quarta-feira, 25 de julho de 2012

Carros elétricos e características técnicas: alguns aspectos dificultam a aceitação em meio a um mercado conservador...

Enaltecidos como grandes vedetes da "mobilidade sustentável", os carros elétricos são vistos com receio por uma parte considerável do mercado, dificultando a concorrência com modelos de concepção mais tradicional.
A baixa autonomia e a demora para recarregar as baterias são constantemente apontadas como os maiores empecilhos para o usuário, contribuindo para afastar a imagem de praticidade e eficiência que fãs e marqueteiros costumam declarar. Também despertam polêmica as tendências de design muito diferenciadas que norteiam modelos recentes, levando a uma forte rejeição por consumidores de gosto mais conservador.
Nesse aspecto, vale destacar o Nissan LEAF: o modelo compartilha a plataforma com o Nissan Tiida, que chegou a ser usado até mesmo como mula de testes para o conjunto propulsor elétrico.
O design mais austero tende a ser menos controverso, embora possa ser considerado empobrecido. No entanto, por proporcionar uma maior simplicidade aos processos de estamparia acaba por demandar menos gasto de energia durante a produção, e não impede que sejam feitos tratamentos aerodinâmicos sem levar a um aspecto de nave do ET de Varginha como acontece no LEAF...

Para fugir à imagem de rusticidade, desempenho irrisório e eventual desconforto, limitando o veículo elétrico a aplicações meramente utilitárias em ambiente fechado, níveis de sofisticação até certo ponto desnecessário foram atingidos. Controladores eletrônicos digitais, mais sensíveis e de maior valor agregado, foram ganhando espaço quando outros mais simples e analógicos podem desempenhar a mesma função com uma relação custo-benefício favorável e maior facilidade na reciclagem dos componentes ao atingirem o final da vida útil, contradizendo vantagens ecológicas constantemente atribuídas por fãs da tração elétrica.
Também levanta dúvidas a questão referente às baterias: há uma grande quantidade de compostos químicos altamente reativos nas mesmas, aumentando os riscos de acidentes caso o descarte não siga protocolos rigorosos de segurança. Apresentam ainda alto custo de aquisição, para o qual a alternativa de alugá-las é considerada viável para reduzir o preço do veículo. No entanto, um valor mensal a mais acaba pondo em xeque a questão do menor custo operacional constantemente apontada como vantagem numa tentativa de quebrar a resistência de um público mais conservador.
Logo, ainda é possível sustentar argumentos defendendo tanto a viabilidade econômica quanto o aspecto ecológico de um automóvel tradicional, mesmo dotado de uma tecnologia mais vetusta, especialmente ao considerar a possibilidade de adaptar ao uso de biocombustíveis...

Ironicamente, algumas lições também podem ser aprendidas com os carros esportivos, às vezes apontados como "ecologicamente incorretos". O volume mais compacto de um motor elétrico poderia ser útil para promover uma aerodinâmica mais apurada, contribuindo para um incremento à autonomia em percursos com velocidade média mais elevada. A menor dissipação de energia na forma de calor promovida por motores elétricos em comparação com um motor de combustão interna também facilita o uso de materiais alternativos mais leves, que tem a resistência em aplicações estruturais comprometida ao enfrentar altas temperaturas. Também viabiliza, assim, o uso de uma maior variedade de adesivos de contato, mais simples, baratos e rápidos de aplicar que soldas e rebites, sem comprometer a robustez.

Outra lição a considerar envolve a racionalização da plataforma de carga: a meu ver os hub-motors, montados junto ao cubo das rodas e por conseguinte aproveitando um espaço "morto", são uma boa alternativa em comparação com um motor elétrico montado em posição convencional, por liberar um maior volume a ser aproveitado num compartimento de bagagens secundário ou até mesmo para carregar um pneu sobressalente, cuja ausência ainda é fortemente sentida por muitos potenciais consumidores mesmo com a presença de um kit de reparo rápido para pneus furados, muito usado para fins de redução de peso.
Ou então, a disposição mais compacta do grupo propulsor permitiria a algum modelo de porte menos avantajado, como o Nissan March, conservar capacidade de carga e passageiros comparável ao Nissan LEAF em um conjunto mais compacto e leve, o que também favoreceria a eficiência energética. Também seria possível proporcionar, por meio dessa medida, uma redução no custo de aquisição do modelo elétrico...
Considerando que hoje há motores elétricos compactos o suficiente para serem acoplados junto ao volante de um motor a combustão interna para montagem num híbrido, o impacto da adoção de hub-motors sobre o peso do veículo não representa um transtorno tão severo, principalmente ao considerar a eliminação do diferencial, semi-eixos de transmissão e respectivas perdas de potência por atrito tomando por referência novamente o Nissan LEAF. Montando os hub-motors nas rodas traseiras, para que estas passem a assumir a função tracionária em oposição à presença maciça da tração dianteira, também ganha-se em controle de tração devido à maior proximidade do eixo motriz ao centro de massa do veículo, representado pelas pesadas baterias, sem impor um maior esforço ao sistema de direção em função do incremento à massa não-suspensa provocado pelos hub-motors. E a ausência de semi-eixos de transmissão limitando o esterçamento da direção favoreceria a manobrabilidade em espaços confinados, devido à redução do diâmetro de giro, tornando-o ainda mais adequado à operação em ambiente urbano.
Logo, antes que algum fanático pela tração elétrica insista em apontá-la como um "milagre" para solucionar alguns dilemas da engenharia automotiva, convém lembrar que tal sistema é muitas vezes supervalorizado e eventuais artifícios para incrementar a eficiência do mesmo e fazer com que a dirigibilidade de um veículo elétrico seja mais agradável a um consumidor mais tradicional são equivocadamente ignorados pelos departamentos de engenharia...

