A evolução tecnológica dos veículos automotores tem vários capítulos dignos de nota, e um dos mais relevantes atualmente envolve a eletrônica embarcada. Se na época dos nossos avós a simples presença de um primitivo rádio AM seria considerada um luxo, hoje quase todas as funções de um automóvel moderno contam com algum auxílio de sistemas eletrônicos cada vez mais complexos, para não citar os sistemas de "infotainment" como o iDrive da BMW ou o Sync da Ford. Até mesmo nos automóveis ditos "populares" mais simples disponíveis hoje no mercado brasileiro existem módulos com uma capacidade de processamento superior à de todos os computadores da Apollo XI ao menos para controlar a injeção eletrônica...
Impulsionada sobretudo nas décadas de 70 e 80 sob a influência de uma economia em choque devido às crises de desabastecimento de petróleo provocadas pelo revanchismo islâmico após sucessivas derrotas em guerras contra Israel, a eletrônica começou a ganhar espaço sob o capô motivada pela necessidade de conter o consumo de gasolina: inicialmente elementos de ignição como platinado e condensador - bem como o distribuidor posteriormente - passaram a perder espaço para sistemas de ignição por descarga capacitiva (o famoso CDI das motos Honda CG 125 Titan), também conhecida como ignição estática. Mais leves, compactos e eficientes, além de demandarem menos manutenção, atualmente é corriqueiro adaptar ignições estáticas mesmo em veículos antigos.
Já o carburador, no entanto, demorou mais tempo para ser considerado obsoleto: devido à maior capacidade de processamento requerida para obter respostas rápidas e manter o bom nível de dirigibilidade em comparação com um módulo de ignição que podia dispor de contatos elétricos mais simples, a injeção eletrônica encaminhava-se para a soberania apenas a partir de 1995 quando a plataforma de autodiagnóstico OBD-II passou a ser obrigatória para veículos comercializados nos Estados Unidos. A economia de escala passou a amortecer parte significativa do custo dos processos produtivos, abrindo caminho para massificar sistemas sem os quais hoje seria mais difícil cumprir rigorosas metas de controle de emissões, mesmo que alguns dispositivos de ação puramente mecânica como o turbocompressor possam apresentar resultados semelhantes, incorporando ou não o conceito do downsizing.
Durante a década de 90, ainda era comum o uso da injeção eletrônica monoponto, tanto pelo menor custo de produção quanto pela facilidade em implementar o sistema, visto que não eram requeridas alterações no coletor de admissão para a instalação de uma quantidade maior de bicos injetores como numa multiponto. Muitos sequer usavam sensor de oxigênio (a famosa "sonda Lambda") montado no coletor de escape para que fosse monitorado com mais precisão o processo de combustão e assim promovidos ajustes mais precisos em tempo real da quantidade de combustível injetado, levando o sistema a atuar praticamente como um carburador eletrônico. Para uma fase de transição, não era tão inadequado quanto possa hoje parecer.
Pode-se dizer que hoje a injeção eletrônica conquistou espaço mesmo onde o custo, simplicidade e volume físico contido são palavras de ordem. A miniaturização dos circuitos sem prejudicar a capacidade de processamento, que pode ser creditada principalmente ao desenvolvimento dos semicondutores, foi de extrema importância. Demandando menos energia para operar e proporcionando respostas mais diretas características de um sistema totalmente mecânico como os carburadores, bem como beneficiadas pela já citada economia de escala que reduziu o impacto do custo de produção no preço final do hardware, hoje até motocicletas de baixa cilindrada são oferecidas com injeção eletrônica. A maior simplicidade para efetuar regulagens, mesmo que para tanto sejam necessários equipamentos também eletrônicos, tem atraído usuários e mecânicos que passam a considerar a relação custo-benefício mais favorável.
Os câmbios automáticos também foram muito beneficiados pela eletrônica: com o sistema CVT, de variação contínua, o controle mais preciso do acoplamento ao motor, bem como a capacidade de identificar terrenos e a auto-adaptabilidade a diferentes estilos de condução, reforça ainda mais os benefícios desse tipo de câmbio para a economia de combustível até mesmo em comparação com uma transmissão manual.
