sábado, 15 de dezembro de 2018

Híbridos virando mainstream: parecia improvável acontecer tão cedo

É muito comum no Brasil crer que tecnologias já em vias de se tornar comuns no dia a dia não tenham a mesma celeridade para chegar aqui. O caso dos veículos híbridos é um desses, e portanto não deixa de ser surpreendente que o primeiro exemplar da atual geração do Volvo S90 que eu vi ao vivo seja precisamente um híbrido. O que 10 anos atrás efetivamente soava impossível e me arrancaria umas risadas se me fosse dada uma previsão, hoje já não é tão chocante...
A recente alteração nas alíquotas de IPI para automóveis híbridos e elétricos, de 25% para uma faixa de 7 a 18% nos elétricos e de 9 a 20% nos híbridos, faz com que a diferença entre os preços de versões não-híbridas e híbridas de um mesmo modelo fique mais estreita, o que se evidencia mais em segmentos com valor agregado mais alto. O custo das baterias, que ainda é um dos maiores empecilho tanto para híbridos quanto elétricos puros, acaba não só amortizado pela vantagem fiscal mas também se reflete em alguns aspectos que norteiam a expectativa por uma maior economia de combustível. O sistema usado pela Volvo, que não é tão semelhante ao que foi popularizado pela Toyota, vale-se de um motor elétrico plano (ou "pancake") entre o volante do motor a gasolina e o câmbio automático no lugar de um conversor de torque hidráulico e de outro motor elétrico acoplado diretamente ao diferencial traseiro, o que pode soar eficiente ao eliminar o deslizamento inerente a um conversor de torque hidráulico e o arrasto inerente a um sistema mais convencional de tração permanente nas 4 rodas com diferencial central e eixo cardan.

A possibilidade de acoplar acessórios como um compressor de ar condicionado ao motor elétrico não deixa de ser um atrativo, tendo em vista que o interior do veículo fica com uma temperatura agradável mesmo com o motor a gasolina desligado ao se aguardar num semáforo por exemplo. O motor elétrico já faz as vezes de um motor de arranque e de um alternador, o que serviria de pretexto para dispensar correias de acessórios se não fosse pelo uso de um supercharger (o blower) no motor a gasolina como auxílio para mitigar o turbo-lag. Não me causaria tanta surpresa se, ao invés do supercharger, viesse a ser usado o sistema MGU-H (um turbo acoplado a um starter-generator) oriundo da Fórmula 1 em futuros modelos híbridos, de modo a não só mitigar o turbo-lag de uma forma tida como mais eficiente mas também aumentar a recuperação de energia em desacelerações e até proporcionar um efeito de freio-motor mais intenso, reduzindo o esforço que os freios de serviço teriam que suportar e assim aumentando a vida útil dos mesmos.

Ainda que obviamente o custo de incorporação seja mais facilmente amortizado numa barca de luxo, a presença cada vez maior do câmbio automático na frota brasileira é convidativa à popularização de sistemas híbridos, tanto pela facilidade de se promover a familiarização de usuários quanto pela transição mais suave entre os modos de funcionamento com apenas um motor. Benefícios fiscais tendem a fazer com que a adoção desse recurso ganhe força a exemplo do que ocorreu com o etanol na época do ProÁlcool, guardadas as devidas proporções. Enfim, se antes parecia muito improvável que os híbridos se tornassem mainstream, a presença de mercado mais visível num primeiro momento em segmentos prestigiosos já os põe a meio caminho andado de alcançar o público generalista.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Ford Modelo A 1929 RHD

Automóveis com o cockpit do lado direito não são muito comuns no Brasil, então naturalmente essa característica saltou aos olhos quando eu vi esse Ford Modelo A 1929. Ao que tudo indica, era já originalmente uma pick-up, e aparenta estar ainda em plenas condições de uso, embora estivesse sendo usado como quiosque para vender pipoca. A fabricação desse exemplar deve ter sido feita no Canadá, onde por muito tempo concentrou-se a produção das versões RHD de automóveis dos principais fabricantes americanos, visando atender tanto a países da Comunidade Britânica onde ainda se usasse a mão inglesa quanto mercados de exportação diversos que ainda preservassem esse hábito, como foi o caso da Argentina e do Uruguai ao menos até a década de '40. Diga-se de passagem, o mais provável é que esse Modelo A tenha sido trazido já usado justamente do Uruguai.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Ford F-1000 com modificação típica da década de '80 ainda em operação