sábado, 14 de julho de 2012

Uma reflexão sobre a real importância da quantidade e disposição dos cilindros no motor

Já faz algum tempo que eu vinha considerando abordar esse tema que fomenta tantas discussões acaloradas...

Muitos usuários atribuem ao número e à disposição dos cilindros no motor de um veículo atributos que definem a personalidade do veículo como um todo, como por exemplo nas motos "custom" em que a imagem dos 2 cilindros em V é constantemente associada a uma tradição fortalecida pela Harley-Davidson e até hoje perpetuada também por concorrentes mundo afora.

Há quem classifique como "heresia", por exemplo, a presença de um motor monocilíndrico numa "custom", como em alguns modelos mais baratos geralmente de origem oriental como a coreana Hyosung Cruise II 125, ignorando que até a Harley-Davidson durante algum tempo usou freqüentemente esse layout...

Além das motos, fenômenos semelhantes podem ser observados em outros veículos. Entre os apreciadores de automóveis de concepção originária dos Estados Unidos, por exemplo, pode ser observada uma predileção pelos V8 mesmo quando motores de outras disposições como 6 cilindros em linha estão contempladas pelo projeto original. Vale lembrar o caso da Dodge, cujo motor V8 de 318 polegadas cúbicas (cerca de 5.2L) equipou uma grande variedade de modelos desde o Dart até a linha de caminhões, enquanto para as versões espanholas do Dart, montadas pela empresa Barreiros, apenas o motor Slant-Six, com 6 cilindros em linha, estava disponível, além de uma opção de motor Diesel com 4 cilindros exclusiva para o mercado europeu. Durante bom tempo a Ford seguiu a mesma cartilha com o Galaxie e as pickups da Série F, embora contasse com algumas opções de motores com 6 cilindros adequadas à proposta da empresa para o mercado brasileiro...
Até mesmo na África do Sul, com condições semelhantes às brasileiras, havia a opção pelo motor de 6 cilindros em linha, ainda que até certo ponto seja compreensível a preferência em manter a imagem de prestígio associada a um motor com maior quantidade de cilindros para um sedan full-size...
Já nos utilitários, era transmitida uma imagem de maior aptidão ao trabalho pesado em função do layout. Algo que possa explicar essa percepção incorreta de que a quantidade de cilindros define de forma tão significativa o desempenho do veículo deve-se ao fato do consumidor americano odiar "caçar" marchas, preferindo manter uma aceleração mais elevada e por conseguinte o motor mais "cheio", e para evitar gastos com maquinário específico para a produção de um motor de maior cilindrada que fosse ter uma demanda mais restrita era mais atraente a possibilidade de agregar mais cilindros e que estes tivessem uma intercambialidade de peças com motores menores, e assim surgiram muitos V12 e até o V16 da Cadillac, mas com o advento do câmbio automático no pós-guerra o V8 consolidou-se definitivamente em função do bom compromisso entre desempenho, volume físico e custo.

No entanto, o layout de 6 cilindros em linha ainda permaneceu disponível, e na prática não constituía um empecilho ao desempenho, tanto que muitos veículos da Chevrolet usando o bom e velho Stovebolt Six superavam concorrentes equipados com os V8, caso da série de caminhonetes C-10/C-14 e da sport-utility Veraneio em comparação com modelos como a Ford F-100, que antes da crise do petróleo só era oferecida localmente com motores V8.

Considerando a questão de esportividade, merecem destaque Chevrolet Opala e Ford Maverick, dupla que agitou o cenário automobilístico durante os anos 70. Vale ressaltar que, na prática, a capacidade cúbica (cilindrada) definiria melhor o equilíbrio da competição que o número de cilindros, e apesar de ter pouco mais de 20% de deslocamento o Maverick passava sufoco nas disputas contra o Opala...

Outro modelo digno de nota é o Corvette, que de uma resposta à popularidade aos roadsters ingleses que vinham conquistando espaço no mercado americano, ganhou status de lenda quando deixou de oferecer o clássico Stovebolt Six para ostentar os primeiros V8 small-block da Chevrolet. E com toda a febre dos hot-rods iniciada na California durante os anos 50, a presença do motor V8 serviu para consolidar a imagem mais estereotípica de um esportivo americano e que persiste até hoje.

