Desde 2003, quando a Volkswagen introduziu o primeiro Gol TotalFlex, os motores bicombustível, hoje mais conhecidos como "flex", tornaram-se uma opção muito requisitada pelo consumidor brasileiro. A possibilidade de rodar tanto com etanol (álcool etílico) quanto com gasolina sem ficar refém das crises de desabastecimento que tiraram a credibilidade do combustível vegetal entre 1989 e 1990 é apontada como uma grande vantagem, no entanto para que isso fosse possível na atual geração de motores foram feitos alguns ajustes bastante precários, levando a prejuízos no funcionamento tanto com o álcool quanto com a gasolina...
A bem da verdade, o sistema "flex" não é uma inovação genuinamente brasileira: o Ford Modelo T, lançado em 1908 e produzido até 1927, quando o gerenciamento eletrônico ainda era visto como devaneio de ficção científica, tinha a opção por um carburador de difusor variável e com componentes internos niquelados para suportar a corrosibilidade do etanol de milho, conhecido nos Estados Unidos como "moonshine" e nos presídios brasileiros como "Maria Louca". O controle manual do avanço de ignição, por meio de uma das alavancas montadas atrás do volante (a outra acionava o acelerador) e que era essencial para manter a segurança durante o arranque do motor, também permitia uma maior precisão nos ajustes para operar com o combustível alternativo, visto que um adiantamento da ignição era desejável para superar a menor velocidade de propagação da centelha em meio ao etanol em comparação com a gasolina.
Há rumores que a intenção de Henry Ford ao projetar o Modelo T desejava fazê-lo movido exclusivamente a álcool, mas a limitada disponibilidade do produto tornou necessária a aptidão para operar com gasolina. A taxa de compressão baixíssima adotada para suportar a miserável octanagem (resistência à pré-ignição) da gasolina à época acabou levando a um sensível prejuízo na eficiência ao operar com o etanol...
Apenas 65 anos depois do fim de produção do Ford Modelo T que os veículos bicombustível, agora chamados "flexfuel" e enfatizando o uso do metanol (álcool metílico), ressurgiam comercialmente em 1992, com a Chevrolet Lumina APV. Já incorporava o gerenciamento eletrônico de ignição e injeção de combustível, como os atuais carros "flex" brasileiros, mas não beneficiou-se de nenhuma melhoria muito significativa à eficiência do processo de combustão visando otimizar o aproveitamento de características distintas entre os combustíveis. A própria auto-adaptatividade da injeção eletrônica e do avanço de ignição permitiriam uma redução na ocorrência de pré-ignição (a popular "batida de pino") ao operar com gasolina em taxas de compressão mais elevadas e direcionadas a um incremento na eficiência durante o uso do álcool, mas os engenheiros foram outra vez bastante conservadores mantendo uma taxa de compressão mais próxima à das versões regulares, ao considerar o uso mais freqüente com gasolina, que permanecia com uma disponibilidade mais garantida.
Já a sucursal brasileira da Chevrolet, que em 2004 seguindo o sucesso comercial da Volkswagen com os modelos TotalFlex introduziu o sistema Flexpower numa versão local do Opel Corsa também de forma bastante conservadora, hoje faz uso de taxas de compressão mais elevadas, num conceito que define como VHC (Very High Compression), amplamente usado em motores menores como o 1.4 Econo.Flex usado no Agile e o 1.0 Flexpower disponível nos modelos de entrada como o Celta e o Classic. No entanto, apesar do uso de sensores de detonação para promover um ajuste mais fino dos ciclos de injeção, e do volume menor das câmaras de combustão eventualmente ser apontado como mais tolerante ao uso de gasolina com taxas de compressão mais elevadas e um espectro menos amplo de ajustes no avanço de ignição, variações sazonais na quantidade de etanol obrigatoriamente misturado à gasolina brasileira levam à ocorrência mais intensa da pré-ignição, e por conseguinte um funcionamento mais áspero e com alguns "buracos" na aceleração...
Boas lições para um incremento na eficiência da atual geração de motores "flex" poderiam, ironicamente, partir de alguns automóveis importados que permanecem aptos a operar apenas com gasolina, como o Mini Countryman, que nas versões top de linha conta com um motor 1.6 equipado com turbocompressor e injeção direta. Considerando as possibilidades de se associar ao turbo um overbooster, e por conseguinte viabilizando um aumento na pressurização proporcionada à admissão de ar que pode ser controlado gradualmente em função do uso de álcool, gasolina ou ambos misturados em qualquer proporção, além do gás natural que também tem grande popularidade no mercado brasileiro e beneficia-se de altas taxas de compressão de forma até mais significativa que o etanol. Vale lembrar que o motor oferecido no crossover britânico é compartilhado com a Peugeot, que além de adotá-lo em alguns modelos feitos na Argentina como o 408 (recentemente introduzido no mercado venezuelano, onde o uso de gás natural tem sido fortemente estimulado), o oferece no esportivo RCZ, ao qual os acréscimos de potência e torque mediante o uso do etanol seriam bastante apreciados...
Já a injeção direta, por sua vez, além de incrementar a eficiência sob uma visão mais generalista ao viabilizar o uso de uma mistura ar/combustível mais pobre, proporciona mais suavidade na operação com gasolina mesmo com uma taxa de compressão mais intensa. Para o etanol, a vantagem mais notável desse sistema é uma maior rapidez na estabilização da marcha-lenta, sobretudo após a partida a frio, naturalmente mais complicada quando o combustível vegetal está em uso.
Embora possa parecer, à primeira vista, caro demais implementar turbo e injeção direta num carro "popular", como o Nissan March, nada impede que se possa aproveitar o fenômeno do downsizing e explorar as vantagens em segmentos superiores de mercado, como o disputado pelo Nissan Sentra, onde o valor agregado naturalmente mais alto pode diluir mais a percepção do acréscimo ao preço do veículo, ao menos enquanto prepara-se para ampliar a implementação dos dispositivos e ganhar na economia de escala...
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