Qualquer um que bata o olho nessa Ford F-1000 vai perceber que tem aquele estilo tão característico da década de '80 e que se manteve relativamente popular junto a uma parte expressiva da população com um perfil mais conservador, e também da gauchada espalhada por todas as querências. Algo que sempre me vem à mente quando eu vejo uma dessas pick-ups antigas com cabine dupla adaptada é a memória da primeira vez que eu fui a um rodeio num CTG na região de Florianópolis 20 anos atrás, e vi muitas semelhantes a essa. O excelente estado de conservação me chamou a atenção ontem quando vi essa F-1000, se destacando facilmente diante de algumas que foram usadas à exaustão em trabalho pesado após o modismo das "duplagens" ter arrefecido com a chegada das caminhonetes importadas na década de '90, além da fama de indestrutível e de fácil manutenção que os motores Diesel MWM da série 229 tem. E mesmo diante de caminhonetes de luxo modernas, uma antigona dessas ainda rouba a cena...

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Honda Fit de 2a geração na especificação americana

Vi a poucos minutos esse Honda Fit de 2a geração na especificação americana, reconhecível pelos faróis e lanternas com refletores laterais. Na época que esse exemplar foi produzido, o modelo contava com ao menos 3 opções de motor de acordo com os mercados aos quais estivesse destinado, mas nos Estados Unidos só usava o motor 1.5 que era o maior disponível. O câmbio automático CVT da geração anterior, mantido no Japão, havia dado lugar a um automático convencional nos Estados Unidos, decisão também tomada no Brasil à época. Ao contrário do modelo nacional, esse não é flex e foi produzido no Japão mesmo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Momento nostalgia: Fiat 147 Pick-Up

Primeira coupé-utility brasileira, a Fiat 147 Pick-up foi introduzida em 1978 ainda baseada no hatch e com uma carroceria bastante curta e capacidade de carga nominal de 450kg (e volumétrica de 650 litros). O exemplar das fotos é de 1981, último ano antes da mudança para a base da Panorama que deu origem ao modelo conhecido como City e levou ao uso de uma carroceria mais longa.
Uma característica que salta aos olhos nessa versão original é a tampa traseira com abertura lateral, característica incomum na categoria e que deu lugar a uma com abertura para baixo quando foi substituída pela City.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Buggy com dispositivo de frenagem seletiva das rodas traseiras individualmente para emular o efeito de um bloqueio de diferencial

Já não é nenhuma novidade que o chassi separado da carroceria usado na produção do Fusca acabou por dar origem a uma infinidade de outros veículos que se valiam do conjunto mecânico completo e, com uma carroceria diferenciada, servir para outras finalidades. No caso dos buggies, a carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro tinha como vantagens principais a leveza e a incorrosibilidade, que os tornava muito atraentes para o uso nas regiões litorâneas. A configuração de motor e tração traseiros que por muitos anos foi incontestável na linha Volkswagen também favorecia a transposição de terrenos onde outros veículos passavam dificuldades, mas às vezes ainda se fazia necessário mais algum auxílio. Como o diferencial tem por padrão aplicar a maior parte do torque na roda que enfrente menos resistência ao rolamento, no caso de trechos não-pavimentados ou quando se tenha uma diferença muito substancial na aderência dos pneus o veículo pode acabar "patinando"...
Nesse caso, um método de custo não muito absurdo e que tornou-se um bom aliado para escapar dessas situações em modelos de proposta off-road baseados na mecânica do Fusca foi adaptar duas alavancas entremeadas pelo freio de estacionamento, cada uma acionando de forma independente o freio da roda traseira do respectivo lado. Foi equipamento de série nos modelos da Gurgel, onde recebia a denominação Selectraction, e tinha como função aplicar alguma resistência à roda que estivesse girando em falso para que uma parte maior do torque fosse direcionada à roda que estivesse em contato com a porção mais firme do terreno e o veículo pudesse seguir normalmente. Como a grande maioria dos veículos tem o freio de estacionamento atuante nas rodas traseiras ao invés das dianteiras, esse recurso é mais facilmente aplicável aos de tração traseira, com a vantagem de ser mais barato e de fácil manutenção comparado a um diferencial autoblocante.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Ainda haveria espaço para motores de refrigeração a ar no mercado automotivo?