Nesse contexto, convém observar a situação do Chevrolet Camaro montado entre 1967 e 1969 nas Filipinas a partir de kits CKD americanos: por questões tributárias, eram oficialmente disponibilizados apenas com o motor de 6 cilindros e 250 polegadas cúbicas preparado para gasolina de baixa octanagem (o mesmo 4.1L que estreou no Opala em 1970), mas alguns exemplares saíram da linha de montagem em Manila equipados com um V8, normalmente o small-block de 327 polegadas cúbicas (5.3L), importado como peça de reposição. Hoje não há mais a opção por um motor de 6 cilindros em linha, tendo como opção de entrada um V6 com duplo comando de válvulas nos cabeçotes e injeção direta, mas a jóia da coroa ainda é o V8...

Ironicamente, o V8 não escapa da possibilidade de ser superado em desempenho por um motor com disposição de cilindros mais humilde na mesma faixa de capacidade cúbica: um bom exemplo é o Simca Chambord, conhecido na Europa como Ford Vedette ou Simca Vedette. Nem mesmo a adoção de cabeçotes hemisféricos salvou o motor de 2.4L de ser considerado aquém das expectativas, rendendo a alcunha de "Belo Antônio", numa referência a um personagem interpretado pelo ator Marcello Mastroianni que, apesar de atrair muitas mulheres pela aparência era "impotente". No caso do Chambord, as versões do Opala com o motor de 4 cilindros e 2.5L já o superavam por uma razoável margem...

Agora, convém levantar uma questão bastante subjetiva: a beleza de um motor. Embora hoje ao V8 sejam rendidas as maiores idolatrias, um "seis canecos" ainda conquista entusiastas.
Daí parte-se para a questão referente à disposição dos cilindros: há muitos consumidores que preferem incondicionalmente o layout em linha, e no caso de um motor de 6 cilindros rejeitam o V6 a qualquer custo quando há outra opção. Há até quem julgue um motor de 4 cilindros em linha mais bonito que qualquer V6, que para alguns apresenta um aspecto empobrecido, como um mero V8 "podado".

Atualmente, predominam no mercado brasileiro os motores de 4 cilindros em linha nos mais variados segmentos, desde os modelos mais populares até os pretensamente sofisticados, devido à combinação entre o volume ocupado pelo motor e o custo de produção. Vale destacar que são mais fáceis para adotar tanto uma posição longitudinal quanto transversal sem maiores dificuldades em comparação com outros layouts.

Um caso à parte são os motores de cilindros opostos horizontais, disposição conhecida como "boxer", normalmente em um número par e cuja contribuição para o rebaixamento do centro de gravidade é tradicionalmente muito bem explorada por Subaru e Porsche.

Configuração também bastante apreciada na aviação, é uma das melhores em termos de aproveitamento de espaço quando o motor é montado em posição longitudinal. A atenuação de vibrações também é uma característica a destacar num boxer.
E mesmo associada a uma imagem de sofisticação, acabou contribuindo para o grande sucesso de diversos modelos históricos da Volkswagen com motor traseiro. No caso da Brasília, o uso de uma ventoinha para refrigeração montada numa posição mais elevada acabou atrapalhando, mas na Variant livrou espaço para que 2 bagageiros pudessem ser disponibilizados devido à menor altura ocupada pelos cilindros "deitados" junto à ventoinha numa disposição axial.
Para o Fusca, pode-se considerar a disposição do motor no diminuto compartimento traseiro mais conveniente do que um motor de 4 cilindros em linha, tornando os componentes mais acessíveis para reparos e uma eventual manutenção preventiva, enquanto por exemplo no Karmann-Ghia a melhoria proporcionada ao centro de gravidade contribuía para as pretensões esportivas associadas ao elegante desenho da carroceria.

Voltando a exemplos motociclísticos, convém observar na Yamaha FZ6 com seus 4 cilindros em linha e cerca de 600cc e na Honda XL700V Transalp com 2 cilindros em V e 680cc a característica mais destacável proporcionada pela diferença na quantidade e disposição de cilindros: comparando os 97cv da FZ6 com os 60cv da Transalp nota-se que há uma sensível vantagem na potência, ainda que seja deslocada para faixas de rotação absurdamente superiores, e o mesmo ocorre com o torque ainda que a vantagem por sua vez seja menor, e a disponibilidade mais limitada do mesmo em baixos giros na FZ6 a torna menos atraente para percursos urbanos.

De um modo geral, pode-se deduzir que não há uma configuração absolutamente perfeita para atender às diferentes demandas que um veículo vá receber do usuário, restando portanto estabelecer as diretrizes prioritárias para escolher uma configuração de motor que melhor se adapte à proposta do veículo e às expectativas do consumidor...