marca de elevado prestígio), não vão abrir mão da madeira tão cedo.

Por mais que persistam algumas idéias equivocadas com relação a esse tão versátil material, a madeira foi essencial durante os primeiros tempos do automóvel, quando não se tinha tanto conhecimento sobre os plásticos, e ainda hoje encontra espaço, seja na carroceria de um caminhão ou no cockpit de um Cadillac...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Triciclos: alguns mitos cercam a questão da segurança desses veículos


Um dos motivos que leva à crença de que os triciclos são inseguros é a facilidade com que o modelo "Cavalo de Ferro", produzido pela extinta Renha durante a década de 80, época áurea dos veículos fora-de-série, tinha para empinar. A concentração de peso sobre o eixo traseiro, já característica dos modelos Volkswagen com o qual compartilhava motor e câmbio, foi acentuada no modelo. Alguns acidentes chegaram a ocorrer, inclusive um que acabou custando uma perna ao jornalista Wagner Montes, à época jurado do Show de Calouros apresentado pelo Sílvio Santos, causando grande comoção popular na época e trazendo grandes danos à imagem de tais veículos, perdurando até os dias de hoje ainda que em menor intensidade.



Apesar do trágico acontecimento, os triciclos continuam até hoje sendo considerados opções interessantes de veículos de lazer, unindo a sensação de liberdade de uma motocicleta com mais estabilidade. Embora a motorização Volkswagen continue sendo bastante popular nesse segmento, algumas atualizações no projeto dos chassis melhoraram o equilíbrio dos veículos. Diga-se de passagem, atualmente motores mais pesados que o bom e velho boxer refrigerado a ar vem sendo mais usados, e sem um bom projeto tal concentração e a transferência de peso durante as arrancadas seriam mais intensas que no antigo Renha...
Não se pode negar que os triciclos constituem uma boa opção para transporte de cargas, e já eram usados para essa finalidade antes mesmo que a vocação como veículo de lazer fosse popularizada. Modelos como o Piaggio Ape auxiliaram na reconstrução da Europa logo após a II Guerra Mundial devido ao custo operacional reduzido e simplicidade do conjunto mecânico. Ainda hoje é bastante popular, chegando a ser usado até para venda ambulante de alimentos e bebidas como acontece no Brasil com modelos como Fiat Fiorino e Asia Towner.

Já o mercado brasileiro apenas agora volta os olhos para a utilidade desse tipo de veículo. Entretanto, a maioria dos modelos é baseada em adaptações a partir de motocicletas, e mesmo alguns que já saem de fábrica como triciclos acabam oferecendo um posto de condução tão exposto quanto numa moto. Enquanto num veículo de lazer tal característica é considerada "parte do show", num veículo de trabalho um pouco mais de conforto e segurança seriam bem-vindos. O problema é que a atual legislação de trânsito brasileira restringe a utilização de triciclos com cabine fechada em vias expressas, enquanto versões sem cabine não sofrem essa restrição. Vale destacar que apesar disso alguns modelos conseguem manter velocidades compatíveis com o tráfego rodoviário, que exige uma velocidade mínima igual à metade do limite máximo.

É possível para um triciclo atender às necessidades de um consumidor que hoje, por interesses diversos, se vê obrigado a recorrer a um carro 1.0  (o triciclo da foto apresenta um motor 4 vezes menor e pesa cerca de 1/3 do que um hatch "popular") ou a um "sucatão" usado, eventualmente em estado precário de manutenção. Ainda há quem acabe usando uma motocicleta, efetivamente mais perigosa que um triciclo por ser conduzida em equilíbrio precário desafiando as leis da física e sofrendo mais com os efeitos de ventos laterais, que ainda promovem um desgaste mais irregular dos pneus.
Fica ainda mais difícil levar os triciclos a sério com a forma caricata com que são apresentados por programas como o Top Gear, que embora não seja regularmente transmitido para o Brasil (exceto por operadoras de TV por assinatura que ofereçam transmissão da BBC) tem alguns episódios legendados em português no YouTube. No vídeo a seguir, o apresentador Jeremy Clarkson, com um senso peculiar de humor associado à elegância esperada de um lorde britânico, satiriza a estabilidade do Reliant Robin, modelo ainda bastante popular na terra do Austin Mini (apesar de custar mais que o famoso compacto, chegou a ter bastante popularidade em uma região de mineração devido à facilidade com que se deslocava após nevascas) apesar de não ser produzido a alguns anos.
Mas não há quem me convença que, apesar do cockpit não estar alinhado à roda dianteira, algum lastro foi colocado para facilitar os tombamentos, que foram todos para o mesmo lado. O mercado britânico foi bastante receptivo a triciclos após a II Guerra Mundial, e até hoje tais veículos são beneficiados com impostos menores por serem considerados motos. Haviam desde modelos como o Reliant Robin até os chamados "reverse trike", com duas rodas dianteiras e uma traseira motriz, com uma estabilidade até melhor em altas velocidades, tanto que até a consagrada fábrica de automóveis esportivos Morgan já chegou a produzir modelos nessa configuração.

Apesar de alguns mitos ainda persistirem, triciclos constituem uma opção suficientemente segura para atender a necessidades de transporte pessoal, de passageiros (tanto no uso familiar quanto como táxi ou como veículo para passeios turísticos), ou cargas leves.