Característica notabilizada no mercado brasileiro pelo Fusca, a refrigeração a ar foi incorporada por motivos de confiabilidade em condições ambientais extremas que podiam se tornar um empecilho à durabilidade em motores de refrigeração a água. Longe de ser uma solução "perfeita", tendo em vista sobretudo uma maior dificuldade para estabilizar com rapidez a temperatura logo após a partida a frio e um eventual aumento no consumo de combustível e emissão de hidrocarbonetos crus em função de recorrer a uma mistura ar/combustível mais rica com o intuito de auxiliar na refrigeração das câmaras de combustão, deixaria de ser unanimidade à medida que concorrentes como o Chevette e o Fiat 147 chegavam ao mercado brasileiro. Levando em consideração ainda a intensa urbanização pela qual o Brasil passava durante o regime militar, o mercado automobilístico também começava a esboçar uma transição.

Até mesmo a Volkswagen, que repetiu o layout mecânico do Fusca também em modelos que visavam um público com aspirações mais sofisticadas como o TL, começou a se render à refrigeração líquida e também à tração dianteira na década de '70, tendo no Brasil começado essa transição com o Passat. Foi um risco por contrariar tudo aquilo que até então era a identidade da marca, notadamente o motor traseiro refrigerado a ar, mas recuperava a competitividade diante de modelos da Ford e da Chevrolet e se mantendo com relativo conforto no mercado nacional. Por mais que em segmentos de entrada a refrigeração a ar se mantivesse competitiva até meados da década de '80, a Volkswagen passava a ter uma zona de conforto para ir aos poucos vencendo alguma resistência inicial de uma parte do público da marca que se mantivesse refratária a mudanças tão drásticas, e naturalmente aproveitava para fazer com que a refrigeração líquida se tornasse desejável como uma característica de "prestígio".

A viabilidade de um modelo dotado de motor refrigerado a ar no Brasil passou a ser mais questionada em momentos distintos, mas sempre envolvendo aquele que viria a se tornar um dos maiores sucessos da Volkswagen do Brasil. Lançado em '80 ainda com o motor "1300", o Gol demorou até se firmar no mercado, o que só começou a ocorrer aos poucos quando passou a usar o motor "1600", para enfim se consolidar a partir de '85 quando começou a dispor do motor MD-270 de refrigeração líquida, com a versão BX ainda dotada de motor refrigerado a ar saindo de linha em '86. Posteriormente, quando foi lançado o Gol 1000 em '93, o questionamento passou a ser sobre uma eventual volta do motor boxer refrigerado a ar no Gol, com amparo na mesma proposta do então presidente Itamar Franco visando equiparar o Fusca aos carros "populares" com motores de até 1000cc de refrigeração líquida. Talvez não soasse tão absurda a proposta, tendo em vista que a estrutura do Gol quadrado era dimensionada para o motor boxer e não costuma apresentar problemas de trincas no túnel central quando equipado com o mesmo ao invés dos motores com disposição de cilindros em linha e refrigeração líquida, além da concentração de peso entre os eixos também sofrer alterações.

A refrigeração a ar se manteve no mercado automobilístico brasileiro com a Kombi até 2006 em meio à transição das normas de emissões Euro-2 para Euro-3, quando o bom e velho boxer deu lugar a uma versão de 1.4L do motor EA-111 que já eliminava de uma vez a opção de um motor exclusivamente a etanol. A bem da verdade, mesmo que com a injeção eletrônica fosse possível suavizar a operação do motor refrigerado a ar na fase fria mesmo usando etanol, não se pode ignorar que a refrigeração líquida oferece mais facilidade no gerenciamento térmico ao valer-se da válvula termostática para restringir o fluxo no circuito de refrigeração, com uma maior segurança em comparação ao uso de um radiador de óleo para auxiliar no controle de temperatura em um motor refrigerado a ar. Embora seja usada uma válvula de desvio (bypass) na entrada do radiador de óleo, não convém ignorar que uma falha nesse dispositivo pode colocar a integridade do motor em risco tanto se permanecer travada fechada levando a um aumento na temperatura quanto aberta e causando um resfriamento excessivo, tendo em vista os efeitos da temperatura sobre a viscosidade e a pressão do óleo.

