domingo, 1 de janeiro de 2012

Câmbio automático: considerações sobre a dirigibilidade com esse equipamento

Hoje, em meio ao trânsito caótico mundo afora, um equipamento desenvolvido num período próximo à II Guerra Mundial e originalmente destinado a equipar tanques de guerra, facilitando o uso de uma .50 e um periscópio por parte do condutor, vem trazendo um pouco de paz e sossego aos motoristas: o câmbio automático.

Introduzido no mercado americano pela General Motors nas divisões Oldsmobile e Cadillac no fim de 1939 para os modelos de 1940, logo iniciou uma trajetória de sucesso, vindo a atingir segmentos menos sofisticados apenas a partir de 1950 com o lançamento da consagrada transmissão Powerglide, que apesar de ter apenas duas marchas ainda hoje é bastante apreciada em veículos de competição pela robustez e simplicidade.

Logo após a guerra, modelos da Oldsmobile passaram a ser a escolha de veteranos que voltavam com alguma deficiência física devido à facilidade para fazer adaptações. À época, os câmbios automáticos eram mais populares nos Estados Unidos, sob influência de uma antiga rejeição de grande parte dos consumidores a trocar marchas manualmente, fazendo com que optassem por motores grandes com uma ampla faixa de torque para manter marchas longas engrenadas por mais tempo, podendo apenas aumentar a aceleração ao invés de ter que ficar "caçando" marchas curtas. Com o câmbio automático, ficava mais fácil usar marchas mais adequadas às condições do terreno (topografia e pavimentação) e intensidade do tráfego. Inicialmente as marchas eram selecionadas no padrão P-N-D-L-R, em que P (Parking) era usado para imobilizar o veículo, N (Neutral) para manter o ponto-morto, D (Drive) para as marchas serem selecionadas automaticamente sem restrições, L (Low) para limitar às marchas com relações mais curtas e R (Reverse) para a marcha à ré, facilitando uma manobra em que se alternavam L e R para vencer pisos de baixa aderência ou algumas irregularidades no terreno, mas para evitar que se acionasse acidentalmente a marcha à ré acabou sendo adotado o padrão P-R-N-D-L, prevalente até os dias atuais...

A embreagem automática acabaria sendo uma opção mais apropriada aos motores menores predominantes nos automóveis europeus numa época em que os conversores de torque hidráulicos usados em câmbios automáticos eram pesados demais e o acoplamento através dos mesmos tinha uma precisão menor. Na prática, é no acoplamento motor-câmbio que começa a principal diferença entre um automático tradicional e os demais tipos de câmbio...

O conversor de torque, numa definição mais xucra, pode ser comparado a um par de hélices de ventilador dentro de um tubo lacrado e cheio de um óleo especial conhecido como ATF (Automatic Transmission Fluid - fluido para transmissão automática). Uma das hélices recebe força diretamente do motor, e ao movimentar o ATF faz com que a outra hélice, ligada ao eixo-piloto do câmbio, finalmente receba a força. A distância entre as hélices e a posição das respectivas palhetas é o que acaba definindo o quão eficiente vá ser o sistema e as faixas de rotação do motor em que o veículo iniciará a marcha, o popular stall (ou "estol"). Quanto mais próximas as hélices, menos deslizamento (slip), e mais direta a resposta ao acelerador. Em alguns câmbios mais modernos, as palhetas do conversor de torque podem variar o posicionamento, a ponto de em alguns casos quase fazer com que as hélices se toquem, chegando a manter o conversor de torque bloqueado como se o acoplamento fosse seco - função conhecida como "lock-up", que acaba facilitando a partida em aclives sem que o veículo recue ao iniciar a aceleração, o que pode ser perigoso em algumas circunstâncias...