Nos automáticos convencionais, também conhecidos como "hidramáticos", o gerenciamento eletrônico vem derrubando velhos preconceitos relacionados ao consumo: enquanto nos modelos mais antigos o deslizamento excessivo do conversor de torque justificava a má fama, hoje o bloqueio do conversor de torque (lock-up) e gerenciamento eletrônico do corpo de válvulas (elemento responsável pela troca das marchas, de acordo com a pressão hidráulica do sistema) tem levado modelos modernos a eventualmente igualarem ou superarem a eficiência de similares com câmbio manual. A maior adaptabilidade a diferentes condições de uso também contribui para melhorar a dirigibilidade, e também acaba por proporcionar alguma proteção ao próprio câmbio contra alguns abusos que poderiam acarretar danos mais severos aos componentes mecânicos...
No entanto, mesmo as vantagens trazidas pelo desenvolvimento da eletrônica levantam pontos polêmicos em torno do aspecto ecológico em comparação com modelos de concepção mais antiga: os processos industriais necessários para a fabricação de um circuito eletrônico e dispositivos controlados pelo mesmo acabam tendo um maior grau de complexidade. A reciclabilidade de componentes eletrônicos também é um ponto polêmico devido aos altos custos envolvidos, levando um descarte inadequado desse tipo de material a ser um tanto quanto corriqueiro. Vale destacar também que muitos veículos atuais, apesar do desenvolvimento de ligas metálicas e materiais plásticos mais leves, acabam tendo um peso muito superior ao de veículos antigos que se enquadrariam em classes similares, denotando um uso mais intenso de recursos naturais para a produção dos mesmos.
Atualmente, a eletrônica embarcada vem também sendo encarada como uma alternativa para aumentar a segurança. Nos freios, o sistema antitravamento ABS desempenha funções importantes no auxílio a frenagens de urgência, reduzindo o tempo e a distância necessários para o veículo parar com segurança, a ponto de estar agendado para tornar-se obrigatório no mercado brasileiro a partir de 2014. Até existem alguns sistemas ABS de ação totalmente mecânica, sem controles eletrônicos, mas estes acabam não tendo toda a adaptabilidade a diferentes terrenos e condições de pista, nem podem ser associados ao controle de tração e ao programa eletrônico de estabilidade (mais conhecido como ESP, do inglês Electronic Stability Program) que proporcionam margens de segurança mais amplas e são particularmente apreciados em veículos utilitários de grande porte devido ao centro de gravidade naturalmente mais alto nesses veículos.
Em alguns modelos notabilizados pela desenvoltura em terrenos hostis, a eletrônica também trouxe bons resultados. Muitos dos controles eletrônicos de tração atingiram níveis de sofisticação tão altos que, mesmo com o uso de pneus mais adequados a pavimentos de boa qualidade, preservam-se características dinâmicas dignas de alguns dos veículos fora-de-estrada mais destacados. O controle seletivo dos freios também acaba por dispensar sistemas mecânicos mais complexos incorporados ao diferencial para limitar o deslizamento ao trafegar por superfícies com pouca aderência...
Embora ainda desperte alguma desconfiança junto a operadores mais favoráveis a sistemas mais tradicionais com eficiência e durabilidade comprovadas, como no segmento estratégico-militar, consumidores civis tem aprovado o sistema em função da integração com outros dispositivos eletrônicos simplificar a operação e alguns serviços de manutenção preventiva.
Para alguns equipamentos especiais cujo motor opera de modo semelhante aos de automóveis e motocicletas, como motosserras, no entanto, ainda é difícil substituir o bom e velho carburador em função de tamanho e peso. Em aplicações estacionárias onde variações de altitude e pressão são menos habituais, o carburador também não chegou a ser abolido em função do custo inicial ainda ser menor e a manutenção poder ser feita com ferramentas mais simples, considerando que seria mais difícil transportar o equipamento até uma oficina caso seja necessário algum procedimento mais complexo...
Se antes parecia um mero devaneio, hoje a eletrônica consolidou uma posição de destaque no mundo automotivo que dificilmente irá perder algum dia...
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