O mercado motociclístico, por sua vez, se mantém mais receptivo à refrigeração a ar em diferentes faixas de cilindrada e perfis de utilização, por razões igualmente distintas. Se por um lado uma Honda CG 125i Fan tem essa característica priorizando baixo custo e facilidade de manutenção, por outro se constata que modelos mais prestigiosos como uma Harley-Davidson Electra Glide Classic se valem da preferência de uma parte do público de motos de alta cilindrada por um aspecto mais tradicional como justificativa. Naturalmente, existem limitações na eficiência da refrigeração desses motores, que podem também ser exacerbadas pela configuração de cilindros e como estejam expostos ao fluxo de ar de impacto. No caso da CG, o cilindro único recebe esse fluxo todo de frente, enquanto nos V-2 "Big Twin" da Harley-Davidson o cilindro traseiro tende a apresentar uma temperatura mais elevada em comparação ao dianteiro. Também não seria errado atribuir às normas de emissões menos severas às quais as motos estão homologadas para que permaneçam oferecendo refrigeração a ar mas, como hoje se aplica às mesmas a Euro-4, não seria inoportuno questionar a eventual possibilidade de haver no mínimo prorrogado esse recurso em automóveis.

Também vale a pena considerar o exemplo das motos BMW série R com motor flat-twin atualmente usando refrigeração mista, com as carcaças de cilindro refrigeradas diretamente a ar e os cabeçotes atualmente refrigerados a água em modelos como a R 1200RT mas mantendo a refrigeração a óleo na R-nine-T. Considerando que o princípio de funcionamento dos motores de ignição por faísca usados tanto em carros quanto motos é basicamente o mesmo, e que a BMW conseguiu manter motores com métodos de refrigeração distintos enquadrados numa mesma norma de emissões, seria de se esperar que uma situação semelhante pudesse ser observada também no mercado automobilístico. Portanto, fica difícil considerar o fator ambiental como um motivo válido para abrir mão da refrigeração a ar. É interessante salientar, ainda, que esse recurso permitiria não só diminuir a complexidade técnica mas também uma eventual contaminação de cursos d'água em caso de desgaste irregular dos aditivos para o sistema de refrigeração líquida.

É compreensível que hoje o mercado automobilístico esteja muito diferente de como estava 40 anos atrás, e também esteja passando por outras alterações, mas algumas condições operacionais ainda são as mesmas que favoreciam o Fusca e dificultam que algum modelo moderno se firme como sucessor. Mesmo já não sendo unanimidade junto ao público urbano, mas ainda reconhecido no interior pela capacidade de incursão off-road comparável à de veículos mais caros e tecnicamente complexos, tem no motor refrigerado a ar um dos motivos para ser enaltecido por fãs fervorosos. Guardadas as devidas proporções, mas considerando um modelo de projeto 60 anos mais moderno que o do Fusca, fica difícil deixar de lado a curiosidade em torno do que um motor refrigerado a ar moderno seria capaz num Suzuki Jimny por exemplo...

sábado, 15 de setembro de 2018

Caso para reflexão: Toyota Bandeirante, Toyota Prius C e a size-impression




Às vezes a nossa mente nos prega algumas peças, e entre essas situações pode-se exemplificar o caso da percepção sobre o real tamanho de alguns veículos. Muitos de nós, ao vermos um utilitário bruto como o Toyota Bandeirante, já o assimilamos invariavelmente como um veículo "grande". Porém, ao comparar as dimensões externas desse ícone off-road com as de alguns hatchbacks modernos reserva uma surpresa...
Para entender isso, é essencial recordar que se trata de um projeto original japonês feito numa época de austeridade na indústria automobilística que se reconstruia por lá, e até o tamanho influenciaria na classificação de um veículo como sendo "de luxo" se o comprimento superasse os 4,70m ou a largura fosse maior que 1,70m. A versão de teto rígido com chassi curto tinha uma folga de 86,5cm referente ao limite de comprimento com seus 3,835m e mesmo que a largura de 1,665m esteja dentro de uma margem de 3,5cm já escapava de ser classificado como um veículo "de luxo" de acordo com a regra japonesa. Ainda que possa soar absurdo a idéia de tratar um Toyota Bandeirante como um veículo de luxo, vale destacar que essa regulamentação permanece em vigor, influenciando também modelos como o Toyota Prius C (ou Toyota Aqua como é comercializado no mercado japonês) que foi lançado justamente como uma alternativa para quem desejasse um veículo que escapasse a sobretaxação que já é aplicada à atual geração do Prius em função da largura de 1,76m.
Com comprimento de 4 metros e largura de 1,69cm, o Prius C já ocupa uma superfície maior sobre o leito carroçável em comparação a um Bandeirante curto de teto rígido, e a distância entre-eixos de 2,55m também já é maior em 21,5cm que os 2,285m do utilitário nesse mesmo parâmetro. No fim das contas, só na altura de 1,45m que o Prius C passa a ser nitidamente menor que o valor de 1,92m para o Bandeirante por uma diferença de 47cm. Juntamente com o desenho mais arredondado e um fator que os aerodinamicistas tratam como "área frontal corrigida", além de não sobressair tanto em altura, o Prius C passaria a impressão de ser efetivamente mais compacto.