Ao contrário de uma embreagem seca com acionamento automático, como vem sendo usado nos câmbios manuais automatizados (como o Easytronic usado pela Chevrolet, o I-Motion e o DSG da Volkswagen ou o Dualogic da Fiat), o conversor de torque acaba mantendo a potência de frenagem mais estável pois, enquanto a embreagem vá promover o desacoplamento assim que o motor se estabilizar na marcha-lenta, o conversor de torque mantém o acoplamento com alguma segurança, o que é particularmente útil em declives, demandando um uso menos intenso dos freios. Para ter a potência de frenagem maximizada, entretanto, é útil selecionar as marchas mais curtas no câmbio automático ao invés de manter em D. Alguns modelos da Toyota ainda costumam ter uma posição B (Braking) para aumentar a potência de frenagem e, no caso de modelos híbridos como o Prius (do qual o estimado amigo Nanael Soubaim é um entusiasta declarado), promover a recarga de baterias através da frenagem regenerativa.

Vale destacar que, mesmo em D, algumas ações do motorista provocam reações do câmbio automático, como se o próprio motorista estivesse a trocar as marchas. Uma das mais conhecidas é o kickdown, quando ao aumentar subitamente a aceleração o câmbio baixa uma marcha, visando o uso de uma marcha mais curta para retomar velocidade com mais vigor. Aliviar a aceleração em D, ainda que não seja de forma tão súbita, acaba proporcionando o efeito inverso, engrenando uma marcha mais longa. Logo, o kickdown em alguns momentos pode ser apontado como um dos fatores que acaba fazendo o consumo de combustível subir, sobretudo com motoristas menos experientes na condução de veículos equipados com câmbio automático convencional. Enquanto vão se adaptando à dirigibilidade diferenciada, alguns usuários conseguem médias de consumo significativamente mais contidas ao usar o modo de troca de marchas manual (popularmente conhecido como Tiptronic, desde que a Porsche introduziu o sistema na década de 90) quando disponível. A considerar a ergonomia dos comandos de troca de marcha manual, geralmente montados no volante, é mais confortável que ficar usando a alavanca - e até mais seguro, ao possibilitar que se mantenha as duas mãos no volante e manter o favorecimento à potência de frenagem pelo conversor de torque...

Um tipo de câmbio automático que acaba tendo menos problemas com o kickdown é o CVT (Continuous Variation Transmission), que ao invés de engrenagens e eixos usa polias de diâmetro interno e distância variáveis conectadas por uma ou mais correias, tendo apenas duas relações fixas mas sem posições de marcha pré-determinadas no intervalo entre as mesmas (ainda que alguns mais recentes simulem um modo manual). Desenvolvido por Hubert Van Doorne numa época em que a fábrica de caminhões holandesa DAF ainda produzia automóveis leves, acabava sendo mais adequado aos carros europeus da época por ser mais leve e ter o acoplamento por embreagem seca. Hoje vem sendo apontado como o tipo de câmbio mais eficiente, possibilitando médias de consumo de combustível ainda mais contidas que um câmbio manual. Inicialmente não era considerada tão resistente a altas faixas de torque, até começar o uso de correias metálicas em substituição às de borracha. Além da leveza, o custo de produção do hardware faz com que atualmente o CVT seja usado na quase totalidade das scooters, que normalmente dispensam os sistemas auxiliares de gerenciamento eletrônico. Entretanto, a potência de frenagem nesse tipo de câmbio não era das melhores...

Atualmente, a Nissan utiliza o CVT em vários modelos, como o crossover Murano, que nunca foi equipado originalmente com um câmbio manual. Houve até uma época que, ao anunciar o câmbio X-Tronic CVT, era mencionada uma potência de frenagem superior a um automático tradicional proporcionada pelo avançado gerenciamento eletrônico incorporado.

Na prática, é possível melhorar as médias de consumo de combustível num veículo com câmbio automático ao se conhecer as reações mais usuais nesse tipo de equipamento...

4 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Caríssimo, a estima é recíproca.
Eu tentei pesquizar um tipo novo de CVT, mais simples e barato, mas esbarrou no mesmo problema que me fez abandonar o câmbio hidramatico que tinha idealizado: a completa falta de verba.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

Tem alguns vídeos no YouTube que mostram uns câmbios CVT caseiros, sem a sofisticação da eletrônica. Eu até fico meio tentado a montar um, mas a questão da resistência ao torque é o que acaba me preocupando um pouco mais até do que o custo.

Xracer disse...

Excelente e muito esclarecedor texto !

Valeu !

Dieselboy sa Maynila disse...

Me gusta cambiar, aun que el embrague sea inconveniente en el tráfico de Manila.

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