sábado, 8 de setembro de 2018

Breves observações sobre uma eventual aplicabilidade futura de interfaces digitais na condução de veículos

O vídeo que segue já não é tão novo, tendo sido divulgado em 2011, mas de certa forma é um pretexto válido para questionar previsões quanto a uma eventual hegemonia futura de veículos autônomos que já não ofereçam qualquer interface para a condução humana. Para quem ainda nutre algum entusiasmo pela experiência de dirigir, esse seria um futuro muito sombrio, mas aparentemente não estaria tão de acordo com a realidade como seria de se supor sem observar casos como o do programador chinês An Jianxuan, que com auxílio de um amigo fez a adaptação num BMW Série 1 E87 para usar um celular Nokia C7-00 como controle remoto.
Como a tecnologia touchscreen ganhou muito espaço na última década, e a molecada mais nova já está bastante familiarizada com esse tipo de interface e usando-a também em jogos que simulam a condução de veículos, até não me causaria tanta surpresa que passasse a ser mais usado também para substituir um cockpit tradicional num veículo real sem sacrificar completamente a possibilidade de tanto um eventual modo de operação 100% autônoma quanto da condução humana com ou sem outras assistências eletrônicas para navegação. A bem da verdade, eventualmente seja mais lógico que um grau de autonomia não venha a alcançar as proporções que se especula, tendo em conta que o controle de tráfego não apenas de veículos motorizados mas também de pedestres, animais e veículos de tração animal ou propulsão humana seja mais difícil em comparação ao tráfego aéreo, lembrando também que mesmo com recursos tecnológicos avançados de suporte à navegação como os rádio-faróis um dos problemas mais reportados por pilotos é o risco de colisão com pássaros nas imediações dos aeródromos.

A favor de uma interface de direção 100% digital, pode ser relevante não só a presença mais significativa de auxílios eletrônicos à condução como freios ABS e controles de tração e estabilidade mas também o fato de muitos carros e até algumas caminhonetes já usarem direção com assistência elétrica ao invés de hidráulica, além do acelerador eletrônico. Outro ponto importante está relacionado ao custo de desenvolvimento de versões diferentes de um mesmo veículo para atender a mercados onde seja exigida a posição do cockpit num lado específico sem previsão de muitas exceções para atender a condições especiais, e assim eventualmente a maior flexibilidade para realocar uma tela sensível ao toque de acordo com o local onde o veículo possa estar sendo usado apenas temporariamente ou após ser exportado já usado para um país com normas diferentes se torna muito mais econômica tanto para o fabricante quanto para os usuários.

Para quem ainda lembra daquela clássica cena do filme 007: O Amanhã Nunca Morre (Tomorrow Never Dies) de 1997 em que o agente James Bond então interpretado por Pierce Brosnan dirigia um BMW 750iL da geração E38 através de um celular Ericsson JB988, truques antes associados somente à magia do cinema são hoje passíveis de ser considerados verossímeis à medida que a tecnologia tem avançado.
Mas indo um pouco além de aplicações meramente experimentais e de cenas de ação em filmes, uma eventual massificação de sistemas com telas sensíveis ao toque em aplicações automotivas poderia até ir no embalo do desenvolvimento de aplicativos de acessibilidade para celulares e tablets usados por deficientes físicos e/ou sensoriais. Vale destacar que algumas adaptações veiculares disponíveis hoje acabam tendo incompatibilidade com sistemas de segurança modernos como airbags de joelho ou mesmo requerendo a desabilitação de alguma funcionalidade como ajuste de altura da coluna de direção.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

5 possíveis motivos para o Volkswagen up! não conseguir se firmar como uma espécie de "sucessor espiritual" do Fusca

Originalmente lançado na Europa em 2011, e no Brasil só em 2014, o Volkswagen up! acabou sendo cercado de muita esperança em torno da possibilidade de que viesse a preencher a lacuna deixada por modelos como o Fusca e o Gol "bola" (desde o modelo original até as remodelações conhecidas como "geração 3" e "geração 4"). No entanto, uma série de fatores pesaram contra o up! ao menos no Brasil e dificultam que essa missão seja cumprida, sem que os mesmos representem efetivamente uma falha do projeto. De fato, algumas características do modelo contrastam com expectativas já tradicionais do público-alvo de modelos de entrada no Brasil, enquanto outras podem depender de interpretações um tanto subjetivas. Ainda assim, é possível destacar ao menos 5 possíveis motivos para o up! não ter se firmado como uma espécie de "sucessor espiritual" do Fusca.


1 - preço: embora o up! tenha vindo com a proposta de suceder versões mais antigas do Gol, hoje já é R$6300,00 mais caro que um Gol contemporâneo comparativamente equipado e portanto fica claro o desvio dessa estratégia inicial. Mas ao considerarmos também vendas corporativas, para as quais não se pode ignorar a importância do espaço interno para acomodar não apenas materiais de trabalho mas também eventualmente uma equipe que vá executar o serviço, e justamente nesse cenário ficou difícil para o up! ganhar espaço.
2 - muito "especializado" para o uso urbano: embora essa característica faça muita diferença tanto no mercado europeu quanto em grandes metrópoles brasileiras, onde o crescente volume de tráfego e a escassez de espaços para estacionar (principalmente em regiões centrais) são um problema cada vez mais evidente, o comprador de carro "popular" no Brasil tende a priorizar a versatilidade para atender também outras necessidades no momento de escolher um o veículo que às vezes vá se tornar o único à disposição de um núcleo familiar ou pequena empresa. Não que o up! seja inapto a trafegar também por rodovias, mas sem dúvidas o tamanho não parece tão convidativo a encher de bagagens e juntar a família toda para ir à praia num feriado prolongado...
3 - tração dianteira como qualquer outro "popular" de hoje: ao contrário do Fusca, que ao voltar à linha de produção entre '93 e '96 valia-se da tração traseira para tentar atrair uma parte do mercado que não abria mão de uma maior capacidade de incursão fora de estrada tão facilmente, o up! segue a mesma receita básica de motor dianteiro transversal com tração dianteira. Ironicamente, o primeiro conceito do up! apresentado em 2007 previa o uso de motor e tração traseiros, numa óbvia referência ao Fusca como um ícone entre os projetos de carros "populares". Apesar dos tempos serem outros, o Brasil ainda está longe de oferecer uma infraestrutura rodoviária comparável à da Alemanha e demais países desenvolvidos, e mesmo a versão com pretensões aventureiras cross up! está longe de ser vista como bruta o suficiente para enfrentar muitas das condições de rodagem severas que fizeram e ainda fazem do Fusca o compacto favorito de uma boa parte dos colonos por tanto tempo. E mesmo que a tração dianteira não chegue a ser um impedimento para atender às necessidades da população rural, como nos casos do Citroën 2CV na Argentina e mais recentemente do Fiat Uno no Brasil, não se pode negar que no Fusca a tração traseira favoreceu a concentração de peso próxima ao eixo motriz em diferentes condições de carga e assim garantindo uma capacidade de tração mais consistente em terrenos inóspitos.

4 - capacidade de passageiros: embora no Brasil seja homologado com 5 lugares já considerando o do motorista, na prática não é a melhor idéia trafegar com a lotação máxima do up! se o objetivo for preservar algum conforto para os ocupantes do banco traseiro, e assim faz mais sentido tratar como um carro de 4 lugares. Infelizmente, carros de 4 lugares estão longe de ser muito bem aceitos no Brasil, com uma rara exceção sendo a 1ª geração do Ford Ka cujo formato talvez até lembre o Fusca numa proporção que o up! não conseguiu igualar...
5 - apresentação ao público: embora muitos brasileiros reclamem da falta de segurança dos carros vendidos localmente em comparação aos similares estrangeiros, não se pode ignorar que esse acaba não sendo o aspecto mais relevante na aquisição do veículo. A plebe rude não dá muita importância à pontuação em crash-tests ou outros fatores que não saltam aos olhos fora de uma circunstância muito específica, e portanto uma central multimídia de qualidade duvidosa ou um acabamento de painel com um desenho mais pretensamente sofisticado podem atrair mais que uma estrutura corretamente dimensionada para evitar que o motorista e passageiros sofram ferimentos graves num acidente. Outro ponto que poderia ter sido melhor trabalhado pelos publicitários seria estabelecer referências mais claras à proposta utilitária do modelo, enfatizando aspectos práticos no uso cotidiano e talvez até explorando na medida do possível o fator nostalgia ao traçar um paralelo com o contraste que a chegada do Fusca causou num país mais acostumado às barcas americanas. Eventualmente até a primeira propaganda do up! veiculada na televisão, com um jingle baseado na música Girls Just Want To Have Fun da cantora Cyndi Lauper, tenha gerado antipatia ao up! por parte de um público mais conservador.

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Ainda haveria espaço para um Fusca 0km no mercado brasileiro?

Não se pode negar que o Fusca é do tipo ame-ou-odeie, sendo impossível ficar indiferente diante desse verdadeiro ícone histórico. Ainda muito apreciado principalmente em zonas rurais devido à capacidade de incursão off-road que não foi igualada pelas gerações de carros "populares" que o seguiram, apesar de manter entusiastas fiéis também nas cidades grandes, o modelo é apontado por detratores como o símbolo do atraso tecnológico que se instalou no Brasil e tem impactos até hoje. Mas considerando as condições de rodagem severas ainda muito comuns não só no interior do país mas também nas periferias de regiões metropolitanas, ainda haveria algum espaço no mercado automotivo brasileiro para um veículo como o Fusca?

Naturalmente o motor refrigerado a ar, que por sua vez já é uma outra obra-prima, seria um empecilho para seguir enquadrado nas normas de emissões a partir de 2012 quando a Euro-5 passou a vigorar no Brasil, além de ser de fato mais dependente do próprio combustível para auxiliar na refrigeração quando comparado a concorrentes já dotados da refrigeração líquida. A maior irregularidade da marcha-lenta logo após a partida a frio é outro ponto crítico, principalmente se considerarmos um eventual uso do etanol como combustível, tendo em vista que depende basicamente do pequeno radiador de óleo para proporcionar algum controle de temperatura mais preciso. Por outro lado, talvez a complexidade inerente a essa alteração pudesse ser a pá de cal diante de uma parte mais expressiva do público que ainda pudesse demonstrar algum interesse num Fusca 0km. A maior dificuldade para integrar a grade de um radiador às linhas originais do Fusca também seria algo bem mais desafiador do que foi para a Transporter T3 (a "Kombi quadrada" que nunca foi oferecida regularmente no mercado local) durante a transição da refrigeração a ar para o Wasserboxer.
A bem da verdade, as características mais relevantes do Wasserboxer quando comparado aos motores de 4 e 5 cilindros em linha usados em versões sul-africanas da T3 eram não só a posição horizontal que permitia manter uma menor intrusão do compartimento do motor na área de carga mas também a permanência do comando de válvulas no bloco com sincronização direta por engrenagens. Fabricado somente entre '82 e '92, em versões de 1.9L e 2.1L e não sendo usado em nenhum outro modelo da Volkswagen, seria muito improvável que pudesse ser produzido justamente no Brasil mesmo após ser descontinuado na Europa, e solenemente ignorado na África do Sul em função da escala de produção dos motores de 5 cilindros compartilhados com a linha da Audi à época e o EA827 "AP" 1.8 para as versões mais simples e que também chegou a ser usado na Kombi brasileira quando era exportada para o México.
O uso posterior do motor EA111 em versão de 1.4L "flex" a gasolina e etanol nas últimas versões da Kombi destinadas ao mercado brasileiro, mantendo a aparência das 1.8 de especificação mexicana, é convidativo à reflexão sobre outro aspecto que poderia ser mais relevante para a grande maioria dos consumidores brasileiros a partir da década de '90. Como a carcaça do câmbio de 4 marchas que foi usado na Kombi até o fim da produção era a mesma também aplicada a modelos de motor dianteiro como o Santana, mudando apenas o lado em que era montada a coroa do diferencial para inverter o sentido de rotação de saída, e tendo em vista que modelos Volkswagen e Audi antigos de motor longitudinal contaram também com a opção pelo câmbio de 5 marchas (inclusive a já mencionada T3), ao menos teoricamente não deveria haver nenhum empecilho para ser oferecido também na Kombi e eventualmente até no Fusca, aproveitando a economia de escala com o restante da linha.

O breve ciclo do "Fusca Itamar", que teve a produção reiniciada entre '93 e '96 por sugestão do então presidente Itamar Franco, tinha como justificativa incentivar a produção de carros "populares" ainda que o motor de 1.6L refrigerado a ar fugisse da definição inicial de uma faixa de cilindrada até 1.0L para a concessão de incentivos fiscais, e acabou tornando-se alvo de questionamentos quanto a talvez ter feito mais sentido montar esse mesmo em substituição ao CHT/AE de refrigeração líquida usado no Gol 1000. De fato, considerando precedentes como o fato do motor boxer já haver equipado outras versões do Gol durante a década de '80, poderia até ser mais conveniente para a Volkswagen fazê-lo ao invés de relançar o Fusca, considerando também outros aspectos como a acessibilidade mais fácil do bagageiro do Gol não só por dentro mas também por fora. Mas relembrando o que disse à época o publicitário Marcello Serpa, encarregado das propagandas de relançamento do Fusca, o aparente fracasso comercial nas grandes metrópoles era ofuscado pelo interior do país onde ofereceria melhor desempenho em condições de terreno severas comparado ao Gol e outros "populares" da época.

A bem da verdade, um ponto que aparenta ser até mais difícil de conciliar que o controle de emissões é o enquadramento em normas de segurança como a obrigatoriedade de airbag e freios ABS em vigor no Brasil desde 2014. Se por um lado o recurso ao chassi separado da carroceria é até mais propício a atualizações do que pudesse parecer à primeira vista, incluindo desde a substituição dos sistemas de suspensão por outros mais modernos que proporcionariam não só mais estabilidade mas até mesmo permitindo aumentar a capacidade do bagageiro dianteiro ou do tanque de combustível que poderia ser útil para compensar o maior consumo ao rodar no etanol, por outro a instalação de airbags apenas para cumprir a legislação mas sem contar com reforços estruturais seria como enxugar gelo. Mas como o brasileiro médio não tem demonstrado muita preocupação nesse sentido, o Fusca não teria maiores dificuldades para continuar atendendo a quem se dispusesse a comprar um caso tivesse permanecido em linha. Já no tocante aos freios ABS, cuja suposta incompatibilidade a plataformas muito antigas figurou como um dos pretextos para o encerramento da produção da Kombi no final de 2013, a presença do dispositivo até em motos como a Honda XRE 190 (nesse caso só na roda dianteira mesmo) leva a crer que essa alegação efetivamente não procedia. E mediante o alto grau de integração entre os sistemas eletrônicos em veículos novos, não é de se duvidar que até controles de tração e estabilidade fossem viáveis num Fusca que viesse a ser adaptado com injeção eletrônica e freios ABS...

Diga-se de passagem, hoje o tipo de veículo que até pode se aproximar mais de algumas das razões que fizeram do Fusca um sucesso são justamente motocicletas de pequena cilindrada, com destaque para a Honda CG. Recorrendo a side-cars, é até possível fazer com que as capacidades de carga e/ou passageiros se aproximem ao menos em parte dos parâmetros de um automóvel compacto, embora a viabilidade de se adaptar tração suplementar num side-car para assegurar que consiga percorrer um trecho escorregadio ou não-pavimentado e assim atender de forma mais satisfatória a moradores de áreas rurais seja questionável. Naturalmente, há de se reconhecer que as motos e side-cars deixam a desejar no tocante à proteção dos passageiros e bagagens contra as intempéries, e a segurança em caso de impactos também não é lá grande coisa...

Com a economia deixando a desejar e a infraestrutura rodoviária cada vez mais sucateada, até certo ponto o Brasil poderia ter continuado bem servido pelo Fusca até os dias atuais. Ainda que realmente seja um projeto obsoleto, e a configuração de carroceria não seja tão atraente diante de veículos mais modernos e práticos para o uso cotidiano, seria no mínimo estúpido tentar desmerecer a importância que teve como um modelo pioneiro dentre os automóveis de proposta popular. Contemplando as mais distintas realidades regionais desse país de dimensões continentais com a resiliência necessária para atender às mais duras condições de rodagem a custos de aquisição e manutenção inferiores aos de utilitários com tração 4X4, o Fusca prova que ainda teria espaço no mercado brasileiro.